Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1457/07.4TBABF-A.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
CHEQUE
RELAÇÕES MEDIATAS
ENDOSSO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Sumário :
I - O endosso transmite todos os direitos emergentes da letra. O endossado adquire, através do endosso, um direito autónomo. Isto significa que o endossado não é sucessor ou representante do endossante. É por isso que não lhe podem ser opostas as excepções que se poderiam opor aos portadores anteriores.
II - O princípio sofre, porém, uma restrição, que consiste na possibilidade de oponibilidade de excepções ao portador que, ao adquirir o cheque, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.
III - No domínio das relações mediatas, são oponíveis ao portador as excepções pessoais que o devedor eventualmente possua para com o sacador ou para com os portadores anteriores, desde que, ao adquirir a letra, o portador tenha tido conhecimento das excepções e consciência do prejuízo que o endosso a seu favor determinava para o devedor.
IV - No âmbito das relações imediatas, ou seja, no campo das relações de um subscritor do título cambiário com o subscritor seguinte, são sempre oponíveis as excepções que se fundem nas suas relações pessoais
V - Limitando-se o opoente a alegar os termos do negócio que celebrou com o sacador (o outro executado), negócio que, no seu dizer, originou a passagem de cheques, afirmando que ao endossar os cheques a terceiros, o mesmo agiu de má fé e que apenas ao outro executado se poderá assacar responsabilidade pelo pagamento da quantia exequenda titulada nos cheques, pois bem sabia que não os deveria ter entregue a terceiros/endossado, ao conhecer que os montantes neles titulados não lhe eram devidos, deverá concluir-se que a defesa do oponente foi legalmente inócua.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I- Relatório:
1-1- Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que AA moveu a BB e CC, veio este último deduzir oposição, pedindo a extinção da execução, alegando, em síntese:
Os cheques que o exequente deu à execução foram por si entregues e endossados ao executado BB, aquando da realização de um acordo entre ambos para a aquisição, pela Sociedade “DD Ldª” de que o oponente é sócio, de um prédio urbano, propriedade da Sociedade BB Ldª, de que o BB é sócio. Para a concretização do negócio, no início de 2005, os executados firmaram um acordo através do qual entregou ao executado BB 70 cheques no valor de 429.550,00 €. Acordaram que o 1º pagamento e o correspondente cheque deveria apenas ser devido no final de Junho de 2005, data em que previram o fim das obras que executavam no imóvel e início de funcionamento do estabelecimento. A escritura pública foi realizada em 12-5-2005, mas o BB não devolveu os cheques, sabendo embora que os mesmos não lhe eram devidos, dado que havia recebido o preço na data da escritura. Por essa razão todos os cheques foram revogados em 29-6-2005, junto da instituição sacada. Apesar disso, os dois primeiros cheques foram devolvidos com a indicação de “furto” por lapso da CGD. Mesmo sabendo que todos os cheques viriam a ser devolvidos, o executado BB endossou alguns a terceiros, em manifesta má fé, como os que são título executivo nestes autos. Todos os cheques foram devolvidos na compensação com a indicação de motivo de cancelamento. Apenas ao executado BB poderão assacar-se responsabilidade pelo pagamento da quantia exequenda titulada nos cheques.
O exequente contestou dizendo que recebeu os nove cheques do executado BB, que lhos endossou, para pagamento de uma dívida pessoal e que desconhece os termos concretos das transacções comerciais existentes entre os executados.
Conclui pela improcedência da oposição.
Foi proferido despacho saneador/sentença onde se julgou improcedente a oposição e se determinou o prosseguimento da execução.
Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o oponente de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí, por acórdão de 16-12-2008, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

1-2- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o oponente para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Da contestação do exequente retirou o Douto Tribunal de 1ª instância a conclusão de que o mesmo terá agido diligentemente desconhecendo, ao adquirir os cheques que o fazia em detrimento do apelante.

2ª- Ora não vê a apelante com base em que prova produzida nos autos se retira tal conclusão.

3ª- Aliás, muito estranha o apelante, que apesar de desconhecer e não ter que conhecer as circunstâncias em que o exequente adquiriu os cheques dados à execução, o mesmo tenha agido sem consciência do prejuízo que causava ao apelante logo após a devolução do primeiro cheque.

