Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04S1902
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDES CADILHA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
CRÉDITO LABORAL
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: SJ200411240019024
Data do Acordão: 11/24/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 811/02
Data: 11/17/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : A retroacção dos efeitos da propositura da acção à data da entrada do pedido de apoio judiciário, nos termos previstos no artigo 34º, n.º 3, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, apenas opera quando o interessado tenha formulado pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação prévia de patrono, e não já um pedido de pagamento de honorários do patrono escolhido.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

1. Relatório.

"A", na presente acção emergente do contrato de trabalho que intentou contra o Centro Paroquial B, recorre do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, confirmando a decisão de primeira instância, julgou procedente a excepção de prescrição dos créditos laborais reclamados, mormente por se não ter operado a suspensão do respectivo prazo por efeito do pedido de apoio judiciário entretanto apresentado.

No recurso de revista, formula as seguintes conclusões:

I - À data da entrada da acção em juízo, bem como à data da citação do Réu, ainda não tinha decorrido o prazo prescricional, por ter ocorrido uma causa de interrupção daquele prazo.
II - Como bem se decidiu no Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Fevereiro de 2003, in CJ, I, 194, "a modalidade prevista na alínea. b) do citado art° 15° é a nomeação e pagamento de honorários, sendo estes pagos ao patrono que foi nomeado pela entidade com poderes para tal - alíneas. a) e b) do n° 3 do art° 36 da citada lei, ou em alternativa do patrono escolhido pelo requerente.
III - A alternativa mencionada na alínea c) do art. 15°, refere-se, apenas, ao pagamento de honorários, e não representa qualquer nova modalidade de apoio judiciário.
IV - No caso de pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários a patrono escolhido, não é automaticamente atendível a indicação do patrono escolhido pelo requerente do apoio judiciário, sendo que compete à Ordem dos Advogados sindicar a escolha do advogado indicado pelo requerente, nos termos dos arts. 50 e 51 da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro.
V - Com efeito, o patrono escolhido só podia assumir o patrocínio da Autora, na dita modalidade, depois se saber se a Ordem dos Advogados iria atender à indicação daquela.
VI - Assim, a causa deve considerar-se proposta na data em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono.
VII - Decidindo como decidiu, o Acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação dos arts. 15, alínea c), 25, n.ºs 4 e 5, alíneas a) e b), 34, n° 3, 50 e 51 da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro.

A ré, ora recorrida, não contra-alegou, e o representante do Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça, pronunciou-se no sentido de ser negada a revista por entender que a modalidade de apoio judiciário que estava em causa era a de pagamento de honorários, e não a de nomeação de patrono, sendo que só esta implicava a suspensão do prazo prescricional.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto.

Os factos relevantes, que não suscitam controvérsia, são os seguintes:

a) A petição inicial deu entrada no Tribunal a quo no dia 2 de Outubro de 2001.
b) O pedido de apoio judiciário, na modalidade de pagamento de honorários a patrono escolhido, foi deduzido em requerimento datado de 13 de Agosto de 2001 e a data do despacho que o defere é de 7 de Setembro de 2001.
c) A R. despediu a A. por carta que esta recebeu em 2 de Outubro de 2000.
d) A A. emitiu procuração a favor do Sr. Dr. C em 2 de Agosto de 2001.
e) A R. foi citada para a presente acção por carta registada com aviso de recepção, por ela recebida em 17 de Outubro de 2001.

3. Fundamentação de direito.

A única questão a dirimir é a de saber se ocorreu a prescrição dos créditos laborais invocados pela autora, tendo em conta que a autora formulou pedido de apoio judiciário, na modalidade de pagamento de honorários a patrono escolhido, por requerimento datado de 13 de Agosto de 2001, ainda antes de ter decorrido o prazo prescricional que só terminava em 3 de Outubro desse ano.

A questão centra-se essencialmente na definição do âmbito de aplicação da norma do artigo 34º, n.º 3, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, vigente à data em que foi proposta a acção.

