Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
34545/15.3T8LSB.L1.S2
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: MANDATÁRIO JUDICIAL
PERDA DE CHANCE
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
RECURSO DE APELAÇÃO
IMPROCEDÊNCIA
CONTRATO DE MANDATO
MANDATO FORENSE
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Tendo ficado provado que o 1.º réu, na qualidade de mandatário do autor em acção de cobrança de dívida, actuou ilicitamente ao não interpor recurso de apelação da sentença proferida nessa acção, não oferece dúvida ter aquele violado os deveres a que se encontrava adstrito pelo contrato de mandato forense.

II - Assim, na presente acção, não está em causa o preenchimento do pressuposto da ilicitude mas antes dos pressupostos do dano e da causalidade, à luz da denominada doutrina da perda de chance processual.

III - De acordo com a jurisprudência consolidada deste STJ, afigura-se razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado; e, no que à perda de chance processual respeita, importa saber se o hipotético sucesso do desfecho processual (...) assume um padrão de consistência e de seriedade que (...) se revela suficientemente provável para o reconhecimento do dano.

IV - No caso dos autos, as deficiências da sentença proferida na referida acção não bastam para dar como verificada a elevada probabilidade de êxito do recurso de apelação que o aqui 1.º réu devia ter interposto, uma vez que o resultado desse recurso sempre estaria dependente da demais factualidade dada como provada na sentença, assim como da interpretação de direito nela realizada.

V - Ora, de acordo com os factos dados como provados na sobredita sentença, os cheques em causa na mesma acção não eram representativos dos empréstimos contraídos pelo aí réu junto do (ali e aqui) autor, sendo emitidos em momento anterior à entrega das quantias mutuadas e por valor superior a estas, como forma de garantir a posição do mutuante e de assegurar o reembolso do capital e o pagamento dos juros.

VI - Assim, a prova da probabilidade de sucesso do recurso de apelação a ser interposto pelo aqui 1.º réu dependeria da prova de que, em tal recurso, teria sido seguida uma estratégia impugnatória que levasse a Relação a, não apenas corrigir o evidente erro da matéria de facto (quanto ao valor do cheque), mas também, e sobretudo, dar como provado que os montantes mutuados (com ou sem os respectivos juros) correspondiam à soma do valor dos cheques.

VII - Ora, na presente acção, o autor, tendo embora alegado alguns factos nesse sentido, não apenas não logrou prová-los como se conformou com a decisão relativa à matéria de facto da 1.ª instância, limitando-se a assentar a invocada defesa do sucesso do recurso de apelação (na sobredita acção) única e exclusivamente na probabilidade de correcção pela Relação dos referidos erros de facto.

VII - Pelas razões expostas – a que acresce a falta de alegação e de prova, na presente acção, da improbabilidade de sucesso de um eventual recurso de apelação subordinado interposto pelos réus na sobredita acção, no sentido de ser julgado procedente o pedido reconvencional por eles deduzido – não pode senão confirmar-se o entendimento das instâncias quanto à falta de prova da perda de chance processual.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e Mapre Seguros Gerais, S.A., pedindo que:

a) Seja o 1º R. condenado no pagamento ao A. da quantia de € 447.750,00 (quatrocentos e quarenta e sete mil setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros no valor de € 72.315,68 (setenta e dois mil trezentos e quinze euros e sessenta e oito cêntimos), num total de €520.068,68 (quinhentos e vinte mil e sessenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos;

b) Seja a 2ª R. condenada a pagar a parte do valor da alínea anterior que lhe corresponda por via do contrato de seguro correspondente à apólice n° 60…58, desconhecendo o A. qual o limite do capital segurado ao 1° R. na medida em que desconhece se os RR. celebraram entre si reforço de capital.

Alegou, em síntese:

- Que o A. intentou uma acção ordinária contra Águas de S. José, Lda., CC e DD, que correu termos no Tribunal Judicial de …, em que pedia a condenação dos réus no pagamento de uma dívida no montante de € 447.750 e juros no montante de € 72.315,68;

- Que o tribunal concluiu que a ré sociedade estava obrigada a restituir ao autor a quantia de € 125.000 acrescida de juros remuneratórios e moratórios desde a citação até integral pagamento mas já tinha pago a quantia de € 138.997,28, superior ao capital em dívida,

- E por isso, julgou extinta a obrigação dos réus;

- Tal julgamento resultou de erro manifesto e grosseiro na análise da prova, mormente a documental e consequente erro quanto à matéria de facto dada como provada;

- Inconformado com essa sentença, o A. deu instruções expressas ao aqui 1º R., seu advogado, para, em seu nome, interpor recurso;

- Porém, o recurso apresentado pelo 1º R. não continha alegações, pelo que não foi admitido;

- Da conduta do 1º R., resultaram prejuízos para o A.:

. Preclusão do direito de ver reapreciada em sede de recurso a matéria de facto;

. Preclusão do direito de ver corrigido o valor constante do acórdão;

. Danos patrimoniais.

A R. Mapfre Seguros Gerais, S.A. contestou, admitindo a celebração de contrato de seguro com a Ordem dos Advogados, limitando a sua responsabilidade ao capital seguro, com a dedução da franquia; e impugnou factos alegados pelo A., invocando em síntese:

- Não existe actuação ilícita imputável ao lº R.;

- A alegada omissão do lº R. não acarretou para o A. quaisquer danos e/ou prejuízos;

- Não existe nexo de causalidade adequada entre as alegadas omissões e/ou imprecisões e a total improcedência da pretensão do A. no processo;

- Na perda de chance, o que deve ser indemnizado é a ausência da possibilidade de o constituinte ter tido a sua pretensão apreciada pelo tribunal e não o valor que esse processo lhe poderia eventualmente propiciar.

O 1º R. contestou, impugnando factos alegados pelo A. e dizendo, em síntese, que da sua conduta não resultaram danos para este.

A fls. 1011 foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. do pedido.

Inconformado, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Por acórdão de fls. 1087 o recurso foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.


2. Veio o A. interpor recurso de revista, por via excepcional, o qual foi admitido por acórdão de fls. 1192 da Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do Código de Processo Civil.


3. Formulou o Recorrente as seguintes conclusões a respeito do objecto do presente recurso:

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade]

“23. Definição do objeto da presente revista excecional,

24. No douto acórdão recorrido proferido pela Relação de Lisboa foi decidido repetindo a sentença de 1ª instância que: “o primeiro reu cometeu um acto ilícito e culposo”.

25. O 1º Réu, advogado, não interpôs o competente recurso que lhe foi pedido que fizesse da sentença de 1ª instância.

26. Mas, diz a sentença em causa que se não podia concluir dos factos apurados na ação que “caso tivesse sido admitido um recurso, existisse um mínimo grau de probabilidade de êxito, e que tenha existido um prejuízo patrimonial e não patrimonial pelo facto de não ter o autor visto a questão apreciada pelo Tribunal da Relação de Évora."

27. "Assim, não se demonstrou que a falta de apresentação das alegações de recurso foi causa adequada da perda de uma oportunidade de ver a decisão alterada com a condenação nos montantes pretendidos.

28. Esta decisão não é aceitável.

29. Mesmo que as instâncias não pudessem concluir qual o quantum indemnizatório, o certo é que sempre tinham que admitir ter havido dano. E que esse dano em si, per si, tem que ter reparação indemnizatória.

30. Com efeito, se existe situação em que é manifesto o erro e a faculdade de ser corrigido, tanto pelo tribunal a quo como pelo tribunal ad quem, é este, por tão objetivo e material.

31. Então existe alguma dúvida sobre a diferença de valor entre um cheque de € 250.000,00 e o mesmo cheque de valor de € 12.400,00?

32. Seria possível um senhor juiz desembargador da Relação de Évora, receber o recurso daquela decisão da senhora juíza EE, de … contendo uma calamidade destas e nada fazer, não corrigir, nem obrigar a corrigir o erro, devolvendo e baixando os autos?

33. Aliás, a própria juíza meritíssima que prolatou a sentença não deixaria de o fazer antes de remessa do recurso para o tribunal superior, retificando o erro, porque de erro se tratava.

34. O certo é que, com esse erro se destituiu o ora recorrente do seu direito de crédito sobre os Réus na ação e se afirmou fixou que crédito e débito se equiparados e nada lhe era devido.

35. Os réus na ação em causa, para pagamento das importâncias que o autor e ora recorrente lhes entregara, fizeram preenchimento de 8 cheques totalizando o valor de €447.750,00. (ponto 10 da sentença).

36. O cheque referido no n° 4, cheque 57…66 datado de 26/10/2002, tinha aposto o valor de €250.000,00.

37. Esse cheque n° 57…66 datado de 26/10/2002, consta igualmente da p.i. da ação principal e foi junto a esta (ponto 17).

38. No ponto 18 da sentença diz-se que no ponto 12 dos factos provados, constam os  mesmos 8 cheques  e  que  foram  devolvidos  com  a menção de "extravio".

39. Desde logo, se foram extraviados, então não foram pagos ao apresentante, o ora recorrente, o que vale por dizer que aquela quantia de €447.750,00, não foi recebida pelo ora recorrente. Ficou em dívida.

40. Por outro lado o valor destes mesmos 8 cheques, aqui relacionados, já não perfaziam o montante de 447.750,00, mas tão só de €207.000,00 porque o cheque em 4. tem aposto apenas o valor de €12.400,00.

41. Seja como for, os réus foram aqui beneficiados com a alteração do valor do cheque n° 57…66 datado de 26/10/2002, que sendo de valor aposto de €250.000,00, aparece aqui reduzido a 12.400,00 (doze mil e quatrocentos euros).

42. O recorrente teve um dano de valor elevado que se pode contar em mais de quatrocentos mil euros.

43. Mas, como seguro existe o valor de diferença entre 250.000 e 12.400,00, ou seja, €237.600,00 (duzentos e trinta e sete mil e seiscentos euros).

44. Então não existe dano? e não era espectável, em elevado grau de plausibilidade que o Tribunal da Relação (caso o não fizesse o tribunal a quo) fizesse ou ordenasse a baixa do processo para corrigir este erro?

45. Este dano está provado, até pelo valor facial do cheque.

46. Então é indiferente ter ou não interposto recurso para efeitos de resultado?

47. O erro, o facto ilícito culposo praticado pelo 1º R. determinou o desastre para os interesses e direitos legítimos do recorrente e a impossibilidade irremediável de o evitar.

