Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
602/13.5TJVNF.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PACTO DE JURISDIÇÃO
VALIDADE
REQUISITOS DE FORMA
REGULAMENTO (CE) 44/2001
BILATERALIDADE DO PACTO
ACEITAÇÃO TÁCITA
PRINCÍPIO DA BOA FÉ
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO EUROPEU - COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA EM MATÉRIA CÍVEL E COMERCIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - TRIBUNAL / COMPETÊNCIA INTERNACIONAL - RECURSOS.
Doutrina:
- Mota Campos, A Convenção de Bruxelas, in Ver. Doc. e Direito Comparado, n.º22, 1986, p. 144.
- Sofia Henriques, Os Pactos de Jurisdição, 2006, pp. 63,68 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC):- ARTIGO 217.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 629.º, N.º 2, AL. A).
Legislação Comunitária:
CONVENÇÃO DE BRUXELAS RELATIVA À COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA : - ARTIGO 17.º.
REGULAMENTO (CE) N.º 44/2001: - ARTIGO 23.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
-DE 21/11/2013, PROCESSO N.º 258/09.0TBFAF-B.G1.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 8/10/2009, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 5138/06.8TBSTS.S1,
-DE 9/7/2014, PROFERIDO PELO STJ NO PROCESSO N.º 165595/11.1YIPRT.G2.S1
Jurisprudência Internacional:
JURISPRUDÊNCIA DO TJCE:
-ACÓRDÃO DE 14/12/76 (P. 25/76 SEGOURA /BONAKDARIEN),
-ACÓRDÃO DE 19/6/1984 (C-71/83 - TILLY RUSS/NOVA),
-ACÓRDÃO DE 11/7/1985 (P. 221/84 BERGHOFER/ASA),
-ACÓRDÃO DE 21/5/2015, PROFERIDO PELO TJ 3ª SECÇÃO NO P. C-322/14.
Sumário :
1. O pacto atributivo de jurisdição (como, aliás, qualquer pacto ou convenção de competência, celebrado pelas partes no exercício da respectiva autonomia da vontade) tem de exprimir um compromisso bilateral e inequívoco, concluído em termos e condições que não deixem margem para dúvidas razoáveis quanto à aceitação por ambas as partes do foro que, no pacto, haja sido designado.

2. Cabe ao juiz aferir se a cláusula atributiva de competência constituiu efectivamente objecto do consenso das partes, o qual deve manifestar-se de forma clara e precisa, sendo que os requisitos de forma (previstos no art. 17º da Convenção de Bruxelas e essencialmente mantidos no art. 23º do Regulamento CE 44/2001) têm a finalidade primordial de garantir que o consenso das partes se mostra efectivamente provado.

3. Não estando alegado pela parte que suscita a excepção de incompetência internacional a existência de um prévio acordo verbal acerca do foro competente, que se pudesse ter por confirmado através do documento escrito enviado por uma das partes à outra e por esta recebida, a simples menção numa factura, em nota de rodapé e caracteres de reduzida dimensão gráfica, que em qualquer caso ambas as partes se submetem aos Tribunais de Madrid com renúncia a qualquer outro foro, só pode valer como proposta contratual visando a estipulação do foro competente, pressupondo a bilateralidade do pacto a respectiva aceiração pela contraparte.

4. Mesmo que se admita a possibilidade de uma tal proposta ser objecto de aceitação ou adesão tácita, não constitui comportamento concludente a mera circunstância de a parte que recebeu facturas com tal menção as ter aceite, pagando os valores correspondentes aos fornecimentos por elas titulados, não podendo inferir-se do seu silêncio quanto à questão da competência a aceitação da proposta de pacto de jurisdição.

5. Neste circunstancialismo, colidiria com o princípio da boa fé pretender inferir do silêncio da parte a aceitação da proposta de pacto de jurisdição, abrangendo, não apenas os litígios emergentes dos fornecimentos titulados por cada factura em que a referida menção havia sido incluída, mas também todos os que pudessem decorrer da complexa e fundamental relação de concessão comercial existente entre os litigantes.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA, Máquinas e venda automática e equipamentos, Ldª. Intentou acção condenatória, processada na forma ordinária, contra BB Vending Spain, S.L., peticionando que seja declarada, por força de incumprimento culposo da Ré, a resolução do contrato celebrado, bem como a condenação da Ré no pagamento das quantias de €1.236.347,35 e de €927.258,00 e no mais que se vier a liquidar, acrescendo juros.

Alegou, para o efeito, que estabeleceu com a Ré uma relação contratual de concessão comercial, que vigorou a partir de Fevereiro de 2008, nos termos da qual passou a adquirir à Ré, em regime de exclusividade, certos artigos produzidos por esta, que depois passava a comercializar por sua conta e risco, prestando a adequada assistência pós-venda. Sucede que em 2010 a Ré, por decisão unilateral e contra o que era devido, baixou o valor de venda e o valor dos “descontos” que fazia à Autora, passando a efectuar vendas no mercado nacional com preços inferiores aos praticados pela Autora e enviando propostas aos clientes angariados pela Autora com valores substancialmente inferiores aos que esta praticava. Acresce que a Ré deixou indevidamente que outras empresas comercializassem, em prejuízo da Autora, os produtos em causa, impondo à Autora obrigações estranhas à relação negocial estabelecida e que provocaram uma descapitalização acentuada – indicando ainda outra entidade como responsável pelo serviço técnico oficial. Tais factos implicam que a Ré haja incorrido em incumprimento do contrato firmado entre as partes, por força do que está obrigada a indemnizar a Autora pela clientela que esta angariou e de que a Ré se aproveitou, bem como a ressarci-la a título dos lucros cessantes que a Autora viu suprimidos.

