Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B531
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
TRESPASSE
MATÉRIA DE FACTO
CONTRADIÇÃO
Nº do Documento: SJ200503170005317
Data do Acordão: 03/17/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 6735/04
Data: 10/14/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO.
Sumário : 1. A vertente de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito a que se reporta o artigo 729º, nº 3, do Código de Processo Civil ocorre quando as instâncias a seleccionaram imperfeitamente, amputando-a de elementos indispensáveis à definição e aplicação do direito pelo Supremo Tribunal de Justiça.
2. A referida ampliação só pode efectivar-se no que concerne a factos articulados pelas partes ou que ao tribunal seja lícito conhecer nos termos do artigo 264º do Código de Processo Civil e que sejam envolvidos de essencialidade para a definição da base jurídica do pleito.
3. A contradição da matéria de facto tida por assente só justifica a anulação se, pela sua natureza e amplitude, não permitir ao Supremo Tribunal de Justiça a aplicação do pertinente regime jurídico, caso em que, em regra, não tem de o definir previamente.
4. Questionado se o objecto mediato do declarado trespasse de oficina de reparação auto foi ou não um estabelecimento industrial, nos termos em que este é implicitado nos artigos 111º, nºs 1 e 2, e 115º, nºs 1 e 2, do Regime do Arrendamento Urbano, a pertinente solução jurídica, incluindo a concernente à admissibilidade do chamado trespasse parcial, pressupõe um quadro de facto harmónico quanto aos seus elementos corpóreos e incorpóreos.
5. Há contradição fáctica inviabilizante da aplicação do direito pertinente entre, por um lado:
a) A retirada da oficina de reparação de automóveis, motas e máquinas várias, pelo trespassante, antes do trespasse, dos empregados, dos arquivos, de todas as máquinas destinadas à reparação e assistência de automóveis e a transferência para outro estabelecimento dos escritórios, do stand ou oficina de automóveis, da clientela, de todas as máquinas para reparação de automóveis, apenas deixando as paredes.
b) E, por outro, haver o trespasse compreendido equipamento básico de instalações fixas de adaptação, ventilador e acessórios, cofre embutido na parede, espelho oval de controlo de saída oficina, bancas de trabalho em ferro, com o preço de 7.800.000$00, 75.000$00, 200.000$00, 25.000$00, 25.000$00 e 40.000$00, respectivamente, diversas pequenas ferramentas, clientela não relativa à Citroen, óleos, lubrificantes, massas de ferro e tintas, compreendidas no seu valor residual de 5.815.000$00.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I

"A" e B intentaram, no dia 26 de Novembro de 1996, contra C, & Cª Ldª e D, acção declarativa constitutivo-condenatória, com processo ordinário, pedindo a resolução do contrato de arrendamento relativo a parte do quintal e à dependência do prédio urbano sito na 1ª Rua do Conde, ..., Matriz, Ponta Delgada, Região Autónoma dos Açores, e a condenação dos réus na sua entrega e no pagamento de 2.300.000$00 e de 3.000$ por dia de atraso nessa entrega, com fundamento na cedência ilegal do locado pela primeira ao segundo e na falta de pagamento da renda.

Os réus, em contestação, afirmaram que o objecto da transferência foi o estabelecimento sob trespasse legal, e o segundo réu ter pago as rendas às autoras até Março de 1996, e que passou a depositá-las na Caixa Geral de Depósitos em razão da recusa deles em as receber.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 11 de Março de 2004, que absolveu os réus do pedido, com fundamento na legalidade do trespasse parcial do estabelecimento e na mora das autoras no recebimento das rendas justificativa do seu depósito na Caixa Geral de Depósitos.

Apelaram as autoras, e a Relação, por acórdão de 14 de Outubro de 2004, essencialmente pelos mesmos fundamentos afirmados na sentença recorrida, negou provimento ao recurso.

