Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1311/11.5TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
RESOLUÇÃO CONTRATUAL
BOA -FÉ
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
Doutrina:
- Baptista Machado, Obra Dispersa, I, 151.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, anotação 3.ª ao artigo 777.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 777.º, N.º2, 808.º, N.ºS 1 E 2.
Sumário :
1 . Ainda que não tenha sido fixado prazo para cumprimento dum contrato - promessa e não obstante ser necessária a obtenção de documentação para a celebração da escritura pública, é de considerar, se necessário com recurso ao princípio da boa fé, que o promitente - vendedor entrou em mora se, repetidamente interpelado, pediu sempre “mais prazo” que não veio a observar.

2 . A apreciação objetiva da perda do interesse do credor, prevista no n.º 2 do artigo 808.º do Código Civil deve ter lugar tendo em conta os interesses deste no cumprimento da obrigação.

3 . É de considerar tal perda se, em contrato-promessa de compra e venda de imóvel para habitação, o promitente - comprador entregou elevada quantia a título de sinal, foi viver para lá e, apesar de naquele estar previsto que “a venda será feita livre de quaisquer foros, ónus, encargos ou outras responsabilidades, sejam elas de que natureza forem”, viu sobre o mesmo, sem seu conhecimento, incidirem duas hipotecas e duas penhoras, estando o processo executivo relativo a uma delas já na fase da venda.

4 . Se necessário, mesmo independentemente do incumprimento definitivo, esta situação é de tal modo violadora do princípio da boa fé contratual, que justificaria, logo por aqui, a resolução por parte do promitente - comprador.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1 . AA intentou a presente ação declarativa de condenação contra:

BB e sua mulher CC;

Banco DD, S.A. e

EE e sua mulher FF.



Alegou, em síntese, que:

Por contrato - promessa de compra e venda celebrado em 3 de Maio de 2001 os dois primeiros réus prometeram vender-lhe e este prometeu comprar a fração autónoma que viesse a corresponder ao quinto andar lado direito com arrecadação no sótão e um estacionamento na cave do prédio urbano, a constituir em propriedade horizontal sito Rua …, Lote 2, também designado por Rua …, tornejando para a Avenida …, em Lisboa, descrito na primeira Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … da freguesia de Santa Engrácia e omisso na respectiva matriz predial urbana da freguesia da Penha de França, sendo que o lote de terreno onde o mesmo prédio está implantado tem o artigo …, tudo como melhor consta da contrato – promessa de compra e venda que juntou;

Desde 15 de Outubro de 2003 que os 1.ºs réus lhe entregaram as chaves e a posse do referido imóvel, data a partir da qual destinou tal apartamento a sua habitação e de sua família, situação que vem ocorrendo até aos dias de hoje;

Apesar de várias tentativas junto dos 1.ºs réus para a celebração da escritura de compra e venda estes recusam-se a efetuá-la, como em constituir a propriedade horizontal;

Sobre tal imóvel incidiram, entretanto, duas penhoras;

Uma delas no processo que identifica, estando este já em fase negociação particular para venda do mesmo imóvel;

Os segundos e terceiros réus têm registada a seu favor hipoteca voluntária sobre este;

Assim, os 1.º réus não podem, em definitivo, cumprir o contrato-promessa;

Sendo certo que, neste quadro, perdeu interesse no cumprimento;

De tudo resultando fundamento resolutivo;

 Com direito a receber em dobro o sinal de € 86 814,83, que entregou, acrescidos de juros de mora;

E direito de retenção.


Pediu, em conformidade:

Que se declare resolvido o contrato - promessa;

Que se condenem os 1.ºs réus a pagar-lhe € 173.629,66, acrescidos dos juros de mora vincendos à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento;

Que se lhe reconheça o direito de retenção sobre o apartamento correspondente ao 5º andar lado direito, composto de três assoalhadas, arrecadação no sótão e estacionamento na cave, até integral pagamento do seu crédito, ou quando assim se não entenda;

d) Que se lhe reconheça ainda o direito de retenção sobre o apartamento como parte integrante do imóvel, até integral pagamento do seu crédito.