4ª- Desconhecendo o apelante se os mesmos foram ou não transmitidos, e obtidos no mesmo dia ou em dias diferentes, sendo certo que foram apresentados a pagamento em datas distintas;

5ª- Sendo certo ainda que o apelado tomou desde logo conhecimento com a apresentação do primeiro dos cheques em causa, que o mesmo teria sido revogado pelo sacador, pelo que a aceitar um segundo cheque semelhante e de igual valor deveria já ter conhecimento de que o aceitava em consciente detrimento do devedor;

6ª- Pelo que tal matéria sempre deveria ser controvertida e objecto de elaboração de base instrutória, o que não foi.

7ª- O que deveria ter determinado a realização de audiência de discussão e julgamento.

8ª- Pelo que não pode o apelante aceitar a afirmação vertida na douta sentença no que se refere à diligencia do exequente ou à falta de alegação do apelante nesse sentido, uma vez que tal matéria, sobre as circunstâncias em que foram aceites os cheques com consciência ou não de o fazer em detrimento do apelante, quando tal prova apenas poderia resultar da realização da audiência de discussão e julgamento, nomeadamente quando os aceitou, cada um dos respectivos cheques e qual ou quais os negócios jurídicos que lhes subjazem.

9ª- Até porque se o fez em momentos diferentes, após a devolução do primeiro cheque, com indicação do motivo “cancelado” tinha já que ter conhecimento que ao depositar o segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono todos semelhantes, do mesmo sacador, com numeração seguida, com as mesmas datas de emissão, à excepção do mês a que se referiam, o fazia em detrimento do apelante,

10ª- Sendo inúmeras as soluções plausíveis, quer de facto quer de direito importaria analisar a matéria e deveria ter sido elaborada base instrutória e realizado julgamento.

11ª- Tal alegação constava já do recurso do recorrente e o Venerando Tribunal da Relação entendeu que tal facto teria que ser alegado em sede de oposição e porque não o foi não mereceu reparo a douta decisão de 1ª instância.

12ª- Sucede porém que toda a defesa do exequente se fundamenta precisamente na boa fé na aquisição dos títulos tendo sido vedado em ambas as decisões ao recorrente provar o contrário, uma vez que tal prova sempre resultaria antes de mais na elaboração de base instrutória e depois na realização de audiência de discussão e julgamento.

13ª- Pelo que sempre deveria o Venerando Tribunal da Relação ter ordenado a remessa dos autos para 1ª instância a fim de se elaborar base instrutória e realização de audiência de discussão e julgamento, sob pena de se vedar ao recorrente o direito de provar que a dívida em causa não existe porque não chegou a constituir-se validamente bem assim a possibilidade de provar que o exequente não adquiriu os títulos executivos de boa fé.

Termos em que se requer que seja revogado o douto Acórdão, e porque alegado em sede de defesa do exequente se ordene a baixa dos autos para elaboração de base instrutória e realização de audiência de discussão e julgamento parta produção de prova e contra prova de tais factos alegados e não provados e prova da existência de má fé ou negligência grave do exequente ao aceitar os cheques descritos nas alíneas a), b), d) a i) do artigo primeiro da douta sentença.

Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).
Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:
- Se se deve fazer prosseguir o processo para elaboração de base instrutória.
2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:
1. Na execução a que os presentes autos se encontram apensos foram dados à execução pelo exequente AA os seguintes cheques, subscritos todos pelo ora executado CC e passados sobre a conta nº 2000000000, aberta no banco “Caixa Geral dos Depósitos, S. A.”, constantes de fls. 9 a 11 daqueles autos de execução:

a) Cheque n.º 840000000, datado de 15 de Fevereiro de 2007, na importância de € 6.050,00, que apresentado a pagamento foi devolvido em 15 de Fevereiro de 2007, com a menção de “Recusado o pagamento deste cheque por cheque cancelado (...)“

b) Cheque n.º 930000000, datado de 30 de Janeiro de 2007, na importância de € 6.050.00, que apresentado a pagamento foi devolvido em 1 de Fevereiro de 2007, com a menção de “Recusado o pagamento deste cheque por cheque cancelado (...)“;

c) Cheque n.º 05300000, datado de 15 de Janeiro de 2007, na importância de € 6.050,00, que apresentado a pagamento foi devolvido em 16 de Janeiro de 2007, com a menção de “Recusado o pagamento deste cheque por cheque cancelado (...)“;

d) Cheque n.º 750000000, datado de 28 de Fevereiro de 2007, na importância de € 6.050,00, que apresentado a pagamento foi devolvido em 6 de Março de 2007, com a menção de ‘Recusado o pagamento deste cheque por cancelamento (...)“;