Interpuseram as apelantes recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação:
- no trespasse do estabelecimento não foram autonomizadas as partes relativas à reparação e assistência de automóveis e a reparação e assistência de motas e máquinas diversas, e a actividade praticada no locado está fora do objecto do contrato de arrendamento e, por isso, é ilícita;
- o trespasse parcial do estabelecimento deve salvaguardar a funcionalidade do complexo menor que se transmite, devendo ter um mínimo de elementos em que o estabelecimento radica e que o tornem reconhecível e apto para o respectivo fim;
- a transmissão de algum equipamento que ocorreu não configura trespasse parcial do estabelecimento, porque essa universalidade não corresponde aos elementos que integravam o objecto de trespasse;
- a circunstância de o recorrido D ter destinado o local arrendado à actividade de reparação de motas e máquinas diversas, porque diferente da que foi objecto do trespasse, implica que a situação se compreenda na presunção de inexistência de trespasse prevista na alínea b) do nº 2 do artigo 115º do Regime do Arrendamento Urbano;
- ao entender ter havido trespasse parcial, o acórdão recorrido violou o artigo 115º, nºs 1 e 2, do Regime do Arrendamento Urbano;
- deve declarar-se a nulidade do contrato de trespasse e a resolução do contrato de arrendamento e ordenar-se o despejo do locado.

Responderam os recorridos, em síntese útil de conclusão de alegação:
- da actividade múltipla que exercia no locado, a recorrida trespassou ao recorrido a parte relativa à reparação de motas e máquinas diversas;
- o erro de qualificação cometido relativo ao tipo de oficinas não afecta a validade ou o conteúdo do negócio, nem viola o artigo 115º do Regime do Arrendamento Urbano;
- a expressão oficinas auto resulta de uma prática notarial ritualizada, mas, não obstante a imperfeita terminologia utilizada na escritura, é válido o trespasse parcial em causa.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. Por escritura de 10 de Agosto de 1979, as autoras e representantes da ré C, & Cª Ldª declararam, as primeiras darem de arrendamento à segunda, e esta aceitá-lo, por um ano, com início no dia 1 de Maio de 1979, prorrogável por igual duração, enquanto conviesse a ambas as partes, para instalação de uma oficina de reparação de veículos automóveis, máquinas diversas e armazéns, pela renda a pagar na casa da autora A, no primeiro dia útil de cada mês anterior àquele a que dissesse respeito, uma "parte do quintal e uma das dependências do prédio urbano sito à 1ª Rua Conde, ..., Matriz, Ponta Delgada, Região Autónoma dos Açores, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada, sob o n.º 9572, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 536º, formando um todo, completamente murado e constituído por terreno do quintal com a área aproximada de 900 m2, confrontando pelo norte com a Travessa dos Pinheiros, pelo sul com Herdeiros de E e outro, pelo nascente com o restante quintal das autoras e pelo poente com a Rua dos Pinheiros, situando-se, no ângulo noroeste deste terreno, uma casa baixa, telhada, com a área coberta de cerca de 156 m2, conhecida por Atelier do Doutor...., sendo a renda actual de 37.725$ mensais.

2. A ré C, & Cª Ldª exercia a sua actividade de reparação de automóveis, incluindo serviços administrativos, em três locais distintos: no quintal referido sob 1, mas com saída e entrada na Rua Manuel Augusto Amaral, nº 12, em Ponta Delgada, a de reparação de automóveis, motas e máquinas várias; na Rua dos Mercadores, nºs ..., em Ponta Delgada, onde estavam serviços administrativos e de contabilidade; e na Rua de São Gonçalo, nº.., em Ponta Delgada, onde havia reparação de automóveis.

3. Em Setembro de 1995, a ré C, & Cª Ldª retirou do arrendado os seus empregados, os seus arquivos, todas as máquinas destinadas à reparação e assistência de automóveis, desaparafusando-as do chão e das paredes, retirando dele mais de 10 camiões de entulho.

4. A ré C, & Cª Ldª ª deixou de ter ali e transferiu para São Gonçalo, os seus escritórios, stand ou oficina de automóveis, a sua clientela, os seus arquivos e todas as suas máquinas para reparação de automóveis, deixando apenas as paredes.