2 . Só contestou o Banco DD, S.A.


Sustentou a nulidade do contrato-promessa;

Referiu, em qualquer caso, desconhecer o invocado incumprimento e a quem deve ser imputado;

Mais sustentou a inexistência de direito de retenção.


Replicou o autor, alegando que o réu não tem legitimidade para invocar a nulidade do contrato-promessa, o objeto do mesmo é lícito e pode ser objeto de posse, concluindo como na petição inicial.



3 . A ação prosseguiu a sua tramitação e, na altura própria, foi proferida sentença que a julgou procedente e, em consequência:

a) Declarou resolvido o contrato – promessa de compra e venda, discutido nos autos, celebrado entre o autor e os 1ºs réus;

b) Condenou estes a pagarem ao autor a quantia € 173 629,66, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento;

c) Reconheceu ao autor o direito de retenção sobre o apartamento correspondente ao 5º andar lado direito, composto de três assoalhadas, arrecadação no sótão e estacionamento na cave, como parte integrante do imóvel, até integral pagamento da quantia referida em b).



4 . Apelou o réu e com êxito porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa julgou a ação improcedente, absolvendo os réus dos pedidos.

Entendeu que, não tendo tido lugar interpelação admonitória, inexiste incumprimento definitivo, naufragando, por falta de fundamento, a pretensão de resolução do contrato.



5 .  Pede revista o autor.


Conclui as alegações do seguinte modo:


(I) A decisão proferida em Primeira Instância, julgou a ação procedente, por provada e, em consequência, decidiu: a) Declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda, discutido nos autos, celebrado entre o A. e os Primeiros RR; b) Condenar os Primeiros RR a pagar ao A. a quantia € 173 629,66, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento; c) Reconheceu ao Autor (ora recorrente). o direito de retenção sobre o apartamento correspondente ao 5° andar lado direito, composto de três assoalhadas, arrecadação no sótão e estacionamento na cave, como parte integrante do imóvel, até integral pagamento da quantia referida em b).

(II) O acórdão recorrido considera que o direito à resolução de um contrato fundado na lei, decorre de uma situação de inadimplência por parte de contraente. A interpelação admonitória prevista no artigo 808.º, n.º 1 do C. Civil visa converter a mora em incumprimento definitivo. No caso dos autos as várias comunicações ao promitente vendedor para que o prédio pudesse ser constituído em propriedade horizontal e procedesse à escritura de compra e venda da fração daí resultante, conforme contrato promessa, não pode ser entendida como interpelação admonitória capaz de converter o incumprimento em mora.

(III) Apenas o Réu/banco deduziu contestação.

(IV) Os Primeiros RR (promitentes vendedores) conformaram-se com a ação instaurada e nada disseram no que respeita à questão do incumprimento do contrato promessa em causa, donde se pode e deve retirar a conclusão que os Primeiros RR se colocam numa posição de incumprimentos definitivo.

(V) o contrato promessa de compra e venda não padece de vicio que o invalidade.

(VI) O contrato promessa de compra e venda, como qualquer outro contrato, deve ser pontualmente cumprido, conforme dispõe o artigo 406° do CC.

(VII) Nos termos do artigo 432°/1 do CC, é admitida a resolução do contrato, fundada na lei ou em convenção.

(VIII) No contrato promessa de compra e venda em causa, as partes não convencionaram os casos em que poderia haver resolução do contrato, pelo que a resolução deve seguir as normas legais que regem esta matéria.

(IX) Nos termos do artigo 808.°/1 do CC “se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.