48. O acórdão ora recorrido, ao secundar ipsis verbis, o decidido pelo tribunal de 1ª instância, incorre em nulidade por omissão de conhecimento sobre os factos relevantes para esta matéria de facto e de direito.

49. Tivesse ele recorrido e outra porta de oportunidade se teria aberto para o recorrente. Eis a questão de direito.

50. A segunda R., seguradora Mapre, escapa por esta via às suas responsabilidades como seguradora, como parte outorgante no contrato de seguro de grupo celebrado com a Ordem dos Advogados, supra identificado.

51. Este Supremo Tribunal de Justiça pode, e se espera que o faça, conhecendo sobre todas as questões omitidas pela RL bem como as demais tendentes a garantir o direito do recorrente.

52. Com efeito, como resulta no acórdão fundamento, ponto 9, pág.23, com apoio de Paulo Mota Pinto, in Perda de Chance processual, in RLJ Ano 145, Março-Abril de 2016, e acórdão do STJ de 22/10/2009, relatado pelo senhor Juiz Conselheiro João Bernardo, no processo 409/09.4YFLSB: Citamos:

" O Supremo Tribunal de Justiça passou (...) a aceitar o ressarcimento da perda de chance processual, atribuindo ao lesado uma indemnização mesmo em casos em que não conseguiu determinar a probabilidade de vencimento, fazendo uma avaliação equitativa do dano"

E ainda, que:

"A orientação dominante na nossa jurisprudência em matéria de chance processual passou, pois a ser hoje a de que o dano resultante da perda de chance processual pode relevar se se tratar de uma chance consistente, designadamente se se puder concluir, com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança (expressão de Cons. Sebastião Póvoas), que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida", sublinhado nosso.

E as senhoras Juízas Conselheiras, no acórdão fundamento que adotamos, continuam a acentuar que: "não obstante as divergências quanto à caracterização ou não da perda de chance como dano autónomo, não vemos que exista obstáculo a que essa perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, não possa ser qualificada como um dano em si, posto que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados" citado do ac. do STJ de 09/07/2015.

"Assim, desde que se prove, deste modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo".

Relevante é que "o dano possa ser considerado como dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista"

"Mesmo a Jurisprudência do STJ admite a relevância de situações muito pontuais, desde que a prova permita (...) concluir que o lesado obteria certo beneficio não fora a chance perdida".

"o que significa admitir que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado".

E o "quantum indemnizatório devido" (artigo 566°, nº 2 do CC) poderá ser avaliado deitando mão, "em última instância do critério da equidade ao abrigo do n°3 do mesmo normativo".

Para tanto importa fazer o chamado julgamento dentro do julgamento (...) o que possa ser altamente provável que o tribunal da ação - no caso do recurso - em que a defesa dos direitos do recorrente ficou prejudicada viesse a decidir”

53. No caso dos autos, o recorrente não viu ser corrigidos os erros em matéria de facto, que determinariam uma solução favorável ao seu interesse e património, porque o Réu, senhor advogado não recorreu, não motivou nem concluiu.

54. Não viu, por causa disso, sequer ser corrigido o erro ou lapso elementar do valor aposto no cheque n° 57…66 datado de 26/10/2002, que estando emitido com o valor facial de €250.000,00, (duzentos e cinquenta mil euros) aparece aqui reduzido a 12.400,00 (doze mil e quatrocentos euros).

55. O dano por perda de chance existiu, é manifesto e podia ser determinado, mesmo na ausência de outro critério, pelo dano autónomo e por critérios de equidade por parte do tribunal de recurso.

56. Mas não houve recurso e devia ter havido. Perdeu-se irremediavelmente essa possibilidade. Por ato ilícito e culposo do réu advogado.

57. O que a R. repetiu em violação do disposto nos artigos 483° e 564° e 566° do C.Civ. e

58. Assim a segunda Ré seguradora, refugiando-se na doutrina vertida na sentença e no acórdão da RL, da falta de nexo causalidade e do dano, deixa o recorrente sem reparação, e

59. A apólice n° 60…58 que titula o contrato de seguro de grupo celebrado entre a Mapre Seguros Gerais, SA e a Ordem dos Advogados, rasgou-se e de nada valeu...

60. Assim não. Assim o cidadão cliente do advogado, não está protegido, com refúgio em teses teóricas improváveis e ineficazes. Assim aumentará o descrédito da justiça. Assim não existe tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos, conforme ao normativo constitucional do art° 20°, 5, da CRP.

61. Razão por que, ao recorrente apenas a mão reparadora deste Supremo Tribunal de Justiça lhe pode ainda valer, providenciando pela reparação dos vícios e nulidades das decisões anteriores e pela decisão harmonizadora da jurisprudência sobre o problema da existência de um direito de indemnização autónomo que seja arbitrado ao recorrente uma vez que as instâncias estão esgotadas na dupla conforme.

62. É assim, aperfeiçoando a aplicação do direito, sejam os RR condenados a repararem o dano causado e pagarem ao ora recorrente uma indemnização de valor a fixar por juízos de equidade, caso se entenda não ser de considerar ao menos o valor da diferença do cheque n° 57…66 datado de 26/10/2002, que tinha aposto o valor de €250.000,00 e foi considerado no acerto de contas apenas pelo valor de 12.400,00, pelo que resulta num diferencial de seja €237.600,00 (duzentos e trinta e sete mil e seiscentos euros).

63. Importa salientar que não foi ainda proferido acórdão uniformizador sobre esta questão.

64. Deve, por isso, no sentido que se deixa exposto e motivado, ser revogado o Ac. da RL e substituído por douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que restitua ao recorrente um mínimo de justiça e reparação, como se requer.”


O 1º R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão do acórdão recorrido, alegando a inadmissibilidade da doutrina da perda de chance no ordenamento jurídico português, assim como invocando que a orientação jurisprudencial em sentido favorável a tal doutrina incorre em violação de princípios fundamentais consagrados na Constituição e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.


Cumpre apreciar e decidir.


3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e redacção das instâncias):

1 - O Autor AA intentou acção de condenação com processo ordinário contra ÁGUAS DE S. JOSÉ, LDA., CC e DD (Processo n.° 4998/06.7…), que correu os seus termos na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de …, alegando, em síntese, o seguinte:

“Os 2° e 3º RR são detentores da totalidade do capital social do 1º R. e são ambos gerentes da mesma; No período compreendido entre o final de 1998 e o início de 2002, o A. entregou ao R. CC a importância de 759.514,32€ através de 208 cheques; Esses cheques foram indiscriminadamente sacados para as contas da 1ª e dos 2º e 3ª RR e foram usados em proveito de uns ou de outros;

Face à impossibilidade de amortização da totalidade do capital em dívida manifestada pelos RR., estes acordaram com o A. a dação de um prédio rústico identificado no processo;

No pressuposto da iminente concretização do negócio a 1ª R., que ocupava o dito prédio, começou a pagar renda ao A.. Os RR., no entanto, nunca concretizaram o mencionado negócio;

A dívida dos RR para com o A. é no montante de 447.750,006 a que acrescem juros no valor de 72.315,686, quantias que o A. pedia em que sejam os RR. demandados a pagar-lhe e ainda os juros que se vencerem desde a citação até integral pagamento.”

2 - A Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de … deu como provados os seguintes factos:

“1 - A 1° Ré é uma sociedade comercial detentora do direito de exploração e comercialização de água da nascente de um furo ou furos, no prédio rústico sito no … ou …, freguesia e Concelho de …, com a área de 16.250m2, inscrito na respectiva matriz sob o art.°. 29 da secção U;

2- 0 1° R. edificou nesse prédio as instalações industriais a que se referem os processos 217/95 da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo do Ministério do Planeamento e da Administração do Território e processo de licenciamento de instalações industriais I - 6/95 da Câmara Municipal de …;

3 - Os Réus CC e DDsão os detentores da totalidade do capital social do 1° R., constituída no ano de 1992, o qual é de 104.748,006;

4 - O R. CC é detentor de uma quota no valor nominal de 79.808,00 e a R. DD de uma quota no valor nominal de 24.940,006;

5 - A gerência da 1ª R. encontra-se a cargo de ambos os sócios, sendo bastante para obrigar a sociedade a assinatura de um dos gerentes.

6 - No dia 7/5/2004, no primeiro cartório Notarial de …, compareceram CC, na qualidade de procurador de FF e GG e HH, em representação de Movilop - Imobiliária e Construção Civil, Lda., onde declararam que o primeiro outorgante vende, livre de ónus e encargos à segunda outorgante, pelo preço de sessenta mil euros, o prédio rústico, com a área de dezasseis mil, duzentos e cinquenta metros quadrados, composto de vinha e árvores de fruto, situado nos … ou …, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número dezoito mil trezentos e vinte e cinco, no livro B - cinquenta

e seis, que se encontra registado a favor do representado varão do primeiro outorgante, pela inscrição número vinte e seis mil oitocentos e sessenta, do livro G - setenta e três;

7 - Entre o final de 1998 e o início de 2002 o A., a solicitação do R. CC, entregou a este na qualidade de representante legal da 1ª R., vários montantes não apurados, em montante total não inferior a 125.000,00€, em face da impossibilidade de aquela recorrer ao crédito bancário;

8 - Sobre os montantes entregues nos termos referidos no ponto anterior incidiam juros cuja taxa não foi apurada.

9 - Para garantia de pagamento do capital e juros foram entregues ao A. diversos cheques titulados pela 1ª R. e pelo 2º R..”

3 - Teve a Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de … por reproduzido documento dos autos, datado de 4 de Fevereiro de 1999, no qual o Autor declara que as quantias tituladas pelos cheques (emitidos por CC) aí mencionados no valor total de 3.620.000$00 (€ 19.471,52), foram liquidadas em dinheiro.