Contestou a Ré, invocando, desde logo, a excepção da incompetência absoluta do tribunal, dizendo que nas facturas emitidas pela Ré constava que os litígios emergentes da relação comercial estabelecida seriam submetidos aos tribunais de Madrid, com renúncia a qualquer outro foro, consubstanciando-se tal cláusula num pacto de jurisdição válido e vinculante.

Impugnou também parte da factualidade alegada pela Autora, concluindo pela improcedência da acção, e deduziu reconvenção, peticionando a condenação da Autora no pagamento da quantia de €555.849,77, acrescida de juros, quantia essa correspondente ao preço de artigos que alegou ter vendido à Autora e que não foram pagos.

A Autora veio a ser declarada em estado de insolvência.

Seguindo o processo os seus termos, foi proferida decisão que declarou prejudicada a admissibilidade da reconvenção e que julgou procedente a invocada excepção da incompetência absoluta do tribunal, sendo a Ré absolvida da instância.


2. Inconformada com o decidido quanto à questão da competência internacional, apelou a Massa Insolvente da Autora, tendo a Relação dado provimento ao recurso, revogando a decisão apelada com base na seguinte fundamentação:

Está em questão verificar se o tribunal recorrido possui competência internacional em ordem ao conhecimento da presente causa, por isso que esta coenvolve elementos de conexão com outra ordem jurídica, a espanhola.

Tal questão da competência tem que ser aferida - como decorre do caráter vinculístico dos regulamentos comunitários (v. art.s 288º do Tratado da União Europeia e 65º nº 1 do anterior CPC, o vigente à data da propositura da ação) - à luz dos ditames do Regulamento (CE) nº 44/2001 relativo à competência judiciária (alterado pelos Regulamentos nºs 1496/2002, 1937/2004, 2245/2004, 1791/2006 e 1103/2008), que, entretanto revogado, vigorava aquando da propositura da ação.

Retira-se deste Regulamento (art.s 2º nº 1 e 3º nº 1) que a regra é o deferimento da competência aos tribunais do Estado-Membro onde está domiciliada a parte requerida. Todavia, são previstas várias exceções, entre estas a aludida na alínea a) do nº 1 do art. 5º: tratando-se de matéria contratual, o devedor pode ser demandado perante os tribunais do Estado-Membro do lugar onde deva ser cumprida a obrigação. Ademais, quando se trate de venda de bens, o lugar do cumprimento da obrigação é aquele onde os bens devam ser entregues.


Ora, como acima se deixou descrito, a pretensão da Autora funda-se num pretenso contrato de concessão comercial, integrado em parte pela venda de bens (v. artigo 4º da PI). De acordo com o alegado, era obrigação contratual da Ré satisfazer à Autora, isto com referência a Portugal, as prestações contratuais de facere e non facere que esta indica. Como assim, devendo as alegadas obrigações contratuais da Ré ser cumpridas para com a Autora em Portugal, segue-se que a presente ação podia ser proposta perante os tribunais portugueses, precisamente por aplicação do art. 5º do Regulamento.

Diz a Ré, porém, que foi estabelecido um pacto atributivo de jurisdição, nos termos do qual os eventuais litígios entre as partes ficaram submetidos à jurisdição espanhola, mais propriamente ao foro de Madrid, com exclusão de qualquer outro. E daqui que os tribunais portugueses careceriam de competência.

Não subscrevemos este ponto de vista.

Sem dúvida que o art. 23º do citado Regulamento permite a extensão da competência fundada em pacto atributivo de jurisdição. Todavia, não encontramos, até porque nada foi alegado nesse sentido pela Ré (a quem competiria essa alegação, sem prejuízo da oficiosidade inerente ao caso), que as partes tenham efetivamente concluído entre si um pacto que tal nos termos estabelecidos nos nºs 1 e 2 dessa norma. Na realidade, a Ré limitou-se a dizer, e é tudo o que se sabe sobre o assunto, que das faturas de venda que emitiu consta a menção de que as partes se submetiam aos tribunais de Madrid, com renúncia a qualquer outro foro. É verdade que tal menção consta, aliás em mero rodapé, das faturas juntas ao processo. Simplesmente, essa menção não passa de uma declaração unilateral da Ré, de que não se conhece adesão por parte da Autora. Adesão que, para se poder ter como existente, teria que ter acontecido nos termos exigidos pelo citado art. 23º nº 1. Ora, não foi alegado nem se conhece qualquer confirmação escrita por parte da Autora, não foi alegado nem se conhece a existência de qualquer uso que as partes tenham estabelecido entre si ou de qualquer uso que a as partes conheçam ou devam conhecer e que seja amplamente conhecido e regularmente observado, etc., etc.. E por isso concluímos que nenhum pacto atributivo de jurisdição foi estabelecido. Concordantemente com o que fica dito, cite-se o acórdão da RP de 19 de junho de 1995 (Col. Jur., 1995, III, p. 237). Embora proferido no domínio da Convenção de Bruxelas Relativa à Competência Judiciária - mas cujo art. 17º tem a mesma redação que depois veio a constar do nº 1 do art. 23º do supra citado Regulamento (valem assim mutatis mutandis os mesmos argumentos) - decidiu-se ali que a simples inserção em rodapé, nas faturas, de menção a certa jurisdição, não podia levar a considerar-se formado um pacto atributivo de jurisdição.


