Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1696/04.0TBCBR.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
IMÓVEL DESTINADO A LONGA DURAÇÃO
DEFEITO DA OBRA
CONHECIMENTO
ACEITAÇÃO DA OBRA
PRESUNÇÕES LEGAIS
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DOS 1ºS RÉUS; CONCEDIDA EM PARTE A DA AUTORA
Sumário :
I - Os vícios aparentes são os que se revelam por sinais visíveis, a ponto de ter de se entender que o dono da obra deles se deveria ter apercebido se tivesse usado diligência normal. Inversamente, têm de ser considerados ocultos os defeitos não detectáveis por qualquer pessoa normal, não especializada na área, mesmo usando de normal diligência.
II - A importância da distinção resulta do disposto no art. 1219.º, n.º 2, do CC, que estabelece a presunção de os defeitos aparentes serem conhecidos pelo dono da obra, tenha havido ou não verificação desta. Tal presunção conduz a que, se o dono da obra não provar que justificadamente desconhecia tais defeitos (art. 350.º do CC), o empreiteiro não responde por eles se o dono a aceitou sem reserva, por força do disposto no n.º 1 do mesmo preceito.
III - O mau funcionamento da sanita e os maus cheiros não são, só por si, defeitos, mas consequência de defeitos, havendo que determinar quais. Não se pode exigir que a autora, pessoa que não se mostra dispor de conhecimentos especializados na área da construção civil, tivesse possibilidade de, mesmo utilizando toda a diligência normalmente utilizada por qualquer pessoa medianamente cuidadosa, conseguir determinar, logo aquando da entrega da obra e respectiva aceitação, que a origem do mau funcionamento da sanita e dos maus cheiros, que nem se mostra que já então fossem notoriamente persistentes e intensos, residisse em deficiências das canalizações, ou na falta da caixa de pavimento para a reunião de esgotos, que o normal das pessoas nem tem conhecimento de que seja necessária, as quais são dificilmente cognoscíveis por não se encontrarem à vista, não sendo exigível à autora que destrua o pavimento a fim de apurar a causa concreta daquelas manifestações de imperfeição.
IV - Tratando-se de defeitos ocultos, não se pode presumir o conhecimento deles pela autora aquando da aceitação da obra, tendo em consequência esse conhecimento de ser provado pelos réus por integrar matéria de excepção peremptória (art. 342.º, n.º 2, do CC).
V - Não tendo os réus demonstrado que o conhecimento da autora foi obtido na data da aceitação da obra, ou noutra data concreta também, anterior à da notificação judicial avulsa efectuada, têm de ver a dúvida daí resultante ser decidida contra eles (art. 516.º do CPC), ou seja, no sentido da inexistência de conhecimento anterior da autora, pelo que do disposto no art. 1219.º, n.º 1, do CC, não deriva a desresponsabilização do réu empreiteiro.
VI - Não demonstrada pelos réus a data do respectivo conhecimento pela autora, não lhes pode ser reconhecida razão também no respeitante à caducidade, por um lado, por não terem demonstrado o decurso de prazo superior a um ano desde a desconhecida data do conhecimento até à da denúncia e, por outro lado, por ter decorrido menos de um ano desde aquela notificação até à propositura da presente acção (art. 1225.º, n.º 2, do CC).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Em 02/06/04, AA propôs contra (1º) BB e mulher, CC, e contra (2º) o Banco DD, acção com processo ordinário, invocando em síntese que em Julho de 1999 celebrou com o Banco um contrato de mútuo com hipoteca destinado à construção de uma habitação própria, a construir num terreno de sua propriedade, sito no lugar de Barreira-Cernache, e que para a execução da moradia celebrou com o primeiro réu, no exercício da actividade comercial deste, um contrato de empreitada para edificação de uma moradia composta de rés do chão e primeiro andar.
O preço acordado para a realização da empreitada entre a autora e o primeiro réu foi de 22.700.000$00 a pagar em doze prestações mensais de 1.891.000$00 em função do trabalho realizado e em função da quantia disponibilizada pelo Banco à data da prestação.
O primeiro réu emitiria com dez dias de antecedência a factura correspondente à soma que lhe era devida pelo trabalho realizado anteriormente e “apurado em medição.”
A obra tinha o seu começo na data da assinatura do contrato de empreitada (14 de Julho de 1999) e deveria estar concluída até ao final de Agosto de 2000, mas não foi ainda concluída, tendo o Banco réu, apesar disso, pago indevidamente a totalidade do preço ao primeiro réu.
A obra apresenta vários defeitos de construção, e nunca foi aceite pela autora, que fez várias reclamações junto do primeiro réu, sem sucesso, e tem pago com grandes sacrifícios o empréstimo solicitado, pagando nomeadamente desde o ano de 2000 juros sobre uma quantia paga pelo réu Banco indevidamente, o que lhe causa prejuízos.
Concluiu pedindo que o 1º réu seja condenado a reparar os defeitos existentes no prédio da autora e enunciados no petitório (a), a indemnizá-la no valor de € 351.367,26 a título de danos patrimoniais pelo incumprimento contratual do prazo acordado para a conclusão das obras (b), e a pagar-lhe os valores já suportados por ela autora para obter o certificado da Certiel e novo pedido de licença na C.M.C. e reparação da instalação eléctrica no valor de € 2.272,41 (c), que o 2º réu seja condenado a repor à autora todos os valores que sejam apurados em execução de sentença e que foram pagos por ela a título de juros calculados sobre o valor pago indevidamente ao primeiro réu (d), e que os 1º e 2º réus sejam condenados, solidariamente, a indemnizá-la pelos danos patrimoniais e morais futuros até que a habitação dela autora se encontre reparada pelo primeiro réu ou por terceiros (e).
Em contestação, o Banco DD invocou que o empréstimo a que a autora alude foi contraído por ela e pelo então companheiro, que era funcionário de um Banco do grupo do DD.
Devido a desentendimento entre ambos, e com o acordo dos dois, foi em 9 de Abril de 2001 transferido para o Banco EE o empréstimo concedido anteriormente, ficando este titulado apenas em nome da autora, e ficando o companheiro P… A… desonerado das respectivas obrigações.
Invocou ainda que a conta aberta por ambos estava especialmente afecta às obrigações decorrentes da empreitada e, por ordem dos mutuários, era ali creditada a importância solicitada para pagamento ao empreiteiro, e que nunca o Banco tomou a iniciativa de pagamento a este, antes sendo a própria autora e o seu companheiro que davam ordem de transferência para a conta do empreiteiro dos valores que entendiam dever-lhe, e que os juros cobrados são os juros normais decorrentes do empréstimo.
Terminou pedindo a improcedência da acção e a condenação da autora como litigante de má fé, em multa e indemnização.
Contestaram também os 1ºs Réus, invocando a excepção da caducidade, e sustentando que o primeiro réu entregou em 23 de Março de 2001 a obra totalmente concluída à autora, que a aceitou sem reserva, conforme livro de obra.
Acrescentam que a autora já ali habitava desde Janeiro de 2001 com o seu actual companheiro, pelo que a denúncia dos alegados defeitos não foi feita no prazo de um ano, tendo a autora alegado esses defeitos só em 15 de Julho de 2003 através de notificação judicial avulsa, para além do que os pretensos defeitos invocados, a existirem, são vícios aparentes, como tal conhecidos da autora desde a data da entrega.
Impugnaram qualquer atraso ou vício, pediram a intervenção principal da técnica responsável pela direcção técnica da obra, eng.ra A… de O… M…, e concluíram pedindo a improcedência da acção e a condenação da autora como litigante de má fé.
Replicou a autora, rebatendo a matéria de excepção e procedendo à ampliação do pedido inicial, requerendo a condenação dos 1ºs. Réus a repararem os vícios e defeitos da construção constatados pelo eng.º. P… de A… G… no documento 2 junto à contestação, e a indemnizarem a autora pelos danos causados pela falta de impermeabilização.
Indeferido o requerimento de intervenção principal, foi proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias nem nulidades secundárias e que relegou para a decisão final o conhecimento da excepção da caducidade, tendo depois sido enumerada a matéria de facto desde logo dada por assente e elaborada a base instrutória, não tendo havido reclamações.
Oportunamente, não admitido um articulado superveniente apresentado pela autora, teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto instruenda, após o que foi proferida sentença que julgou procedente a excepção de caducidade invocada pelos primeiros réus e, com fundamento nela, absolveu-os dos pedidos contra eles formulados pela autora, e que julgou improcedente a acção quanto ao segundo réu, absolvendo-o do pedido.