4 - 0 Tribunal considerou, ainda, como provados os seguintes factos:

“11 - Os cheques cujas cópias se encontram a fls. 259, 260, 262, 263, 264, 265, 268, 269, 270, 273, 274, 275, 276, 277, 278, 279, 280, 281, 282, 283, 284, 285, 286, 287, 288, 295 e 296, datados respectivamente de 23/3/2001, 2/5/2001, 4/5/2001, 14/05/2001, 18/5/2001, 30/5/2001, 8/65/2001, 10/6/2001, 12/6/2001,            3/7/2001,            26/7/2001,       30/7/2001,       1/8/2001, 4/8/2001, 14/8/2001,          14/8/2001,       20/11/2001 no valor total de 22.221.340$00 (119.525,76€), foram sacados sobre a conta da 1ª R. e emitidos à ordem do A. (Documento 1) (cfr. Doc. 3 que ora se junta e tem por integralmente reproduzido)

12 - A 1ª R. preencheu e assinou os seguintes cheques, sacados sobre o BBVA, balcão de …, - Bairro do …, que entregou ao A.:

- 17…70 datado de 26/10/2002, no valor de 20.000,00€

- 06…86, datado de 26/10/2002, no valor de 3.150,00€;

- 21…70 datado de 26/ 10/2002, no valor de 125.000,006

- 57…66, datado de 26/10/2002, no valor de 12.400,006

- 62…52, datado de 25/5/2003, no valor de 12.400,006;

- 60…63, datado de 25/08/03, no valor de 12.400,006;

-58…74, datado de 25/11/2003, no valor de 12.400,006;

- 56…85, datado de 24/02/2004 no valor de 12.400,00€; (cfr. Doc. 4 que se junta e tem por integralmente reproduzido)

13 - Os cheques identificados no ponto anterior foram devolvidos com a menção “extravio” (Documento 2); (cfr. Doc. 4 já junto)

14 - O A. nunca entregava a totalidade do dinheiro que se propunha emprestar e fazia-o faseadamente;

15 - Com a primeira entrega o A. requeria a entrega de cheques no valor da totalidade do capital que se propunha emprestar e respectivos juros;

16 - Para pagarem os empréstimos iniciais a 1ª R. contraiu junto do A. outros empréstimos;

17 - O A. emprestou dinheiro a outras pessoas nos mesmos termos e condições referidas nos pontos anteriores.”;

5 - A Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de … deu por reproduzido o teor dos documentos dos autos datados respectivamente de 20 de Fevereiro de 2000, de 24 de Março de 2000, de 20 de Abril de 2000, de 22 de Maio de 2000, de 21 de Junho de 2000, de 21 de Julho de 2000, de 22 de Agosto de 2000 e de 22 de Dezembro de 2000, que consistem em recibos de renda em que o A. declara ter recebido da 1ª R. o valor 375.000$00 pelo arrendamento de “armazém” ou “terreno e armazéns”.

6 - 0 Tribunal considerou como não provados os restantes factos designadamente os que se encontram em contradição ou para além dos que se consideraram acima provados e os descritos nos artigos 3.°, 4.°, 8.°, 9.°, 10.°, 13.°, 14.°, 15.°, 20.° a 22.°, 24° a 48.°, 55.°, 61.°, 64.° a 67.°, 69.° a 79.°.

7 - E fundamentou a sua decisão no seguinte:

“Na fixação da matéria de facto provada, o Douto Tribunal teve por base os documentos constantes dos autos, nomeadamente de fls. 55 a 58, 59 a 66, 259 a 296, 297 destes autos e extractos bancários de fls. 320 e seguintes do procedimento cautelar, documentos estes não impugnados pelas partes.

Não houve qualquer prova de que os valores entregues pelo A. se destinassem aos RR. pessoas singulares, pois as testemunhas ouvidas nada sabiam sobre o assunto, sendo certo que cabia ao A. a prova de tal facto (art. 342°, n° 1 do C. Civil).

Na verdade, a testemunha II sabia da existência de empréstimos porque foi com o A. à 1ª R. em fins de 1999 cobrar prestações desses empréstimos mas apenas uma vez assistiu a uma conversa entre o A. e o R. CC em que o 1º insistia com o 2° para ele ser cumpridor nos pagamentos e o R. invocava dificuldades mas dizia que tudo se ia resolver e ouviu o A. queixar-se da falta de pagamento.

A testemunha JJ apenas sabia o que o A. lhe contou. A testemunha KK disse saber que o A. financiou o R. CC e/ou a R. Águas de S. José, nada sabendo de montantes.

Quanto aos valores entregues pelo A. à 1ª não houve qualquer prova dos montantes já que, também neste ponto, as testemunhas ouvidas nada sabiam de concreto sobre o assunto, pelo que se considerou provado apenas o que resulta da confissão dos RR. no seu articulado, ou seja, que o A. emprestou à 1ª R. (Águas de S. José) a quantia de 125.000,00€.

A testemunha LL referiu que o seu pai também contraiu empréstimos junto do A. e referiu os termos em que tais empréstimos se processavam, sendo o valor dos cheques exigidos pelo A. superior ao valor que ele entregava.

A testemunha MM nada sabia sobre o caso concreto tendo referido que contraiu empréstimos junto do A. e que viu várias pessoas na casa do A. que iam lá para o mesmo fim.

NN, embora seja filho dos RR depôs de forma que se entendeu séria e verdadeira, contando apenas os factos de que tinha conhecimento, tenho referido as circunstâncias em que ocorreram os contactos entre o R. seu pai e o A. e que o montante pedido a este era para investir na sociedade R.. Referiu também que na maior parte das vezes que o seu pai se deslocava a casa do A. a testemunha acompanhava-o e presenciava as respectivas conversas.

Sobre a taxa de juro cobrada as testemunhas nada sabiam em concreto.

No que respeita ao valor pago pela R. ao A. as testemunhas, designadamente o filho dos RR nada sabia em concreto, embora esta testemunha tenha dito que o valor emprestado tinha sido integralmente pago em dinheiro ao A. e que nessa altura este devolveu os cheques à testemunha.

No entanto, não pode considerar-se saldada a dívida pois, neste caso, porque se encontram juntas pelo A. as cópias dos cheques devolvidos com o motivo “extravio” sem que os RR juntem aos autos os originais que alegadamente o A. lhes entregou?

Na verdade, ainda que em certo momento o A. tenha considerado a dívida saldada, não invalida que o R. tenha pedido novo empréstimo sem que seu filho disso tenha tido conhecimento, pois resulta da matéria provada que as relações entre eles se desenvolveram por vários anos. Na verdade, vemos pela análise do documento de fls. 297 (datado de Fevereiro de 1999) que nessa altura o A. considerou pagos todos os valores que o R. lhe deveria, resultando da prova produzida e da confissão das partes que houve empréstimos posteriores.

Quanto ao valor que se considerou pago pela R. ao A. teve-se em conta os cheques de fls 259 a 296 referidos no ponto 11 da matéria de facto e extractos bancários de fls. 320 e seguintes onde se encontram registados os pagamentos relativos aos mencionados cheques, documentos que não foram impugnados pelo A..

Consigna-se que apenas se considerou na matéria de facto provada os cheques que se encontram endossados ao A. uma vez que quanto aos restantes e na falta de prova complementar, nomeadamente informação bancária sobre o titular da conta beneficiária dos valores, não havia certeza de que o beneficiário tenha sido o A.;

Consigna-se que, não obstante existir nos autos cópia de um acórdão crime, transitado em julgado (v. fls. 877 a 900), em que se mencionam factos provados relativos ao relacionamento que existiu entre A. e R. e que é referido também nos presentes autos, o que é certo é que o arguido foi absolvido da prática do crime em que era ofendido o ora R. CC, pelo que não funciona a presunção prevista no art. 623° do C. P. Civil (anterior art. 674º- A).

Sobre a celebração de outros contratos entre o A. e os RR. nada se provou, sendo certo que a existência de recibos de renda, sem que os mesmos refiram concretamente o objecto do contrato de arrendamento e sem a existência desse contrato ou de outra prova nesse sentido - as testemunhas ouvidas nada sabiam sobre essa matéria - não pode ser suficiente para o demonstrar nos termos pretendidos pelo A.”

8 - Assim, o Tribunal decidiu que:

“Em primeiro lugar não se provou qualquer facto relativo aos alegados empréstimos de que teriam sido beneficiários os RR. CC e DD, pelo que, quanto a estes tem necessariamente de improceder a acção;

A qualificação dos contratos - questão lógica e necessariamente prévia à determinação do respectivo regime - depende essencialmente do seu conteúdo, mais para tanto importando as estipulações das partes que a designação que estas lhe atribuam.

Com interesse para a qualificação do contrato celebrado entre Autor e Ré Águas de S. José, Lda. ficou provado que o autor disponibilizou à ré diversas quantias em dinheiro, obrigando-se esta a devolver essa quantia.

Perante esta factualidade, o contrato em causa nos autos é, em nosso entender, reconduzível à figura do mútuo (art. 1142°do C. Civil)

Desconhece-se qual o valor parcial das quantias entregues pelo A. à R., no entanto, nada consta nos autos que permita concluir pela nulidade dos contratos de mútuo por eventual desrespeito pela forma exigida pela lei nos diversos momentos em que foram acordados (v. art. 1143° do C. Civil, antes e depois da redacção introduzida pelo DL 343/98 de 6/11 que entrou em vigor em 1/7/99) não pode ser o julgador a presumir que se verifica tal nulidade.

Nem se diga que o valor dos cheques constantes dos autos faz concluir pela nulidade pois, como resulta da matéria de facto provada, tais cheques não representavam o valor entregue pelo A. (que entregava quantias inferiores as prometidas emprestar) e, além disso incluía nos cheques, desde logo, o valor total dos juros cuja taxa não se conseguiu apurar.

Desde modo, tendo o A. emprestado à R. o valor total apurado de 125.000,00€, a R. estava obrigada a restitui-lo, (art. 1142°).

Ao valor do capital, acresce o valor dos respectivos juros remuneratórios e moratórios (arts. 1145°, 559° e 806°, todos do C. Civil).

Temos assim de verificar quais as taxas de juros aplicáveis e datas de início da respectiva contagem para apurar qual o valor ainda em divida pela R. ao A..

Não havendo convenção escrita sobre a taxa de juros acordada, os juros a considerar são os juros legais (v. art. 559°, n° 2 do C. Civil, par via do preceituado no art. 1145°, n° 2 do mesmo Código).

Mas, desde quando se contam tais juros (remuneratórios)? Da matéria de facto provada não consta quando foram entregues as quantias à R., nem se foi convencionado entre A. e R. que os juros se venciam desde essa entrega.