e) Cheque n.º 66000000, datado de 15 de Março de 2007, na importância de € 6.050,00, que apresentado a pagamento foi devolvido em 15 de Março de 2007, com a menção de “Recusado o pagamento deste cheque por cancelamento (...)“;

f) Cheque n.º 57000000, datado de 30 de Março de 2007, na importância de € 6.050,00, que apresentado a pagamento foi devolvido em 30 de Março de 2007, com a menção de “Recusado o pagamento deste cheque por cheque cancelado (...)“;

g) Cheque n.º 48000000, datado de 15 de Abril de 2007, na importância de € 6.050,00, que apresentado a pagamento foi devolvido em 19 de Abril de 2007, com a menção de “Recusado o pagamento deste cheque por cancelamento (...)“;

h) Cheque n.º 39000000, datado de 30 de Abril de 2007, na importância de € 6.050,00, que apresentado a pagamento foi devolvido em 4 de Maio de 2007, com a menção de “Recusado o pagamento deste cheque por cheque cancelado (...)“;

i) Cheque n.º 30000000, datado de 15 de Maio de 2007 na importância de € 6.050,00, que apresentado a pagamento foi devolvido em 15 de Maio de 2007, com a menção de “Recusado o pagamento deste cheque por cancelamento (..)”.

2. Todos os cheques referidos em 1. se mostram passados à ordem de “BB” e no verso de cada um, no lugar destinado ao endosso, consta a assinatura daquele.

3. Apresentados a pagamento no dia do respectivo vencimento ou em algum dos seguintes sete dias, não foram aqueles cheques pagos por qualquer um dos obrigados cambiários.

4. Por carta datada de 29 de Junho de 2005 o ora executado BB dirigiu à Caixa Geral dos Depósitos comunicação em que declara “os cheques adiante indicados, sacados sobre a conta n.º 2051 000000000 por nós titulada não deverão ser pagos por esse Banco, por revogação por justa causa por falta ou vicio na formação da vontade”, seguindo-se uma lista de 70 cheques, identificados por número, datada e importância, conforme documento n.º 1, junto com o requerimento inicial de oposição, o qual aqui se dá por reproduzido na parte relevante. -------------------------------------------------

2-3- Na douta decisão recorrida considerou-se, em síntese, que os cheques objecto da execução foram validamente endossado pelo seu originário portador (o executado BB) para o exequente. Este é o portador legítimo dos cheques. Sustenta o recorrente que o exequente, após a devolução do 1º cheque com a menção de cancelado, agiu com consciência do prejuízo que lhe causava ao apresentar os demais a pagamento. O art. 22º da LURC sanciona a inoponibilidade ao portador mediato das excepções que eventualmente se estabeleçam entre os signatários do cheque, a menos que o portador, ao adquirir o título tenha agido com consciência do prejuízo do devedor. Assim, estando os cheques no domínio das relações mediatas, competia ao oponente alegar e demonstrar os factos a tal atinentes, enquanto extintivos do direito do exequente, como portador legítimo dos cheques. Sucede que na sua oposição apenas alegou os termos do negócio celebrado com o co-executado BB que esteve na origem da emissão e entrega dos cheques e ter este agido de má fé ao não devolver os mesmos, endossando-os, ao invés, ao exequente. Concluiu-se, assim, que os factos alegados no requerimento inicial de oposição são irrelevantes para o efeito propugnado pelo oponente, podendo o exequente exercer perante aquele, sacador, os direitos que lhe são conferidos pelos arts. 40º e segs. do LURC.

Na presente revista, o recorrente sustenta, em resumo, que o recorrido tomou desde logo conhecimento com a apresentação do primeiro dos cheques em causa, que o mesmo teria sido revogado pelo sacador, pelo que a aceitar um segundo cheque semelhante e de igual valor deveria já ter conhecimento de que o aceitava em consciente detrimento do devedor, razão por que tal matéria sempre deveria ser controvertida e objecto de elaboração de base instrutória, o que não foi. Após a devolução do primeiro cheque, com indicação do motivo “cancelado” tinha já que ter conhecimento que ao depositar o segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono todos semelhantes, do mesmo sacador, com numeração seguida, com as mesmas datas de emissão, à excepção do mês a que se referiam, o fazia em detrimento do apelante.

A posição do recorrente é absolutamente improcedente como iremos ver.

