Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3777/17.0T8VFR.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS COMPLEMENTARES
FACTOS SUPERVENIENTES
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
ARTICULADO SUPERVENIENTE
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspeto ou vertente dos factos essenciais em que o autor estriba a pretensão deduzida não gera o vício de ineptidão da petição inicial.

II. Relativamente ao autor, permite o artigo 588º, do Código de Processo Civil, que a alegação superveniente de factos constitutivos, se destine a completar a causa de pedir inicial, como implique uma efetiva alteração ou modificação da causa de pedir, sendo a superveniência critério bastante para afastar as restrições fixadas nos artigos 264º e 265º, do mesmo código.

III. Não tendo a autora alegado na petição inicial, como fundamento dos pedidos de indemnização das alegadas benfeitorias e de reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel em causa, formulados  nos termos dos artigos 1129.º, 1138.º, nº 1 e 1273.º, 754 e 755º, nº 1, al. e), todos do Código Civil, factos evidenciadores da  cessação da relação jurídica emergente do invocado contrato de comodato, impõe-se considerar suprida essa falta  de alegação pela invocação de tais factos em sede de articulado superveniente, à luz do disposto   nos artigos 5º, nº 2, b), 588º, nºs 1 a 3, e 611º, todos do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


***




I. Relatório

1. AA instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e mulher, CC, pedindo a condenação destes réus a pagar-lhe a quantia de € 102.706.62, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento, e que se reconheça que a mesma beneficia de direito de retenção sobre o dito imóvel.

Alegou, para tanto e em síntese, que reside e habita numa casa, propriedade dos réus, seus pais, por comodato sem prazo e que, entre 2012 e 2015, face ao estado degradado do referido imóvel, realizou várias obras de manutenção e conservação, as quais foram autorizadas e requeridas pelos réus junto do órgão licenciador, tendo sido ela a suportar o custo dessas obras.

2. Os réus apresentaram contestação-reconvenção. sustentando, no essencial, que não existe qualquer contrato de comodato, porquanto a autora ocupou a casa em referência em virtude da sua relação de parentesco com os réus, por mero favor destes, exercendo sobre a mesma apenas um poder de facto, a título de mera detentora precária; o pedido de licenciamento por parte dos réus não teve qualquer relação com as obras invocadas nos autos, visando antes a realização de obras de alteração da casa na parte exterior, como foi a supressão de uma porta e o alargamento de uma janela; não tiveram conhecimento das obras realizadas pela autora, porquanto esta nunca os informou de que as iria realizar nem lhes pediu qualquer autorização para o efeito, não tendo, por isso, qualquer responsabilidade pelo custo das mesmas; com a ocupação da casa, a autora causou aos réus prejuízos correspondentes, no mínimo, ao seu valor locativo mensal de € 300,00, obtendo um enriquecimento sem causa à custa destes.

Concluíram pela improcedência da ação e pediram que a autora fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 108.000,00 pelo prejuízo causado, bem como uma indemnização, a liquidar posteriormente, pela deterioração da casa em razão da sua ocupação indevida.

3. Na decorrência de incidente de intervenção principal provocada, o Banco Comercial Português S.A. (BCP), como associado dos réus/reconvintes, veio alegar que sobre o imóvel em causa incidia uma penhora registada à ordem do processo executivo n.° 4674/17...., no âmbito do qual a aqui autora deduziu reclamação de créditos com base nos fundamentos invocados na presente ação e que intentou ação contra os aqui réus com vista ao ressarcimento do seu crédito, no montante de global € 12.494,91.

4. Depois de já ter sido convocada audiência prévia para apreciar a ineptidão da reconvenção, a autora apresentou articulado superveniente no qual veio alegar que, posteriormente à instauração da ação, licitou o prédio em leilão eletrónico pelo valor de € 121.693.40 e depositou a quantia de € 18.986.78, correspondente ao preço excedente ao crédito que tinha reclamado na ação executiva, tendo-lhe sido adjudicado o imóvel pela agente de execução.

Assim e com vista a obter título executivo que sirva de base àquela reclamação de crédito, requereu a alteração do pedido inicial no sentido de:

- Serem condenados os réus a pagar-lhe a quantia de € 102.706.62, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento;

- Ser reconhecido que a autora beneficia em garantia do pagamento de tal crédito, com preferência relativamente a qualquer outro credor, incluindo o interveniente BCP e da penhora realizada no processo executivo n.° 4674/17...., do direito de retenção sobre o imóvel em causa, agora, após a sua venda e transmissão na referida execução, sobre o produto dessa venda.

5. Com data de 19.03.2019, foi proferido despacho que admitiu este articulado superveniente, nos termos do disposto no nº 4 do art. 588º, do CPC.

6. Subsequentemente, foi realizada nova audiência prévia, após o que, em 27.09.2019, foi proferido despacho saneador que, apreciando a ineptidão da petição inicial e da reconvenção, decidiu:

i) - Julgar a petição inicial inepta nos termos do disposto no art.° 186.°, n.° 1 e 2, al. a) e b), do CPC e, em consequência, absolver os réus da instância;

ii) - Julgar a reconvenção inepta nos termos do disposto no art.° 186.°. n.° 1 e 2. al. b), ex vi do art.° 266.°, n.° 1 e 2. al. a), do CPC e, em consequência, absolver a reconvinda da instância reconvencional.

7. Inconformada com esta decisão, na parte que julgou inepta a petição inicial e absolveu os réus da instância, dela apelou a autora para o Tribunal da Relação ..., que por acórdão proferido em 08.09.2020, decidiu, por unanimidade, julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

8. Novamente inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso de revista, a título excecional, para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem apenas na parte em que não respeitam à admissibilidade do recurso de revista, a título excecional:

« (…)

E) O Acórdão recorrido julgou, erradamente, improcedente a apelação e assim confirmou a decisão de primeira instância que pôs termo à causa absolvendo os réus da instância por ineptidão da petição inicial e nulidade de todo o processo.

Efectivamente,

F) Factologia atinente a extinção/cessação/termo da relação jurídica no âmbito da qual as benfeitorias foram realizadas não vem sequer elencada ou referida enquanto requisito nas normas dos artigos 1273.º e 1274.º do Código Civil, que preveem os direitos do benfeitorizante relativamente às benfeitorias que haja efectuado, implicando não se tratar de factos principais de qualquer espécie, mesmo não essenciais, mesmo só complementares ou concretizadores, inexistindo qualquer falta de causa de pedir conducente à ineptidão da petição inicial e nulidade de todo o processo e à absolvição da instância. Tanto assim que

G) Nos Acórdãos, transitados em julgado, proferidos no processo 401/13.4T2AND do Juiz 1 do Juízo Central Cível de Aveiro do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, do Supremo Tribunal de Justiça de 08-11-2018, do Tribunal da Relação do Porto de 08-03-2019 e do Supremo Tribunal de Justiça de 20-11-2019 (Acórdãos que se juntam), julgou-se existir direito a indemnização por benfeitorias sem que da base factual integrada pelos factos provados (não constando também dos não provados) conste nenhuma menção a uma qualquer extinção/cessação/termo da relação jurídica de detenção entre o proprietário do bem e o seu detentor. Pelo que

H) Logo assim o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento de direito e violação das normas legais dos artigos 1273.º e 1274.º do Código Civil e dos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, a), 278.º, n.º 1, b), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, b), do Código de Processo Civil. E,

I) Mesmo que a factologia atinente a extinção/cessação/termo da relação  jurídica de detenção entre o proprietário do bem e o seu detentor fosse integradora de factos principais (de que natureza forem: essenciais, complementares ou concretizadores) fundante de pretensão de créditos de benfeitorias, o Acórdão recorrido obnubilou por completo a norma legal do n.º 1 do artigo 777.º do Código Civil e a faculdade dela resultante para o comodatário, devedor da restituição do  bem comodatado, de o poder restituir a todo o tempo e assim exonerando-se da obrigação de restituição e assim extinguir/cessar/terminar o comodato, podendo como tal valer a instauração da presente acção e consequente citação dos réus, só não havendo efectiva restituição do imóvel por força do direito de retenção da aqui autora comodatária garante do crédito das benfeitorias realizadas. Assim,

J) Também por esta via inexiste qualquer falta de causa de pedir conducente à ineptidão da petição inicial e nulidade de todo o processo e à absolvição da instância, tendo o Acórdão recorrido incorrido, pois e assim, em erro de julgamento de direito e violação das normas legais dos artigos 777.º, n.º 1, do Código Civil e dos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, a), 278.º, n.º 1, b), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, b), do Código de Processo Civil. Por outro lado,

K) Quando muito - no que não se concede, atento o supra alegado - o que poderia então (no momento da petição inicial) suceder era a falta de um requisito de procedência do pedido de indemnização por benfeitorias e assim um facto integrador da causa de pedir, não essencial, mas complementar. Só que