Mas mesmo que tudo o que fica dito não seja de subscrever, sempre importa observar o seguinte: Como é ponto sabido e consabido (v. a propósito Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 91), para efeitos de competência o que conta são os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respetivos fundamentos), não os termos da defesa. Sucede que a que a relação contratual alegada pela Autora, e diferentemente do que sustenta a Ré na sua contestação, não se confina a uma simples relação de compras e vendas, antes se traduz numa relação muito mais ampla, que qualifica como contrato de concessão, e daqui que mesmo que se visse no silêncio da Autora uma adesão tácita à menção constante das faturas e, como assim, formado um pacto atributivo de jurisdição, tal só poderia valer se o quid disputatum se fundasse na estrita relação de compra e venda, e não é o caso. Extrapolar sem mais do que consta das faturas referente a simples vendas, para a relação negocial alegada pela Autora parece-nos arbitrário e nada compatível com o espírito de certeza que está subjacente ao Regulamento (v. os respetivos considerandos). Por isso, a jurisprudência citada pela Ré na sua contra alegação, por certo muito adequada às espécies sobre que recaiu, não nos diz muito no caso vertente.

Entretanto, sustenta a Apelada que o suposto pacto não identifica quais os litígios para os quais se reserva, e que os dizeres “em qualquer caso” se refere a qualquer litígio, e daqui pretende que isto depõe a favor da sua tese. Mas não é assim. A menção em causa vem inserta nas faturas emitidas por causa das vendas, pelo que, é óbvio, só pode estar a referir-se a eventuais litígios inerentes às vendas faturadas e nada mais. Aliás, a argumentação da Apelada é até incoerente, por isso que sustenta na sua contestação que a relação negocial estabelecida não foi além de compras e vendas. Se é assim, como poderia então tal menção abranger outras relações, como a alegada pela Autora?

A favor da competência in casu dos tribunais portugueses poderá ainda depor eventualmente a norma do art. 24º do citado Regulamento, invocada a propósito pela Apelante. Concedemos, sem embargo, que se trata de norma difícil de compreender, e que provavelmente não poderá ter aplicação num sistema jurídico-processual como o português, em que, por regra, toda a defesa tem de ser deduzida na contestação.

Pelo exposto, julgamos que a decisão recorrida não é de subscrever, tendo razão a Apelante ao sustentar que os tribunais portugueses, e entre estes o tribunal recorrido, possuem competência internacional para apreciar a presente causa.


3. Inconformada, interpôs a R. a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso interposto pela R., ora Recorrente tem por objeto o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães e notificado à R. no dia 15 de maio de 2015, o qual decidiu sobre o recurso apresentado pela A. do despacho saneador que julgou procedente a exceção dilatória de incompetência internacional invocada pela R., aqui Recorrente.

2. Não se pode, pois concordar com o Acórdão recorrido quando o mesmo decide que a menção nas faturas emitidas pela Recorrente referentes ao pacto atributivo de jurisdição "não passa de uma declaração unilateral da Ré, de que não se conhece adesão por parte da Autora." Mais acrescentando que, "não foi alegado nem se conhece qualquer confirmação escrita por parte da Autora, não foi alegado nem se conhece a existência de qualquer uso que as partes tenham estabelecido entre si ou de qualquer uso que as partes conheçam ou devam conhecer e que seja amplamente conhecido e regularmente observado, etc., etc. Por isso concluímos que nenhum pacto atributivo de jurisdição foi estabelecido."

3. Mais não se pode concordar com a conclusão de que "extrapolar sem mais do que consta das faturas referente a simples vendas, para a relação negocial alegada pela Autora parece-nos arbitrário e nada compatível com o espírito de certeza que está subjacente ao Regulamento."

4. Não pode aliás a Recorrente deixar de se chocar, com o descrito do Douto Acórdão quando refere que "a argumentação da Apelada é até incoerente, por isso que sustenta na sua contestação que a relação negocial estabelecida não foi além de compras e vendas. Se é assim, como poderia então tal menção abranger outras relações, como a alegada pela Autora?" Parecendo este entendimento confundir as posições das partes no processo, esquecendo que este é exatamente o pomo de discórdia entre ambas as partes neste litígio.

5. Pelo despacho saneador-sentença, ora despacho recorrido, entendeu o douto Tribunal de 1ª Instância que "no caso dos autos, demonstrando-se que no final de todas as faturas de venda juntas aos autos, de fls. 42 a 228, que a Autora aceitou, consta que ambas as partes se submetem ao tribunal de Madrid com renúncia a qualquer outro foro, além de que a relação jurídica existente entre a Autora e a Ré tinha subjacente as vendas tituladas nas aludidas faturas, parece-nos ser de concluir que as partes acordaram, com confirmação escrita, que o tribunal de Madrid seria o competente decidir os litígios derivados da relação jurídica existente entre as partes."

6. Ora, andou bem o douto Tribunal de Primeira Instância ao julgar julgou, e bem, procedente a exceção de incompetência absoluta invocada pela Ré na sua Contestação, tendo, consequentemente, absolvido a Ré, ora Recorrente, da instância. 

7. É que, refira-se antes de mais que tais faturas foram aceites pela Recorrida, conforme a própria reconhece.

