Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1/12.6TBTMR.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
DIREITO À VIDA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 09/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 721.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 29.01.08, PROC. N.º 0TB4397, EM WWW.STJ.PT ;
-DE 09.02.12, PROC. N.º 1082/01-E1.S1, EM WWW.STJ.PT .
Sumário :
I O dano morte não se confunde com os danos não patrimoniais, sendo um valor a obter pela equidade e tendencialmente fixo, dado que o valor vida é sempre igual É adequado fixar o valor do dano morte em € 65.000,00.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I

AA e mulher BB moveram a presente acção ordinária contra CC SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia global de 230.068,99 €.

Para o que alegam:

          No dia 4 de Setembro de 2011 pelas 5H30 transitava no lugar de ..., desta comarca, na Rua ..., no sentido nascente/poente o auto ligeiro -BV, (de ora em diante identificado por BV) conduzido por DD, sendo pertença de EE. No BV fazia-se transportar FF, filho dos autores. O pavimento da Rua estava molhado. O BV rodava com velocidade superior ao limite legal no local (50 Km/hora) e inadequada por excesso às condições da via. Ao descrever uma curva para a sua direita, cerca do prédio nº … daquela rua, o DD perdeu o controlo do BV, que se despistou e entrou na metade esquerda da rua, considerando o seu sentido de marcha e foi embater com violência no muro e no portão do prédio nº ...

Em consequência desse embate, o FF sofreu traumatismo craneo- encefálico e ainda outras lesões que foram a causa da sua morte.

Pedem os danos não patrimoniais (perda do direito à vida de seu filho, o sofrimento de que este padeceu antes de falecer e os danos não patrimoniais por eles próprios sofridos em consequência da morte de seu filho) no valor do pedido.

Na sua contestação a ré aceita as circunstâncias do acidente, impugnando o demais, por desconhecer a factualidade em que os autores fundamentam os peticionados danos e considerar exagerado o respectivo valor.

O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida a seguinte sentença:

 “Assim e por todo o exposto julgo parcialmente procedente por provada a presente acção e em consequência condeno a ré CC SA a pagar aos autores a indemnização global de 160 068,99 € (cento e sessenta mil e sessenta e oito euros e noventa e nova cêntimos) a que acrescem juros sobre 68,99 € desde a citação (19.1.2012) à taxa legal e calculados até efectivo pagamento.

No demais absolvo a ré.

Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.

Apelou a ré, tendo o Tribunal da Relação proferido o seguinte acórdão:

Nestes termos se decide:      

Julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, em função do que se altera a decisão recorrida no que respeita à indemnização referente à perda do direito à vida do filho dos autores, que se fixa na quantia de 80.000,00 € (oitenta mil euros) e a respeitante aos danos não patrimoniais sofridos pelos autores, que se fixa na quantia de 60.000,00 € (sessenta mil euros), sendo 30.000,00 € (trinta mil euros), para cada um deles;

Mantendo-a, quanto ao mais.

Custas por apelante e apelados, na proporção dos respectivos decaimentos, em ambas as instâncias.

Recorrem agora ambas as partes, as quais, nas suas alegações de recurso, apresentam, em síntese, as seguintes conclusões:

recurso da ré

1A indemnização pela perda do direito à vida deve ser calculado de acordo com a equidade, tal como a jurisprudência a vem fixando.

2 Acresce que nos tempos de crise pelos quais se vem passando, o valor económico das realidades sociais reduz-se.

3 O referido em 2 é aplicável às indemnizações por danos não patrimoniais.

4 Assim, os valores arbitrados devem ser reduzidos para € 60.000,00 pela perda do direito à vida e € 15.000,00, para cada um dos autores, pelos danos não patrimoniais.

recurso dos autores

1 Devem ser mantidos os valores arbitrados em 1ª instância.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II

Vêm dados por provados os seguintes factos:

 1).- No dia 4 de Setembro de 2011 pelas 5H30 transitava no lugar de ..., desta comarca, na Rua ..., no sentido nascente/poente o auto ligeiro -BV, conduzido por DD, sendo pertença de EE. – alínea A) dos factos assentes.