J) Se os direitos peticionados poderiam ser então (no momento da petição inicial) inexigíveis, dever-se-á atender aos factos jurídicos mais actuais e à circunstância mesmo e até de a obrigação eventualmente inexigível no momento da propositura da acção se tornar exigível posteriormente e o réu dever ser então condenado a satisfazê-la, como se impõe por força da penhora do imóvel benfeitorizado no processo executivo 4674//17.... do Juízo de Execução ... do Tribunal Judicial da Comarca ... datada de 24/01/2018, da venda executiva do imóvel e ao registo de tal aquisição em 19/10/2018, como alegado em 28-02-2018 na réplica da autora com requerimento de intervenção principal provocada do exequente com penhora em tal execução e interveniente réu na acção dos presentes, o Banco BCP, S.A., e admitido por Douto Despacho de admissão da réplica e da intervenção principal provocada aí requerida e confessado na contestação do Interveniente Réu BCP S.A., pelo articulado superveniente de 01-02-2019 e pelo requerimento de resposta a tal articulado superveniente na sequência do Despacho de admissão de tal articulado superveniente. Pois

K) Se o direito a benfeitorias emerge com a reivindicação do bem que ataca e põe em causa aquele direito, forçosamente terá que emergir, de igual modo, em caso de penhora em processo executivo e venda no mesmo do bem benfeitorizado, por de igual modo se atacar e por em causa tal direito a benfeitorias, pois é também do direito de propriedade que se está a dispor ainda que não voluntariamente mas coactivamente (revertendo o produto da venda para a esfera patrimonial do titular do bem) e tal tem como contradireito, também nesse caso, o direito a benfeitorias.

Aliás,

L) Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-03-2010 proferido no processo 554-C/1999.P1 em que foi relator o Excelentíssimo Senhor Juiz Desembargador Henrique Antunes, «(…) A venda executiva opera a extinção, designadamente, dos direitos pessoais de gozo – como, por exemplo, o direito do comodatário ou do depositário – e, bem assim, dos direitos reais de gozo de terceiro – o direito de propriedade, de usufruto, de uso e habitação, de superfície, de servidão e o direito real de habitação periódica - que se tenham constituído ou, caso estejam sujeitos a registo, que tenham registo posterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia (artº 824 nº 2 do CC) (…)» - in www.dgsi.pt. De facto,

M) Assim é e terá de ser, pois, à luz do disposto nos artigos 584.º e seguintes e 588.º e seguintes, e sobretudo do n.º 2 do artigo 588.º, do Código de Processo Civil, qualquer pretenso vício de ausência de alegação de factos atinente à factologia da extinção da relação comodatícia, ficou sanado, com os já referidos actos processuais da réplica com pedido de intervenção principal provocada do Banco BCP, exequente a referida acção executiva, de 28-02-2018, com o Douto Despacho subsequente datado de 24-04-2018 que a admitiu e assim ao menos implicitamente deu por sanado qualquer suposto vício de tal jaez, pelo articulado superveniente de 01-02-2019 e pelo requerimento de resposta a tal articulado superveniente, bem como pelo Despacho de admissão do articulado superveniente. Sendo assim que

N) O pretenso vício invocado na Decisão recorrida já antes fora sanado, pelo que na Decisão recorrida não podia ter sido conhecido, nos termos do estatuído no art. 196.º, 1.ª parte, do Código de Processo Civil, em cuja violação a Decisão recorrida, decidindo como decidiu, assim também incorreu. Acresce que,

O) Nos termos dos artigos 610.º, n.º 1 e 611.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, deve-se atender aos factos jurídicos constitutivos mais actuais e à circunstância mesmo e até de a obrigação eventualmente inexigível no momento da propositura da acção se tornar exigível posteriormente e o réu dever ser então condenado a satisfazê-la, como se impõe por força da penhora do imóvel benfeitorizado no processo executivo 4674//17.... do Juízo de Execução ... do Tribunal Judicial da Comarca ... datada de 24/01/2018, da venda executiva do imóvel e ao registo de tal aquisição em 19/10/2018, normas legais que o Acórdão recorrido também olvidou por completo e em cuja violação assim também incorreu. Ademais,

P) Mesmo a existir uma qualquer eventual ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir nos termos do artigo 186.º, n.º 2, a), Código de Processo Civil - no que não se concede -, a verdade é que os réus contestaram interpretando convenientemente a petição inicial tendo o autor replicado à contestação-reconvenção e às excepções nesta mesma deduzidas equivalendo tal à sua audição, pelo que, ex vi n.º 3 do artigo 186.º do Código de Processo Civil, norma legal obnubilada e violada pelas instâncias e também assim pelo Acórdão recorrido, um tal hipotético vício de ineptidão da petição inicial por falta da causa de pedir (conducente à nulidade do processo e à absolvição da instância) se tem que ter forçosamente como sanado.

Q) Isto a par da violação das normas legais do Código de Processo Civil que, conferindo alguma flexibilidade e dinâmica à estrutura do processo, já não encarado como puramente, estático, rígido e inflexível, prescrevem excepções (que a Decisão recorrida olvidou) ao princípio da estabilidade da instância (na Decisão recorrida invocada em termos errados), como as dos artigos 564.º, b) [alteração do objecto e dos sujeitos da acção antes da citação], 584.º e seguintes e 588.º e seguintes [introdução de factualidade superveniente na causa nos articulados normais ou supervenientes] e 265.º [alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo], bem como do próprio artigo 260.º que prevê em si mesmo a possibilidade de tais excepções. Acresce que

Q) Já no que tange ao referido supra em 3 segmento de suposta ineptidão da petição inicial constante da Decisão recorrida - «por outro lado, a autora alegou que realizou obras no imóvel, elencou-as, porém não alegou qualquer matéria de facto que permita a sua integração no conceito e benfeitorias necessárias ou úteis e, no caso destas últimas, da verificação da situação estatuída no n.º 2, do art. 1273.º, do Código Civil (com a exigência, pacífica na jurisprudência, de ter havido oposição do dono). Tais factos são essenciais e, como tal, não são susceptíveis, sequer, de convite ao aperfeiçoamento (cfr. art. 598.º, n.º 3 e 4, a contrario, do CPC)» -, crê-se que só por mero lapso nesses termos se pode ter julgado.

Com efeito,

R) Não se vê como possa considerar-se - como erradamente ou talvez por lapso se fez na Decisão recorrida e sobre o que o Acórdão recorrido não se pronunciou por ser matéria prejudicada pela questão nele decidida - não ter sido alegada qualquer matéria atinente ao conceito de benfeitorias necessárias, quando pela própria natureza das obras realizadas no imóvel identificadas em 3.º a 10.º da petição inicial e pela própria alegação constante dos artigos 3.º e 11.º da petição inicial resulta que as mesmas se destinaram a resolver e a atalhar à situação de vetustez e degradação de o imóvel e a evitar a sua deterioração sendo de manutenção e conservação do mesmo, de modo que se encontra assim preenchida a factispecie legal de benfeitorias necessárias prevista nos artigos 216.º, n.ºs 1, 2 e 3, 1.ª parte e 1273.º, n.º 1, do Código Civil, aí se estatuindo o direito a ser indemnizado do seu valor. Assim,

S) Tais normas, a par com a do artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, a), do Código de Processo Civil – pois que não se verifica também neste conspecto qualquer ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir -, resultaram pois violadas de forma crassa. Como assim,

T) O mesmo se dirá relativamente à matéria atinente ao conceito de benfeitorias úteis, pois quer pela própria natureza das obras realizadas no imóvel identificadas em 3.º a 10.º da petição inicial quer pela própria alegação constante dos artigos 3.º e 11.ºdapetição inicial resulta que das mesmas adveio um maior valor ao imóvel correspondente no mínimo ao seu próprio custo, pelo que se encontra preenchida, para o caso de não serem necessárias, a factispecie legal de benfeitorias úteis, prevista nos artigos 216.º, n.ºs 1, 2 e 3, 2.ª parte e 1273.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. Por conseguinte,

U) Tais normas a par com a do artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, a), do Código de Processo Civil – pois que não se verifica também neste âmbito qualquer ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir -, resultaram pois ostensivamente violadas. Ademais,

V) Se é certo que, nos termos do n.º 2 do artigo 1273.º do Código Civil, o direito a indemnização por benfeitorias úteis depende ainda de as mesmas não poderem ser levantadas ou não o poderem ser sem detrimento da coisa e ainda o seu quantum ser aferido nos termos do enriquecimento sem causa. Ora,

W) A verdade é que, atenta a sua natureza tal como constante da descrição dos artigos 3.º a 11.º da petição inicial, bem como a própria alegação constante do artigo 11.º da petição inicial, onde se diz expressamente que as benfeitorias em que as obras se traduzem «não podem ser retiradas sem detrimento do bem», está cumprida a alegação atinente a tal factispecie legal.