Apelou a autora, tendo a Relação concedido parcial provimento ao recurso e, consequentemente, declarado suprida a declaração de nulidade da sentença por omissão de pronúncia e, por referência aos pedidos identificados sob as alíneas b), c) e e), julgado a acção improcedente por não provada, absolvendo os primeiros réus desses pedidos, e condenado o primeiro réu a eliminar o defeito identificado na factualidade provada sob os números 29º, 39º e 40º, (numeração igual à abaixo feita neste mesmo acórdão), tudo com base nos seguintes factos que considerou assentes:
1º - A autora, em Julho de 1999, na qualidade de dona e legítima possuidora do prédio urbano, terreno destinado à construção, sito em Barreira, freguesia de Cernache, Concelho de Coimbra, e inscrito na matriz sob o artigo 2.380 e então descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2.357, celebrou com o 2º réu um contrato de mútuo e hipoteca.
2º - Empréstimo esse concedido pelo 2º réu destinado à construção de habitação própria, sendo que, para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada e bem assim dos respectivos juros à taxa anual de dois vírgula zero novecentos e vinte e três por cento, acrescidos de uma sobretaxa de 4% ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal e despesas extrajudiciais, fixadas para o efeito de registo em um milhão e sessenta e dois mil quatrocentos escudos.
3º - Nos termos do documento complementar elaborado nos termos do n.º 2 do art.º 64º do Código do Notariado e que faz parte integrante da escritura consta na cláusula segunda: “Segunda – Por conta do empréstimo contratado, é entregue nesta data pelo Banco, por crédito da conta de depósito à ordem, a quantia de cinco milhões oitocentos e cinquenta mil escudos. O remanescente, de vinte milhões e setecentos e dez mil escudos, será entregue à medida que o Banco considere concretizado o investimento programado”.
4º - Para a execução de tal investimento a autora celebrou com o 1º réu um contrato de empreitada para uma moradia composta de rés-do-chão e 1º andar, sita no Loureiro, Freguesia de Cernache e Concelho de Coimbra.
5º - Obra que seria implantada no lote de terreno para construção identificado em 1.
6º - O preço acordado para a realização da empreitada entre a autora e o 1º réu foi de 22.700.000$00.
7º - A pagar em doze prestações mensais de 1.891.000$00 ao 1º réu em função do trabalho realizado e em função da quantia disponibilizada pelo Banco à data da prestação.
8º - O 1º réu emitiria com dez dias de antecedência a factura correspondente à soma que lhe era devida pelo trabalho realizado anteriormente e “apurado em medição”.
9º - No referido contrato a autora reserva-se o direito de não efectuar os pagamentos referidos no número anterior se:
“a) Os trabalhos apresentassem vícios de execução ou não correspondessem à execução do que estava projectado;
b) Nos referidos trabalhos tivessem sido utilizados quaisquer materiais não aprovados ou rejeitados pela fiscalização.
c) Ou se se tratasse no todo ou em parte de reconstrução de trabalhos já feitos, mas danificados pelo empreiteiro”.
10º - A obra tinha o seu começo na data da assinatura do contrato de empreitada (14 de Julho de 1999) e deveria estar concluída até ao final de Agosto de 2000.
11º - Estabelece a cláusula 10ª do contrato de empreitada:
“1 – Findo o prazo de garantia, o segundo outorgante deve requerer ao primeiro outorgante, por carta registada com aviso de recepção, a conclusão definitiva da obra.
2 – O segundo outorgante mandará a fiscalização e o director de obra que procedam a uma inspecção dos trabalhos dentro do referido prazo.
3 - Após a inspecção, o primeiro outorgante, poderá, conforme o resultado da mesma:
a)Aceitar definitivamente a obra;
b)Aceitar a obra com a condição de serem reparados os vícios de execução existentes;
c)Rejeitar a obra.
4 – No caso de existirem vícios que impliquem a sua rejeição, aceitação parcial ou condicional, o primeiro outorgante exigirá do segundo outorgante a reparação desses vícios, a qual deve ser feita no prazo que o primeiro outorgante achar suficiente”.
12º - A última reclamação feita foi através de notificação judicial avulsa no dia 15 de Julho de 2003.
13º - Deu a autora ao 1º réu o prazo de 30 dias para aquele eliminar os vícios e defeitos de construção apresentados no relatório.
14º - Estabelece a cláusula 8ª do contrato de empreitada celebrado entre a autora e o 1º réu: “A obra terá o seu começo na data de assinatura do presente contrato e terá os seguintes prazos de execução e cumprimento:
1) A moradia deverá estar concluída até ao final do mês de Agosto de 2000;
2) Se os trabalhos não se iniciarem na data da consignação ou não se concluírem dentro do prazo previsto nesta cláusula, o segundo outorgante pagará ao primeiro outorgante a multa diária de 3% do valor da empreitada”.
15º - O réu marido é construtor, sendo casado com a ré mulher.