8. Com efeito, vigorava entre as Partes no litígio um pacto de atribuição de foro e competência exclusiva aos Tribunais de Madrid, encontrando-se tal pacto redigido, por escrito, em todas as faturas que titulam a relação comercial entre as Partes e que haviam sido devidamente aceites pela Recorrente.

9. Tais faturas foram na verdade aceites pela Recorrida e nunca foram contestados pela A., aqui Recorrida.

10. Acresce que a Recorrida, sempre aceitou os fornecimentos de bens e de serviços por parte da Recorrente, nunca tendo a Recorrida recusado os mesmos, ou colocado qualquer reserva à cláusula aposta.

11. A este respeito, se diga que se trata de uma relação comercial internacional, entre duas sociedades comerciais, estando envolvidas nas faturas importâncias avultadas, pelo que não é legítimo, considerar que a Recorrida não sabia ou desconhecia, que estava a aceitar uma cláusula atributiva de foro.

12. Em todas as faturas emitidas, as quais se encontram juntas aos autos, foi aposta a seguinte cláusula de atribuição de foro: "Em qualquer caso, as Partes se submetem aos Tribunais de Madrid com renúncia a qualquer outro foro".

13. Assim, nas várias faturas emitidas pela Recorrente, e aceites pela Recorrida, estava expressamente prevista a submissão, de todos os litígios emergentes no âmbito da relação comercial estabelecida entre as Partes, aos Tribunais de Madrid, renunciando a qualquer outro foro.

14. Note-se que a relação comercial entre as Partes era desenvolvida através de sucessivos contratos de compra e venda traduzidos nas referidas faturas, não se conhecendo outros documentos que titulem a relação estabelecida pelas partes e que titulem a versão trazida aos autos e sustentada, pela Autora, aqui Recorrida.

15. Com efeito, os únicos documentos que justificam a relação comercial estabelecida entre as partes são as aludidas faturas juntas pela Recorrente, fazendo o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de que se recorre tábua rasa do que se encontra plenamente demonstrado nos autos.

16. Ora, como bem entendeu o douto Tribunal de 1ª Instância, "Não se questiona que se encontre escrito, no final de todas as faturas de venda juntas aos autos, de fls. 42 a 228, que em qualquer caso ambas as partes se submetem ao tribunal de Madrid com renúncia a qualquer outro foro.

Igualmente não se questiona que a Autora aceitou essas faturas.

E do mesmo modo, não se questiona que a relação jurídica existente entre a Autora e a Ré tinha subjacente as vendas tituladas nas aludidas faturas."

17. Assim sendo, o presente litígio, porquanto resultante da interpretação, execução ou cessação da referida relação comercial, terá, necessariamente, de ser submetido ao Tribunal convencionado pelas Partes, ou seja, ao Tribunal de Madrid.

18. Nos termos do Regulamento do Conselho Europeu nº 44/2001 de 22 de dezembro de 2000, o pacto de atribuição de jurisdição celebrado entre a Recorrente e a Recorrida é plenamente válido e vinculante para ambas as Partes.

19. Com efeito, dispõe o art. 23º, nº 1, alínea b) do referido Regulamento, o seguinte: "Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou

b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou

c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado."

20. Ora, em face dos documentos juntos aos autos, é claro que:

-pelo menos uma das Partes se encontra domiciliada num Estado-Membro, aliás, ambas as Partes estão domiciliadas num Estado-Membro, a saber, Portugal e Espanha;

-existe uma convenção celebrada entre as Partes que atribuiu competência a um Tribunal de um Estado-Membro

-que as Partes não tendo convencionado nada em contrário, considera-se que convencionaram que a competência dos Tribunais de Madrid será exclusiva;

-que o pacto de jurisdição foi celebrado com confirmação escrita, a qual está nas faturas aceite pela Recorrente.

21. Vale isto por dizer, que é perfeitamente usual, dir-se-á até comum, que nas relações comerciais internacionais, as Partes estipulem um foro como o mais conveniente, derrogando as regras de competência nacionais e evitando posteriores constrangimentos na determinação do foro de acordo com a lei interna aplicável, o que conduz a maior segurança na relação comercial estabelecida.

22. Foi este, aliás, um dos objectivos inerentes à aprovação do Regulamento 44/2001, pelo que se pode ler no seu Considerando 2 "Certas disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial e de reconhecimento de decisões judiciais dificultam o bom funcionamento do mercado interno. São indispensáveis disposições que permitam unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem como simplificar as formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples das decisões proferidas nos Estados-Membros abrangidos pelo presente regulamento."

23. A Recorrida na sua Contestação invocou a exceção de incompetência internacional alicerçada na lei nacional e internacional concretamente aplicável, tendo junto aos autos para prova do alegado dezenas de faturas que tinham aposto, no seu final, o pacto de jurisdição.

24. Foi, pois, junta a necessária prova documental para corroborar a alegação da Ré, ora Recorrente.

25. Prova essa feita pela Recorrida e que não foi impugnada nem posta em causa pela Recorrente, tendo sido por base dessa prova que o douto Tribunal recorrido julgou, e bem, a invocada excepção de incompetência internacional como procedente.

26. Uma vez que o pacto atributivo de jurisdição e competência exclusiva cumpre todos os requisitos previstos no artigo 23º do citado Regulamento Comunitário nº 44/2001, é o mesmo válido e eficaz, devendo as Partes submeter qualquer litígio ao Tribunal de Madrid, sendo qualquer outro internacionalmente incompetente.