X) Com efeito, «Pretendendo o autor das benfeitorias ser indemnizado pecuniariamente, deve alegar e demonstrar, para além dos valores do seu empobrecimento (e correlativo enriquecimento do proprietário), que o levantamento das benfeitorias provocará detrimento na coisa principal, como facto constitutivo do seu direito (artº 342º, nº 1)» – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-03-2019 proferido no processo 401/13.4T2AND.P1 em que foi relator o Excelentíssimo Senhor Juiz Desembargador Amaral Ferreira -, não se vislumbrando, neste conspecto, qualquer pressuposto ou requisito de que o titular do bem se oponha ao levantamento das benfeitorias úteis para haver lugar a indemnização pelas mesmas. Ainda que assim não fosse,

Y) A verdade é que os réus pais da autora e ora recorrente, titulares do imóvel, manifestaram na sua contestação discordância e oposição a qualquer direito de benfeitorias da autora e ora recorrente, fosse de indemnização, fosse de levantamento das mesmas, pelo que, a assentar-se na necessidade de um tal requisito de oposição do proprietário do bem ao levantamento das benfeitorias úteis pelo benfeitorizante para que haja lugar a direito de indemnização das mesmas, no que não se concede, sempre o mesmo estaria verificado. Ademais,

Z) Também consta do vertido no artigo 11.º da petição inicial que as obras em que as benfeitorias se traduzem «trouxeram um maior valor ao imóvel, correspondente, no mínimo, ao próprio custo das benfeitorias» que já vinha descriminado nos precedentes artigos 3.º a 10.º da petição inicial, o que mais não significa que o valor do imóvel antes das obras foi incrementado pela realização destas num valor equivalente pelo menos ao custo das mesmas, de modo que também este requisito, atinente ao enriquecimento sem causa, do direito à indemnização do benfeitorizante no caso de benfeitorias úteis, previsto no art. 1273.º, n.º 2, do Código Civil, está efectivamente alegado. Assim,

AA) Tal norma, a par com a do artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, a), do Código de Processo Civil - pois que não se verifica também neste âmbito qualquer ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir -, resultou, também, pois e assim, ostensivamente violada. Acresce que,

BB) Se acaso fosse de concluir por uma qualquer insuficiência na densificação ou concretização de aspectos ou vertentes dos factos principais da causa de pedir, no que não se concede, tal jamais geraria vício de ineptidão, apenas podendo implicar a improcedência no plano de mérito, se porventura a aqui autora não aproveitasse as oportunidades de beneficia para fazer adquirir processualmente os factos substantivamente relevantes, complementares ou concretizadores dos alegados, por hipótese originalmente não bastante densificados, mormente nos termos do artigo 590.º, n.ºs 2, b), 3 e 4, do Código de Processo Civil - cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal      de Justiça de 26-03-2015 proferido no processo 6500/07.4TBBRG.G2.S2 em que foi relator o Venerando Senhor Juiz Conselheiro Lopes do Rego, in www.dgsi.pt. De modo que

CC) De modo que tanto a primeira como a segunda instância, decidindo como decidiram, ao invés de selecionar para a matéria de facto e assentar na matéria alegada nos artigos 26.º e 27.º da réplica da autora de 28-02-2018 e nos artigos 2.º a 8.º do articulado superveniente da autora de 01-02-2019 e admitir as alterações dos pedidos aí formuladas em consequência e desenvolvimento dos primitivos, de convocar audiência prévia nos termos do artigo 591.º ou proferir o despacho previsto no artigo 593.º, n.º 2, identificar o objecto do litígio e enunciar os temas da prova nos termos do artigo596.º, todos do Código de Processo Civil, fazendo os autos seguir para instrução e julgamento, como deve agora determinar-se em revogação e remédio da Decisão recorrida, incorreram, a par com a violação das supra elencadas normas legais substantivas, em violação destas normas legais adjectivas acabadas de referir por último, bem como das normas legais dos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, a), 278.º, n.º 1, b), 564.º, b), 584.º e seguintes e 588.º e seguintes, 260.º, 196.º, 1.ª parte, e 590.º, n.ºs 2, b), e 4, do Código de Processo Civil.

DD) Tal entendimento e interpretação das normas supra referidas é imposto pelos princípios da economia processual (nenhum sentido faria não fazer adquirir processualmente nos presentes autos os factos postos em causa na Decisão recorrida para vir futuramente a instaurar outra acção com fundamento nos mesmos) e do pro actione, afigurando-se entendimento e interpretação diversa de tais normas inconstitucional por violação do princípio pro actione e do direito à tutela jurisdicional efectiva, ínsitos no direito de Acesso ao Direito e aos Tribunais previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. Aliás,

EE) Não se tendo pronunciado sobre as questões elencadas na antecedente conclusão, o Acórdão recorrido incorreu em nulidade por omissão de pronúncia e deverá assim o Meritíssimo Tribunal da Relação proceder ao suprimento da mesma, nos termos e ao abrigo dos artigos 615.º, n.º 1, d), 617.º e 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil».

Termos em que requer a revogação do acórdão recorrido

9. Os réus responderam, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem apenas na parte que aqui releva:

« (…)

36) Pelo que, atento tudo quanto foi exposto, o Recurso interposto deve ser rejeitado pelo Meritíssimo Tribunal ad quem por manifesta inadmissibilidade – o que se requer.

Sem prescindir, por mera cautela,

Quanto à invocada violação da lei e sua errada aplicação:

37) Salvo melhor opinião, o Douto Acórdão proferido pelo Douto Tribunal ad quo, objeto de recurso, é de manter integralmente porque decidiu com acerto e aplicando corretamente a Lei e para cujo conteúdo remete e subscreve integralmente.

38) As Alegações de Recurso ora apresentadas carecem totalmente de fundamento fáctico e de Direito, conforme já referido supra, e são a expressão do mero inconformismo da Recorrente com o Acórdão recorrido, o que só por si, não pode justificar a interposição de recurso de revista excepcional, razão pela qual não deverá o Recurso apresentado merecer qualquer provimento.

39) Em primeiro lugar, alega a Recorrente que o facto atinente à “extinção da relação jurídica” (designadamente no referente à existência de cessação do alegado contrato de comodato, fundante do direito de indemnização) não corresponde a factos principais integradores do núcleo essencial da causa de pedir, mas antes a factos meramente complementares, uma vez que esse facto não vem elencado nos requisitos previstos nos artigos 1273.º e 1274.º do Código Civil.

40) Determina o artigo 1273.º do Código Civil que o direito à indemnização só existe quando tiver havido a cessação da relação jurídica, v.g., quando o comodante tiver requerido a entrega da coisa ou invocar a resolução do contrato por ocorrência de causa fundadora do exercício do direito de resolução.

41) Salvo melhor opinião, é manifesta a falta de fundamento do recurso apresentado pela Recorrente, isto porque, tendo a mesma alegado/recorrido, no que tange ao Recurso de Apelação apenas, no que respeita à questão da extinção da relação jurídica, alegando que não se trata de um facto essencial, mas nada tendo recorrido/alegado a propósito da invocada obrigação de entrega que fundamenta essa extinção (aceitando nos autos do processo que essa entrega não foi pedida nem nunca aconteceu), o Recurso ora apresentado carece totalmente de fundamento fáctico, pelo que terá necessariamente de improceder – o que se requer.

42) Além disso, a pretensão deduzida na presente Ação pela Recorrente – conforme afirmou o Douto Tribunal de 1ª instância e a Relação ..., no seguimento do entendimento unânime na doutrina atinente ao direito a ser indemnizada pelas alegadas benfeitorias feitas no prédio – pressupõe obrigatoriamente e só podia e pode ser exercida, quando o proprietário do imóvel, onde as benfeitorias estão implantadas, reivindica triunfantemente a coisa, sendo como que um contra direito, relativamente à pretensão reivindicatória (cfr. como referem Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil Anotado, volume III, 2ª edição, p. 43).

43) Também neste sentido, unanimemente, a jurisprudência: Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/05/1977 in Coletânea Jurisprudência, ano II, pp. 546-547: “a indemnização por benfeitorias que não podem levantar-se sem detrimento da coisa, como resulta claro do disposto no artigo 1273.º, n.º 2 do Código Civil, destina-se a evitar um enriquecimento sem causa, à custa do possuidor que é obrigado a entregar a coisa benfeitorizada. Sem obrigação de entrega não haverá, pois, o direito a indemnização, como implicitamente se pressupõe na economia do disposto nos arts. 1273.º a 1275.º do Código Civil”; Acórdão do TRE de 03/11/2016, processo n.º 1294/13.7TBLGS.E1: “As benfeitorias são intervenções realizadas na coisa por quem não é dela proprietário, apurando-se o valor delas quando cessa a relação do benfeitorizante com a coisa” e Acórdão do STJ de 27/09/2012, processo n.º 1696/08.0TBFAR.E1.S2: “Sendo o comodatário equiparado ao possuidor de má fé quanto às benfeitorias úteis, uma vez cessado o contrato de comodato, tem direito a levantamento dessas benfeitorias que puderem ser separados do prédio, sem detrimento deste, isto é, sem dano permanente, irreparável ou dificilmente reparável do prédio”.

44) Trata-se de um direito de natureza creditória em que o instituto de enriquecimento sem causa é aplicável apenas para o cálculo do montante indemnizatório.

45) A causa de pedir na presente Ação, nos termos em que é formulada pela Recorrente, por aplicação das regras alegadamente previstas para o possuidor de má-fé, nos termos do artigo 1273.º do Código Civil ex vi do artigo 1138.º, n.º 1 do mesmo diploma, é o desapossamento do bem, onde as invocadas benfeitorias estão implantadas e não podem ser levantadas, sem o detrimento desse mesmo bem.