(X) Existem também outras situações que devem ser entendidas como incumprimento definitivo do contrato e que podem fundamentar a resolução do mesmo, como aquelas em que a contraparte comunica a sua intenção de não cumprir. Nestes casos, e face à recusa de cumprimento, a interpelação admonitória deixa de ser necessária, entendimento que é perfilhado pela maioria da doutrina e jurisprudência

(XI) O imóvel onde se situa a futura fração autónoma prometida vender, foi penhorado, impedindo os Primeiros RR de cumprir o contrato promessa.

(XII) O Autor fez diversas tentativas para a celebração da escritura de compra e venda (contrato prometido), tendo os Primeiros RR recusado efetuá-la.

(XIII) O edifício e a fração autónoma estão construídos reunindo condições de habitabilidade.

(XIV) Os Primeiros RR, não obstante a ação instaurada, continuam a recusar-se realizar a escritura de compra e venda.

(XV) Os factos evidenciam uma impossibilidade (tanto objetiva como subjetiva) da prestação devida pelos Primeiros RR, pelo que a prestação, tornando-se impossível por causa exclusivamente imputável aos Primeiros RR, são estes responsáveis como se faltassem culposamente ao cumprimento da obrigação, conferindo ao Autor direito à resolução do contrato, nos termos do disposto no artigo 801.°/1 e 2 do CC.

(XVI) Há impossibilidade (que abrange tanto a impossibilidade objetiva, como a impossibilidade subjetiva, nos termos do art. 791.°) da prestação, não só quando esta se toma seguramente inviável, mas também quando a probabilidade da sua realização, por não depender apenas de circunstâncias controláveis pela vontade do devedor, se tome extremamente improvável.

(XVII) Face à factualidade provada é (. . .) mais que evidente, a perda do interesse do A. na prestação. Com efeito, a longa e injustificada demora na constituição.



Contra-alegou o Banco DD, S.A., rebatendo, ponto por ponto, a argumentação da contraparte.



6 . Ante as conclusões das alegações, importa tomar posição sobre se tem lugar fundamento resolutivo.



7 . Vem provada a seguinte matéria de facto:


A) - O A. em 12/1/2011 pediu uma certidão do imóvel de que faz parte integrante o apartamento com arrecadação no sótão e um estacionamento na cave que prometera adquirir e onde habita e,

B) - Qual não foi o seu espanto ao verificar que sobre tal imóvel incidem já duas penhoras, sendo uma delas efectuada nos autos de execução 23387/07.0YYLSB, do 2º Juízo de Execução de Lisboa, 1ª Secção, onde foi dada à execução a hipoteca registada sob a apresentação 4 de 1996/05/03.

C) - Tais autos de execução encontram-se já na fase de negociação particular para venda do imóvel onde se integra o bem prometido vender pelos primeiros R.R. ao A.

D) - Os 2º e 3º R.R. têm registada a seu favor hipoteca voluntária sobre o imóvel de que faz parte integrante a coisa prometida vender ao A..

2.1.1. Da base instrutória.

1. O A. e o Réu BB, este arrogando-se ter autorização da mulher, assinaram o documento escrito que consta de fls. 9 a 11 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 3 de Maio de 2001, do qual consta designadamente que “os Primeiros Outorgantes são donos e legítimos possuidores do prédio urbano em construção, a constituir em propriedade horizontal, sito em Lisboa, Urbanização …, lote 2, (…) também designado por Rua …, tornejando para a Avenida …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … da freguesia de Santa Engrácia e omisso na respectiva matriz predial urbana da freguesia da Penha de França, mas cujo lote de terreno onde o mesmo prédio está implantado tem o artigo … e para o qual foi passada pela Câmara Municipal de Lisboa em 08/07/97, a Licença de Construção n.º … válida até 08/07/2001” (cl. 1ª) e que “Pelo presente Contrato os Primeiros Outorgantes prometem vender aos Segundos Outorgantes, que lhes prometem comprar, a fracção autónoma que vier a corresponder ao Quinto Andar Lado Direito do identificado prédio, composto por três divisões assoalhadas, uma arrecadação sita no sótão e um estacionamento sito na cave” (cl. 2ª).(1º)