2).- No BV fazia-se transportar FF. – alínea B) dos factos assentes.

3).- O pavimento da Rua estava molhado. – alínea C) dos factos assentes.

4).- O BV rodava com velocidade superior ao limite legal no local (50 Km/hora) e inadequada por excesso às condições da via. – alínea D) dos factos assentes.

5).- Ao descrever uma curva para a sua direita, cerca do prédio nº 60 daquela rua, o DD perdeu o controlo do BV. – alínea E) dos factos assentes.

6).- Que se despistou e entrou na metade esquerda da rua, considerando o seu sentido de marcha e foi embater com violência no muro e no portão do prédio nº …. – alínea F) dos factos assentes.

7).- Compete à ré indemnizar os autores dos danos que sofreram, dado que à data do acidente, fora transferida para a ré a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo BV, através da apólice nº …. – alínea G) dos factos assentes.

8).- O infeliz FF tinha 19 anos à data do acidente. – alínea H) dos factos assentes.

9).- A infeliz vítima FF seguia no veículo de matrícula -BV, sentado no banco traseiro do lado esquerdo. – alínea I) dos factos assentes.

10).- O FF faleceu acto contínuo ao sinistro, pelas 5H30, vindo o seu óbito a ser verificado pelas 5H45 do dia 4 de Setembro de 2009. – alínea J) dos factos assentes.

          Da base instrutória:

11).- Em consequência do embate, o FF sofreu traumatismo crâneo-encefálico e outras lesões que foram causa da sua morte. – r q 1

12).- O FF era estudante, bom aluno e frequentara o Curso de Línguas e Humanidades na Universidade Nova de Lisboa. – r qs 2, 3 e 4

13).- Não fora o acidente, o FF partiria poucos dias depois da data do mesmo para Inglaterra, onde prosseguiria os seus estudos. – r qs 5 e 6.

14).- O FF já tinha adquirido o bilhete de avião para Inglaterra, no que gastou 68,99 €. – r qs 7 e 8

15).- O FF era um jovem saudável e alegre. – r q 9

16).- O FF gostava de viver e cultivava amizades. – r q 10

17).- O FF seria amparo e conforto dos seus pais na velhice destes. – r q 12

18).- O FF era muito dedicado aos autores com os quais mantinha relações de grande afectividade. – r q 13

19).- A morte do FF foi o maior desgosto da vida dos seus pais. – r q 14

20).- Com a morte do FF os autores perderam a alegria de viver, que ainda não recuperaram e desconhecem se alguma vez a recuperarão. – r qs 15, 16 e 17

21).- Os autores sempre recordarão, com profunda tristeza, a morte de seu filho, que amavam e do qual muito se orgulhavam. – r qs 18 e 19.      

III

Apreciando

recurso da ré

1 Coloca-se, antes do mais, a questão prévia da admissibilidade do recurso.

            O artº 721º nº 3 do C. P. Civil determina que não há recurso de revista da decisão que confirme, sem voto de vencido a decisão de 1º instância.

            Esta confirmação não abrange unicamente os casos em que formalmente há, ipsis verbis, a repetição do julgado. Abarca igualmente aqueles casos em que a pretensão do autor com o recurso de revista já foi denegada pelas instâncias. Ainda aqui há dupla conforme.

            No caso em apreço, tendo a 1ª instância fixado o valor do dano morte em € 90.000,00 e a Relação em € 80.000,00, há um julgado comum a ambas as instâncias de que a ré, pelo menos, deve pelo dito dano morte € 80.000,00. Não pode por isso a mesma ré vir discutir neste Supremo a fixação de um valor abaixo dessa conformidade das instâncias, ou seja, € 60.000,00. Aliás, seria contraditório não haver recurso de revista se a Relação se limitasse a aderir à condenação em € 90.000,00 por aí não haver dúvidas de que existe dupla conforme e poder haver recurso numa hipótese em que o condenado foi menos desfavorecido.