46) Ora, conforme resulta dos Autos, a Recorrente não alegou a cessação do contrato de comodato, designadamente pela entrega do bem lhe ter sido requerida pelos Recorridos, nem alegou qualquer outro facto motivador da obrigação de entrega, muito pelo contrário, a Recorrente alegou sucessivamente nos autos que a relação de comodato estava vigente e não se havia extinguido, residindo a mesma no imóvel em causa, facto que alegou em sede de Petição Inicial e que veio também reiterar em sede de Recurso de Apelação (cfr. artigo 1.º da Petição Inicial onde é referido que “A A. reside e habita numa casa dos RR”, e artigo 7.º das Alegações de Recurso de Apelação onde consta que “foi até abordada na petição inicial, no sentido de que a relação de comodato se mantinha e não havia se extinguido residindo e habitando a autora e ora recorrente o imóvel comodatado”).

47) Para a Recorrente ter direito a ser indemnizada pelas alegadas benfeitorias feitas no prédio, tinha de alegar e provar a obrigação de entrega do imóvel benfeitorizado ou, pelo menos, que a entrega do imóvel tivesse sido anteriormente pedida e não concretizada.

48) Sem obrigação de entrega, não há direito de indemnização, como determina os citados artigos 1273.º e 1275.º do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 1138.º do mesmo diploma legal, sendo esse um facto essencial, expressamente previsto, estabelecendo a lei, quanto a estes, um claro ónus de alegação a cargo da Recorrente e a existência de preclusão quando os mesmos não são invocados no momento processual devido, como ocorre no caso.

49) Para a Recorrente ter direito a ser indemnizada pelas eventuais benfeitorias feitas no prédio, tinha de alegar e provar a obrigação de entrega do imóvel benfeitorizado ou, pelo menos, que a entrega do imóvel tivesse sido anteriormente pedida e não concretizada.

50) Sem obrigação de entrega, não há direito de indemnização, como pressupõe os citados artigos 1273.º e 1275.º do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 1138.º do mesmo diploma legal.

51) Conforme se encontra articulada a presente ação, e em virtude de não se encontrar alegado e/ou formulado o pedido de entrega e/ou existência da obrigação de entrega do imóvel, que a Recorrente diz ter sido benfeitorizado, o pedido de indemnização formulado por esta tinha e tem sempre que necessariamente improceder, conforme decidido pelo Douto Tribunal de 1ª instância e confirmado pelo Tribunal da Relação ....

52) Ora, conforme resulta dos Autos, os Recorridos nunca alegaram que solicitaram à Recorrente a entrega do imóvel, onde alegadamente estão implantadas as invocadas benfeitorias, nem esta alegou qualquer facto motivador de uma obrigação de entrega, conforme, aliás, reconhece nas suas alegações de recurso de apelação, em completa contradição com o Recurso ora interposto, pelo que o recurso apresentado carece totalmente de fundamento e terá necessariamente de improceder.

53) Contudo, ainda se dirá por hipótese que a partir do momento em que a Recorrente adquire o imóvel alegadamente benfeitorizado esse imóvel, conforme decorre do articulado superveniente, tal aquisição englobou, necessariamente, as invocadas benfeitorias nele implantadas e, portanto, já não existe, nem poderá existir qualquer obrigação de entrega desse imóvel, pois que, em virtude de tal aquisição, a alegada relação da benfeitorizante com a coisa não cessou, nem poderá cessar.

54) Em segundo lugar, e salvo o devido respeito, daquilo que se depreende, com alguma dificuldade das confusas alegações da Recorrente é que a mesma alega que se o direito a benfeitorias emerge da reivindicação do bem, então, por força da penhora e venda em processo executivo do bem, o vicio de ausência de alegação de factos essenciais atinentes à extinção da relação de comodato, ficou sanado implicitamente, inexistindo, assim, a invocada ineptidão da petição inicial.

55) Entende o Recorrido que a alegação formulada pela Recorrente carece totalmente de fundamento fáctico e de direito, na medida em que o invocado contrato de comodato, à data da instauração da ação, foi sustentado pela Recorrente como vigente, a Recorrente no articulado superveniente manteve essa alegação, não justificou a alteração da configuração da ação e não invoca ou alega, nesse articulado, quaisquer factos atinentes à extinção da relação de comodato por força da penhora e venda em processo executivo do bem, muito pelo contrário, a Recorrente, nada alega a esse propósito.

56) Além disso, e conforme refere a Douta Sentença, os pedidos formulados pela Recorrente são totalmente incompatíveis com a causa de pedir, na medida em que o invocado contrato de comodato, à data da instauração da ação, é sustentado como vigente e o articulado superveniente não justifica a alteração da configuração, na medida em que a penhora realizada sobre o imóvel foi realizada já após a instauração da ação, pelo que nesse momento (e mesmo, aquando da citação dos réus, de acordo com o já citado princípio da estabilidade da instância), inexistia qualquer fundamento, alheio à Recorrente, para a cessação do alegado comodato.

57) Acresce que, estando em causa factos essenciais, que constituem a causa de pedir (art.º 5.º, n.º 1, do mesmo Código), está afastada a possibilidade de intervenção oficiosa do  Tribunal, quanto aos factos essenciais nucleares (ou principais) — os que constituem a causa de pedir ou que fundam as exceções deduzidas — relativamente aos quais é-se integralmente aplicável o princípio do dispositivo (ou seja, não sendo aplicável o disposto no n.º 4, do art.º 590.º, do Código de Processo Civil, porque o juiz não pode convidar a parte a suprir a falta de alegação de factos essenciais).

58) Por último, alega ainda a Recorrente que, pela própria natureza das obras alegadamente realizadas no imóvel, referidas na Petição Inicial (e que segundo o que aí alega se destinavam a evitar a deterioração do imóvel, sendo obras de manutenção e conservação) encontra-se preenchida a factispecie legal de benfeitorias necessárias, e também de benfeitorias úteis.

59) Ora, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do CC, incumbe a quem invoca o direito a indemnização por realização de benfeitorias, o ónus de provar as características das obras efetuadas com vista à respetiva qualificação, à luz do disposto no citado artigo 216.º, bem como a possibilidade de remoção das benfeitorias úteis sem detrimento da coisa benfeitorizada, para os efeitos do disposto no artigo 1273.º do CC.

60) Salvo melhor opinião, a Recorrente alegou que realizou obras no imóvel, elencou-as, porém não alegou qualquer matéria de facto concreta que permita a sua integração no conceito de benfeitorias necessárias ou úteis e, no caso destas últimas, da verificação da situação estatuída no n.º 2 do artigo 1273.º, do Código Civil, com a exigência, pacífica na jurisprudência, de ter havido oposição do dono (sendo certo que a alegação e prova deste facto incumbe exclusivamente à Recorrente e não ao Recorridos não podendo, desta forma, a mesma suprir tal falta).

61) Sendo tais factos, factos essenciais, não são suscetíveis, sequer, de convite ao aperfeiçoamento (cfr. artigo 598.º, n.º 3 e 4, a contrário, do CPC).

62) Aliás, a jurisprudência tem sido inequívoca no sentido de ocorrer falta da causa de pedir, compreendida no sentido referenciado (de falta de alegação de factos essenciais), e de não ser admissível o convite ao aperfeiçoamento (cfr., por todos, Ac. Relação de Évora, 08-10-2015, proc. n.º 855/12.6TBSLV.E1).

63) Neste sentido, também Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º1289/12.8TBACB.C1: “Nas benfeitorias necessárias – que são as que se dirigem à conservação da coisa benfeitorizada, isto é, a obviar à sua perda, destruição ou deterioração – o possuidor tem o direito a ser indemnizado, o que no caso, na medida em que o valor das benfeitorias não pode exceder o valor do benefício ao tempo da entrega da coisa, não significa o mesmo que reembolso nominal (actualizado) do seu custo. 2 - Nas benfeitorias úteis – que são as que, apesar de dispensáveis, aumentam o valor objectivo da coisa – o possuidor é admitido a levantá-las se o puder fazer sem detrimento da coisa principal; e, quando não haja lugar a tal levantamento, deve ser satisfeito segundo as regras do enriquecimento sem causa, o que significa que o despendido funciona apenas como limite máximo, tendo, porém, o proprietário que pagar tão só (dentro de tal limite máximo) o valor que as benfeitorias aportam para a coisa. 3 - Significa tudo isto, para ser processualmente reconhecido um crédito por benfeitorias, que têm que estar reunidos (alegados e provados) elementos factuais que permitam classificá-las como necessárias ou úteis; que permitam estabelecer o custo de cada uma delas, o valor que cada uma das despesas acrescentou à coisa e a medida do seu benefício no momento actual (data da entrega).

64) Pelo que, atendendo ao que se deixou supra exposto, deverá o Meritíssimo Juiz ad quem julgar necessariamente improcedente o Recurso de revista ora formulado, nos termos e com os fundamentos supra alegados».