O A. diz que os juros se vencem desde a data dos cheques juntos aos autos mas nada provou nesse sentido, por outro lado, nunca as datas dos cheques poderiam servir como referência para a contagem dos juros remuneratórios pois resultou provado que o valor dos cheques não correspondia aos montantes entregues à mutuária.

Deste modo, os juros remuneratórios apenas poderiam ser calculados desde a data da citação para a presente acção.

Quanto aos juros moratórios, da matéria de facto provada não consta, nem foi alegado, desde quando eram devidos os juros ou quais as datas em que as quantias mutuadas deveriam ser devolvidas pela R. ao A., ou seja, quais as datas de vencimento de cada uma das obrigações, pelo que a contagem dos juros moratórios teria também de ser feita desde a data da citação da R. para a acção. Assim, concluiu-se que a R. estava obrigada a restituir ao A. a quantia total de 125.0,00€ a que acresceriam juros remuneratórios e moratórios desde a citação até integral pagamento, no entanto, resulta da matéria de facto provada que a R. já pagou ao A. a quantia de 138.997,28€, tendo este pagamento ocorrido até 20/11/2001 (v. pontos 10 e 11 da matéria de facto) ou seja, entregou ao A. quantia superior ao capital em dívida e tal entrega ocorreu antes da entrada em juízo da presente acção.

A obrigação está assim extinta pelo pagamento (v. art. 762°, n° 1 do C. Civil) e desde essa extinção cessa obviamente a obrigação de juros, pelo que, não se tendo apurado o momento do início da contagem de juros para data anterior da citação e tendo ocorrido o pagamento antes desta data, não há lugar ao pagamento de qualquer quantia a título de juros no âmbito desta acção.”

9 - Quanto aos pedidos reconvencionais, considerou o Tribunal que:

“Os RR pediram a condenação do A. a devolver-lhes a quantia relativa aos juros que pagaram ao A. que exceder o valor legal de juros permitido por lei.

Dizem ainda que o A., invocando factos que sabia não serem verdadeiros, intentou um procedimento cautelar de arresto contra a 1ª R., conseguindo arrestar contas bancarias e bens dessa sociedade impedindo-a de cumprir as suas obrigações para com os seus fornecedores o que lhe causou danos patrimoniais e não patrimoniais, pedindo o seu ressarcimento.

Ora, analisando-se a matéria de facto provada verifica-se que os RR não provaram qualquer facto dos que sustentavam os pedidos reconvencionais, designadamente a percentagem da taxa de juro e a ocorrência de qualquer dano na sequência da efectivação do arresto. Têm pois tais pedidos que improceder.”

10 - Tendo o Tribunal decidido:

“Nos termos que se deixaram expostos, julgo improcedente a ação e a reconvenção, absolvendo Réus e Autor dos respetivos pedidos.”

11 - 0 Autor intentou acção de condenação sob a forma de processo ordinário, a qual correu os seus termos nas Varas de Competência Mista do Tribunal Judicial de …, contra ÁGUAS DE S. JOSÉ LDA., CC e sua mulher, DD, no âmbito do processo 4998/06.7…, já transitado em julgado.

12 - Alegando, em síntese, que emprestara aos Réus € 759.514,32, pedindo a condenação dos mesmos no pagamento da importância de € 447.750,0, montante ainda em dívida, a que acresciam juros no valor de € 72.315,68.

13 - Os Réus deduziram reconvenção, alegando haver pago ao Autor a importância de € 693.102,79, pedindo a condenação daquele em danos patrimoniais e não patrimoniais.

14 - A sentença concluiu que a Ré estava obrigada a restituir ao Autor a quantia total de € 125.000,00, a que acresciam juros remuneratórios e moratórios desde a citação até integral pagamento e ainda que, tendo a Ré pago ao Autor a quantia de € 138.997,28 (pagamento ocorrido até 20 de Novembro de 2011), entregara, assim ao Autor quantia superior ao capital em dívida.

15 - Considerando, desta forma, que a obrigação da Ré para com o Autor se encontrava extinta pelo pagamento, nos termos do disposto no artigo 762.°, n.° 1 do Código Civil.

16 - No âmbito do procedimento cautelar de arresto, o Autor juntou 8 documentos que consistem em cheques do BBVA, a saber:

1. 17…70, datado de 26/10/2002, no valor de € 20.000,00

2. 06..86, datado de 26/10/2002, no valor de € 3.150,00

3. 21…70, datado de 26/10/2002, no valor de € 125.000,00

4. 57…66, datado de 26/10/2002, no valor de € 250.000,00

5. 62…52, datado de 25/05/2003, no valor de € 12.400,00

6. 60…63, datado de 25/08/2003, no valor de € 12.400,00

7. 58…74, datado de 25/11/2003, no valor de € 12.400,00

8. 56…85, datado de 24/02/2004, no valor de € 12.400,00, tendo posteriormente juntado cópias dos mesmos à acção principal.

17 - Ora, o cheque 57…66, datado de 26 de Outubro de 2002, no valor de € 250.000,00, consta igualmente da Petição Inicial que deu origem ã acção principal* tendo sido junto àquela.

18 - 0 Tribunal, no ponto 12 dos factos provados com interesse para a decisão da causa, dá como provado que “A 1ª R. preencheu e assinou os seguintes cheques, sacados sobre o BBVA, balcão de …, - …, que entregou ao A.:

- 17…70, datado de 26/10/2002, no valor de 20.000,00€;

- 06…86, datado de 26/10/2002, no valor de 3.150,00€;

- 21…70, datado de 26/10/2002, no valor de 125.000,00€;

- 57…66, datado de 26/10/2002, no valor de 12.400,00€;

- 62…52, datado de 25/05/2003, no valor de 12.400,00€;

- 60…63, datado de 25/08/2003, no valor de 12.400,006;

- 58…74, datado de 25/11/2003, no valor de 12.400,006;

- 56…85, datado de 24/02/2004, no valor de 12.400,006”

E, ainda, no ponto 13 que “Os cheques identificados no ponto anterior foram devolvidos com a menção “extravio”;

19 - No que tange ao cheque n° 57…66, o valor constante da Petição Inicial, é de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil Euros) e aquele que consta da matéria de facto provada é de € 12.400,00 (doze mil e quatrocentos Euros).

20 - Inconformado com a douta sentença da Vara Mista de …, o Autor deu instruções expressas ao aqui Réu BB para, em seu nome, interpor recurso da mesma.

21- O recurso apresentado pelo Réu limitou-se a um requerimento composto por um parágrafo de 5 linhas, sem quaisquer alegações.

22 - Tendo o Tribunal a quo indeferido o requerimento de interposição de recurso, nos termos do disposto no artigo 641.°, n.° 2, alínea b), do Código de Processo Civil.

23 - Com data de início a 1 de Janeiro de 2014, foi celebrado o primeiro contrato de seguro entre a MAPFRE SEGUROS GERAIS, S.A. e a ORDEM DOS ADVOGADOS, tendo a Ré assumido perante o Tomador de Seguro (Ordem dos Advogados) a cobertura dos riscos inerentes ao exercício de advocacia, desenvolvida pelos seus segurados, através da apólice n.° 60…58/1, sendo o limite indemnizatório máximo fixado em € 150.0.00 e prevendo-se uma franquia contratual, a cargo do segurado cujo valor ascende a € 5.000,00 por sinistro.


Foram dados como não provados os seguintes factos:

i. Os Réus contestaram e deduziram reconvenção nos seguintes termos:

"O A. nos anos de 1998 a 2003 emprestou dinheiro ao A. CC, para este e para a sociedade 1ª R. cobrando-lhe uma taxa de juro muito superior ao permitido por lei, taxa este entre 34 e 60%;

Pela totalidade dos empréstimos feitos pelo A., as RR pagaram-lhe um total de 693.102,79€ através de cheques e importâncias em dinheiro;

Este valor paga a totalidade do capital que lhes foi emprestado pelo A. e excede em muito o valor de juros que o A. lhes podia cobrar;

Nunca celebraram com o A. qualquer outro negócio;

A R. mulher nunca teve qualquer contacto com o A.;

Pediam pois, a sua absolvição do pedido e a condenação do A. a devolver-lhes a quantia relativa aos juros que pagaram ao A. e que alegadamente excede o valor legal de juros permitido por lei;

Disseram ainda que o A., invocando factos que sabia não serem verdadeiros, intentou um procedimento cautelar de arresto contra a 1ª R., conseguindo arrestar contas bancarias e bens dessa sociedade, impedindo-a de cumprir as suas obrigações para com os seus fornecedores o que lhe causou danos patrimoniais e não patrimoniais, estes no valor de 10.0.00€ ao R. marido e à 1ª R. e aqueles de valor não apurado;

Pediam a condenação do A. no pagamento de 10.000,00 € à 1ª R. e igual quantia ao R. marido e ainda, no que se apurar em liquidação em sede de sentença por danos patrimoniais causados 1ª R.;

Pedem ainda a condenação do A. como litigante de ma fé."

ii. A mesma Vara Mista, que em sede de procedimento cautelar de arresto, que correu por apenso aos autos principais, como Processo n.° 8201/05.9…, reconheceu mérito à pretensão do Autor, veio posteriormente, na acção principal e com base nos mesmos elementos, decidir em sentido contrário, sem que nesta se haja apurado algo de diferente, o que nos relega para um claro erro de julgamento.

iii. A Vara Mista julgou extinta a obrigação dos Réus, por pagamento, sendo que tal julgamento se fica a dever, no entender do Autor e s.m.o., a um erro manifesto e grosseiro no que tange à análise da prova, mormente a documental, e consequente erro quanto à matéria de facto dada como provada.

iv. Ficando tal erro a dever-se, no entendimento do Autor, a um manifesto e grosseiro erro na apreciação da prova, por parte do Tribunal - Vara Mista de …, por via do qual advieram sérias e graves consequências patrimoniais que influíram negativamente na esfera patrimonial e financeira do Autor, das quais ainda hoje não recuperou.