16º - Foi na actividade comercial que o réu celebrou com a autora o contrato de empreitada retro aludido.
17º - Sendo que a ré mulher beneficiou e beneficia dessa actividade comercial do marido. Tanto mais que à data não desempenhava qualquer actividade remunerada, era doméstica.
18º - Com o rendimento de tal actividade do réu marido eram pagas as despesas do casal.
19º - Nomeadamente alimentação, vestuário, despesas de saúde, electricidade, água, telefone.
20º - Bem como é daquela actividade que pagam a educação dos filhos.
21º - A autora foi quem solicitou novo alvará de licença de construção, com início em 12/07/02 e termo em 11/07/03.
22º - Em Junho de 2003, a autora mandou vistoriar a obra e o técnico elaborou o relatório que consta do documento nº. 19 da petição, que se dá por reproduzido.
23º - Os defeitos registados pelos peritos no relatório de fls. 268 a 271 ainda não estabilizaram, e com o decorrer do tempo vão-se agravando cada vez mais.
24º - Aqueles tornam a qualidade de vida naquela, actualmente diminuída a nível visual e estético.
25º - Não foram ainda reparados.
26º - A situação preocupa a autora.
27º - A autora recorreu ao crédito bancário encontrando-se a pagar os juros convencionados sobre o valor emprestado.
28º - Com o pedido da nova licença despendeu a autora a quantia de € 138,79.
29º - A instalação da canalização (esgoto) não cumpre o projecto aprovado.
30º - No que respeita à instalação eléctrica, à data da peritagem, não se verificou qualquer anomalia digna de registo.
31º - Foi prevista e acordada aparelhagem de série “Galea” ou “Presidente” e o 1º réu aplicou “Decor” da Legrand.
32º - A instalação eléctrica não mereceu a aprovação da Certiel – entidade certificadora oficial.
33º - Dado que o 1º réu não corrigiu a instalação, apesar de várias vezes alertado para tal facto.
34º - Teve a autora que suportar tais custos para poder obter tal certificação.
35º - Como suportou os custos da Certiel por se ter dirigido à obra a fiscalizar – no valor de € 39.90.
36º - A autora tentou obter a licença de habitabilidade para a qual pagou € 9.98 e não conseguiu.
37º - Suportou a autora o valor de € 188,67, a título de despesas com licenças e certificação.
38º - A autora teve que mandar reparar a instalação eléctrica a fim de conseguir obter a certificação da Certiel, para a qual teve de pagar o valor de € 2.083,74 (dois mil oitenta e três euros e setenta e quatro cêntimos).
39º - O sistema de esgotos de cada uma das casas de banho do andar não respeitou o projecto da especialidade.
40º - Dado que o 1º réu não construiu nenhuma caixa de pavimento para a reunião dos esgotos, a sanita funciona mal e verificam-se maus cheiros.
41º - O Banco réu concedeu à autora e, simultaneamente, a P… A… M… D…, o mútuo com hipoteca referido no artigo 2º da petição inicial da acção (cf. doc. nº 1, junto com este articulado) porque ambos viviam em comunhão de facto e queriam construir a sua residência comum.
42º - O P… A… M… D… é funcionário do Banco C… P… – instituição que tem uma relação de Grupo com o Banco DD, e por atenção a esta qualidade de funcionário do Banco C… P… é que o mútuo pôde beneficiar do regime do Regulamento do Crédito à Habitação para o Sector Bancário.
43º - A Autora e o referido P… A… zangaram-se e puseram fim à comunhão de facto em que viviam.
44º - Com o acordo de ambos, o mútuo concedido pelo Banco DD foi transferido em 9 de Abril de 2001 para o Banco EE.
45º - Neste outro Banco, o empréstimo ficou titulado apenas em nome da autora, tendo o P… A… ficado desonerado das respectivas obrigações.
46º - A conta D/O nº 241306416 (a que se referem os extractos juntos com a petição sob os doc.s nºs 7 a 18; cf. id. art.ºs 15º deste libelo) foi propositadamente aberta por estes no Banco C… P… para efeito de ficar afecta às obrigações decorrentes da execução da empreitada.
47º - Era assim que o Banco C… P…, precedendo informação dos mutuários dada nesse sentido, creditava a Conta D/O do P… A… (que também era da titularidade da Autora) pelos valores devidos em função do mútuo.
48º - A seguir, estes valores eram transferidos para a dita Conta nº 241306416 – ou seja, para a conta aberta por ambos para efeito de nela se efectuar o débito daquilo que tivesse de ser pago ao empreiteiro encarregado da execução da obra.
49º - O réu entregou a obra concluída à autora, em 23.03.2001, conforme Livro de Obra devidamente assinado pela autora, pela técnica responsável pela fiscalização da obra e pelo aqui réu.
50º - A obra foi entregue à autora que a aceitou.
51º - O prazo para a construção da moradia, que se fixou em um ano e 15 dias a contar da assinatura do contrato de empreitada, foi fixado somente para a construção da moradia propriamente dita, pois a divisão interior de todo o sótão, a limpeza exterior de todo o terreno envolvente e a construção dos muros circundantes à moradia não estavam incluídos naquele prazo.