 

10. Tendo falecido o réu BB em 10.11.2020, foram habilitados, como seus sucessores universais, a ré CC, cônjuge sobrevivo, e a sua filha AA e respetivo cônjuge DD, conforme decisão de 30/09/2021 proferida no apenso do incidente de habilitação.

 

11. Remetido o processo à Formação de Juízes, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 672º, nº 3 do CPC, por esta Formação foi, em 17 de novembro de 2021, proferido acórdão a admitir a revista interposta a título excecional.


12. Após os vistos, cumpre apreciar e decidir.


***


II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, as questões a decidir consistem em saber se:

1ª- ocorre o vício de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir;

2ª- o acórdão recorrido enferma da nulidade, por omissão de pronúncia. 


***



III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto

Dos elementos constantes dos autos, resultam provados os seguintes factos: 

1. AA instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e mulher, CC, pedindo a condenação destes réus a pagar-lhe a quantia de € 102.706.62, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento e que se reconheça que a mesma beneficia, por isso, de direito de retenção sobre o dito imóvel.

Alegou, para tanto e em síntese, que reside e habita numa casa, propriedade dos réus, seus pais, por comodato sem prazo e que, entre 2012 e 2015, face ao estado degradado do referido imóvel, realizou as obras de manutenção e conservação discriminadas nos artigos 3 a 10 da petição inicial, que foram autorizadas e requeridas pelos réus junto do órgão licenciador, tendo sido ela a suportar o custo dessas obras, no montante total de € 102.706.62.

2. Os réus contestaram, por impugnação, sustentando, no essencial, que a autora ocupou a casa em referência em virtude da sua relação de parentesco com os réus e por mero favor destes e que não tiveram conhecimento das obras realizadas pela autora, não tendo, por isso, qualquer responsabilidade pelo custo das mesmas.

E, alegando que, com a ocupação da casa, a autora causou aos réus prejuízos correspondentes, no mínimo, ao seu valor locativo mensal de € 300,00, obtendo um enriquecimento sem causa à custa destes, deduziram reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar-lhes a quantia de € 108.000,00 pelo prejuízo causado, bem como uma indemnização, a liquidar posteriormente, pela deterioração da casa em razão da sua ocupação indevida por parte da autora.

3. Na decorrência de incidente de intervenção principal provocada, o Banco Comercial Português S.A. (BCP), como associado dos réus/reconvintes, veio alegar que sobre o imóvel em causa incidia uma penhora registada à ordem do processo executivo n.° 4674/17...., no âmbito do qual a aqui autora deduziu reclamação de créditos com base nos fundamentos invocados na presente ação e que intentou ação contra os aqui réus com vista ao ressarcimento do seu crédito, no montante de global € 12.494,91.

4. Depois de já ter sido convocada audiência prévia para apreciar a ineptidão da reconvenção, a autora apresentou articulado superveniente no qual alegou que, posteriormente à instauração da ação, licitou o prédio em leilão eletrónico pelo valor de € 121.693.40 e depositou a quantia de € 18.986.78, correspondente ao preço excedente ao crédito que tinha reclamado na ação executiva, tendo-lhe sido adjudicado o imóvel pela agente de execução.

Em consequência disso e com vista a obter título executivo que sirva de base àquela reclamação de crédito, requereu a alteração do pedido inicial no sentido de:

- Serem condenados os   réus a pagar-lhe a quantia de € 102.706.62, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento;

- Ser reconhecido que a autora beneficia, em garantia do pagamento de tal crédito, com preferência relativamente a qualquer outro credor, incluindo o interveniente BCP e da penhora realizada no processo executivo n.° 4674/17...., do direito de retenção sobre o imóvel em causa, agora, após a sua venda e transmissão na referida execução, sobre o produto dessa venda.

5. Com data de 19.03.2019, foi proferido despacho que admitiu este articulado superveniente, nos termos do disposto no nº4 do art. 588º, do CPC.

6. Subsequentemente, foi realizada nova audiência prévia, após o que, em 27.09.2019, foi proferido o despacho saneador que decidiu:

i) - Julgar a petição inicial inepta nos termos do disposto no art. 186º, nº 1 e 2, al. a) e b), do CPC e, em consequência, absolver os réus da instância;

ii) - Julgar a reconvenção inepta nos termos do disposto no artº 186º, nº 1 e 2. al. b), ex vi do artº 266º, nº 1 e 2. al. a), do CPC e. em consequência, absolver a reconvinda da instância reconvencional.


*


Factos aditados:

Em desenvolvimento dos factos descritos sob os nºs 4 e 5, ao abrigo do preceituado no art. 607º, nº4, 2ª parte, aplicável por via da sucessiva remissão dos arts. 663º, nº 2 e 679º, do CPC, considera-se ainda assente que:

7. No articulado superveniente, requereu ainda a autora a que os factos por ela alegados nos artigos 2º, 3, 4º, 5º, º, 7º e 8º, fossem dados por assentes e levados aos factos provados na sentença.



***



3.2. Fundamentação de direito


3.2.1. Da ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir.


Em face da pretensão de indemnização por benfeitorias alegadamente realizadas pela autora no imóvel por ela habitado no âmbito de um pretenso contrato de comodato, considerou o Tribunal de 1ª Instância, em sede de despacho saneador, que não se encontravam alegados os factos essenciais "nucleares" ou "principais" estruturantes da causa de pedir no respeitante à cessação dessa relação jurídica e à caracterização das obras "elencadas" como benfeitorias necessárias ou úteis, pressupostos de facto tidos por indispensáveis à constituição do direito invocado nos termos dos artigos 216º, 1138º, nº. 1 e 1273º, do CC.

Mais sustentou que a alegação da vigência do contrato de comodato era incompatível com tal pedido, na medida em que este supunha precisamente a extinção, por algum modo, daquela relação jurídica, considerando irrelevante, para esse efeito, o invocado facto superveniente da penhora do imóvel em causa, no âmbito do processo executivo nº. 4674/17.....

Nesta base, ali se concluiu pela verificação da falta de causa de pedir e pela contradição/incompatibilidade entre o pedido e a própria alegação da vigência do contrato, vícios que seriam insupríveis por via de aperfeiçoamento, implicando, portanto, a ineptidão da petição inicial, determinativa da absolvição dos réus da instância, tal como se decidiu.


Por sua vez, o Tribunal da Relação, em linha convergente com o assim ajuizado, confirmou aquela decisão com a seguinte fundamentação, que se transcreve apenas quanto aos segmentos mais relevantes:

« (…)

Ingressando agora no âmago do caso, verifica-se que a autora pede a condenação dos réus no pagamento da quantia de 102.706.626, acrescida de juros de mora bem como o reconhecimento de que beneficia, em garantia do pagamento de tal crédito, de direito de retenção sobre o imóvel que identifica.

Alega para o efeito, em síntese, que reside nesse imóvel, propriedade dos réus, que são seus pais, em virtude de um comodato sem prazo. Que, entre 2012 e 2015, face ao estado degradado do referido imóvel, procedeu à realização de várias obras de manutenção e conservação, autorizadas e solicitadas pelos réus junto do órgão licenciador. Que a dita quantia lhe é devida a título de benfeitorias.

(…)

De acordo com o disposto no artigo 1138°, n.° 1, do C. Civil, o comodatário é equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má-fé.

E estatui o artigo 1273° do C. Civil que: "1. Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. 2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.'

Assim visto o enquadramento jurídico percebe-se que a pretensão da autora ao crédito por benfeitorias realizadas no imóvel tem um núcleo factual em torno da existência do contrato de comodato, da realização das benfeitorias, mas também da cessação do comodato, condição da indemnização pelas benfeitorias.

Ora, relativamente a esta base factual alusiva ao termo do contrato a petição é completamente omissa.

Com efeito, o direito a indemnização por benfeitorias não se confunde com o reembolso das respectivas despesas.

Como comentam Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, III, págs. 42 e 43: "nos termos do art. 479° (objecto da obrigação de restituir), a indemnização há-de corresponder ao valor daquilo que o titular tiver obtido à custa do empobrecido. A medida da   restituição continua, pois, a estar sujeita àqueles dois limites - o do custo, que neste caso consistirá em regra no empobrecimento do possuidor, e o do enriquecimento do titular do direito (valor actual)."

Esta indemnização só tem sentido quando se verifica o desapossamento, ou seja, quando aquele que incorporou valor na coisa tiver de abrir mão dela.

Como se disse o comodato ou tem estipulado um prazo ou o comodatário só será obrigado a restituir a coisa quando tal lhe for exigido.

Não se mostra alegada a factualidade referente ao termo do comodado, factualidade esta essencial para configurar a pretensão formulada.

A exigência da restituição tem de ser reportada à parte da relação jurídica para qual vai ingressar o bem valorizado pois é em relação a esta que se dá o enriquecimento. A penhora do imóvel num processo executivo não consta da petição inicial e, além disso, é completamente estranha ao objecto do processo aí configurado, não tendo, patentemente, qualquer virtualidade de representar uma exigência de restituição no contrato de comodato.

