Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
28447/17.6T8LSB.L1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
DUPLA CONFORME
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
RELEVÂNCIA JURÍDICA
PRESSUPOSTOS
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 09/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº643 CPC
Decisão: INDEFERIDA
Sumário :
I. Existindo dupla conformidade decisória, o recurso previsto no artigo 671.º, n.º 1 do CPC não é admissível, como determina o n.º 3 deste artigo.

II. Para que a hipótese de revista excecional prevista no artigo 672.º, n.º 1, alínea a) possa ser submetida à apreciação da Formação a que alude o n.º 3 do artigo 672.º, o recorrente tem de indicar tal hipótese de recurso na sua alegação, bem como as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA, inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30.01.2025, que julgou improcedente o recurso de apelação, por si interposto, e manteve a sentença recorrida, quer quanto à fundamentação de facto, quer quanto à decisão de direito (concluindo também que essa sentença não padecia de nulidade), interpôs recurso de revista contra tal acórdão.

2. Por despacho de 08.04.2025, o tribunal recorrido não admitiu a subida do recurso de revista.

Tal despacho foi fundamentado nos termos que se transcrevem:

«A decisão proferida manteve integralmente e de forma unânime o decidido em 1.ª instância.

Verifica-se, assim, prima facie, o impedimento legal de recurso estabelecido pelo art.º 671.º n.º 3 do CPC.

Não foi invocado qualquer fundamento de excecionalidade que permitisse sustentar revista do acórdão proferido, à luz do disposto no art.º 672.º.

Não foi invocado também qualquer vício na decisão proferida, sendo os argumentos apresentados, em síntese, uma repetição dos anteriormente apresentados nas alegações do recurso interposto a esta instância.

Impõe-se, assim, rejeitar o recurso de revista, por legalmente inadmissível

3. Contra essa decisão, o recorrente apresentou Reclamação, nos termos do artigo 643.º do CPC.

Afirmou o recorrente-reclamante, em síntese, que: «(…) o caso sub judice tem enquadramento no art.º 672.º, n.º 1, al. a) do CPC

E afirmou ainda que o acórdão recorrido estaria ferido de nulidade, nomeadamente, por falta de fundamentação. No mais o teor dessa reclamação dirige-se, essencialmente, a manifestar discordância com o sentido do acórdão recorrido.

3. Distribuídos os autos no STJ, por decisão de 06.06.2025 foi confirmado o despacho do TRL que havia sido objeto de reclamação.

4. Contra essa decisão, o recorrente-reclamante apresentou reclamação para a Conferência, tendo em vista a prolação de acórdão que admita o recurso de revista.

Cabe apreciar em Conferência.

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II. FUNDAMENTOS

1. Pede o reclamante que a decisão proferida nos termos do artigo 643.º, n.º 4 do CPC, em 06.06.2025, que confirmou a anteriormente reclamada decisão do TRL, não admitindo a revista, seja objeto de acórdão que admita este recurso.

2. Afirma o reclamante, para rebater a não admissibilidade da revista, que a decisão reclamada não indica “factos concretos” que justifiquem tal decisão, pelo que esta seria nula. Alega que tal decisão não estaria fundamentada, sendo, por isso, ilegal e inconstitucional e constituiria uma denegação de justiça. Por outro lado, afirma que a regra da dupla conforme não poderia sobrepor-se à existência de nulidade do acórdão recorrido, concluindo, por isso, que a revista sempre seria admissível com base nessa nulidade. Reafirma, ainda, que a revista seria admissível, com base no artigo 672º, n.º 1, alínea a) do CPC, enquanto revista excecional.

3. É o seguinte, no essencial, o teor da decisão reclamada:

«- Tendo o acórdão recorrido confirmado a decisão da primeira instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a revista normal, prevista no artigo 671.º, n.º 1 do CPC, não é admissível por a tal obstar a existência de “dupla conforme”, prevista no n.º 3 do referido artigo 671.º. Aliás, tal inadmissibilidade não é contestada pelo reclamante.

- Entende agora o reclamante que a revista seria admissível com base no artigo 672.º, n.º 1, alínea a) do CPC, ou seja, enquanto revista excecional.