            E o mesmo se diga da condenação por danos não patrimoniais. A 1ª instância fixou-os em € 70.000,00 e a Relação em € 60.000,00. Não pode por idênticas razões a recorrente pretender que, em recurso de revista o valor seja o de e 30.000,00.

            Deste modo, não é admissível o recurso da ré, pelo que não se conhece do seu objecto.

            recurso dos autores

            1 Pugnam estes pela manutenção dos valores encontrados em 1ª instância para o dano morte de € 90.000,00 e para os danos patrimoniais de € 70.000,00.  

              A natureza da indemnização pelo dano morte tem sido objecto de polémica doutrinal, defendendo uns que tem carácter sucessório do original direito, de que era titular a vítima, enquanto para outros é uma especial reparação que o legislador quis atribuir a determinadas pessoas, por causa dessa morte. Sobre esta questão tomou posição o Ac. deste STJ de 29.01.08 – www.stj.pt 0TB4397 –, relatado pelo relator nestes autos, aí se optando pela segunda interpretação. E assim sendo e distinguindo-se dos danos não patrimoniais que as mesmas pessoas possam ter sofrido, configura-se como uma espécie de “derrama pelo luto” a atribuir independentemente do dano moral causado pelo decesso do familiar. Tem por isso, tendência a se transformar numa prestação até certo ponto fixa, uma vez que o valor vida será igual para todos, independentemente das circunstâncias em que ocorreu a lesão. O papel da equidade será aqui o de fazer uma interpretação adequada do que, em cada momento, significa em termos patrimoniais o mesmo valor vida.

            Assim, já foi jurisprudência deste Tribunal a de que a indemnização deveria ser de montante à volta dos € 50.000,00. Posteriormente, esse montante estabilizou em cerca de € 60.000,00. Cf., entre outros, o Ac. deste STJ de 09.02.12 (Cons. Abrantes Geraldes e subscrito por dois dos subscritores do presente acórdão) – www.stj.pt1082/01-E1.S1 .

            Reconhece-se uma tendência jurisprudencial para o acréscimo do valor em questão. No entanto, a subida não poderá ser tão abrupta que ponha em causa a equidade, com grandes diferenças de julgados em questões semelhantes.

            No caso presente, os autores já obtiveram ganho de causa em € 80.000,00. Pelo que se consignou sobre o que tem sido a evolução jurisprudencial nesta matéria, não é adequado fixar um valor superior. O qual se mantém. 

2 Finalmente, colocam os autores a questão do montante dos danos não patrimoniais. Pretendem que seja mantido o fixado em 1ª instância.

E com razão.

            Salvo o devido respeito, não vemos razões para considerar, como a Relação “um pouco excessiva” a indemnização arbitrada a cada um dos autores de € 35.000,00, fixado em 1ª instância passando-a para € 30.000,00.

            Concordamos com as razões expressas na sentença para a obtenção daquele montante, nomeadamente, quando aí se refere – cf. fls. 92 – o grau de sofrimento dos pais que vem provado.

            Deste modo, o montante encontrado em 1ª instância é de manter.

            Termos em que procede, em parte o recurso.

            Pelo exposto, acordam em não conhecer do objecto do recurso da ré e em conceder, em parte, a revista dos autores e, em consequência, alteram o acórdão recorrido, fixando a indemnização por danos não patrimoniais em € 70.000,00, sendo de € 35.000,00 a indemnização de cada um dos autores.

            Custas neste Tribunal e nas instâncias, por autores e ré na proporção do vencido.

            Lisboa, 12 de Setembro de 2013

Bettencourt de Faria (Relator)

Pereira da Silva

João Bernardo