Não estamos perante meras imprecisões ou lacunas de exposição dos factos, mas perante uma substanciação imperfeita, uma deficiência estrutural da causa de pedir. Vale, assim, dizer que existe omissão de um núcleo essencial da causa de pedir e que, por isso, a petição inicial é inepta, como se ajuizou no despacho recorrido


Discordando deste entendimento, que acaba por confirmar a decisão da 1ª Instância exclusivamente com base no fundamento da ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir decorrente da falta de alegação da cessação da relação jurídica emergente do invocado contrato de comodato e na irrelevância, para tanto, do também invocado facto superveniente da penhora do imóvel em causa no âmbito do processo executivo n.° 4674/17...., sustenta a recorrente que:

- contrariamente ao entendido pelas instâncias, a cessação da relação jurídica emergente do invocado contrato de comodato, não se apresenta como um facto essencial, constitutivo do invocado direito ao ressarcimento do valor das benfeitorias pretendido, pois que tal factologia não vem sequer elencada ou referida enquanto requisito nas normas dos arts. 1273º e 1274º, do C. Civil, que preveem os direitos do benfeitorizante relativamente às benfeitorias que haja efetuado, assumindo, antes, a natureza de factos complementares ou concretizadores, tal como acontece com a alegada falta de pormenorização das benfeitorias;

- mesmo que se considerasse  tais factos como sendo essenciais, as instâncias  não tiveram em conta a faculdade, resultante da norma legal do nº 1 do art. 777º, do C. Civil, do comodatário, devedor da restituição do bem  comodatado, o poder fazer a todo o tempo, exonerando-se da obrigação de restituição e assim extinguir/cessar /terminar o comodato, devendo valer, como tal, a instauração da presente ação  e consequente citação, só não havendo efetiva restituição do móvel por força do direito de retenção da aqui autora comodatária garante do crédito das benfeitorias realizadas;

- mesmo admitindo ocorrer ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir nos termos do artigo 186º, nº 2, a). CPC, este vício sempre seria de considerar sanado por força do disposto no nº 3 deste mesmo artigo, visto resultar claro da contestação dos réus que os mesmos interpretaram convenientemente a petição inicial, sendo certo que, tendo o autor replicado à contestação-reconvenção e às exceções nesta mesma deduzidas, tal equivaleria à sua audição. E seria ainda de considerar sanado, nos termos do estatuído no art. 196º, 1ª parte, do CPC, uma vez que a ausência de alegação de factos atinentes à extinção da relação comodatícia, foi colmatada pelos atos processuais da réplica com pedido de intervenção principal provocada do Banco BCP, exequente na ação executiva em que a casa benfeitorizada foi executada, penhorada e vendida,  pelo despacho que admitiu a intervenção  deste banco, pelo articulado superveniente  deduzido pela autora  e pelo despacho de 19.03.2019, transitado em julgado,  e que  o admitiu;

- por força do disposto nos  arts 610º, nº 1 e 611º, nº 1, do CPC, as instâncias estavam  obrigadas a atender aos  factos jurídicos constitutivos mais atuais e, por isso, à circunstância  de  a obrigação, eventualmente inexigível no momento da propositura da ação, se ter tornado, exigível posteriormente por força da penhora do imóvel benfeitorizado e subsequente venda no processo executivo 4674/17.... em 24.01.2018, e ao registo de tal aquisição em 19.10.2018, uma vez que com esta venda extinguiu-se o invocado contrato de comodato, conforme o disposto no art. 824º, nº 2, do C. Civil.

Mais argumenta que a interpretação normativa perfilhada no acórdão recorrido contraria os princípios da economia processual e do pro actione, assim como o direito à tutela jurisdicional efetiva.


São, assim, três as questões suscitadas pela recorrente e que consistem em saber se:  

i) ocorre o vício de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, como tal, insuprível e determinativa da absolvição dos réus da instância, ou se ocorre apenas um vício de petição meramente deficiente suscetível de aperfeiçoamento ou de sanação ulterior, à luz das disposições conjugadas dos artigos 5º, nºs 1 e 2, alínea b), 7º, nº 2, 186º, nºs 1, 2, alínea a), e 3, 552º, nº 1, alínea d), e 590º, nºs 1. 2, alínea b), e nº 4, do CPC;

ii)  a factualidade alegada pela autora na petição inicial é de molde a preencher e definir o quadro ou o núcleo factológico identificativo da causa de pedir correspondente ao pedido formulado de indemnização das alegadas benfeitorias, em especial, no respeitante à cessação da relação jurídica emergente do invocado contrato de comodato, tida pelas instâncias como essencial, nos termos dos artigos 1138º, nº 1, e 1273º do C.Civil em conjugação com os artigos 5º, nº 1, 186º, nºs 1 e 2, a), e 552º, nº l, d), do CPC;

iii) - não obstante isso, se deve considerar preenchido aquele quadro factológico em virtude do invocado facto superveniente da penhora e subsequente venda executiva do imóvel no âmbito do processo executivo n.° 4674/17...., à luz do disposto nos artigos 5º, nº 2, b), 588º, nºs 1 a 3, e 611º,  do CPC.


3.2.1.1. Vejamos, então, se deve subsistir a solução jurídica adotada para o litígio no acórdão recorrido, para o que importa definir, ainda que em traços gerais, o modo como se encontra estruturada a causa de pedir na ação declarativa.


Sabendo-se, tal como resulta do disposto nos arts. 3º, nº 1 e 581º, nºs 3 e 4, ambos  do CPC, que o objeto da ação reside na pretensão que o autor pretende  ver tutelada e que a identificação do direito que se pretende fazer valer em juízo consubstancia-se  não só através  do seu próprio conteúdo e objeto ( o pedido)  como por meio  do ato ou fato jurídico  que se considere  que lhe deu origem ( causa de pedir), bem se compreende  que o art. 552.º, nº 1, al. d),  do  mesmo código,  faça recair sobre o autor o dever  de  « expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção».

Está em causa a denominada teoria da substanciação que assume assento no nosso ordenamento jurídico e que exige sempre a indicação do título em que se fundamenta o direito firmado pelo autor.

De realçar ainda, neste domínio, que a  causa de pedir pode-se desdobrar, analiticamente, em duas vertentes: uma factualidade alegada, que constitui  o respetivo substrato factual, designada, na doutrina, por causa de pedir remota e uma vertente normativa significante na perspetiva do pedido formulado, designada por causa de pedir próxima, não necessariamente adstrita  à qualificação dada pelo autor, mas delineada  no quadro das soluções  de direito plausíveis em função do pedido formulado, nos latos termos permitidos ao tribunal, em sede de enquadramento jurídico, ao abrigo do preceituado no art. 5º, nº 3, do CPC [2]

Por outro lado, e assentando o nosso sistema jurídico no princípio do dispositivo, consagrado no art. 5.º, nº 1, do CPC, é sobre o autor, que invoca a titularidade de um direito, que cabe fazer a alegação dos «factos essenciais que constituem a causa de pedir».

Mais problemática é, porém, no que respeita ao substrato factual da causa de pedir, o que se deve entender por “factos essenciais” e estabelecer a diferença entre estes e os «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado», previstos no nº 2, al. b) do citado art. 5º.

Para Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[3], factos essenciais são todos aqueles sem os quais a ação não poderá proceder.

Adotando um conceito mais restritivo de factos essenciais, considera Miguel Teixeira de Sousa[4] que, enquanto estes permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação (ou na exceção), os factos complementares são os indispensáveis à procedência dessa ação (ou exceção) mas que não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada.

Já Lopes do Rego[5], analisando o art. 264.º do Código de Processo Civil de 1961 tal como resultou da revisão de 1995-1996 (a que corresponde o atual art. 5.º, nºs 1 e 2), opera uma distinção, no seio da categoria daqueles que apoda de factos substantivamente relevantes, entre factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir e os factos complementares ou concretizadores do mencionado núcleo factual.

E pese embora considerar que os factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir deverão ser alegados em articulado formal, admite, contudo, a possibilidade de tal articulado ser apresentado na sequência de um convite ao aperfeiçoamento da matéria alegada por qualquer uma das partes, mesmo na (então) audiência preliminar.

É que, para este autor, a distinção entre o que sejam factos que integram ao núcleo essencial da causa de pedir e os que assumem a natureza de factos complementares ou concretizadores desse núcleo não pode fundar-se em considerações de cariz puramente conceitual, tendo antes que ver com a concretização de um princípio fundamental de adequação e proporcionalidade na aplicação dos ónus, preclusões e cominações. Trata-se, « no fim de contas, de isentar a parte de um desproporcionado efeito preclusivo, emergente de não ter perspectivado, no momento próprio, certa realidade factual como substantivamente relevante para a composição da lide, parecendo manifestamente inadequado que um lapso ou omissão, muitas vezes no limiar da desculpabilidade (tanto assim que também escapou ao juiz, que não formulou oportuno convite ao aperfeiçoamento na fase de saneamento e condensação...), acabe por determinar uma materialmente injusta composição do litígio.» .