Do acórdão que assim decidiu vem interposta a presente revista, pela autora, por um lado, e pelos primeiros réus, por outro, tendo eles, em alegações, formulado as seguintes conclusões:

I – Os réus:

1ª – O douto Acórdão recorrido fez uma incorrecta subsunção dos factos ao direito.

2ª - O douto Tribunal a quo, ao dar como provados os quesitos 29º (“A instalação da canalização (esgoto) não cumpre o projecto aprovado”) e 39º (“O sistema de esgotos de cada uma das casas de banho do andar não respeitou o projecto da especialidade”), pôs em causa a entidade fiscalizadora dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Coimbra, que manifestou a conformidade de toda a instalação da canalização com o projecto aprovado assim como com os da especialidade, bem como a técnica responsável pela direcção da obra, contratada pela aqui Autora.

Pelo que, deverão estas respostas ser alteradas de modo a que se considere os quesitos 29º, 39º e 40º como não provados.

3ª - O douto Tribunal a quo “fez uma errada interpretação/classificação dos defeitos como sendo ocultos, quando na realidade não o eram, pois a autora não podia desconhecer os vícios que alegou, por aparentes, pois foram detectados aquando da aceitação da obra em 23.03.2001, não os comunicou ao primeiro réu (empreiteiro) no prazo consignado pelo artigo 1220º do Código Civil para esse efeito, encontrando-se assim caducados os direitos conferidos pelos artigos 1221º, 1222º e 1223º, todos do Código Civil.

4ª - O Acórdão recorrido violou nomeadamente, entre outros, os artigos 1218º, 1219º e 1220º do Cód. Civil, e artigos 493º, n.ºs 1 e 3, e 496º, do Cód. Proc. Civil.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido.

II – A Autora:

1ª - O douto Acórdão na parte recorrida enferma de erro de julgamento, porquanto faz errada interpretação e aplicação das normas de direito substantivo e adjectivo.

2ª - Cabia à A. de acordo com o art.º 342° n° 1 do Cód. Civil, fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alegou. Tarefa essa que a A. logrou fazer.

3ª - A A. pediu a condenação dos R.R. nos seguintes pedidos:

“a) O 1ºR. ser condenado a reparar os defeitos existentes no prédio da A. e enunciados no petitório.

b) O 1° R. ser condenado a indemnizar a A. no valor de 351.367,26 euros a título de danos patrimoniais pelo incumprimento contratual do prazo acordado para a conclusão das obras.

c) Deve o 1º R. ser condenado a pagar os valores já suportados pela A. para obter o certificado da Certiel e novo pedido de licença na C.MC. e reparação da instalação eléctrica no valor de E 2.272,41 (dois mil duzentos e setenta e dois euros e quarenta e um cêntimos).

e) Devem o 1º e 2º R. ser solidariamente condenados a indemnizar a A. pelos danos patrimoniais e morais futuros até que a habitação da A. se encontre reparada pelo 1° R., ou por terceiros.”

4ª - Em sede de réplica, a A. ampliou o seu pedido, requerendo ainda a condenação dos 1°s R.R. a repararem os vícios e defeitos de construção pelo eng.ro P… de A… G…, no documento que a A. juntou à P.I. e a indemnizar a A. pelos danos causados pela falta de impermeabilização.

5ª - Dos factos constitutivos do direito reclamado, segundo o Tribunal a quo, a A. logrou provar entre outros, com relevância para o presente recurso:

“D — Para a execução de tal investimento a A. celebrou com o 1 °R.,

um contrato de empreitada para uma moradia composta de rés-do-chão e

1º andar, sita no Loureiro, Freguesia de Cernache e Concelho de

Coimbra (vide doc. 2).

L) A última reclamação feita, foi através de notificação judicial avulsa no dia 15 de Julho de 2003 (vide doc. 20).

M) Deu a A. ao 1º R. o prazo de 30 dias para aquele eliminar os vícios e defeitos de construção apresentados no relatório.

1) A A. foi quem solicitou novo alvará de licença de construção, com início em 12/07/02 e termo em 11/07/03.

2) Em Junho de 2003, a A. mandou vistoriar a obra e o técnico elaborou o relatório que consta do documento n°. 19 da P.I., que se dá por reproduzido.

3) Os defeitos registados pelos peritos no relatório de fls. 268 a 271 ainda não se estabilizaram, e com o decorrer do tempo vão-se agravando cada vez mais.

4) Aqueles tornam a qualidade de vida naquela, actualmente diminuída a nível visual e estético.

5) Não foram ainda reparados.

6) A situação preocupa a autora.

9) A instalação da canalização (esgoto) não cumpre o projecto aprovado.

16) A A. tentou obter a licença de habitabilidade para a qual pagou 9,98 euros e não conseguiu (vide doc. 23).

18) A A. teve que mandar reparar a instalação eléctrica a fim de conseguir obter a certificação da Certiel, para a qual teve de pagar o valor de E 2.083,74 (dois mil oitenta e três euros e setenta e quatro cêntimos).

19) O sistema de esgotos de cada uma das casas de banho do andar não respeitou o projecto da especialidade.

20) Dado que o 1º R. não construiu nenhuma caixa de pavimento para a reunião dos esgotos, a sanita funciona mal e verificam-se maus cheiros.

29) O R. entregou a obra concluída à A., em 23.03.2001, conforme Livro de Obra devidamente assinado pela A., pela técnica responsável pela fiscalização da obra e pelo aqui R.

31) O prazo para a construção da moradia que se fixou em um ano e

15 dias a contar da assinatura do contrato de empreitada, foi fixado somente para a construção da moradia propriamente dita, pois a divisão interior de todo o sótão, a limpeza exterior de todo o terreno envolvente e a construção dos muros circundantes à moradia não estavam incluídos naquele prazo.”

6ª – A A. fez prova dos elementos constitutivos dos direitos que reclama.

7ª - Existe contradição entre o facto provado em 16) e o facto provado em 29).