A Lei n.º 30-E/2000, que instituiu um novo regime de acesso aos tribunais, revogando o Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, estabelece, no seu artigo 15º, o seguinte:

"O apoio judiciário compreende as seguintes modalidades:
a)Dispensa, total ou parcial, de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
b) Diferimento do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo;
c) Nomeação e pagamento de honorários do patrono designado ou, em alternativa, pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente;
d) Nomeação e pagamento da remuneração do solicitador de execução designado ou, em alternativa, pagamento da remuneração do solicitador escolhido pelo requerente."

Por outro lado, no que concerne à repercussão que o procedimento de apoio judiciário poderá ter no andamento da causa ou nos respectivos efeitos civis, relevam os artigos 25º e 34º, que, na parte que interessa considerar, preceituam o seguinte:
(...)"
"Artigo 25.°
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
(...)"
"Artigo 34.°
1 - O patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, comunicando tal facto à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, e apresentando justificação, no caso de não instauração da acção naquele prazo.
2 - Quando não for apresentada justificação, ou esta não for julgada satisfatória, o conselho distrital da Ordem dos Advogados ou o conselho regional da Câmara dos Solicitadores procede à apreciação de eventual responsabilidade disciplinar e à designação de novo patrono ao requerente nos termos previstos nos artigos 32.° e 33.°
3 - A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono."

Como se vê, existem distintas modalidades de apoio judiciário (artigo 15º), como também são diversos os modos pelos quais o pedido de apoio judiciário poderá interferir no desenvolvimento da acção ou no exercício do respectivo direito. O artigo 25º prevê a hipótese de o pedido de apoio judiciário, quando inclua a nomeação de patrono, seja apresentado na pendência de acção judicial: nesse caso, com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento interrompe-se o prazo que estiver e curso. É o que sucede quando o pedido seja formulado por quem figura como réu: se este pretende o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o prazo para apresentar a sua defesa interrompe-se com o pedido e apenas se reinicia com a notificação da decisão que vier a ser proferida no respectivo procedimento. O artigo 34º consigna, por sua vez, a possibilidade de a nomeação de patrono ser requerida pelo autor para efeito de propositura da acção: nesse caso, a consequência, como determina o n.º 3, é a de se considerar a acção proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.

A diversidade das soluções legais é bem compreensível: num caso, a acção já se encontra a decorrer e está em causa a prática de um acto processual, cujo prazo só deverá começar a correr quando a parte tenha regularizado a sua situação quanto ao patrocínio judiciário, quer mediante a nomeação de patrono, quer através da constituição de advogado se aquele pedido lhe for indeferido; no segundo caso, o interessado carece de obter a designação de um patrono para o patrocinar na acção que pretende intentar e daí que a lei ficcione o pedido de nomeação prévia como constituindo a entrada da petição inicial em juízo, para o efeito de operar a interrupção da prescrição ou da caducidade do direito.

Em qualquer dos casos, a lei salvaguarda a posição do requerente do apoio judiciário, permitindo que disponha de um novo prazo para a prática do acto processual ou evitando, quando se trata de propositura de acção, que a realização das formalidades para a designação de patrono venham a prejudicar o exercício tempestivo do direito.

Como é bem de ver, as garantias que o legislador oferece ao requerente de apoio judiciário e, em particular, a quem pretenda interpor uma acção judicial, só se justificam quando esteja em causa a nomeação de patrono, e é justamente a essa modalidade de apoio judiciário a que as disposições do n.º 4 do artigo 25º e do n.º 3 do artigo 34º se referem. Sendo obrigatório o patrocínio judiciário, o interessado não poderá praticar o acto processual sem que tenha obtido previamente a designação de um de patrono ou constituído advogado, caso esse pedido venha ser indeferido, e daí que a lei contemple um mecanismo que permita assegurar o exercício tempestivo do direito.