Não se põe em causa que o exequente é o legítimo portador dos títulos (cheques). De acordo com art. 17º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque (LURC, lei de que serão as disposições a referir sem menção de origem), o endosso transmite todos os direitos emergentes da letra. O endossado adquire, através do endosso, um direito autónomo. Isto significa que o endossado não é sucessor ou representante do endossante. É por isso que não lhe podem ser opostas as excepções que se poderiam opor aos portadores anteriores.

Com efeito, nos termos do art. 22º “as pessoas accionadas em virtude de um cheque não podem opor as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador ao adquirir o cheque tiver procedido conscientemente em detrimento do devedor”. Esta disposição é praticamente idêntica à que vigora para as letras e livranças, como se vê compulsando o art. 17º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (1) .

É esta inoponibilidade das excepções (2) aos portadores anteriores dos títulos que constitui a especialidade essencial do endosso como acto translativo do crédito cambiário.
Pela análise daquela disposição, logo se conclui que o princípio sofre, porém, uma restrição, que consiste na possibilidade de oponibilidade de excepções ao portador que, ao adquirir o cheque, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor. Ou seja, através desta restrição permite-se ao obrigado/demandado cambiário deduzir defesa tendente elidir ou modificar o direito invocado pelo portador/demandante.
De salientar que a expressão «salvo se o portador, ao adquirir o cheque, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor» originou imensa polémica no que respeita à Lei Uniforme da Letras e Livranças na conferência que elaborou o texto da Lei Uniforme e que precedeu a Convenção de Genebra que o aprovou, tendo sido, após acesas discussões, que a expressão foi adoptada(3).
O alcance a dar à frase, no entender da maioria dos autores (4), será o de que o portador, ao adquirir o título, tenha conhecimento das excepções e, além disso, tenha agido com a consciência de causar prejuízo ao devedor. Isto é, não basta que o portador tenha conhecimento da existência das excepções que poderiam ser opostas pelo devedor contra os portadores anteriores. É necessário também que o portador adquirente tenha conhecimento desse prejuízo. Ou, por outras palavras, que o portador, ao obter o titulo (através do endosso), fique ciente que esse seu acto priva o devedor da possibilidade legal de evitar o pagamento, através de dedução de excepções. Como diz Ferrer Correia em relação às letras “confrontando o art. 16º com o art. 17º, logo se alcança que o pressuposto necessário, segundo aquele preceito, na oponibilidade da excepção, não é da simples má fé: conhecimento do vício anterior. Mais se exige além do simples conhecimento, que o portador tenha agido, ao adquirir a letra, com consciência de causar por esse facto um prejuízo ao devedor” (5).
Com este entendimento (no que respeita à consciência do prejuízo), afasta-se aquele, segundo o qual, para que as excepções possam ainda aproveitar ao devedor, deverá ser preciso que o adquirente tenha obtido o título com intenção de o prejudicar.
A este respeito, Vaz Serra, em análise à disposição em análise(6), afirma que a mesma comporta duas interpretações (7): ser bastante que o adquirente, conhecendo as excepções tivesse, ao obter a letra, consciência do prejuízo do devedor, ou exigir que ele, conhecendo as excepções, tivesse adquirido a letra com intenção de prejudicar o mesmo. Considera, porém, que a interpretação mais próxima da fórmula legal será a primeira, ou seja, a de que basta que o adquirente da letra tenha conhecimento do prejuízo do devedor. Considera inclusivamente que a intenção de prejudicar o devedor será excessiva “pois conduzirá a que o preceito legal fique quase destituído de importância prática”, já que “dificilmente acontecerá que alguém adquira o título com intenção de prejudicar o devedor: a intenção do adquirente é normalmente outra (será a de colocar os seus capitais ou o de realizar uma operação que se lhe apresenta vantajosa)(8) embora conheça o prejuízo que o devedor sofre com o facto de se tornarem inoponíveis ao adquirente as excepções” (9).
Por conseguinte, também este Mestre adere (se bem que admita perfeitamente a outra interpretação) à posição da maioria dos autores.
A nossa jurisprudência tem vindo a aderir à doutrina maioritária salientada, como nos foi dado observar (10).
Em síntese, no entendimento da doutrina maioritária e para a nossa jurisprudência, são oponíveis ao portador as excepções pessoais que o devedor eventualmente possua para com o sacador ou para com os portadores anteriores, desde que aquele, ao adquirir a letra, tenha tido conhecimento das excepções e tenha tido consciência do prejuízo do devedor. Trata-se aqui, evidentemente, de relações mediatas, pois no âmbito das relações imediatas, ou seja, no campo das relações de um subscritor do título cambiário com o subscritor seguinte, são sempre oponíveis as excepções que se fundem nas suas relações pessoais. Como diz Ferrer Correia “aqui tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e autónoma” (11).