v. O Autor deu as seguintes instruções ao Réu para interposição de recurso:

a) Ao contrário do que resulta da matéria de facto dada como provada, designadamente do ponto 7º, nos termos do qual "Entre o final de 1998 e o início de 2002 o A., a solicitação do R. CC, entregou a este na qualidade de representante legal da 1ª R., vários montantes não apurados, em montante total não inferior a 125.000,00€, em face da impossibilidade daquela recorrer ao crédito bancário.", a verdade é que o A. emprestou à 1ª R. e ao Réu CC naquela acção, a importância de 759.514,32€ (setecentos e cinquenta e nove mil, quinhentos e catorze euros e trinta e dois cêntimos), quantia esta que se destinava, não apenas à 1ª R., mas também ao 2º R., conforme se extrai da própria confissão deste último (vide 4º parágrafo da sentença, nos termos do qual "O A. nos anos de 1998 a 2003 emprestou dinheiro ao R. CC, para este e para a sociedade 1ª R. (...)"), que se encontra em manifesta contradição com o que vem posteriormente a ser  considerado provado, i.e., que o capital emprestado pelo A. aos RR. naquela acção, se destinou apenas à sociedade R.;

b) Acresce, por um lado, que, conforme prova feita naqueles autos pelo A., este emprestou ao R. CC e à R. sociedade a importância de, pelo menos, €603.648,000 (seiscentos e três mil seiscentos e quarenta e oito euros), conforme se alcança das cópias (frente e verso) dos cheques efectivamente depositados nas contas dos RR. e sacados das contas tituladas pelo A., que constam do procedimento cautelar de arresto que correu por apenso à acção principal, a fls. 37 a 44, 507 a 511, 580 a 983,1014 a 1074, que se protestam juntar.

c) Não obstante a quantia efectivamente emprestada pelo A. ter sido superior à que consta da alínea anterior; na verdade, foram emprestados € 795.715,58, sendo certo que não se logrou fazer prova quanto ao remanescente mutuado, na medida em que, pelo decurso do tempo, não foi possível ao A. obter, junto das instituições bancárias, as fotocópias dos restantes cheques, algo que, de resto, se fez consignar nos autos.

d) Por outro lado, é certo que os RR. procederam à devolução de parte do capital mutuado, concretamente 311.764,32€ (trezentos e onze mil setecentos e sessenta e quatro euros e trinta e dois cêntimos),

e) Sendo, portanto, à data da autuação, devedores ao A. da quantia remanescente de 447.750,00€ (quatrocentos e quarenta e sete mil setecentos e cinquenta euros), dívida essa titulada pelos cheques juntos pelo A., quer no âmbito de procedimento cautelar de arresto, quer na acção principal subsequente, conforme anteriormente referido (vide ponto 20°).

f) Assim, e salvo o devido respeito, errou o Tribunal ao considerar na sua decisão que o A. emprestou à R. "o valor total apurado de 125.000,00 € (cento e vinte e cinco mil euros) ";

g) Quando na verdade, o A. emprestou ao RR. naquela acção, conforme provado nos autos, pelo menos, a quantia de €603.648,00 (seiscentos e três mil seiscentos e quarenta e oito euros);

h) Para efeitos de fundamentação da sua decisão, o Tribunal baseou-se no valor de que os RR. se consideraram devedores, o que não se concede, desde logo atendendo aos cheques juntos pelo A., quer no âmbito do procedimento cautelar, quer na acção principal, que perfazem o valor constante da alínea anterior, errando desta forma, ao não atender à prova documental carreada para os autos, designadamente os cheques que totalizam €603.648,00, em violação do preceituado no art.° 607°, n°s 4 e 5 do CP, nos termos do qual "Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas (...) o juiz toma ainda em  consideração os factos (...) provados por documentos" e "a livre apreciação (da prova) não abrange os factos (...) que estejam plenamente provados (...) por documentos..."

i) Mais gravoso se revela o facto de o Tribunal ter considerado o valor de 138.997,25€ (cento e trinta e oito mil novecentos e noventa e sete euros e vinte e cinco cêntimos), pago pelos RR., para efeitos de dedução nos considerados 125.000,00€;

j) E que, por um lado, admitindo que tal valor foi efectivamente pago, o mesmo refere-se a empréstimos que não coincidem com os que se discutiam na acção, senão vejamos,

k) Tal valor é extraído da declaração e cheques, constantes de fls. 297 a 304 dos autos e, bem assim, de cheques cujas cópias se encontram a fls. 259, 260, 262 a 265, 268 a 270, 273 a 288, 295 e 296 dos autos;

l) A referida declaração de quitação (que, a propósito, não reflecte a realidade, antes tendo sido outorgada pelo A., na sua boa-fé, para evitar problemas aos RR., designadamente a sua inserção em lista de inibição de cheques) é datada de 04/02/1999; no que tange aos cheques, os mesmos são datados do período compreendido entre 23/03/2001 e 20/11/2001;

m) Sucede, no entanto, que o valor reclamado naqueles autos - 447.750,00€ (quatrocentos e quarenta e sete mil setecentos e cinquenta euros), teve por base os cheques referidos no ponto 19 ° supra, datados de 26/10/2002, 25/05/2003, 25/08/2003, 25/11/2003, 24/02/2004, i.e., subscritos pelos RR. naquela acção, num momento posterior ao do pagamento dos referidos 138.997,25€, o que de resto deveria ter sido apreciado pelo Tribunal, à luz das declarações prestadas pelo filho dos 2º e 3ª RR. na acção, nas quais aliás o julgador fundamentou a sua decisão, e nos termos das quais "No que respeita ao valor pago pela R. ao A. as testemunhas, designadamente o filho dos RR. nada sabia em concreto, embora esta testemunha tenha dito que o valor emprestado tinha sido integralmente pago em dinheiro ao A. e que nesta altura este devolveu os cheques à testemunha", o que, por si só, bem evidencia que os cheques endossados ao A. e que faziam prova da causa de pedir, nada tinham que ver com os valores já pagos pelos RR.

n) Por outra banda, e partindo do pressuposto que o facto de o cheque n° 57…66, emitido pelos RR., datado de 26/10/2002 cujo valor nominal é o de 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros), ter sido tomado em conta pelo Tribunal como tendo o valor de 12.400,00€ (doze mil e quatrocentos euros) se fica a dever a lapso, que não deixa de configurar um erro manifesto e grosseiro, não podem deixar de se quantificar os graves prejuízos financeiros que advieram para o A., por via de tal erro;

o) Mais, na matéria de facto dada como provada, entendeu o Tribunal que "O A. nunca entregava a totalidade do dinheiro que se propunha emprestar e fazia-o faseadamente (...) Com a primeira entrega o A, requeria a entrega de cheques no valor da totalidade do capital que se propunha emprestar e respectivos juros."

p) Não obstante, uma vez mais, e salvo o devido respeito que nos merece a decisão proferida, andou mal o Tribunal, senão vejamos:

q) No que tange ao facto de "O A. nunca entregava a totalidade do dinheiro que se propunha emprestar e fazia-o faseadamente (...) Com a primeira entrega o A, requeria a entrega de cheques no valor da totalidade do capital que se propunha", inexiste qualquer prova na qual o Tribunal tenha podido assentar a sua convicção. É certo que a testemunha LL referiu que "o seu pai também contraiu empréstimos juntos do A., sendo o valor dos cheques exigidos pelo A. superior ao valor que ele entregava". Ora, independentemente da credibilidade que nos possa, ou não, merecer o depoimento desta testemunha, o certo é que os factos que alega se referem empréstimos, não provados, alegadamente feitos pelo A. ao seu pai e que em nada se relacionam com os factos que constituem o objecto da presente acção.

r) Assim, forçoso é concluir que o valor dos cheques subscritos pelos RR. na acção, consubstanciava o valor das quantias mutuadas, acrescido de juros remuneratórios.

s) Pelo que o entendimento do Tribunal, errado, a nosso ver, segundo o qual o valor dos cheques subscritos pelos RR. era superior às quantias realmente disponibilizadas por este, apenas se poderá ter ficado a dever ao facto de o Tribunal, por erro, não ter considerado a quantia de €603.648,00.

t) No que se refere ao facto dado como provado, "Com a primeira entrega o A., requeria a entrega de cheques no valor da totalidade do capital que se propunha emprestar e respectivos juros", o mesmo raciocínio se aplica. O A., mediante a entrega de quantias mutuadas aos RR., exigia, como garantia de bom pagamento, cheques pelo valor da quantia disponibilizada, acrescido de juros, sendo certo que tais juros eram lícitos.

u) Na verdade, ao concluir nos termos em que o fez, o Tribunal errou, igualmente, na aplicação do direito, quer na apreciação que fez (ou não, relativamente aos cheques) da prova produzida, quer violando o disposto no art.° 607°, n° 4 in fine do CPC, que lhe impunha a compatibilização de toda a matéria de facto adquirida e a extracção, dos factos apurados, das presunções impostas pela lei.

v) Ora, perante a fundamentação vertida no acórdão (que ora se junta como Doc. 5 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido), não podemos deixar de concluir que o Tribunal deu como provado que o A. entregava faseadamente as quantias que se propunha entregar, a despeito de inexistir qualquer produção de prova nesse sentido.

w) Quanto aos juros, é certo que os mesmos se encontravam englobados nos valores dos cheques subscritos pelos RR.; não obstante, tais juros eram legais (lícitos), desde logo em face da sentença proferida no acórdão da Vara Mista de …, que absolveu o aqui A. pela prática do crime de usura de que vinha acusado, sendo ofendido o R. CC (conforme se alcança do acórdão junto como doc. 5), motivo pelo qual o Tribunal não podia deixar de extrair a presunção a que alude o art.° 624° ex vi 607°, n° 4 in fine, ambos do CPC, o que não fez.

x) Quanto aos juros peticionados, é certo que no entendimento do A., e salvo o devido respeito, uma vez mais errou o Tribunal na aplicação do Direito. É que, nos termos do art.° 806° do CC, nos casos de obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição da mora que, no caso concreto é o dia da data aposta, pelos RR., a cada um dos cheques pré datados que entregou ao A., isto nos termos do art.° 805°, n° 2, alínea a), uma vez que, evidentemente, as datas não foram apostas aos cheques inadvertidamente!

vi. O Autor emprestou aos Réus naquela acção a quantia de € 603.648,00 (seiscentos e três mil seiscentos e quarenta e oito Euros), sendo que à data da propositura da acção estes deviam ao Autor a quantia de € 447.750,00, acrescida de juros no valor de € 72.315,68.