8ª - Não podia o Tribunal a quo dar como provado que a obra estava

concluída, em 23/3/2001, quando de acordo com o facto provado em 16) a

A. não conseguiu obter a licença de habitabilidade requerida a 9/7/2003

(doc. 23 junto à P.I.).

9ª - De acordo com a lei a licença de habitabilidade só é recusada quando a obra não se encontra de acordo com o projecto previamente aprovado.

10ª - A obra nessa data não se encontrava concluída de acordo com o projecto.

11ª - O Tribunal a quo cometeu erro de julgamento, ao dar como provado em 29) que “O R. entregou a obra concluída à A., em 23/03/2001 (...)“.

12ª - Em 13) o Tribunal deu como provado que “A instalação eléctrica, não mereceu a aprovação da Certiel — Entidade Certificadora Oficial (vide doc. 22)”.

13ª - Em face dos factos dados como provados, em 12) e 16), não podia o Tribunal a quo dar como provado que a obra em causa estava concluída em 23/3/2001. Quando, à presente data, ainda não o está.

14ª - A A. logrou fazer prova da factologia que lhe competia para efectivação dos seus direitos e consequentemente condenação dos 1° R.R. no pedido.

15ª - O primeiro grupo referente aos defeitos reclamados em sede de P.I. e o segundo grupo referente aos defeitos reclamados aquando da réplica e que tiveram como suporte as situações relatadas no relatório que os 1° R.R. juntaram à contestação.

16ª - No que toca ao primeiro grupo há que considerar os constantes do relatório junto como doc. 19 da P.I.

17ª - Resulta que os defeitos registados pelos peritos no relatório de fls. 268 a 271, ainda não se estabilizaram, e com o decorrer do tempo vão-se

agravando cada vez mais!

18ª - Logo, não sendo ainda tais defeitos conhecidos na sua plenitude, não tendo ainda estabilizado, ainda não iniciou sequer o prazo de reclamação/denúncia por parte da A.

19ª - Pelo que, não resulta dos factos dados como provados que a A. tivesse conhecimento dos defeitos da obra aquando da sua aceitação ou que tais defeitos eram preexistentes ou contemporâneos à entrega da Obra.

20ª - Logo, não foram dados como provados quaisquer factos dos quais resulte qualquer conhecimento por parte da A. aquando da aceitação da obra ou que os mesmos já constassem da obra, ou fossem facilmente visíveis.

21ª - Resulta bem da peritagem realizada que tais vícios não eram sequer aparentes.

22ª - Do documento n° 19 da P.I., não resulta que os defeitos aí enunciados sejam contemporâneos à aceitação da obra.

23ª - Não consta que o estuque a saltar seja contemporâneo da aceitação da obra.

24ª - Não consta que a fissuração das paredes seja contemporânea do aceitar da obra.

25ª - Não consta que os rodapés descolados sejam contemporâneos ao aceitar da obra.

26ª - Segundo o relatório junto pelos 1°s. R.R. à contestação (doc. 2), resultam outros defeitos de obra até aí desconhecidos pela A., e que não constavam do relatório anterior, o que levou à ampliação do pedido e da causa de pedir. Nomeadamente:

- existência de humidade ascencional das paredes por capilaridade.

- falta de impermeabilização do pavimento térreo.

- fissuras e irregularidades nas paredes.

- fixação de escada de acesso do R/c ao 1° andar.

- tubagem do sistema de aquecimento central sem os dispositivos

adequados.

27ª - Com relevância para esta parte temos que ter presente ainda o relatório de fls. 268 a 271.

28ª - Tal relatório aponta a existência de salitre, sendo que o mesmo não é um processo imediato.

29ª - Sendo que, tal relatório faz menção a “aparecimento de defeitos não reclamados”, a saber, “salitre”, forras partidas, soleira partida.

30ª - Faz referência expressa e pela primeira vez a que o projecto de canalização (esgotos) não foi cumprido.

Faltando nos esgotos a ventilação da tubagem de esgotos, anulação de tubo de queda, deficiências ao nível da sinfonagem e ventilação primária.

31ª - Tais vícios não são aparentes.

32ª - Ao não se tratarem de defeitos aparentes devem os 1° R.R. ser condenados na sua reparação, porque em tempo reclamados.

33ª - São os senhores peritos que dizem que à data em que vistoriaram a casa, existem novos defeitos que ainda não tinham sido detectados/reclamados. Isto porque, os defeitos agravam-se de dia para dia, não estando ainda estabilizados.

34ª - Pelo que, face à factologia dada como provada, deveria a acção ter sido julgada parcialmente procedente e os 1°s. R.R. terem sido condenados no pedido formulado.

35ª - Ao ter decidido em contrário, violou o art.º 342°, n°s. 1 e 2, do Cód. Civil, e ainda os art.ºs 1218°, 1221°, 1223° e 1225°, todos do Cód. Civil.

36ª - Pois, não resultam dos autos como provados quaisquer factos de que resulte que os vícios e defeitos apontados eram do conhecimento da R. (A?).

Terminam pedindo a revogação do acórdão recorrido, na parte que não condenou os 1°s R.R a reparar os vícios e defeitos apontados na P.I.


Não houve contra alegações.


Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

Como se vê pelas conclusões das alegações da revista requerida pelos réus, começam eles por suscitar uma questão respeitante à decisão da matéria de facto, pois sustentam que os “quesitos” 29º, 39º e 40º deviam ter sido objecto de resposta de “não provado”.
É manifesto, perante a transcrição que os réus fazem dos dois primeiros desses denominados quesitos na acima indicada conclusão 2ª, o lapso existente na indicação desses pontos da base instrutória, que nada têm a ver com tal transcrição, uma vez que se referem apenas ao próprio contrato de mútuo, ao livro de obra, e à necessidade da autora de habitação da casa. Ao que os réus se referem é forçosamente aos pontos 14º, 23º e 24º da base instrutória, que obtiveram as respostas de se encontrarem provados os factos acima transcritos sob aqueles nºs. 29º, 39º e 40º.
Ora, como é sabido, este Supremo não pode sindicar a decisão das instâncias sobre matéria de facto, tendo de a aceitar sem a alterar e de lhe aplicar o regime jurídico adequado, salvo casos excepcionais que na hipótese dos autos não ocorrem (art.ºs 729º, n.º 2, e 722º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil), para além do que não se vê que aqueles factos constituam qualquer absurdo face às leis da lógica ou da ordem natural.
Sobre esta questão, pois, não se pode reconhecer razão aos réus ora recorrentes.
A questão seguinte por eles suscitada consiste em determinar se os defeitos qualificados no acórdão recorrido como ocultos devem antes ser qualificados como aparentes, tendo sido detectados pela autora em 23/03/01 aquando da aceitação da obra e ocorrendo, por isso, caducidade.
Os vícios considerados como ocultos pelo acórdão recorrido são os que consistem nos factos dados por assentes sob aqueles nºs. 29º, 39º e 40º (não cumprimento do projecto aprovado no que se refere à instalação da canalização – esgoto, inclusive quanto ao sistema de esgotos de cada uma das casas de banho do andar, que não respeitou o projecto da especialidade, e falta de construção de caixa de pavimento para a reunião dos esgotos, ficando a sanita a funcionar mal e verificando-se maus cheiros), e que a fl. 21 do presente acórdão se identificam com os nºs. 12), 15) e 16).
Sustentam os réus recorrentes que tais defeitos não podem ser considerados ocultos, por um lado com base na alteração da decisão da matéria de facto que acima já se referiu não poder ter lugar, e por outro lado com base em que o mau funcionamento da sanita e os maus cheiros são detectáveis por qualquer bonus pater familiae sem o recurso a técnicos com conhecimentos específicos na área.
Ora, vícios aparentes são os que se revelam por sinais visíveis, a ponto de ter de se entender que o dono da obra deles se deveria ter apercebido se tivesse usado diligência normal. Inversamente, têm de ser considerados ocultos os defeitos não detectáveis por qualquer pessoa normal, não especializada na área, mesmo usando de normal diligência.
A importância da distinção resulta do disposto no art.º 1219º, n.º 2, do Cód. Civil, que estabelece a presunção de os defeitos aparentes serem conhecidos pelo dono da obra, tenha havido ou não verificação desta. Tal presunção conduz a que, se o dono da obra não provar que justificadamente desconhecia tais defeitos (art.º 350º do mesmo Código), o empreiteiro não responde por eles se o dono a aceitou sem reserva, por força do disposto no n.º 1 do mesmo artigo.

Só que, por um lado, o mau funcionamento da sanita e os maus cheiros não são, só por si, defeitos, mas consequência de defeitos, havendo que determinar quais e que agora se sabe que são os indicados naqueles n.ºs 29º, 39º e 40º; e, por outro lado, não se pode exigir que a autora, pessoa que não se mostra dispor de conhecimentos especializados na área da construção civil, tivesse possibilidade de, mesmo utilizando toda a diligência normalmente utilizada por qualquer pessoa medianamente cuidadosa, conseguir determinar, logo em 23/03/01, que a origem do mau funcionamento da sanita e dos maus cheiros, que nem se mostra que já então fossem notoriamente persistentes e intensos, residisse em deficiências das canalizações, ou na falta da caixa de pavimento para a reunião de esgotos, que o normal das pessoas nem tem conhecimento de que seja necessária, as quais são dificilmente cognoscíveis por não se encontrarem à vista, não sendo exigível à autora que destrua o pavimento a fim de apurar a causa concreta daquelas manifestações de imperfeição.

Daí que, tratando-se efectivamente de defeitos ocultos, não se possa presumir o conhecimento deles pela autora aquando da aceitação da obra, tendo em consequência esse conhecimento de ser provado pelos réus por integrar matéria de excepção peremptória (art.º 342º, n.º 2, do Cód. Civil).

Mas, não tendo estes conseguido demonstrar que o conhecimento da autora foi obtido na data da aceitação da obra, ou noutra data concreta também, como é evidente, anterior à da notificação judicial avulsa - 15/07/03 -, têm de ver a dúvida daí resultante ser decidida contra eles (art.º 516º do C.P.C.), ou seja, no sentido da inexistência de conhecimento anterior da autora, pelo que do disposto no art.º 1219º, n.º 1, citado, não deriva a desresponsabilização do 1º réu. E, não demonstrada pelos réus a data do respectivo conhecimento pela autora, não lhes pode ser reconhecida razão também no respeitante à caducidade, por um lado por não terem demonstrado o decurso de prazo superior a um ano desde a desconhecida data do conhecimento até à da denúncia, e por outro lado por ter decorrido menos de um ano desde aquela notificação até à propositura desta acção (art.º 1225º, n.º 2, do Cód. Civil).

Improcedem, pois, todas as conclusões das alegações dos réus recorrentes.

Quanto à revista interposta pela autora, a questão por ela suscitada, como se vê pela análise do pedido por ela formulado no termo das conclusões das suas alegações, - em que se limita a manifestar a pretensão de revogação da parte do acórdão recorrido que não condenou os 1.ºs réus a reparar os vícios e defeitos apontados na petição inicial, assim restringindo o objecto do seu recurso à reparação de tais defeitos, -, resume-se a determinar se ela tem efectivamente direito a essa reparação pelos réus, para o que começa por se basear em contradição entre os factos provados sob os nºs. 16º e 29º (que são os indicados no acórdão recorrido sob os nºs. 36º e 49º), sustentando ainda que a obra não estava concluída de acordo com o projecto quando lhe foi entregue.

No que a essa contradição e falta de conclusão da obra respeita, porém, trata-se de questão respeitante à matéria de facto e que já havia sido suscitada nas conclusões da apelação, tendo a Relação decidido a mesma no sentido da inexistência de qualquer contradição e de a obra ter ficado concluída, embora com defeitos. Donde que, igualmente devido à já referida impossibilidade de alteração da decisão sobre a matéria de facto por este Supremo, tenham aqueles factos, em princípio, de ser aqui mantidos inalteráveis.

Poderia apenas este Supremo, face ao disposto no art.º 729º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, determinar a remessa dos autos à Relação se efectivamente ocorresse contradição entre aqueles factos que inviabilizasse a decisão jurídica do pleito.