Revertendo estes princípios para o caso dos autos, para que o sacado, o executado, pudesse opor as excepções pessoais que tinha para com o sacador, o outro executado, teria que alegar e provar que o portador, o exequente, ao adquirir o cheque, tinha conhecimento das excepções e tinha consciência do prejuízo que o endosso a seu favor determinava para ele, executado. Isto mesmo se afirmou no douto acórdão recorrido ao reconhecer-se que a consciência do prejuízo do devedor a que se refere a aludida disposição “ocorrerá quando o portador no momento da aquisição do cheque tenha conhecimento da existência e legitimidade das excepções que o devedor poderia opor ao seu endossante e que a transmissão do cheque resultaria ficar o devedor privado desse meio de defesa”.

Nesta conformidade competiria ao executado, ora oponente, alegar e provar, através da alegação de factos nesse sentido, que o portador, exequente, ao adquirir o cheque (através de endosso), tinha conhecimento das excepções que ele, executado, poderia opor ao sacador/endossante e que tinha consciência do prejuízo que o endosso a seu favor, originava para ele, executado.

Ora, nada disso alegou o oponente na oposição que deduziu. Na verdade, limitou-se a referir nessa peça processual os termos do negócio que celebrou com o sacador, o outro executado, negócio que, no seu dizer, originou a passagem de cheques, afirmando que ao endossar os cheques a terceiros, o mesmo agiu de má fé. Termina dizendo que apenas ao outro executado se poderão assacar responsabilidade pelo pagamento da quantia exequenda titulada nos cheques, pois bem sabia que não os deveria ter entregue a terceiros/endossado, ao conhecer que os montantes nele titulados não lhe eram devidos.

Quer dizer que a defesa do oponente foi legalmente inócua.

Claro que nada tendo alegado em relação ao conhecimento das excepções e à consciência do prejuízo por parte do exequente/endossatário nos termos acima aludidos, não será possível elaborar base instrutória e fazer prosseguir os autos.

A posição do recorrente é, pois, improcedente.

III- Decisão:

Por tudo o exposto, nega-se a revista confirmando-se o douto acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 16 de Junho de 2009

Garcia Calejo (relator)

Helder Roque

Sebastião Póvoas

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(1) Esta disposição refere que “as pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor”.

(2) As excepções oponíveis ao portador de um título de crédito, costumam ser qualificadas como, excepções in rem absolutas ( que podem ser opostas por qualquer subscritor, ou por uma categoria de subscritores, a qualquer possuidor do título ), in rem relativas ( que só podem ser opostas por determinado subscritor, mas podem sê-lo a qualquer possuidor do título ) in personam absolutas ( que podem ser opostas por qualquer subscritor, ou por uma categoria de subscritores, a alguns possuidores do título ) e in personam relativas (que podem ser opostas apenas por determinado subscritor a algum ou alguns dos possuidores do título ) - vide a este propósito, Vaz Serra, BMJ 60º, pág. 138.
(3) Como se disse, a enunciação legal no que toca aos cheques, é idêntica.
(4) Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 2º vol., As Letras, fascículo IV pág. 70 e 71, F. Correia Lições de Direito Comercial, Letra de Câmbio, Vol. III, 1966, pág. 69, Gonçalves Dias Da letra e Livrança, Vol. VI, pág. 374.

(5)Ob. Citada págs. 68 e 69
(6) BMJ 60, pág.131.

(7) No mesmo sentido P. Coelho, ob. citada fascículo IV pág. 70.

(8) P. Coelho, ob. citada fascículo IV pág. 70.

(9)BMJ 60, págs. 134 e 135

(10)Entre outros, ver os Acs. do STJ de 26-11-74 ( BMJ 241, 315 ) de 16-11-65 ( BMJ, 151, 283 ) de 21-5-65 (BMJ 147, 313 ), da Relação do Porto de 16-9-2002 ( Col. Jur. 2002, Tomo IV, pág. 176 ), de 12-1-78 ( Col. Jur. 1978, Tomo I, pág. 125 ), da Relação de Coimbra de 12-11-77 ( Col. Jur. 1977, Tomo V, pág. 1129 ).
(11) Ob. Citada pág. 68