vii. Para pagamento da referida quantia (€ 447.750,00), os Réus, naquela acção, entregaram ao Autor oito cheques que perfaziam o valor em questão, cujas datas eram posteriores às dos vários momentos temporais em que foi sendo paga a quantia de € 138.997,25, quantia esta que serviu para pagamento de outros créditos que, pese embora incluídos na dívida original (€ 603.648,00), se encontravam excluídos daquele crédito (€ 447.750,00) cujo pagamento o Autor reclamava.

viii. O Tribunal errou, por um lado, ao considerar como valor emprestado pelo Autor os € 125.000,00 confessados pelo Réu, na medida em que se deveria ter abatido ao valor constante dos cheques por aquele subscritos - € 447.750,00c, mesmo que considerasse a inclusão de juros em tal valor, na medida em que estes seriam lícitos.

ix. Tendo errado, por outro lado, ao contabilizar os € 138.997,25 pagos pelos Réus ao Autor, para efeitos de dedução no valor peticionado na acção (€ 447.750,00), quando tal valor já se encontrava abatido pelo Autor à dívida original, o que desde logo bem se entende em face daquelas que são as datas apostas aos cheques que titulavam o valor peticionado - posteriores ao pagamento dos € 138.997,25.

x. O Autor instruiu expressamente o R. BB, seu mandatário nos autos do Processo n.° 4998/06.7…, para que, com base nos fundamentos vertidos, este interpusesse recurso do acórdão proferido, tendo em vista a alteração da matéria de facto e de direito, de forma a que fossem os Réus, naqueles autos, condenados a pagar a quantia peticionada - € 447.750,00, acrescida de juros no valor de € 72.315,68.

xi. Não obstante o indeferimento do recurso ser datado de 4 de Dezembro de 2014, o Autor só teve conhecimento do mesmo há aproximadamente 5 meses, através dos seus novos mandatários, cujo domicílio profissional é coincidente com o do Réu, na medida em que este substabeleceu naqueles, ainda que apenas materialmente, o mandato que lhe havia sido conferido, alegando perante o Autor que não tinha disponibilidade, no momento, para continuar a representá-lo, sendo certo que durante o período que mediou entre o indeferimento do recurso (04/12/2014) e a junção aos autos da procuração, pelos actuais mandatários do Autor (15/05/2015), o Réu se furtou aos contactos que o Autor, de forma persistente, foi tentando estabelecer consigo, com vista a ser informado acerca do andamento do recurso que, até Julho do corrente ano de 2015, acreditou, havia subido à Relação de Évora.

xii. Da conduta do Réu, resultaram prejuízos para o Autor:

a) Preclusão do direito de ver ser reapreciada, em sede de recurso, a matéria de facto dada como provada que, na sua opinião, assentou na errada apreciação pelo Tribunal a quo, da prova produzida, e como consequência,

b) Preclusão do direito de ver ser corrigido o valor constante do acórdão;

c) Danos patrimoniais.


4. Tendo em conta o disposto no nº 4 do art. 635º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões. Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

- Nulidade do acórdão recorrido “por omissão de conhecimento sobre os factos relevantes para esta matéria de facto e de direito”;

- Verificação da perda de chance processual do A. devendo ser indemnizado pelo valor total da dívida não saldada ou, subsidiariamente, pelo “valor da diferença do cheque n° 57…66 datado de 26/10/2002, que tinha aposto o valor de € 250.000,00 e foi considerado no acerto de contas apenas pelo valor de 12.400,00, pelo que resulta num diferencial de seja € 237.600,00 (duzentos e trinta e sete mil e seiscentos euros)” ou, também subsidiariamente, em quantia a fixar segundo juízos de equidade.


5. Quanto à questão da alegada omissão de pronúncia sobre a questão de direito, objecto do recurso de apelação, da perda de chance processual, verifica-se ter o acórdão recorrido, ainda que de forma extremamente lacónica, aderido à decisão da sentença.

Deste modo, não se verifica a alegada nulidade, sendo que, na medida em que a questão da existência de perda de chance processual integra o objecto do presente recurso, sempre será reapreciada enquanto eventual erro de julgamento.


6. Passemos, assim, a apreciar a questão da invocada verificação da perda de chance processual do A. no processo patrocinado pelo 1º R.

Tendo ficado provado que o 1º R., na qualidade de mandatário do A., actuou ilicitamente ao não interpor recurso de apelação da sentença da Vara Mista de … (factos provados 20 a 22), não oferece dúvida, nem os RR. o impugnam, ter aquele violado os deveres a que se encontrava adstrito pelo contrato de mandato forense celebrado com o A.

Assim sendo, não está em causa o preenchimento do pressuposto da ilicitude, mas antes dos pressupostos do dano e da causalidade, à luz da denominada doutrina da perda de chance processual.

Ora, a respeito da problemática da reparabilidade do dano da perda de chance, consideremos a fundamentação do acórdão deste Supremo Tribunal de 30/11/2017 (proc. nº 12198/14.6T8LSB.L1.S1), consultável em www.dgsi.pt, proferido nesta secção, tendo como adjuntas as aqui relatora e 1ª adjunta:


Tal entendimento [da admissibilidade do dano de perda de chance] encontra suporte doutrinário e jurisprudencial, mormente na jurisprudência deste Supremo Tribunal.

    Sobre a perda de chance na jurisprudência portuguesa, Paulo Mota Pinto [1 Artigo doutrinário intitulado Perda de chance processual, in RLJ Ano 145.º, Março-Abril de 2016, pp. 174 e segs. (186 e segs.)], dando uma panorâmica da evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça desde 2009 [2 Acórdão do STJ, de 22/10/2009, relatado pelo Juiz Cons. João Bernardo, no processo n.º 409/09. 4YFLSB, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj], refere que:

«A partir de 2012 e de 2013, o Supremo Tribunal de Justiça passou (…) a aceitar o ressarcimento da perda de chance processual, atribuindo ao lesado uma indemnização mesmo em casos em que não conseguiu determinar a probabilidade de vencimento, fazendo uma avaliação equitativa do dano.»

E conclui que:

«A orientação dominante na nossa jurisprudência em matéria de chance processual passou, pois, a ser hoje a de que o dano resultante da perda de chance processual pode relevar se se tratar de uma chance consistente, designadamente se se puder concluir, “com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança” (na expressão do acórdão do STJ de 29 de Abril de 2010 [3 Acórdão do STJ, de 29/04/2010, relatado pelo Juiz Cons. Sebastião Póvoas, no processo n.º 2622/ 07.0TBPNF.P1.S1, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj] que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida.»

Com efeito, não obstante as divergências quanto à caracterização ou não da perda de chance como dano autónomo, não vemos que exista obstáculo a que essa perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, não possa ser qualificada como um dano em si, posto que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados [4 Vide a este propósito, o acórdão do STJ, de 09/07/2015, relatado pelo aqui relator, no processo n.º 5105/12.2TBSXL.L1.S1, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj].

 Assim, desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo.

É certo que se poderá colocar a questão de saber se, em tais casos, estamos ainda em sede de identificação do dano ou já no plano do estabelecimento do seu nexo de causalidade, sabido como é que a definição da chance perdida terá de ser feita sempre na perspetiva do resultado final para que tende.

 Ora, uma coisa será, em primeira linha, identificar a própria perda de chance com consistência suficiente, em função do resultado final hipotético definitivamente perdido, para ser qualificada como dano emergente e certo, outra algo diferente será depois imputar essa perda à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada. Embora se reconheça que essa dicotomia seja discutível, se concentrarmos o juízo de probabilidade na aferição da consistência necessária à identificação do dano, já o estabelecimento do seu nexo de causalidade com a conduta ilícita se revela facilitado.   

Nesse conspecto, o juízo de probabilidade sobre a consistência da perda de chance deve “ser encarado com grandes cautelas e apenas nas situações em que a privação da probabilidade de obtenção de uma vantagem se possa caracterizar, com mais evidência, como um dano autónomo” [5 A este propósito, vide comentário do Juiz Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilhe, in Regime da responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, Coimbra Editora, 2011, pag. 98-99, citado no acórdão indicado na nota precedente].

 Problemático será saber quais os índices de probabilidade para o reconhecimento da perda de chance como dano autónomo, ou seja, se a própria probabilidade de vantagem perdida pode ser reconhecida como juridicamente relevante, não obstante a impossibilidade de demonstração do respetivo resultado final.

  De qualquer modo, como se referiu no acórdão indicado na nota 1, afigura-se que, “traduzindo-se a perda de chance em situações ainda incipientes na nossa ordem jurídica, não perfeitamente sedimentadas na doutrina nem enraízadas na prática jurisprudencial, como o são as situações dos lucros cessantes e dos danos futuros, para mais de ocorrência multifacetada, um método de análise que parta de uma definição dogmática de dano para a ela depois subsumir o caso concreto, não será, porventura, o método mais seguro, podendo mesmo mostrar-se redutor. Ao invés, uma metodologia que procure seguir uma pista mais casuística de modo a aferir cada caso à luz das exigências legais sobre a probabilidade suficiente para o reconhecimento da ressarcibilidade do dano pode ser mais promissora.”

Assim, no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada ação é, à partida, indemonstrável, parece mais curial ponderar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada ação, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspetivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes.

Nessa base, será de aceitar que uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, ou seja com elevado índice de probabilidade, possa ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista.

De resto, mesmo a jurisprudência do STJ admite a relevância de situações muito pontuais, desde que a prova permita, com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança, concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida. Esta ressalva mais não parece do que admitir afinal o dano por perda de chance na base de um juízo de probabilidade elevado e que só poderá ser aferido em cada caso concreto. O que parece discutível é se deve ser feito de forma categorial ou se em função da espécie do caso, como propendemos a admitir.

Em suma, afigura-se razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.

Demonstrada assim essa espécie de dano, questão diferente será já a avaliação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença nos termos prescritos no artigo 566.º, n.º 2, do CC. Será também neste plano de avaliação que se poderá lançar mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º 3 do mesmo normativo, o qual não pode, pois ser utilizado em sede de determinação da própria consistência da perda de chance.