É manifesto que não lhe assiste razão. Efetivamente, tal fundamento teria de ter sido alegado na interposição do recurso de revista, no qual teriam de ter sido demonstrados, sob pena de rejeição, os requisitos exigidos pelo artigo 672.º, n.º 2 do CPC. Ora, compulsadas as alegações do reclamante, facilmente se concluiu que esse ónus não foi cumprido.

- Afirma ainda o reclamante que o acórdão recorrido padeceria de nulidade. Porém, como decorre claramente do disposto no artigo 615.º, n.º 4 do CPC, a invocação de nulidades não sustenta, por si só, a admissibilidade de um recurso.

Nestes termos, é de concluir que a decisão reclamada não merece censura, pois fez a correta aplicação da lei processual ao considerar o recurso de revista não admissível.

DECISÃO: Pelo exposto, indefere-se a reclamação

4. Ao afirmar que a decisão reclamada não indica “factos concretos” que a justifiquem e que, por isso, seria nula por falta de fundamentação, o reclamante parece desconhecer que a reclamação prevista no artigo 643.º do CPC respeita apenas aos requisitos processuais de admissibilidade do recurso.

Como se afirmou na decisão agora alvo de reclamação, o acórdão recorrido confirmou integralmente a decisão da primeira instância, sem existir voto de vencido ou fundamentação essencialmente diversa, pelo que a revista normal, prevista no artigo 671.º, n.º 1 do CPC não pode ser admitida, por a tal obstar a existência de dupla conformidade decisória, nos termos do artigo 671º, n.º 3.

A decisão reclamada fez, portanto, a correta aplicação da lei processual ao confirmar a decisão do TRL, não existindo, deste modo, qualquer nulidade por falta de fundamentação. Tal como não existe qualquer inconstitucionalidade ou denegação de justiça (que o reclamante se limita a invocar, sem a mínima concretização do fundamento legal para basear tal afirmação).

5. Tal como se afirmou na decisão reclamada, o recorrente não demonstrou, nas suas alegações de recurso, a existência dos requisitos legalmente exigidos para que o recurso pudesse ser tratado como revista excecional e, desse modo, pudesse ser enviado à Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3 do CPC.

Efetivamente, nos termos do artigo 672.º, n.º 2, alínea a), o requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição, as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. Ora, compulsadas as alegações do reclamante, facilmente se concluiu que esse ónus não foi cumprido. É, assim, irrelevante que na reclamação prevista no artigo 643.º do CPC venha indicar esse fundamento legal.

Conclui-se, claramente, que não se encontram reunidos os pressupostos legais para que a subida do recurso pudesse ser admitida e este pudesse ser enviado à Formação a que alude o artigo 672º, n.º 3, dada a não demonstração do exigido pela invocada alínea a) do artigo 672º, n.º 1.

6. Acresce que, como já afirmado na decisão objeto de reclamação, não assiste razão ao reclamante quando afirma que a regra da dupla conforme não impede o recurso de revista quando exista nulidade do acórdão recorrido. Efetivamente, do disposto no artigo 615.º, n.º 4 do CPC decorre com absoluta clareza que a invocação de nulidades não sustenta, por si só, a admissibilidade de um recurso de revista. Assim, não sendo o recurso admissível, as eventuais nulidades serão conhecidas pelo tribunal que proferiu a decisão em causa, quando invocadas nos termos legais.

7. Para além do referido, o reclamante preenche o seu requerimento com a manifestação de discordância quanto ao modo como as instâncias julgaram a causa, o que, manifestamente, é irrelevante para efeitos de admissibilidade da revista. Efetivamente, constituiria uma inversão metodológica tecer quaisquer considerações sobre o sentido da decisão de mérito do acórdão recorrido, quando o que está em causa é a questão prévia da admissibilidade do recurso. São, portanto, processualmente inócuas para o sentido da presente decisão as longas alegações que o reclamante apresenta sobre o mérito do acórdão recorrido.

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DECISÃO: Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada, confirmando-se a decisão objeto de reclamação.

Custas pelo reclamante.

Lisboa, 23.09.2025

Maria Olinda Garcia (Relatora)

Rosário Gonçalves

Luís Correia de Mendonça