É óbvio que a razão de ser da lei não opera quando o interessado, no pedido de apoio judiciário, se limite a requerer a dispensa ou o diferimento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, ou o pagamento de honorários do patrono escolhido. Isso porque, em qualquer desses casos, não está em risco a prática do acto processual e o que pode suceder é que o requerente poderá ter de pagar os encargos tributários no momento próprio ou suportar os honorários do causídico que o tenha patrocinado (cfr., quanto a este ponto, o n.º 4 do artigo 31º da Lei 30-E/2000).

Sustenta o recorrente que o pedido de pagamento de honorários previsto na segunda parte da alínea c) do art. 15° não constitui uma modalidade de apoio judiciário diversa da nomeação prévia de patrono, e que, nesse caso, a indicação do
patrono escolhido não é automaticamente atendível, sendo à Ordem dos Advogados que compete sindicar a escolha do advogado indicado pelo requerente, nos termos dos arts. 50 e 51 da Lei 30-E/2000.

É a todos os títulos evidente que a nomeação e pagamento de honorários do patrono designado ou o pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente, a que se referem a primeira e a segunda partes da alínea c) do artigo 15º da Lei 30-E/2000, correspondem a modalidades distintas de apoio judiciário, cujo deferimento ou indeferimento tem também diferentes consequências. A própria lei põe em realce que se trata de pedidos alternativos e que, por isso mesmo, não são reconduzíveis a uma mesma realidade.

Por outro lado, as regras dos artigos 50º e 51º da Lei 30-E/2000, ao contrário do que defende o recorrente, não se aplicam à modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente, mas antes - o que é coisa diferente - à nomeação de patrono indicado pelo requerente do apoio judiciário.

Na verdade, quando está em causa apenas o pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente, a decisão a adoptar compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência do requerente, que poderá deferir ou indeferir esse pedido, com a consequência de este ter ou não de suportar os honorários devidos ao advogado constituído, conforme o apoio judiciário, nessa modalidade, tenha ou não sido concedido; se tiver sido requerida a nomeação prévia de patrono, é que, sendo concedido o apoio judiciário, cabe à Ordem efectuar a escolha e nomeação do mandatário forense, nos termos previstos no artigo 32º, n,º 1, sendo que os artigos 50º e 51º da Lei n.º 30-E/2000 reportam-se justamente à possibilidade de o requerente ter indicado o patrono sobre quem deveria recair a designação. É nessa, e apenas nessa, circunstância que a Ordem dos Advogados, no exercício da competência que lhe é deferida pelo artigo 32º, poderá atender ou não à indicação sugerida pelo interessado.

Tendo a autora, ora recorrente, requerido o apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido, não tinha de aguardar qualquer decisão da Ordem dos Advogados sobre a matéria, e antes poderia desde logo avançar com a propositura da acção, tanto que, como se demonstra, havia emitido procuração a favor do mandatário forense em 2 de Agosto de 2001.

Nestes termos, não há que retroagir a data da propositura da acção ao momento em que foi apresentado o pedido de apoio judiciário, visto que não tem aplicação ao caso o disposto no artigo 34º, n.º 3, da Lei n.º 30-E/2000.

E, sendo assim, a prescrição dos créditos laborais só poderia ter-se interrompido com a citação da ré, verificada em 17 de Outubro de 2001, ou, na melhor das hipóteses, atento o disposto no artigo 323º, n.º 2, do Código Civil, cinco dias após a data da efectiva entrada em juízo da petição inicial, ou seja, em 7 de Outubro de 2001.

Ora, em qualquer dessas datas já tinha ocorrido a prescrição dos créditos laborais reclamados pela autora, considerando o disposto no artigo 38º da LCT, visto que tinha transcorrido mais de um ano e um dia a partir da data em que se considerou cessada a relação laboral (em 2 de Outubro de 2000).
4. Decisão.
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 24 de Novembro de 2004
Fernandes Cadilha
Mário Pereira
Salreta Pereira