2. O preço acordado para a compra e venda referida em 1º foi de Esc. 32.000.000,00, correspondentes a € 159.615,32. (2º)

3. No acto da assinatura da promessa de compra e venda referida em 1º o A. pagou a título de sinal e princípio de pagamento do preço acordado a quantia de Esc. 15.000.000,00, correspondente a € 74.819,68. (3º)

4. Com data de 19 de Março de 2003 foi elaborado um documento escrito, que consta de fls. 12 e 13 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, assinado pelo 1º Réu, intitulado “Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado entre as Partes em 03/05/2001 e Reforço de Sinal de Euros 10.000,00”, e no acto da assinatura de tal documento o 1º Réu recebeu do A., a título de reforço de sinal, a quantia de €10.000,00. (4º)

5. Em 23 de Outubro de 2003 o A. pagou à “GG, Lda.”, a pedido do 1.º R., a quantia de € 1.995,15, pelo fornecimento e montagem de equipamento de aquecimento central, caldeira mural e três radiadores para o 5º andar direito do prédio referido em 1º, quantia que o construtor acordou descontar no montante a pagar no acto da escritura. (5º)

6. A escritura de compra e venda seria celebrada pelos 1ºs R.R. a favor do A. nos sessenta dias posteriores à data em que toda a documentação necessária à celebração de tal escritura se encontrasse em ordem. (6º)

7. O edifício de que fará parte integrante a fracção autónoma referida em 1º já se encontra construído. (8º)

8. O 5º andar lado direito referido em 1. tem condições de habitabilidade e vem sendo habitado pelo A. e sua família, com permissão dos 1.º RR., desde finais de 2003. (9º)

9. Em data não apurada de finais de 2003 o 1.º R. entregou ao A. as chaves do 5º andar lado direito, para que este o pudesse ocupar e destinar a habitação. (10º)

10. Data a partir da qual o A. destinou tal apartamento a sua habitação e de sua família, situação que vem ocorrendo até aos dias de hoje. (11º)

11. Como autorização dos 1º R.R. e desde essa data o A. mobilou o apartamento em causa com camas, mesa, cadeiras, sofás, electrodomésticos, roupas, e demais artigos necessários para a utilização do mesmo como local de habitação e estacionamento na cave. (12º)

12. Desde finais de 2003 até aos dias de hoje, o A. e sua família, têm vindo a dormir, receber amigos e fazer a sua vida social no apartamento em questão, com autorização dos 1º R.R. (13º)

13. O A. e demais ocupantes do prédio identificado em 1º insistiram várias vezes junto do 1º Réu para que este cumprisse as exigências camarárias para que o prédio pudesse ser constituído em propriedade horizontal e procedesse à celebração das escrituras de compra e venda, tendo este pedido sempre mais prazo para o efeito e dito que não estava em condições de efectuar aqueles actos. (14º)



8 . No contrato-promessa não foi fixado prazo, remetendo-se para a altura em que a documentação se encontrasse em ordem. A necessidade de obtenção desta integra a previsão do n.º 2 do artigo 777.º do Código Civil.

Todavia, ficou provado que os autores e demais ocupantes insistiram várias vezes junto do 1.º réu para que este cumprisse as exigências camarárias para que o prédio pudesse ser constituído em propriedade horizontal e procedesse à celebração das escrituras de compra e venda, tendo este pedido sempre mais prazo e dito que não estava em condições de efetuar aqueles atos.

De toda a economia do contrato emerge que os 1.ºs réus estavam vinculados a realizar o que necessário fosse para se poderem celebrar a escrituras. Interpelado repetidamente o 1.º réu, pediu sempre mais prazo e disse que não estava em condições de efetuar aqueles atos.

Ao pedir mais prazo vinculou-se a cumprir no decurso dele, o que não se verificou. Entrou, pois, em mora.