Entende-se, porém, que tal contradição inexiste.

Aqueles factos, 36º e 49º, referem que a autora tentou obter a licença de habitabilidade, para a qual pagou 9,98 euros, e não conseguiu (36º), e que o réu entregou a obra concluída à autora em 23/03/2001, conforme livro de obra devidamente assinado pela autora, pela técnica responsável pela fiscalização da obra, e pelo aqui réu (49º). Ora, para se poder sustentar a existência de contradição entre esses factos, seria pelo menos necessário que o dito facto sob o n.º 36º integrasse o fundamento, que poderia ou não ser lícito ou correcto, da recusa da licença, coisa que não se verifica, desconhecendo-se em consequência qual esse fundamento, como bem nota o acórdão recorrido. Nestas condições, para haver contradição seria necessário que num daqueles números se dissesse que a autora não conseguiu obter a licença e no outro que a conseguiu, ou que num desses números se dissesse que o réu entregou a obra concluída e no outro que não a entregou ou que não a entregou concluída, nada disso se passando na hipótese dos autos.

Não pode, pois, concluir-se pela existência da invocada contradição.

Quanto aos aludidos defeitos, são os indicados pela autora nos art.ºs 25º, 47º, 48º, 55º e 56º da petição inicial, onde refere: tectos de estuque deficientemente acabados (o estuque estava arranhado e a saltar) (1); fissuração em paredes (zona das escadas, junto ao fogão de sala, em quartos e outras divisões, apresentando-se também paredes com arestas defeituosas) (2); soalho de madeira deficientemente acabado (3) e rodapés descolados (4); pinturas interiores deficientes em algumas divisões e nas floreiras exteriores (5); balaústres das escadas mal fixados e remates das mesmas mal executados (juntas abertas) (6); porta para a garagem deficientemente aplicada (não fecha) (7); porta de acesso à varanda no andar não funciona por dentro (só com chave) (8); falta de colocação do sistema de fixação exterior das portas de uma janela (9); colocação de soleiras em vãos exteriores sem o respectivo e adequado rebaixo para o perfil de alumínio utilizado, havendo uma soleira partida num dos vãos (10); remates imperfeitos de assentamento de cantarias (11); falta de conformidade com o contratado, nomeadamente no cumprimento das normas técnicas, quer da instalação da canalização (12), quer na instalação eléctrica (13); aplicação de aparelhagem eléctrica de marcas diferentes dos modelos propostos e aceites pelo dono da obra (14); falta de observância do projecto da especialidade no sistema de esgotos (15); falta de construção de caixa de pavimento para a reunião dos esgotos, com mau funcionamento da sanita e maus cheiros (16).

Na base instrutória foram incluídos no ponto 6º os vícios acima indicados desde as deficiências nos tectos de estuque até aos remates imperfeitos do assentamento de cantarias; nos pontos 14º e 15º, a dita falta de conformidade com o contratado e a diferença de marcas de aparelhagem eléctrica; no ponto 23º, a inobservância do projecto de especialidade no sistema de esgotos, e no ponto 24º a falta de construção da caixa.

E esses pontos obtiveram as seguintes respostas:

6º: “Provado apenas que em Junho de 2003 a autora mandou vistoriar a obra e o técnico elaborou o relatório que consta do documento n.º 19 da P.I., que se dá por reproduzido” (esse relatório é precisamente aquele de que constam os ditos defeitos invocados na petição inicial).

14º : “Provado como consta da resposta a este ponto, dada pelos Srs. Peritos no relatório” (nesse relatório, elaborado em fase de instrução, consta sobre essa matéria que “no que respeita à instalação da canalização (esgotos) há a referir que a mesma não cumpre o projecto aprovado”, e que, “no que respeita à instalação eléctrica, à data da peritagem, não se verificou qualquer anomalia digna de registo”).

15º - “Foi prevista e acordada aparelhagem da série Galea ou Presidente, e o 1º réu aplicou Decor da Legrand”.

23º e 24º :”Provado”.

Por outro lado, se bem que aquela resposta ao ponto 6º não seja completamente clara no sentido de se entender se ficou ou não provada a verificação dos defeitos nela aludidos, tem de se concluir que a sua verificação ficou efectivamente considerada provada, com a ressalva de três excepções, perante as respostas dadas aos pontos 7º, 8º e 9º, que consistem na verificação dos factos acima transcritos sob os nºs. 23º, 24º e 25º. É que tais respostas referem o relatório de fls. 268 a 271, elaborado pelos Srs. Peritos na fase de instrução, mas esse relatório por sua vez remete expressamente para o dito relatório integrado no documento n.º 19 junto com a petição inicial, considerando os defeitos neste indicados como realmente existentes, - salvo no que se refere à anomalia na instalação eléctrica -, com as aludidas três excepções, que são as referentes ao soalho de madeira (n.º 3), à porta da garagem (n.º 7), e ao sistema de fixação exterior de portas aplicado numa janela (n.º 9). Quanto a estas três excepções, pois, uma vez que sobre a autora recaía o ónus da prova da verificação dos defeitos como elemento constitutivo do direito que se arroga à respectiva reparação (art.º 342º, n.º 1, do Cód. Civil), ónus esse que não conseguiu satisfazer, não lhe pode ser reconhecida razão.

No que à anomalia na instalação eléctrica se refere (n.º 13), ficou provada, não com base na resposta dada àquele ponto 14º da base instrutória, mas em resultado de ter sido dado por provado o facto assente sob n.º 38º, visto a autora ter mandado reparar a instalação eléctrica. Só que, feita essa reparação, deixou de existir tal defeito, nada havendo já, em consequência, a reparar no que a essa anomalia se refere, pelo que, pretendendo a autora apenas, pelo presente recurso, como se disse, a reparação dos defeitos apontados na petição inicial, igualmente nessa parte não lhe pode ser reconhecida razão.