5. A partir de 18 de Setembro de 1995, toda a sua clientela de veículos da marca Citroen passou a ser atendida e recebida em novas instalações, em São Gonçalo, por mestres que, por conta dela trabalhavam no arrendado, e este manteve-se fechado para reparações e pinturas pelo menos até princípios de Fevereiro de 1996.

6. Por carta de 30 de Novembro de 1995, a ré C, & Cª Ldª informou a autora A de que pretendia trespassar o estabelecimento de oficina de automóveis objecto do contrato, por 14.000.000$, ao réu D, nas condições referidas na dita carta e de que lhe dava o prazo de oito dias para exercer o direito de preferência, ao que ela não respondeu.

7. Em escritura de 24 de Fevereiro de 1996, representantes da ré C, & Cª Ldª e o réu D declararam, a primeira trespassar ao segundo e este aceitar o trespasse, pelo preço de 14.000.000$00, das oficinas de reparação auto instaladas no arrendado, com todas as suas pertenças, móveis e equipamentos, benfeitorias nele feitas, clientela e o direito ao arrendamento.

8. O estabelecimento objecto do trespasse - estabelecimento de reparações mecânicas e armazém - era apenas mais um dos elementos componentes da actividade da ré C, & Cª Ldª.

9. Esse trespasse compreendeu equipamento básico - instalações fixas de adaptação - 7.800.000$00 - ventilador e acessórios - 75.000$00 - cofre embutido na parede - 200.000$00 - espelho oval de controlo de saída oficina - 25.000$00 - bancas de trabalho em ferro - 40.000$00, sendo 5.815.000$00 o valor residual do trespasse.

10. No valor residual mencionado sob 9 incluem-se ainda: diversas pequenas ferramentas, o direito ao arrendamento, clientela que não da Citroen - esta marca e a respectiva concessão não foi objecto de negociação entre os réus - e matéria prima diversa tal como óleos, lubrificantes, massas de ferro e tintas.

11. O réu D, apesar de se dedicar, antes e depois do trespasse, à reparação de motas e motociclos da sua representada Yamaha, efectuava, numa altura e noutra, outras reparações mecânicas, tais como de motores de moto-serras, de motores de lanchas e de máquinas de cortar relva e roçadeiras.

12. O réu D, após as necessárias adaptações e reparações do arrendado, passou ali a fazer reparações de motas e motociclos da sua representada Yamaha.

13. O réu D, dentro do mesmo ramo de actividade de reparação mecânica ou de reparação de máquinas diversas exercido pela ré C, & Cª Ldª no estabelecimento, passou também a reparar motorizadas e motas.

14. A ré C, & Cª Ldª entregou à autora A o montante das rendas até Fevereiro de 1995, inclusive, e as rendas relativas aos meses de Abril de 1996 a Março de 1997 foram depositadas pelo réu D à ordem do tribunal, alegando a recusa de recebimento de rendas por parte das autoras, que ocorreu.

15. As rendas foram entregues pela ré C, & Cª Ldª às autoras e por estas recebidas até Março de 1996, e, posteriormente, foram depositadas na Caixa Geral de Depósitos à ordem do Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada por recusa delas do seu recebimento, tendo a estas sido comunicado verbalmente pelo réu D que iria proceder àquele depósito.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrida C, & Cª Ldª cedeu ou não ilegalmente a sua posição contratual relativamente ao contrato que celebrara com as recorrentes.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação das recorrentes e dos recorridos, sem prejuízo de a solução dada a uma prejudicar a que deva ser dada a outra ou a outras, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática.