27. Em face de tudo o que fica dito, é fundamental deixar claro que o pacto de atribuição de jurisdição aposto nas faturas emitidas pela Recorrente e aceites pela Recorrida envolve a relação encarada do ponto de vista global, não se limitando apenas a potenciais litígios relativos ao fornecimento dos bens, como um atraso numa entrega ou a existência de conformidades num produto fornecido.

28. Com efeito, o pacto de atribuição de foro vigente entre as Partes não especifica quais os litígios para os quais se reserva, pelo contrário, como se pode ler no pacto de jurisdição aposto nas faturas emitidas pela Recorrente e aceites pela Recorrida, faz-se a menção expressa para "Em qualquer caso", pelo que, como resulta claro, se refere a qualquer litígio que surja entre as Partes, sem distinção.

29. O pacto de atribuição de jurisdição ora sub judice vale para todo e qualquer litígio, seja relativo à interpretação, à execução, à cessação ou consequências resultantes de suposto incumprimento referentes à relação comercial subjacente.

30. Note-se que o pacto de jurisdição reporta-se, tal como na definição do artigo 23º do Regulamento 44/2001, a "uma determinada relação jurídica", aqui a relação jurídica estabelecida entre Recorrente e Recorrida, nunca se referindo apenas a uma determinada contenda.

31. Desta forma, não tendo as partes a seu tempo limitado o escopo na norma aposta nas faturas em causa, apenas se pode concluir que tal norma se refere à relação comercial mantida entre as partes, analisada do ponto de vista global.

32. Ora, não tendo as partes acordado qualquer limitação a esse pacto de jurisdição, não existe qualquer limitação legal ou contratual ao mesmo, sendo o pacto de atribuição de jurisdição válido e eficaz entre as Partes.

33. Nas presentes alegações de recurso, a Recorrente abstém-se de analisar os requisitos previstos no art.º 99º do CPC, porquanto o Regulamento Comunitário prevalece face à lei processual portuguesa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 8°, nº 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

34. Por todas as razões acima expostas, não logra proceder o entendimento da Recorrente, vigorando o pacto de jurisdição que atribuiu competência aos Tribunais de Madrid, privando os Tribunais Portugueses de julgar o presente litígio.

35. Ainda que não se entendesse o pacto atributivo de jurisdição vigente entre as Partes como válido e eficaz, o que se concebe mas não se concede, sempre se dirá que os Tribunais portugueses, em específico o douto Tribunal recorrido, não são competentes, de acordo com as normas de competência internacional aplicáveis ao presente litígio.

36. Com efeito, a Recorrida, Autora neste processo, é uma sociedade comercial, constituída ao abrigo do Direito português. Por sua vez, a Recorrente, Ré neste litígio, é uma sociedade comercial, constituída ao abrigo do Direito espanhol e com sede em Espanha.

37. Assim, atento o objecto do litígio - matéria civil e comercial - a competência dos Tribunais portugueses deve ser aferida à luz, do já citado Regulamento 44/2001, o qual é diretamente aplicável na ordem jurídica portuguesa, de acordo com o artigo 288º do Tratado da União Europeia.

38. Dispõe o artigo 2º do Regulamento 44/2001, "sem prejuízo do disposto no presente Regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado."

39. Os Tribunais competentes seriam portanto os Tribunais espanhóis, porquanto o demandado tem domicílio em Espanha, sendo que tal regra apenas poderá ser desviada em determinados casos, expressamente previstos no Regulamento.

40. A este respeito não se aplica o artigo 5º do Regulamento 44/2001 porquanto o mesmo diz respeito à competência dos tribunais quando não exista pacto atributivo de jurisdição, referindo-se às competências especiais eletivas, o que significa que podem ser escolhidas pelas partes ou pelas mesmas afastadas.

41. Do mesmo modo, caso não se estabeleça qualquer pacto atributivo de jurisdição são aplicadas tais normas a título supletivo.

42. Ora, as Partes no presente litígio escolheram o foro de Madrid para apreciar os litígios relacionados com a relação entre si estabelecida.

43. Com efeito, existindo esse pacto atributivo de jurisdição não é aplicável o artigo 5.º do Regulamento mas sim o artigo 23º como bem decidido pelo tribunal de 1ª Instância.

44. Também não se poderá lançar mão do artigo 5º, n.º 3 relativa a responsabilidade extracontratual, que atribui competência aos tribunais do Estado onde ocorreu o facto danoso.

45. Como se afigura claro, tendo sido até admitido pela Recorrida espante-se, o artigo 5º, nº 3 reporta-se a acções de indemnização de cariz extracontratual.

46. Ora, nos presentes autos está em causa o alegado incumprimento de um contrato pela aqui Recorrida que daria azo ao pagamento de uma indemnização à Recorrente. Indemnização essa que foi configurada pela Recorrente, antes Autora, como uma indemnização de clientela.

47. Estamos portanto perante uma, ainda que hipotética, responsabilidade contratual e jamais extracontratual, não sendo plausíveis quaisquer dúvidas quanto a isso, pelo que se cai, no escopo do artigo 2º do Regulamento sendo, igualmente, por esta via competentes os Tribunais Espanhóis e não os Portugueses, como bem decidiu o douto Tribunal a quo.


Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. suprirão, deverá o recurso interposto pela Recorrente ser julgado procedente, anulando-se a decisão recorrida e, consequentemente, julgar-se procedente a excepção dilatória de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses para conhecer e julgar o presente litígio, mantendo a decisão proferida em Primeira Instância.


A recorrida contra alegou, suscitando a questão prévia da inadmissibilidade da revista, e pugnando subsidiariamente pela confirmação do decidido no acórdão recorrido.

Note-se, todavia, que - incidindo a matéria do recurso sobre a definição da competência internacional - a admissibilidade da revista decorre, sem mais, do estabelecido no art.629º, nº2, al. a), do CPC que, em tal situação, considera o recurso sempre admissível.


4. Como é evidente, a questão fulcral que constitui objecto da presente revista prende-se com a existência juridicamente relevante de um pacto privativo de jurisdição em favor dos tribunais espanhóis: poderá ter-se por preenchida tal figura jurídica em consequência de a R., nas facturas relativas a fornecimentos que ela própria emitiu, no âmbito e desenvolvimento de uma relação complexa e duradoura que vem caracterizada pela A., ao delinear a causa petendi da acção, como integradora de um contrato de concessão comercial, fazer constar, em menção integrada no rodapé de tais documentos particulares, que em qualquer caso, ambas as partes se submetem aos Tribunais de Madrid, com renúncia a qualquer outro foro?


Saliente-se liminarmente que – como é incontroverso – o pacto atributivo de jurisdição (como, aliás, qualquer pacto ou convenção de competência, celebrado pelas partes no exercício da respectiva autonomia da vontade) tem de exprimir um compromisso bilateral e inequívoco, concluído em termos e condições que não deixem margem para dúvidas razoáveis quanto à aceitação por ambas as partes do foro que, no pacto, haja sido designado (cfr. Mota Campos, A Convenção de Bruxelas, in Ver. Doc. e Direito Comparado, nº22, 1986, pag. 144 e Sofia Henriques, Os Pactos de Jurisdição, 2006, pag. 63).

Não preenche, pois, manifestamente este requisito - fundamental e estruturante – da necessária bilateralidade do pacto a simples menção unilateral, feita por um dos contraentes em documento particular por ele emitido, de que o foro convencionado para resolução dos litígios emergentes de certa relação contratual é o de determinado país.

Note-se que – como resulta claramente da jurisprudência do TJ – os tribunais nacionais têm, nesta sede, um papel de fundamental relevância, cabendo ao juiz aferir se a cláusula atributiva de competência constituiu efectivamente objecto do consenso das partes, consenso que deve manifestar-se de forma clara e precisa, sendo que os requisitos de forma (previstos no art. 17º da Convenção de Bruxelas e essencialmente mantidos no art. 23º do Regulamento CE 44/2001) têm a finalidade primordial de garantir que o consenso das partes se mostre efectivamente provado.

Importa realçar que as disposições do artigo 23.° do Regulamento Bruxelas I, em virtude de excluírem, quer a competência determinada pelo princípio geral do foro do demandado consagrado no artigo 2.° desse regulamento, quer as competências especiais dos artigos 5.° a 7.° deste, são de interpretação estrita quanto às condições nele estabelecidas.

Em primeiro lugar, o artigo 23, n.° 1, de Regulamento Bruxelas I indica claramente que o seu âmbito de aplicação se limita aos casos em que as partes tiverem «convencionado» a competência de um tribunal. Como resulta do considerando 11 desse regulamento, é este acordo de vontades entre as partes que justifica o primado concedido, em nome do princípio da autonomia da vontade, à escolha de uma jurisdição diferente daquela que teria sido eventualmente competente por força do referido regulamento .

Como se afirma, por exemplo, no recente Acórdão de 21/5/2015, proferido pelo TJ 3ª Secção no P. C-322/14:

27 A este respeito, há que recordar que, uma vez que o Regulamento Bruxelas I substitui, nas relações entre os Estados-Membros, a Convenção de Bruxelas, a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições dessa Convenção é válida igualmente para as deste regulamento, quando as disposições desses instrumentos possam ser qualificadas de equivalentes (v., designadamente, acórdão Refcomp, C-543/10, EU:C:2013:62, n.° 18).

28 É esse o caso do artigo 17.°, primeiro parágrafo, da referida Convenção e do artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I, que têm uma redação quase idêntica (acórdão Refcomp, C-543/10, EU:C:2013:62, n.° 19).

29 Ora, o Tribunal de Justiça decidiu, a propósito do artigo 17.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, que, ao subordinar a validade de uma cláusula atributiva de jurisdição à existência de uma «convenção» entre as partes, esta disposição impunha ao órgão jurisdicional a obrigação de averiguar, em primeiro lugar, se a cláusula que lhe atribui competência foi efetivamente  objeto de consenso entre as partes, que deve manifestar-se de forma clara e precisa, e que as exigências de forma estabelecidas pelo referido artigo têm por função assegurar que o consentimento seja efetivamente provado (v. acórdão MSG, C-106/95, EU:C:1997:70, n.° 15 e jurisprudência referida).

30 Daí resulta que, à semelhança do objetivo prosseguido pelo artigo 17.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, a existência de consenso dos interessados é um dos objetivos do artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I (v. acórdão Refcomp, C-543/10, EU:C:2013:62, n.° 28 e jurisprudência referida).