Nesta mesma linha, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa[6], distinguem entre factos essenciais nucleares, que identificam ou individualizam o direito em causa, e factos essenciais complementares que, não desempenhando tal função, revelam-se imprescindíveis para que a ação proceda por assumirem natureza constitutiva do direito alegado.

E pese embora entenderem que tais factos deverão ser vertidos na petição inicial, defendem que a eventual incompletude no cumprimento desse ónus relativamente a factos complementares ou concretizadores dos inicialmente alegados não tem efeitos preclusivos, já que os factos omitidos podem ainda ser introduzidos nos autos, seja através de um aperfeiçoamento (art. 590º, nº4), seja em face do que resulte da instrução [ art. 5º, nº 2, al. b)].

Assim, para estes autores, enquanto as faltas de indicação, na petição inicial, dos factos essenciais nucleares tornam este articulado inepto, nos termos do disposto no art. 186º, nº 2. al. a), do CPC, a falta de indicação de algum ou alguns factos essenciais complementares, torna apenas a petição deficiente ou insuficiente, a carecer de convite ao aperfeiçoamento que permita suprir as falhas da exposição ou da concretização da matéria de facto.

E neste mesmo sentido vem-se pronunciando a jurisprudência, afirmando-se no Acórdão do STJ, de 26.03.2015 (processo nº 6500/07.4TBBRG.G2.S2)[7], que a «A ineptidão da petição inicial  (…) supõe que o A. não haja definido factualmente o núcleo essencial da causa de pedir invocada como base da pretensão que formula, obstando tal deficiência a que a acção tenha um objecto inteligível» e que a «mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos  factos essenciais em que se estriba  a pretensão deduzida (implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, omite a densificação, ao nível tido por adequado à fisionomia do litígio, de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial) não gera o vício de ineptidão, apenas podendo implicar a improcedência, no plano do mérito, se o A. não tiver aproveitado as oportunidade de que beneficia para fazer adquirir processualmente os factos substantivamente relevantes, complementares ou concretizadores dos alegados, que originariamente não curou de densificar em termos bastantes».

Cientes de que nem sempre é fácil fazer a distinção entre as duas categorias de factos, vejamos, então, se no caso dos autos, a autora alegou, na petição inicial, os factos estruturantes da causa de pedir  por ela invocada como fundamento do efeito jurídico que a mesma pretende obter com a presente ação, ou seja, a condenação dos réus no pagamento da quantia de €102.706,62€, correspondente ao valor das benfeitorias realizadas no bem imóvel comodatado, propriedade dos réus [al. a) da petição inicial]  e o reconhecimento  de  que a mesma beneficia em garantia do pagamento de tal crédito, com preferência relativamente a qualquer outro credor e com carácter de direito real e assim com sequela, de direito de retenção sobre o sobredito imóvel [al. b) da petição inicial].

E a este respeito, diremos, desde logo, que, ainda que se reconheça  algumas deficiências  na exposição dos factos pertinentes, afigura-se-nos, contrariamente ao afirmado pelas instâncias,  que a alegação feita pela autora  na petição inicial de que  habita, há mais de 30 anos, numa casa  que os pais lhe emprestaram, na qual  realizou, entre os anos de 2012 a 2015 e as expensas suas, as obras destinadas a evitar a deterioração do imóvel, que discrimina nos artigos  3.º a 10.º da petição inicial,  e nas quais  despendeu os valores aí também referidos, permite  identificar a causa de pedir invocada não só em termos  de definir o quadro ou o núcleo factológico, mas também de  divisar o quadro normativo aplicável, ou seja, o disposto nos  arts. 1129º, 1138º, nº 1 e 1273º, todos do Código Civil, constituindo já a base factual mínima para alicerçar o pedido formulado de indemnização das alegadas benfeitorias.

E se é certo nada ter a autora alegado no respeitante à cessação da relação jurídica emergente do invocado contrato de comodato, tida pelas instâncias como essencial, nos termos dos citados artigos 1138º, nº 1, e 1273º, do C. Civil em conjugação com os artigos 5º, nº 1, 186º, nºs 1 e 2, a), e 552º, nº l, d), do CPC, certo é também, na nossa maneira de ver, que tais factos revestem  a natureza  de factos essenciais complementares, pelo que a sua falta de alegação apenas constitui, no caso vertente,  uma mera  deficiência de alegação, suscetível de ser suprida, mediante convite  à autora, ao aperfeiçoamento  do respetivo articulado, ao abrigo do disposto nos arts. 7º, nº 2 e 590º, nº 2, al. b) e nº 4, ambos do CPC.    

De realçar que, apesar do poder de iniciativa do juiz de convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados ser, de algum modo, discricionário, sempre se dirá que, inspirada como está a nossa lei processual civil no princípio da cooperação judiciária proclamado no citado art. 7º e dada a maior latitude que, atualmente, a mesma confere ao suprimento de factos essenciais à procedência da ação, como se alcança do preceituado nos citados arts. 5º, nº 2, al. b) e 590º, nº 2, al. b) e nº 4, um tal poder não deverá ser omitido nos casos em que a prevalência de razões de ordem formal sobre o conteúdo substancial da petição, ainda que imperfeitamente expresso, acaba por remeter as partes, desnecessariamente, para a propositura de uma nova ação[8].

Mas a verdade é que, no caso dos autos, o Tribunal de 1ª Instância  não só não efetuou um convite  ao aperfeiçoamento da petição inicial, como, não obstante ter admitido o articulado superveniente apresentado pela autora,  não equacionou a possibilidade de os novos factos alegados neste articulado poderem constituir sanação do denunciado vício de petição meramente deficiente, à luz das disposições conjugadas dos arts 5º, nºs 1 e 2, alínea b), 7º, nº 2, 186º, nºs 1, 2, alínea a), e 3, 552º, nº 1, alínea d), e 590º, nºs 1. 2, alínea b), e n.° 4, todos do CPC.

Assim sendo e porque o acórdão recorrido, seguindo a mesma linha de entendimento do Tribunal de 1ª Instância, confirmou  a existência do vício de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, sem também equacionar essa possibilidade, impõe-se-nos indagar, se, à luz do disposto nos artigos 5º, nº 2, b), 588º, nºs 1 a 3 e 611º do CPC, no caso dos autos se deve considerar preenchido o quadro factológico descrito na petição inicial em virtude dos factos novos invocados pela autora através do referido  articulado superveniente, ou seja, da ocorrência da  superveniente da penhora e subsequente venda executiva do imóvel no âmbito do processo executivo n.° 4674/17.....

E a este respeito, diremos, desde logo, que a nossa resposta não pode deixar de ser afirmativa.

Senão vejamos.

O art. 588º do CPC, distingue, nos articulados supervenientes, o articulado posterior, que deve ser oferecido na própria fase dos articulados, porque a superveniência objetiva ou subjetiva verifica-se ainda nessa fase, e o novo articulado, que é apresentado fora da fase dos articulados. 

Fundamental, num e noutro caso é, tal como decorre dos nºs 1 e 4 do art. 588º e dos nºs 1 e 2, do art.  611º, ambos do CPC, que os factos a alegar como supervenientes sejam factos essenciais, isto é, «factos constitutivos, modificativos e extintivos», que «segundo o direito substantivo aplicável» tenham «influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida», quer por constituírem a causa de pedir, quer por ancorarem as exceções deduzidas pelo réu. 

Na verdade, conjugando-se intimamente  com a regra estabelecida no art. 611º, do CPC, de acordo com a qual  a sentença deverá tomar em consideração todos os factos constitutivos, modificativos  ou extintivos do direito  que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo a que a decisão corresponda  à situação existente  no momento do encerramento da discussão,   e  porque tais factos supervenientes à propositura da ação hão-de  ser introduzidos  no processo mediante alegação da parte a quem aproveita, permite o art. 588º, do CPC, que as partes aleguem tais factos, supervenientemente,  em articulado posterior ou em novo articulado.

De salientar, neste campo, que a doutrina[9] vem admitindo, de forma cada vez mais pacífica, a possibilidade de através de articulado poder ser invocada uma nova causa de pedir fora das condições prescritas   nos arts. 264º e 265º, do CPC, ou seja, sem as limitações impostas nestes artigos.

Com efeito, já  na vigência do CPC/96, Miguel Teixeira de Sousa[10] admitia essa possibilidade, dando como exemplo uma ação de  reivindicação da propriedade sobre uma coisa com base em contrato de compra e venda, em que tornando-se o autor, durante a pendência da causa, herdeiro do alegado vendedor, podia o mesmo, nesta situação,  invocar este novo título sucessório, não estando tal alteração da causa de pedir baseada em factos supervenientes sujeita às condições exigidas pelo, então,  art. 273º (a que corresponde o atual art. 265º do CPC).

Subjacente a esta solução da não limitação da alegação factual permitida em articulado superveniente ao disposto nos arts. 264º e 265º, do CPC, está o entendimento de que, nos casos de superveniência de factos, devem prevalecer os princípios da economia processual[11]  e da verdade material, a consideração de que o art. 588º do CPC teria alcance quase nulo se a sua normatividade fosse reduzida à possibilidade de alegação de factos que completassem a causa de pedir já invocada  e, ainda, como referem, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[12], a inexistência de qualquer referência no preceito aos limites estabelecidos  no art. 265º  (como acontece no art. 590º, do CPC).