Já decidida, por outro lado ainda, a questão no que à instalação da canalização (esgotos) (n.º 12), inobservância do projecto da especialidade no sistema de esgotos (n.º 15), e falta de construção da caixa de pavimento para reunião daqueles (n.º 16) respeita, subsiste a questão quanto aos defeitos restantes, ou seja, os defeitos enumerados na fl. 21 do presente acórdão sob os nºs. 1, 2, 4, 5, 6, 8, 10, 11 e 14.

Encontramo-nos perante um contrato de empreitada, visto o 1º réu se ter obrigado para com a autora à realização de uma obra mediante um preço (art.º 1207º do Cód. Civil). E, dado o disposto no artigo seguinte, tinha o 1º réu de executar a obra em conformidade com o acordado, e sem vícios que excluíssem ou reduzissem o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, devendo por outro lado os materiais necessários à respectiva execução ser fornecidos pelo empreiteiro (art.º 1210º).

Verificados defeitos, tem em princípio o dono da obra direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; na impossibilidade de eliminação, tem o direito de exigir nova construção; não sendo eliminados os defeitos nem construída de novo a obra, tem direito à redução do preço ou à resolução do contrato; o exercício desses direitos não exclui, por outro lado, o direito a indemnização nos termos gerais (art.ºs 1221º a 1223º do Cód. Civil).

Consagra a lei, porém, prazo para esse exercício, findo o qual se verifica caducidade. E, sendo a moradia objecto da empreitada em causa um imóvel de longa duração, rege o art.º 1225º do Cód. Civil, que, para além de um prazo de garantia de cinco anos, fixa um prazo de um ano a contar do conhecimento dos defeitos para a sua denúncia, e um novo prazo posterior, também de um ano, para o exercício daqueles direitos. Portanto, descobertos os defeitos, o dono da obra tem o prazo de 1 ano para os denunciar, e, denunciados, tem obrigatoriamente de intentar a acção no prazo de 1 ano, tudo sob pena de caducidade do direito.

Como se referiu, a denúncia mostra-se feita por via de notificação judicial avulsa de 15 de Julho de 2003, tendo a acção sido instaurada em 2 de Junho de 2004, portanto menos de um ano depois. Aqui, pois, não se verifica caducidade.

Tendo a obra, porém, sido entregue à autora, que a aceitou sem reserva, em 23 de Março de 2001, constata-se que desde esta data decorreu um prazo de quase 28 meses até à denúncia, superior portanto àquele prazo de um ano, pelo que, a verificar-se que a autora tinha já ou teve então conhecimento dos defeitos, teria ocorrido caducidade.

Importa, assim, determinar se, na data em que a obra lhe foi entregue, a autora tomou conhecimento dos defeitos, conhecimento esse que se presume tratando-se de defeitos aparentes, desde que tal presunção não seja elidida pela autora, mas que teria de ser provado pelos 1.ºs réus na hipótese de se tratar de defeitos ocultos (art.ºs 1219º, 350º e 342º, n.º 2, já citados).

Por outro lado, sendo os defeitos aparentes, como se disse, os que se revelam por meio de sinais visíveis detectáveis por qualquer pessoa medianamente diligente, só podem ser considerados como tal quando esses sinais existam; assim, para se presumirem conhecidos da dona da obra no momento da entrega desta, necessário seria que tais sinais existissem logo no momento dessa entrega. Só assim se poderia sustentar justificadamente que a autora teria tomado, logo então, conhecimento dos defeitos.

Ora, no que aos defeitos sob os nºs. 1), 2), 4) e 6 se refere, ignora-se a partir de que momento se tornaram conhecidos, pois não é de forma alguma de crer que os tectos de estuque se encontrassem já aquando da entrega com o estuque arranhado e a saltar, não se sabendo a partir de quando ficaram nessa situação, da mesma forma que se ignora quando se manifestou a fissuração nas paredes, tanto mais que, como é geralmente sabido, as fissuras nas paredes com frequência surgem apenas ao fim de algum tempo, aumentando e tornando-se notórias progressivamente; o mesmo acontece com o descolamento dos rodapés e com a má fixação de balaústres ou má execução dos remates.

E, sendo a data desse conhecimento o ponto de partida do prazo de caducidade, sobre os 1ºs réus recaía o ónus da prova da mesma data, a fim de conseguirem demonstrar, como lhes competia, que esse prazo, de um ano desde o conhecimento dos defeitos até à denúncia, já tinha decorrido. Não tendo eles conseguido demonstrar essa data, não conseguiram igualmente demonstrar o decurso desse prazo de um ano, nem, em consequência, que a caducidade, no que a esses defeitos se refere, se verificou, pelo que nessa parte se mantém a obrigação de reparação.

Já quanto aos demais defeitos, ou seja, aos indicados na fl. 21 deste acórdão sob os nºs. 5), 8), 10), 11) e 14), são de tal ordem que têm de ser considerados aparentes logo na data da entrega da obra à autora, por já então revelados por sinais nessa data existentes, visto que logo então esta poderia, agindo com diligência normal, aperceber-se da deficiência das pinturas, ou de que a porta de acesso à varanda não fechava por dentro, ou que as soleiras não tinham o adequado rebaixo encontrando-se uma delas partida, que os remates do assentamento das cantarias eram imperfeitos ou que a aparelhagem não era das marcas acordadas.

Assim, quanto a estes, tem de se presumir que a autora, que não elidiu essa presunção, tomou conhecimento deles na data da entrega da obra, mais de um ano antes da denúncia a que procedeu, pelo que no que a eles respeita se verificou efectivamente caducidade, ou mesmo desresponsabilização dos 1ºs réus.

Entende-se, por isso, ser de reconhecer razão à autora apenas no que aos defeitos referidos sob os nºs. 1), 2), 4) e 6) respeita.

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista requerida pelos 1ºs réus, mas em conceder em parte a revista requerida pela autora, alterando-se o acórdão recorrido no sentido de ficar o primeiro réu condenado a eliminar também os defeitos indicados na fl. 21 do presente acórdão sob os nºs. 1), 2), 4) e 6), e mantendo-se o mesmo acórdão em tudo o mais.
Custas, da revista dos primeiros réus, por estes, e da revista da autora, por esta e pelos primeiros réus, na proporção de metade para cada um.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2010
Silva Salazar (Relator)
Sousa Leite
Salreta Pereira