Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B3134
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA GIRÃO
Descritores: PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
ALEGAÇÕES
CONTRA-ALEGAÇÕES
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: SJ200311060031342
Data do Acordão: 11/06/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário : I - Por respeito aos princípios da igualdade das partes e do contraditório não se pode conhecer do objecto do recurso sem a notificação do recorrido para responder, querendo, às alegações do recorrente;
II - Se o recorrente recusar o cumprimento dessa notificação, por entender não estar incluída no âmbito dos artigos 229º-A e 260º-A do Código de Processo Civil, tendo recorrido da decisão que lhe ordenou esse cumprimento, deverá ela ser efectivada - quer quanto a este recurso, quer quanto ao anterior que está na sua génese - pela secretaria do respectivo tribunal, sem prejuízo da eventual tributação do respectivo incidente, tributação esta que, obviamente, ficará sem efeito no caso de o entendimento do recorrente sobre a questão vir a ser acolhido pelo tribunal ad quem.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Na execução ordinária pendente na 8ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, 2ª secção, registados sob o nº. 627/95, instaurada pelo "Banco A, S.A." contra B e C, o exequente agravou do despacho que ordenou a sustação da execução, nos termos do artigo 871º do Código de Processo Civil, já depois de ordenado o cumprimento do disposto no artigo 864º do mesmo Código.
A Relação de Lisboa, pelo acórdão de fls. 57-60, negou provimento ao agravo.
Inconformado com este acórdão, recorreu dele o exequente para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido o recurso recebido, pelo despacho de fls. 64, como agravo, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.
Juntas as alegações pelo agravante, o seu ilustre mandatário foi, pelo despacho de fls. 73, mandado notificar para apresentar nos autos o comprovativo da notificação das alegações ao mandatário da parte contrária.
Por entender que tal notificação incumbia à secretaria da Relação, reclamou o exequente para a conferência, nos termos do nº. 3 do artigo 700º do Código de Processo Civil.
Através do acórdão de fls. 80-82, os Exmos. Desembargadores indeferiram essa reclamação, lendo-se no dispositivo do acórdão expressis verbis o seguinte: «..., devendo o mandatário judicial do recorrente comprovar no processo a notificação da apresentação da sua alegação ao mandatário judicial da contraparte.».
O exequente interpôs também recurso para o Supremo deste acórdão da Relação, o qual, pelo despacho de fls. 86, foi recebido como agravo a subir a final, nos autos, com efeito meramente devolutivo.
Juntas as alegações do agravante relativas a este recurso, foi aberta a conclusão de fls. 107, com a informação de não ter sido cumprido o disposto no artigo 229º-A do CPC, a qual mereceu despacho do Exmo. Relator do seguinte teor:
«Face à posição do recorrente, relativamente à aplicação dos artºs. 229º-A e 260º-A do C.P.C., subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.».
Recebido o processo neste Tribunal, o relator proferiu o despacho tabelar de fls. 108 e, de seguida, os Exmos. Adjuntos apuseram os respectivos vistos.

Cumpriria agora, na normalidade das coisas, decidir do objecto dos recursos.
Verifica-se, no entanto, uma importante omissão procedimental, que, enquanto não for suprida, impede esse conhecimento.
Consiste essa omissão na falta de notificação aos agravados da apresentação das alegações do agravante em ambos os recursos, conforme determina o nº. 3 do artigo 743º, ex vi artigo 760º, nº. 1 do Código de Processo Civil.
É certo que esta falta de notificação se deve a divergência de entendimento, entre o agravante e a Relação, sobre a quem incumbe o correspondente dever - se àquele, se à secretaria desta.
Divergência essa que, aliás, consubstancia o objecto do segundo agravo, que, por sua vez, justificou o despacho do Exmo. Desembargador a mandar subir o processo sem a aludida notificação.

Mas é óbvio que não pode ser assim.
Os agravados não podem ser prejudicados por causa desta contenda, que, além do mais, não suscitaram, nem para a sua suscitação contribuíram.
Por isso têm que ser notificados das referidas alegações do agravante para sobre elas se pronunciarem, querendo.
Assim o impõem os princípios - próprios de um processo equitativo inerente ao Estado de Direito - da igualdade das partes e do contraditório, ambos com dignidade constitucional (artigos 13º, nº. 1, e 20º, nº. 4 da Constituição da República Portuguesa) e com expressão na legislação ordinária (artigos 3º e 3º-A do Código de Processo Civil, para referir só os que para agora relevam) - cfr. parágrafo 1º do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e Cunha Rodrigues, Sobre o Princípio da Igualdade de Armas, na Rev. Port. de Ciência Criminal, nº. 1.

Daí que, e uma vez que o agravante não se dispôs a cumprir o determinado no acórdão de fls. 80-82 - não obstante ter sido atribuído ao respectivo recurso o efeito meramente devolutivo -, deva ser o Tribunal da Relação de Lisboa a ordenar o cumprimento, através da respectiva Secretaria, das notificações em falta, tributando, se assim entender, o respectivo incidente, nos termos do artigo 16 do Código de Custas Judiciais (sem prejuízo, obviamente, dessa eventual tributação ficar sem efeito, no caso de o agravo, interposto sobre a questão pelo recorrente, vir a ser provido).
DECISÃO
Pelo exposto decide-se não tomar conhecimento dos recursos enquanto não se mostrarem cumpridas as notificações em falta, conforme acima se refere, para o que deverão os autos baixar ao Tribunal da Relação de Lisboa.
Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 6 de Novembro de 2003
Ferreira Girão
Luís Fonseca
Lucas Coelho