Daí, nesta mesma linha de entendimento, defenderem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa[13],  relativamente  ao autor, que os factos constitutivos cuja alegação superveniente se prevê neste art. 588º, «tanto podem destinar-se a completar a causa de pedir inicial, como podem implicar uma efetiva alteração ou modificação da causa de pedir».

Na verdade, radicando a razão de ser  na superveniência dos factos, ou seja, em  factos objetiva e subjetivamente supervenientes[14] e sendo a alternativa à modificação da causa de pedir a propositura de nova ação, temos por certo, que  razões de economia processual aconselham à solução propugnada, sem que,  como sublinha Nuno Andrade Pissarra[15], «o dever de respeito de uma disciplina processual seja prejudicado, porque se está perante um facto sobre o qual, por virtude da superveniência, a disciplina não pode atuar».

E o mesmo vale dizer quanto ao princípio da verdade material, pois não há dúvida que  esta solução está também em perfeita sintonia  com o  propósito da lei ao  estabelecer,  no art. 611º, nº 2 do CPC,  que o conteúdo da sentença deve ser definido de modo a corresponder «à situação existente  no momento do encerramento da discussão», por forma a, como referem  Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa[16], «levar o mais longe possível o intuito de assegurar a atualidade  da sentença, no sentido da sua adequação à realidade existente na situação submetida  a juízo».

Fundamental é, como já se deixou dito, que os factos supervenientemente alegados se mantenham no âmbito da mesma relação controvertida. 

Ora, revertendo ao caso dos autos, verifica-se, por um lado, ter a autora formulado, no pedido primitivo:

i)  a condenação dos réus no pagamento da quantia de €102.706,62€, correspondente ao valor das benfeitorias realizadas no bem imóvel comodatado, propriedade dos réus [al. a) da petição inicial]  e

ii)  o reconhecimento de que a mesma beneficia em garantia do pagamento de tal crédito, com preferência relativamente a qualquer outro credor e com carácter de direito real e assim com sequela, de direito de retenção sobre o sobredito imóvel [al. b) da petição inicial],

Como fundamento destes pedidos invocou o disposto nos arts. 216º, 1273º, 754º e 755º, nº 1, al. e), todos do C. Civil e alegou que habita, há mais de 30 anos, numa casa  que os pais lhe emprestaram, na qual  realizou, entre os anos de 2012 a 2015 e as expensas suas, as obras destinadas a evitar a deterioração do imóvel, que discrimina nos artigos  3.º a 10.º da petição inicial,  e nas quais  despendeu os valores aí também referidos, sem, porém,  nada ter alegado no respeitante à cessação da relação jurídica emergente do invocado contrato de comodato.

Por outro lado, no articulado superveniente já admitido, alegou que o imóvel em causa foi penhorado no processo executivo n.° 4674/17.... que corre termos no Juízo de Execução ... e que, no âmbito da venda aí ordenada, licitou este mesmo prédio em leilão eletrónico pelo valor de € 121.693.40 e depositou a quantia de € 18.986.78 correspondente ao preço excedente ao crédito que tinha reclamado na ação executiva, tendo-lhe sido adjudicado o imóvel pela agente de execução.

E, em consequência disso e com vista a obter título executivo que sirva de base àquela reclamação de crédito, requereu a alteração do pedido inicial no sentido de:

i) - serem condenados os réus   a pagar-lhe a quantia de € 102.706.62, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento;

ii) - ser reconhecido que a autora beneficia em garantia do pagamento de tal crédito, com preferência relativamente a qualquer outro credor, incluindo o interveniente BCP e da penhora realizada no processo executivo n.° 4674/17...., do direito de retenção sobre o imóvel em causa, agora, após a sua venda e transmissão na referida execução, sobre o produto dessa venda.

Mas se assim é, evidente se torna que a causa de pedir num e noutro pedido é precisamente a mesma, reportando-se, num e noutro caso, à indemnização das alegadas benfeitorias e ao reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel em causa por via da cessação da relação jurídica emergente do invocado contrato de comodato, nos termos dos arts. 1129º, 1138º, nº 1 e 1273º, 754º e 755º, nº 1, al. e), todos do Código Civil, pelo que não há dúvida de que a invocação dos factos superveniente da penhora e subsequente venda executiva do imóvel no âmbito do processo executivo n.° 4674/17...., contém-se  nos limites  da  relação jurídica controvertida inicial.

E se é certo a autora não ter alegado, no pedido primitivo, quaisquer factos evidenciadores da cessação da relação jurídica emergente do invocado contrato de comodato, a verdade é que este contrato extinguiu-se com a aquisição, por parte da autora, do direito de propriedade do prédio comodatado, pelo que não podemos deixar de considerar suprida aquela falta de alegação pela invocação dos factos supervenientes da venda do imóvel no âmbito do processo executivo n.° 4674/17.... e subsequente aquisição pela autora, à luz do disposto nos artigos 5º, nº 2, b), 588º, nºs 1 a 3, e 611º, do CPC.

Vale tudo isto por dizer que a originária insuficiência de alegação de factos constitutivos, que o tribunal recorrido notou, no que concerne à cessação do mencionado contrato de comodato, foi completada através dos factos invocados pela autora no seu articulado superveniente.

E, completada, deste modo, a causa de pedir inicial, inexiste, consequentemente, razão válida para considerar estar-se em presença do vício de ineptidão apontado na decisão sob censura.


Impõe-se, assim, a revogação do acórdão recorrido, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento da invocada nulidade deste mesmo acórdão por omissão de pronúncia.


Termos em que procede o recurso.



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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em julgar procedente o recurso de revista interposto pela autora, revogando-se o acórdão recorrido e determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª Instância, para apreciação e julgamento da ação.

As custas da revista ficam a cargo dos recorridos.

Notifique



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Supremo Tribunal de Justiça, 27 de janeiro de 2022

Maria Rosa Oliveira Tching (relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] E que alguma doutrina designa por princípio da causa de pedir aberta.
[3] In “Código de Processo civil, Anotado”, Vol. I, Coimbra Editora, pág. 14.
[4] In “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 2ª Ed., Lisboa, Lex, 1997, pág. 97
[5] “O Princípio dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, págs. 785 e 786.
[6] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. I, 2ª ed.,  reimpressão, 2021, Coimbra, Almedina, pág. 30.
[7] Acessível in www.dgsi/stj.pt. Neste mesmo sentido, escreveu-se nos Acórdãos do STJ, de 10.04.2018  (processo nº 5386/17.5T8GMR.G1.S2- não publicado), que «desde que enunciada minimamente a factualidade consubstanciadora dos requisitos impostos pelo normativo inserto no art. 392.º, n.º 1, do CPC – providência cautelar de arresto – uma eventual imprecisão da materialidade invocada impõe um convite ao respectivo aperfeiçoamento, nos termos do art. 590.º, n.º 4, do CPC.» e de 31.01.2007 (processo nº 06A4150) que a «omissão da causa de pedir conducente à ineptidão verifica-se quando falte totalmente a indicação dos factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo concedentes do direito em causa»), acessível in www.dgsi/stj.pt.
[8] Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 01.06.2010 (proc. nº 405/07.6TVLSB.L1), acessível in www.dgsi.pt/jtrl.
[9] Já  luz do regime processual do CPC emergente da reforma levada a efeito pelo DL nº 329-A/95, de 12/12, admitiam essa possibilidade  Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in “ Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, pág. 526; Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in “ Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, págs. 371, 690 e 691;  Remédio Marques,  in “Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, 2ª ed., pág. 637 e Mariana França Gouveia,  in “A Causa de Pedir na Acção Declarativa”, 2004, págs. 276 e 277.
[10] In “As partes, o objecto e a prova na acção declarativa”, 1995, pág. 190 e in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 1997, págs. 299 e 300.
[11] Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume II, pág. 103, alude à possibilidade da solução oposta implicar a pendência de duas acções, simultâneas, não se verificando a litispendência nem possibilidade de apensação, levando a que a primeiro julgada fizesse autoridade de caso julgado na segunda – e assim, um mesmo litígio seria apreciado de forma dividida por duas acções, de modo incompleto em cada uma delas.
[12] In “Código de Processo Civil Anotado”, Volume II, 4ª edição, págs. 615 e 616.
[13] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. I, 2ª ed., reimpressão, 2021, Coimbra, Almedina, pág. 671. Cfr. ainda Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, pág.189 e segs. 
[14] Porque ocorridos depois de oferecido o articulado em que teriam de ser alegados, e porque, quando ocorridos anteriormente ao articulado em que faria sentido alegá-los, a parte só vem a ter conhecimento deles  depois de findos os prazos normais para a sua alegação.   
[15] “O conhecimento de factos supervenientes relativos ao mérito da causa pelo tribunal de recurso em processo civil”, in Revista da Ordem dos Advogados, Jan./Mar. 2012, pág. 298.
[16] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. I, 2ª ed., reimpressão, 2021, Coimbra, Almedina, pág. 732.