No caso de perda de chances processuais, como é a tratada nos presentes autos, a primeira questão está em saber se o hipotético sucesso do desfecho processual, decorrente do recurso que o 1.º R. deixou de interpor, assume um padrão de consistência e de seriedade que, face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução, se revela suficientemente provável para o reconhecimento do dano.

Para tanto, importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, não propriamente no sentido da solução jurídica que pudesse ser adotada pelo tribunal da presente ação sobre a matéria da causa em que ocorreu a falta, mas sim pelo que possa ser considerado como altamente provável que o tribunal da ação em que a defesa ficou prejudicada viesse a decidir.

A determinação da perda de chance processual por via do julgamento dentro do julgamento encontra-se bem espelhada, por exemplo, nos acórdãos do STJ, de 05/02/2013, proferido no processo n.º 488/09.4TBESP.P1.S1, de 14/03/2013, proferido no processo n.º 78/09.5TVLSB.L1.S1 e de 30/09/2014, proferido no processo n.º 739/09.5TVLSB.L2-A.DS1 [6 Todos estes arestos estão citados no artigo doutrinário acima referido de Paulo Mota Pinto, tendo sido relatados, respetivamente, pelos Juízes Conselheiros Hélder Roque, Maria dos Prazeres Beleza e Mário Mendes, acessíveis na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj].

Mas tal apreciação inscrever-se-á, enquanto tal, nuclearmente, numa questão de facto que extravasa os fundamentos do recurso de revista [7 Neste sentido, vide Paulo Mota Pinto, artigo citado p. 190], embora se admita que possa, porventura, envolver erros de direito sobre a apreciação da prova ou em sede do quadro normativo aplicável, estes sim passíveis de serem sindicáveis em sede de revista.

O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º, n.º 1, do CC).” [negritos nossos]


Mantendo essencialmente esta orientação – e independentemente da qualificação da determinação da perda de chance processual como questão de facto, que não recolhe unanimidade neste Supremo Tribunal – ponderemos a sua aplicação ao caso dos autos, começando por averiguar da existência ou não de uma probabilidade consistente e séria tanto de sucesso do recurso de apelação da sentença da Vara Mista de … como de um desfecho da acção favorável ao (ali e aqui) autor.


Vejamos os termos em que, na presente acção, a 1ª instância, sufragada pela Relação, fundamentou a decisão de não verificação da perda de chance processual:

“Assim, no caso em apreço, apurado que está o facto de o 1.º Réu, ao não apresentar alegações de recurso da sentença de absolvição, ter cometido um acto ilícito e culposo, há que formular um juízo (julgamento) hipotético sobre as consequências da falta de apresentação das alegações do recurso, o que passa pela aferição do grau de risco, ou probabilidade de verificação do resultado danoso.

Acontece que, no processo em causa, ficou provado que:

• o Autor entregou vários montantes não apurados, em montante total não inferior a € 125.000,00;

• o Autor nunca entregava a totalidade do dinheiro que se propunha emprestar e fazia-o faseadamente;

• o Autor requeria a entrega de cheques no valor totalidade do capital que se propunha emprestar e respectivos juros.

Ora, o Autor pretende que o valor do empréstimo dado como provado seja superior, fundamentando que nos cheques emitidos pelos ali Réus, os valores são superiores e estes forma dados como provados.

No entanto, verifica-se de forma linear que os cheques não titulavam os valores efectivamente entregues pelo Autor aos ali Réus, porque a entrega era feita de forma faseada.

Perante o exposto, temos de concluir que os factos apurados na presente acção não permitem concluir que, caso tivesse sido admitido um recurso, existisse um mínimo grau de probabilidade de êxito por parte do Autor e que tenha existido um prejuízo patrimonial e não patrimonial pelo facto de não ter o Autor visto a questão reapreciada pelo Tribunal da Relação de Évora.

Ora, o Autor não demonstrou nos presentes autos, para além de considerações genéricas sobre os “erros de julgamento”, que existiam argumentos fácticos e/ou jurídicos que permitissem que a questão fosse reapreciada e que essa reapreciação tivesse para o Autor um desfecho favorável.

É certo que ocorreu incumprimento do mandato por parte do 1.º Réu, mas o mesmo, atento o exposto, é insusceptível de gerar a obrigação de indemnizar.

Assim, não se demonstrou que a falta de apresentação das alegações de recurso e a consequente rejeição do requerimento de recurso foi causa (real, efectiva) adequada da perda de uma oportunidade de ver a decisão alterada com a condenação dos ali Réus pelos montantes pretendidos pelo Autor.

Em suma e face ao supra exposto, não resta senão julgar a acção improcedente por não provada, absolvendo-se deste modo os Réus dos pedidos formulados.” [negritos nossos]


Contra este entendimento, insurge-se o Recorrente alegando, essencialmente, o seguinte:

“35. Os réus na ação em causa, para pagamento das importâncias que o autor e ora recorrente lhes entregara, fizeram preenchimento de 8 cheques totalizando o valor de €447.750,00. (ponto 10 da sentença).

36. O cheque referido no n° 4, cheque 57…66 datado de 26/10/2002, tinha aposto o valor de €250.000,00.

37. Esse cheque n° 57…6 datado de 26/10/2002, consta igualmente da p.i. da ação principal e foi junto a esta (ponto 17).

38. No ponto 18 da sentença diz-se que no ponto 12 dos factos provados, constam os mesmos 8 cheques e que foram  devolvidos com a menção de "extravio".

39. Desde logo, se foram extraviados, então não foram pagos ao apresentante, o ora recorrente, o que vale por dizer que aquela quantia de €447.750,00, não foi recebida pelo ora recorrente. Ficou em dívida.

40. Por outro lado o valor destes mesmos 8 cheques, aqui relacionados, já não perfaziam o montante de 447.750,00, mas tão só de €207.000,00 porque o cheque em 4. tem aposto apenas o valor de €12.400,00.

41. Seja como for, os réus foram aqui beneficiados com a alteração do valor do cheque n° 5758245666 datado de 26/10/2002, que sendo de valor aposto de €250.000,00, aparece aqui reduzido a 12.400,00 (doze mil e quatrocentos euros).”


Deste modo, pretende o A., aqui Recorrente, que se reconheça que a sentença da Vara Mista de …, da qual o aqui 1º R. não interpôs ilicitamente recurso de apelação, padecia de erros de facto grosseiros, concretamente quanto ao valor do cheque nº 57…66, datado de 26/10/2002, assim como quanto ao valor da dívida reconhecida (uma vez que, totalizando os oito cheques preenchidos pelos aí réus o valor de € 447.750,00, era este o valor da dívida para com o autor e não o valor reconhecido).

Erros de tal modo evidentes que, desde que o recurso de apelação tivesse sido interposto, existiria uma elevada probabilidade de virem a ser corrigidos pelo Tribunal da Relação, estando assim demonstrada pelo A., como lhe compete, a probabilidade, consistente e séria, tanto do sucesso do recurso de apelação da sentença como do desfecho da acção em sentido favorável ao mesmo A.

Vejamos.

Relevam, em especial, os seguintes factos provados:

2 - A Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de … deu como provados os seguintes factos:

“1 - A 1° Ré é uma sociedade comercial detentora do direito de exploração e comercialização de água da nascente de um furo ou furos, no prédio rústico sito no … ou …, freguesia e Concelho de …, com a área de 16.250m2, inscrito na respectiva matriz sob o art.°. 29 da secção U;

2- 0 1° R. edificou nesse prédio as instalações industriais a que se referem os processos 217/95 da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo do Ministério do Planeamento e da Administração do Território e processo de licenciamento de instalações industriais I - 6/95 da Câmara Municipal de …;

3 - Os Réus CC e DD são os detentores da totalidade do capital social do 1° R., constituída no ano de 1992, o qual é de 104.748,006;

4 - O R. CC é detentor de uma quota no valor nominal de 79.808,00 e a R. DD de uma quota no valor nominal de 24.940,006;

5 - A gerência da 1ª R. encontra-se a cargo de ambos os sócios, sendo bastante para obrigar a sociedade a assinatura de um dos gerentes.

6 - No dia 7/5/2004, no primeiro cartório Notarial de …, compareceram CC, na qualidade de procurador de FF e GG e HH, em representação de Movilop - Imobiliária e Construção Civil, Lda., onde declararam que o primeiro outorgante vende, livre de ónus e encargos à segunda outorgante, pelo preço de sessenta mil euros, o prédio rústico, com a área de dezasseis mil, duzentos e cinquenta metros quadrados, composto de vinha e árvores de fruto, situado nos … ou …, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número dezoito mil trezentos e vinte e cinco, no livro B - cinquenta e seis, que se encontra registado a favor do representado varão do primeiro outorgante, pela inscrição número vinte e seis mil oitocentos e sessenta, do livro G - setenta e três;

7 - Entre o final de 1998 e o início de 2002 o A., a solicitação do R. CC, entregou a este na qualidade de representante legal da 1ª R., vários montantes não apurados, em montante total não inferior a 125.000,00€, em face da impossibilidade de aquela recorrer ao crédito bancário;

8 - Sobre os montantes entregues nos termos referidos no ponto anterior incidiam juros cuja taxa não foi apurada.

9 - Para garantia de pagamento do capital e juros foram entregues ao A. diversos cheques titulados pela 1ª R. e pelo 2º R..”

3 - Teve a Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de … por reproduzido documento dos autos, datado de 4 de Fevereiro de 1999, no qual o Autor declara que as quantias tituladas pelos cheques (emitidos por CC) aí mencionados no valor total de 3.620.000$00 (€ 19.471,52), foram liquidadas em dinheiro.