- lei adjectiva aplicável na acção e nos recursos;
- pressupostos legais da ampliação da matéria de facto ou da superação da sua contradição;
- nexo de conexão entre os factos considerados assentes no acórdão recorrido face à sua coerência lógica necessária à aplicação do direito;
- natureza, âmbito objectivo e efeitos do contrato celebrado entre as recorrentes e a recorrida C, & Cª Ldª;
- natureza, âmbito objectivo e efeitos do contrato celebrado entre os recorridos;
- admissibilidade ou não do chamado trespasse parcial do estabelecimento;
- natureza e sentido das expressões, veículos automóveis, oficinas de reparação auto, motas, trespasse e estabelecimento mencionadas no elenco dos factos provados;
- regime legal da resolução do contrato de arrendamento em aproximação ao caso vertente;
- transmitiu-se ou não eficazmente para o recorrido a posição de arrendatária da recorrida no âmbito do contrato entre ambos celebrado?

Vejamos de per se cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela determinação da lei adjectiva aplicável na acção e nos recursos no quadro da aplicação de leis no tempo.
Como a acção foi proposta no dia 26 de Novembro de 1996, são-lhe aplicáveis as pertinentes normas adjectivas anteriores às do Código de Processo Civil Revisto, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 (artigo 16º do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro).
Como a sentença do tribunal da 1ª instância foi proferida no dia 11 de Março de 2004, aos recursos são aplicáveis as pertinentes normas do Código de Processo Civil Revisto (artigo 25º, nº 1, do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro).

2.
Atentemos agora nos pressupostos legais da ampliação da matéria de facto ou da superação da sua contradição.
A regra é no sentido de que aos factos fixados pelo tribunal recorrido o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, e a excepção envolve que a decisão da matéria de facto pelo tribunal recorrido não pode ser alterada, salvo no caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil (artigo 729º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Assim, a competência regra do Supremo Tribunal de Justiça cinge-se ao conhecimento de matéria de direito, e a Relação deve fixar o quadro de facto que viabilize aquele conhecimento.
Independentemente disso, o processo pode voltar ao tribunal recorrido quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou se ocorreram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito (artigo 729º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
A vertente de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito ocorre quando as instâncias a seleccionarem imperfeitamente, amputando-a de elementos que consideraram dispensáveis, mas que, na realidade, se revelam indispensáveis para que o Supremo Tribunal de Justiça defina o direito aplicável ao caso espécie submetido à sua apreciação.
A referida ampliação só pode, porém, efectivar-se no que concerne a factos articulados pelas partes ou que ao tribunal seja lícito conhecer nos termos do artigo 264º do Código de Processo Civil, desde que envolvidos de essencialidade para a definição da base jurídica do pleito.
A outra situação ocorre, por seu turno, quando a contradição entre os factos provados for de tal natureza ou amplitude que não permita a configuração do quadro de facto indispensável para que o Supremo Tribunal de Justiça, possa operar a decisão da causa.
No caso de ampliação da matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça, depois de definir o direito aplicável, se possível, deve mandar julgar novamente a causa, pelos mesmos juízes que intervieram no primeiro julgamento, se tal ainda for viável, de harmonia com aquele quadro jurídico (artigo 730º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Mas na situação de falta ou de contradição dos elementos de facto, não tem o Supremo Tribunal de Justiça, como é natural, de fixar o regime jurídico a aplicar, caso em que a nova decisão admitirá recurso de revista (artigo 730º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

3.
Vejamos agora o nexo de conexão entre os factos considerados assentes no acórdão recorrido face à sua coerência lógica necessária à aplicação do direito.
Questionado se o objecto mediato do declarado trespasse de oficina de reparação auto foi ou não um estabelecimento industrial, nos termos em que este é implicitado nos artigos 111º, nºs 1 e 2, e 115º, nºs 1 e 2, do Regime do Arrendamento Urbano, a pertinente solução jurídica, incluindo a concernente à admissibilidade do chamado trespasse parcial, pressupõe um quadro de facto harmónico quanto aos seus elementos corpóreos e incorpóreos.