Ora, como é evidente, a existência do - essencial - consenso das partes quanto à eleição do foro não pode seguramente inferir-se da simples menção, em rodapé e em caracteres diminutos , em facturas unilateralmente emitidas por um dos contraentes, que ambas as partes se submetem ao foro espanhol, em termos de tal compromisso abarcar, não apenas os litígios decorrentes dos concretos fornecimentos documentados nessas facturas, mas também os emergentes da relação complexa e principal – caracterizada como de concessão comercial – no desenvolvimento da qual ocorreram os fornecimentos documentados nas várias facturas.

Na verdade, nos termos do art. 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, cuja aplicabilidade é, no caso dos autos, incontroversa:

1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou

b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou

c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.

2. Qualquer comunicação por via electrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale «à forma escrita».

No caso dos autos, estando excluída a existência de acordo escrito das partes, contendo a estipulação acerca da competência internacional, e não se mostrando invocada qualquer situação susceptível de se enquadrar no preceituado nas alíneas b) e c) do nº1, em que se confere relevância a determinados usos , estamos essencialmente confrontados com a aplicação da parte final da alínea a) do nº1 – ou seja, cumpre determinar em que medida é que a referida menção, constante das facturas, poderia valer como confirmação escrita de um - prévio - acordo verbal acerca do foro competente.


Como refere Sofia Henriques (Os Pactos de Jurisdição cit. , pag. 68 e segs.), não basta o acordo verbal específico sobre a atribuição de competência, sendo sempre necessária a sua confirmação escrita. No entanto, face à evolução jurisprudencial nesta matéria, podemos concluir que se exige que a convenção de atribuição de competência verse especificamente sobre a prorrogação de competência, que uma das partes a confirme por escrito e a outra parte receba essa confirmação escrita e não levante objecções.

Efectivamente, o TJCE começou por exigir – como condição de validade formal do pacto de jurisdição - que ocorresse uma indispensável confirmação escrita do pacto verbal por ambas as partes: fê-lo no Ac.  de 14/12/76 ( P. 25/76 Segoura /Bonakdarien), em que se decidiu que:

Os requisitos formais fixados no primeiro parágrafo do artigo17.° da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, no caso de um contrato celebrado verbalmente, só são preenchidos se a confirmação escrita do vendedor com a comunicação das condições gerais de venda tiver sido objecto de aceitação escrita da parte do comprador.

O facto de o comprador não levantar objecções contra uma confirmação emanada unilateralmente da outra parte só vale como aceitação, no que respeita à cláusula atributiva de jurisdição, se o acordo verbal se situar no quadro das relações comerciais correntes entre as partes, fixadas com base nas condições gerais de uma delas, condições que incluem uma cláusula atributiva de jurisdição.

E no Ac. de 19/6/84 (C-71/83 - Tilly Russ/Nova) considerou o TJ que a simples inscrição no verso de um conhecimento de carga de uma cláusula atributiva de competência não satisfazia, em princípio, as exigências do art. 17º, por nada assegurar que a outra parte tivesse tido efectivo conhecimento da cláusula e consentido no nela estipulado:

Une clause attributive de juridiction figurant dans les conditions imprimées sur un connaissement satisfait aux conditions posées à l'article17 de la convention:

— si le consentement des deux parties aux conditions du connaissement comportant ladite clause a été exprimé par écrit;

— ou si la clause attributive de juridiction a fait l'objet d'une convention verbale antérieure entre les parties portant expressément sur cette clause, et dont le connaissement, signé par le transporteur, doit être considéré comme la confirmation écrite;

— ou si le connaissement se situe dans le cadre de rapports commerciaux courants entre les parties, dans la mesure où il est établiainsi que ces rapports sont régis par des conditions générales comportant ladite clause.


Ulteriormente, como dá nota a mesma autora, o TJ flexibilizou este entendimento, passando a admitir que se possa ter por satisfeito o requisito da confirmação escrita quando o documento que a corporiza seja enviado ao outro contraente, seja por ele recebido e não dê azo à formulação de qualquer objecção – como se decidiu no Ac. de 11/7/85 ( P. 221/84 Berghofer/Asa):

L`article 17, premier alinéa, de la convention du 27 septembre 1968, concernant lacompétence judiciaire et l'exécution des décisions en matière civile et commerciale, doit être interprété en ce sens qu'il est satisfait à la condition de forme qu'il édicté lorsqu'il est établi que l'attribution de juridiction a fait l'objet d'une convention verbale portant expressément sur ce point, qu'une confirmation écrite de cette convention émanant de l'une quelconque des parties a été reçue par l'autre et que cette dernière n'a formulé aucune objection.

Na fundamentação desta decisão esclarece-se que o entendimento preconizado pressupõe a existência de uma prévia convenção verbal acerca da jurisdição competente para o julgamento do litígio – confirmada pelo escrito remetido por uma das partes – e fazendo assentar a relevância atribuída à não oposição da parte contrária no princípio da boa fé - veja-se o ponto 15 da referida fundamentação, onde se considera:


15-S'il est effectivement établi que l'attribution de juridiction a fait l'objet d'une convention verbale portant expressément sur ce point et si la confirmation de la convention verbale émanant de l'une des parties a été reçue par l'autre, laquelle n'aformulé aucune objection en temps utile, cette interprétation littérale de l'article 17est en outre, ainsi que la Cour l'a déjà jugé dans un autre contexte (voir arrêt du19 juin 1984, précité), conforme à la fonction de cet article consistant précisémentà assurer que le consentement entre les deux parties est établi. Il serait alors contraire à la bonne foi, pour la partie qui s'est abstenue de formuler des objections, de contester l'application de la convention verbale.