4 - 0 Tribunal considerou, ainda, como provados os seguintes factos:

“11 - Os cheques cujas cópias se encontram a fls. 259, 260, 262, 263, 264, 265, 268, 269, 270, 273, 274, 275, 276, 277, 278, 279, 280, 281, 282, 283, 284, 285, 286, 287, 288, 295 e 296, datados respectivamente de 23/3/2001, 2/5/2001, 4/5/2001, 14/05/2001, 18/5/2001, 30/5/2001, 8/65/2001,    10/6/2001, 12/6/2001,            3/7/2001,   26/7/2001, 30/7/2001,     1/8/2001, 4/8/2001, 14/8/2001,   14/8/2001,      20/11/2001 no valor total de 22.221.340$00 (119.525,76€), foram sacados sobre a conta da 1ª R. e emitidos à ordem do A. (Documento 1) (cfr. Doc. 3 que ora se junta e tem por integralmente reproduzido)

12 - A 1ª R. preencheu e assinou os seguintes cheques, sacados sobre o BBVA, balcão de …, - …., que entregou ao A.:

- 17…0 datado de 26/10/2002, no valor de 20.000,00€

- 06…86, datado de 26/10/2002, no valor de 3.150,00€;

- 21…70 datado de 26/ 10/2002, no valor de 125.000,006

- 57…66, datado de 26/10/2002, no valor de 12.400,006

- 62…52, datado de 25/5/2003, no valor de 12.400,006;

- 60…63, datado de 25/08/03, no valor de 12.400,006;

-58…74, datado de 25/11/2003, no valor de 12.400,006;

- 56…85, datado de 24/02/2004 no valor de 12.400,00€; (cfr. Doc. 4 que se junta e tem por integralmente reproduzido)

13 - Os cheques identificados no ponto anterior foram devolvidos com a menção “extravio” (Documento 2); (cfr. Doc. 4 já junto)

14 - O A. nunca entregava a totalidade do dinheiro que se propunha emprestar e fazia-o faseadamente;

15 - Com a primeira entrega o A. requeria a entrega de cheques no valor da totalidade do capital que se propunha emprestar e respectivos juros;

16 - Para pagarem os empréstimos iniciais a 1ª R. contraiu junto do A. outros empréstimos;

17 - O A. emprestou dinheiro a outras pessoas nos mesmos termos e condições referidas nos pontos anteriores.”;

11- O Autor intentou acção de condenação sob a forma de processo ordinário, a qual correu os seus termos nas Varas de Competência Mista do Tribunal Judicial de …, contra ÁGUAS DE S. JOSÉ LDA., CC e sua mulher, DD, no âmbito do processo 4998/06.7…, já transitado em julgado.

12 - Alegando, em síntese, que emprestara aos Réus € 759.514,32, pedindo a condenação dos mesmos no pagamento da importância de € 447.750,0, montante ainda em dívida, a que acresciam juros no valor de € 72.315,68.

13 - Os Réus deduziram reconvenção, alegando haver pago ao Autor a importância de € 693.102,79, pedindo a condenação daquele em danos patrimoniais e não patrimoniais.

14 - A sentença concluiu que a Ré estava obrigada a restituir ao Autor a quantia total de € 125.000,00, a que acresciam juros remuneratórios e moratórios desde a citação até integral pagamento e ainda que, tendo a Ré pago ao Autor a quantia de € 138.997,28 (pagamento ocorrido até 20 de Novembro de 2011), entregara, assim ao Autor quantia superior ao capital em dívida.

15 - Considerando, desta forma, que a obrigação da Ré para com o Autor se encontrava extinta pelo pagamento, nos termos do disposto no artigo 762.°, n.° 1 do Código Civil.

16 - No âmbito do procedimento cautelar de arresto, o Autor juntou 8 documentos que consistem em cheques do BBVA, a saber:

1. 17…170, datado de 26/10/2002, no valor de € 20.000,00

2. 06…86, datado de 26/10/2002, no valor de € 3.150,00

3. 21…70, datado de 26/10/2002, no valor de € 125.000,00

4. 57…66, datado de 26/10/2002, no valor de € 250.000,00

5. 62…52, datado de 25/05/2003, no valor de € 12.400,00

6. 60…63, datado de 25/08/2003, no valor de € 12.400,00

7. 58…74, datado de 25/11/2003, no valor de € 12.400,00

8. 56…85, datado de 24/02/2004, no valor de € 12.400,00, tendo posteriormente juntado cópias dos mesmos à acção principal.

17 - Ora, o cheque 57…66, datado de 26 de Outubro de 2002, no valor de € 250.000,00, consta igualmente da Petição Inicial que deu origem ã acção principal* tendo sido junto àquela.

18 - O Tribunal, no ponto 12 dos factos provados com interesse para a decisão da causa, dá como provado que “A 1ª R. preencheu e assinou os seguintes cheques, sacados sobre o BBVA, balcão de …, - …, que entregou ao A.:

- 17…70, datado de 26/10/2002, no valor de 20.000,00€;

- 06…86, datado de 26/10/2002, no valor de 3.150,00€;

- 21…0, datado de 26/10/2002, no valor de 125.000,00€;

- 57…66, datado de 26/10/2002, no valor de 12.400,00€;

- 62…52, datado de 25/05/2003, no valor de 12.400,00€;

- 60…63, datado de 25/08/2003, no valor de 12.400,006;

- 58…74, datado de 25/11/2003, no valor de 12.400,006;

- 56…85, datado de 24/02/2004, no valor de 12.400,006”

E, ainda, no ponto 13 que “Os cheques identificados no ponto anterior foram devolvidos com a menção “extravio”;

19 - No que tange ao cheque n° 57…66, o valor constante da Petição Inicial, é de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil Euros) e aquele que consta da matéria de facto provada é de € 12.400,00 (doze mil e quatrocentos Euros).


Perante os factos dados como provados na presente acção deve admitir-se que a sentença da Vara Mista de … (na acção com o nº 4998/06.7…, na qual o, aqui e ali, A. era patrocinado pelo aqui 1º R.) padecia de erro de facto manifesto quanto ao valor do cheque nº 57…66, datado de 26/10/2002. Também se admite que a soma do valor dos oito cheques emitidos pelo réu da referida acção, CC, totalizava uma quantia superior àquela que a dita sentença reconheceu como estando em dívida.

Contudo, tal não basta para dar como verificada a elevada probabilidade de êxito do recurso de apelação na dita acção, no sentido de vir a Relação a reconhecer que o valor da dívida integrava o valor efectivo do referido cheque; nem tampouco no sentido de, como parece pretender o aqui Recorrente – ainda que com menor grau de convicção – vir a Relação a reconhecer que o valor total da dívida corresponderia, afinal, ao valor dos oito cheques preenchidos pelo réu CC, perfazendo a quantia de € 447.750,00.

Com efeito, a relevância destes elementos (erro quanto ao valor do cheque nº 57…66 e soma do valor dos oito cheques emitidos pelo réu da referida acção, CC) sempre estaria dependente da demais factualidade dada como provada pela sentença da Vara Mista de …, assim como da interpretação de direito nela realizada.  

A respeito da factualidade dada como provada na dita sentença há que ter presente o que, nesta acção, está dado como provado:

3 - Teve a Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de … por reproduzido documento dos autos, datado de 4 de Fevereiro de 1999, no qual o Autor declara que as quantias tituladas pelos cheques (emitidos por CC) aí mencionados no valor total de 3.620.000$00 (€ 19.471,52), foram liquidadas em dinheiro.

4- 0 Tribunal considerou, ainda, como provados os seguintes factos:

(…)

14 - O A. nunca entregava a totalidade do dinheiro que se propunha emprestar e fazia-o faseadamente;

15 - Com a primeira entrega o A. requeria a entrega de cheques no valor da totalidade do capital que se propunha emprestar e respectivos juros;

16 - Para pagarem os empréstimos iniciais a 1ª R. contraiu junto do A. outros empréstimos

(…)

Temos assim que, de acordo com os factos dados como provados na sentença da Vara Mista de …, os cheques em causa não eram representativos dos empréstimos contraídos pelo aí réu CC junto do (ali e aqui) autor, sendo emitidos em momento anterior à entrega das quantias mutuadas e por valor superior a estas, como forma de garantir a posição do mutuante e de assegurar o reembolso do capital e o pagamento dos juros.

Deste modo, compreende-se (cfr. factos 8 e 9 da presente acção) que a sentença da Vara Mista de … apenas tenha dado como provada a quantia mutuada confessada pelos aí réus, considerando, porém, ter a mesma sido extinta por pagamento. E, consequentemente, tendo julgado a acção improcedente.

A prova da probabilidade de sucesso do recurso de apelação a ser interposto pelo aqui 1º R. dependeria assim da prova de que, em tal recurso, teria sido seguida uma estratégia impugnatória que levasse a Relação a, não apenas corrigir o evidente erro da matéria de facto (quanto ao valor do cheque nº 57…66), mas também, e sobretudo, a dar como provado que os montantes mutuados (com ou sem os respectivos juros) correspondiam à soma do valor dos oito cheques. O que implicaria, naturalmente, que o A. tivesse feito prova da existência, na acção que deu origem à sentença da Vara Mista de …, de outros meios de prova susceptíveis de pôr em causa os factos 14 a 16, dados como assentes na dita sentença.

Ora, o aqui A., ora Recorrente, tendo embora alegado alguns factos nesse sentido, não apenas não logrou prová-los como se conformou com a decisão relativa à matéria de facto da 1ª instância, limitando-se – em sede do presente recurso de revista – a fundar a invocada defesa do sucesso do recurso de apelação (na acção nº 4998/06.7…) única e exclusivamente na probabilidade de correcção pela Relação dos referidos erros de facto. Correcção que, repita-se, não seria, por si só, apta a alterar os factos 14 a 16 dados como provados na sentença da Vara Mista de …, de acordo com os quais os cheques em causa não eram representativos dos empréstimos contraídos pelo aí réu CC junto do (ali e aqui) autor, sendo aqueles cheques entregues em momento anterior à efectivação dos empréstimos e por valor superior ao das quantias mutuadas, a fim de garantir a posição do mutuante e de assegurar o reembolso do capital bem como o pagamento dos respectivos juros.

Pelas razões expostas – a que acresce a falta de alegação e prova, na presente acção, da improbabilidade de sucesso de um eventual recurso de apelação subordinado interposto pelos réus na acção nº 4998/06.7…, no sentido de ser julgado procedente o pedido reconvencional por eles deduzido (cfr. factos provados 9 e 13 da presente acção) – não pode senão confirmar-se o entendimento das instâncias quanto à falta de prova da perda de chance processual.


7. Fica assim prejudicado o conhecimento das questões relativas à conformidade da doutrina da perda de chance com princípios fundamentais constitucionais e com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de conhecimento oficioso, suscitadas pelo aqui 1º R. em sede de contra-alegações.


8. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.


Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 23 de Abril de 2020



Maria da Graça Trigo (Relatora)


Maria Rosa Tching


Catarina Serra