Está assente, relativamente a C, & Cª Ldª, por um lado, em primeiro lugar:
- exercer no prédio em causa, num momento inicial, a sua actividade de reparação de automóveis, motas e máquinas várias, incluindo serviços administrativos e, em Setembro de 1995, dele ter retirado dez camiões de entulho, os empregados, os arquivos, todas as máquinas destinadas à reparação e assistência de automóveis, desaparafusando-as do chão e das paredes;
- ter deixado de ter ali e haver transferido para São Gonçalo os escritórios, o stand ou oficina de automóveis, a clientela, os arquivos, todas as suas máquinas para reparação de automóveis, apenas deixando as paredes;
- a partir de 18 de Setembro de 1995, toda a sua clientela de veículos da marca Citroen passou a ser atendida e recebida em novas instalações, em São Gonçalo, por mestres que, por conta dela, trabalhavam no arrendado;
- o prédio manteve-se fechado para reparações e pinturas pelo menos até princípios de Fevereiro de 1996.
E, por outro, em segundo lugar, está assente não só o que foi declarado, depois disso, no instrumento notarial outorgado por C, & Cª Ldª e D, no dia 24 de Fevereiro de 1996, como também que o trespasse compreendeu equipamento básico - instalações fixas de adaptação - 7.800.000$00 - ventilador e acessórios - 75.000$00 - cofre embutido na parede - 200.000$00 - espelho oval de controlo de saída oficina - 25.000$00 - bancas de trabalho em ferro - 40.000$00, e que o valor residual daquele trespasse, no montante de 5.815.000$00, abrangeu diversas pequenas ferramentas, o direito ao arrendamento, clientela que não da Citroen, matéria prima diversa, tal como óleos, lubrificantes, massas de ferro e tintas.

Independentemente de se não concretizar qual era a clientela que integrava o estabelecimento aquando da celebração do contrato de compra e venda que o teve por objecto mediato, pois apenas se sabe que não era da citroen, resulta deste último núcleo fáctico que ele englobava instalações fixas de adaptação, ventilador e acessórios, cofre embutido na parede, espelho oval de controlo de saída oficina, bancas de trabalho em ferro, cada um destes elementos materiais com preço determinado, e diversas pequenas ferramentas, óleos, lubrificantes, massas de ferro e tintas, estas últimas sem preço de referência.

Em termos de harmonia e coerência fáctica, não é logicamente compreensível a situação de esvaziamento do prédio objecto mediato do contrato celebrado entre as recorrentes e a recorrida C, & Cª Ldª, acima enunciada em primeiro lugar, e a amplitude do objecto mediato do contrato celebrado entre a última e D, acima referida em segundo lugar.
Ocorre, por isso, contradição entre os mencionados núcleos de facto, cuja harmonia se revela essencial à definição da situação jurídica envolvente, porque está essencialmente em causa, conforme acima se referiu, a questão de saber se na espécie o objecto mediato do contrato celebrado entre os recorridos foi ou não um estabelecimento.

Essa contradição assume, pela sua estrutura, natureza e amplitude que não permite a configuração do quadro de facto coerente e harmónico, necessário para que o Supremo Tribunal de Justiça possa operar a decisão jurídica do litígio.
Com efeito, tendo em conta a estrutura da decisão jurídica do pleito que importa proferir nesta sede de recurso, a mencionada contradição na decisão da matéria de facto lato sensu, pelos motivos acima indicados, inviabiliza-a.
Impõe-se, por isso, a prolação de decisão de anulação do acórdão recorrido - sem definição do regime jurídico aplicável por inviável - com vista a que a Relação diligencie pela superação da mencionada contradição fáctica.

Decorrentemente, fica prejudicada a decisão das outras sub-questões acima mencionadas.
Tendo em conta o disposto no artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e a circunstância de se tratar de decisão de anulação do acórdão recorrido, sem conhecimento do mérito do recurso de revista, impõe-se nesta sede a condenação no pagamento de custas da parte ou das partes que a final ficarem vencidas.
IV
Pelo exposto, anula-se o acórdão recorrido, determina-se a remessa do processo à Relação a fim de superar a mencionada contradição fáctica e condena-se a parte vencida a final no pagamento das custas do recurso.

Lisboa, 17 de Março de 2005
Salvador da Costa,
Ferreira de Sousa,
Armindo Luís.