Mesmo que, por aqui, se não chegasse a esta figura sempre a ela se chegaria, visto o quadro descrito, através do princípio da boa fé, que, a este propósito, expressamente referem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, anotação 3.ª ao artigo 777.º.



9 . Verificado o primeiro requisito do artigo 808.º, n.º1, também do Código Civil, interessa agora determinar se a mora se converteu em incumprimento definitivo.

E ter-se-á convertido, além do mais que agora não interessa, se o credor perdeu interesse na prestação. Essa perda é apreciada objectivamente, refere o n.º2 do preceito. Todavia, “isso significa apenas que o credor não deve rejeitar a prestação a seu bel-prazer, mas apenas com fundamento em interesses ou motivos dignos de tutela. Esses interesses ou motivos dignos de tutela serão por via de regra motivos ligados aos fins subjectivos do credor, aqueles fins cuja satisfação determinava a prestação.” (Baptista Machado, Obra Dispersa, I, 151).

Corresponde tal à finalidade geral da obrigação, sendo, portanto, na satisfação ou insatisfação dos fins visados pelo credor que deve ser situado o fulcro da decisão.

O autor celebrou o contrato-promessa de compra do imóvel descrito, entregando quantia elevada a título de sinal e indo para lá viver com o seu agregado familiar.

No contrato (cláusula 4.ª) ficou consignado, que “na efectivação da escritura, a venda será feita livre de quaisquer foros, ónus, encargos ou outras responsabilidades, sejam elas de que natureza forem.”   

Surpreendentemente, constatou que sobre o imóvel incidiam duas penhoras e duas hipotecas, estando um dos processos executivos já na fase de venda por negociação particular.

Este quadro é particularmente grave pondo em causa, de modo muito intenso, a realização do fim da prestação que era a aquisição do imóvel totalmente livre.

Um cidadão normal colocado na posição do autor tinha toda a legitimidade para se desinteressar do negócio e até para o repudiar. Será mesmo legítima a pergunta sobre quem quereria prosseguir com o contrato - promessa de imóvel a respeito do qual se verifica o que se descreveu. Arriscaria comprá – lo para o ver “passar”, direta ou indiretamente, para a mão dos credores.

Parece-nos, por isso, claro que deve ser entendido que, mesmo no plano objetivo que a lei impõe, o autor perdeu interesse na prestação.



10. Aliás, a questão poderia mesmo ser encarada – no limite até independentemente do cumprimento definitivo – sob o prisma da boa-fé.

O citado Autor (mesma obra, agora a páginas 143) escreve a dado passo:

“O conceito de “justa causa” é um conceito indeterminado cuja aplicação exige necessariamente uma apreciação valorativa do caso concreto. Será “justa causa” ou um “fundamento importante” qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa-fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade. A justa causa … será aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual.”

Ora o que foi feito relativamente ao imóvel encerra uma violação grosseira do dever de lealdade. Prometido vender, com sinal corrido e habitado já pelo promitente - comprador, é duplamente hipotecado; não se pagando os créditos garantidos, “deixa-se” que sobre ele incidam penhoras e que um dos processos executivos entre na fase da venda.

E contra isto não se diga que, a qualquer momento, o devedor pode pagar tudo, com levantamento das penhoras, fim dos processos executivos e distrate das hipotecas, estando habilitado a cumprir o contrato-promessa tal como resulta da apontada cláusula 4.ª. Seria um raciocínio em que a realidade da vida estaria obnubilada por uma visão puramente teórica, quando a aplicação do direito pressupõe um olhar atento sobre aquela realidade.   



11 . Face a todo o exposto, concede-se a revista, revogando-se a decisão recorrida e repondo-se a de 1.ª instância.

Custas do recurso pelo recorrido.

Custas da ação pelos réus.


Lisboa, 20.5.2015

João Bernardo (Relator)

Oliveira Vasconcelos

Fernando Bento