A demonstração da existência de bilateralidade na estipulação, decorrente da demonstração da existência de um efectivo acordo de vontades na eleição do foro – naturalmente a cargo da parte que invoca em seu benefício o pacto privativo de jurisdição – implicaria, pois, que esta alegasse e provasse a existência de um prévio acordo verbal sobre tal matéria, constituindo a referida menção, inserida nas facturas emitidas, confirmação escrita desse prévio acordo informal.

Sucede que a R., ao suscitar a excepção de incompetência internacional na respectiva contestação, nem sequer alega a existência de prévio acordo verbal das partes acerca da jurisdição competente para a dirimição dos possíveis litígios emergentes dos fornecimentos titulados pela emissão de tais documentos – limitando-se a sustentar que a A. estava sujeita a uma cláusula de atribuição de jurisdição e competência exclusiva, prevista nas facturas emitidas pela R.( fls. 18 verso/19).

Ou seja: a dita menção não é perspectivada como confirmatória de um prévio acordo informal acerca da jurisdição competente, mas antes como constitutiva, sem mais, de uma convenção acerca da competência, pretensamente vinculante das partes.

Ora – não estando sequer alegado o dito acordo verbal prévio acerca da jurisdição competente – é manifesto que a menção incluída unilateralmente pela R. nas facturas que emitiu apenas poderia valer como proposta de celebração de um pacto atributivo de competência – e não como confirmação de um prévio acordo informal dos litigantes acerca da competência internacional.

Citando, mais uma vez, Sofia Henriques (ob. Cit., pag. 69), é evidente que se torna indispensável destrinçar os planos da mera confirmação escrita de uma convenção prévia formalmente insuficiente ( um acordo verbal acerca da competência) e da simples proposta, dirigida, pela primeira vez, por escrito por uma das partes à outra, visando a celebração de um pacto de jurisdição – sendo evidente que, neste último caso, sob pena de se pôr em causa a estruturalmente indispensável bilateralidade dos pactos de jurisdição, não poderá deixar de exigir-se a aceitação de tal proposta contratual:

A confirmação só pode incidir sobre algo que já exista; o acordo verbal é, por isso, prévio. Não existindo acordo verbal, a proposta de celebração de pacto de jurisdição só poderá produzir efeitos se for objecto de uma aceitação escrita, como referiu o TJCE no acórdão (de 14/12/76) mencionado. Assim, o facto de o co-contratante não levantar objecções não é suficiente para configurar uma aceitação do pacto de jurisdição. Aqui estamos perante uma convenção escrita, pois não foi precedida de qualquer acordo verbal, sendo necessária a correspondente aceitação para que se forme o pacto de jurisdição.


5. Mas mesmo para quem, aderindo ao entendimento sustentado, por exemplo, no Ac. do STJ de 8/10/09, proferido no P. 5138/06.8TBSTS.S1 , ou no Ac.de 21/11/13 proferido pela Relação de Guimarães no P. 258/09.0TBFAF-B.G1., considere possível uma aceitação tácita ( não escrita) da proposta contratual contendo o pacto de jurisdição , seria obviamente indispensável apurar se se verificam, na especificidade do caso dos autos, os pressupostos de tal adesão ou aceitação tácita da proposta de eleição do foro competente, incluída nas facturas emitidas pela contraparte.

Considerou-se nesse acórdão do STJ que tendo sido observada a forma escrita no pacto atributivo de jurisdição incluído no clausulado por uma das partes no negócio, pode ter lugar a sua aceitação, de forma tácita, pela outra parte. Tudo levando a concluir que a parte que não estipulou directamente o pacto, mas que o recebeu no clausulado junto com a factura pró-forma, não tendo feito qualquer reserva a tal cláusula, a ela aderiu. É um caso típico de acordo por adesão.

Seria, deste modo, possível que valesse como efectivo pacto atributivo de jurisdição, nos termos do artº 23º do Regulamento (CE) nº 44/2001, a cláusula escrita, proposta por uma das partes no sentido da atribuição da competência ao foro estrangeiro, se a outra parte a aceitasse tacitamente – desde que naturalmente se verificassem os requisitos da figura da aceitação tácita, que o Tribunal, no caso, valorou face à lei portuguesa – afirmando-se no citado aresto, proferido pelo STJ:

Cabe agora indagar se a cláusula constante do nº 2 das condições gerais de venda da sociedade ré, ora agravante, de competência exclusiva do foro holandês, de Zwolle, para dirimir o litígio eventualmente existente entre as partes, no contrato a cuja factura pró-forma está anexa, embora escrita, foi ou não aceite pela autora, ora agravada. Já que provado não está que a mesma A. a tivesse discutido com a ré, sua comparte no contrato, nem que esteja assinada.

Não tendo a mesma autora, contudo, impugnado especificadamente que tal cláusula fazia parte do contrato, do documento junto com a factura pró-forma que através do terceiro, intermediário, tivesse através de correio electrónico recebido. Sendo a factura pró-forma um documento sob a forma de factura, apresentando apenas uma proposta do vendedor, com indicação de preços e demais condições pretendidas pelo vendedor. Sendo certo que o Regulamento em causa não exige que a cláusula em questão seja assinada pelas partes, mas apenas que seja celebrada ou confirmada por escrito. Destinando-se tal acordo escrito, certamente, a maior facilidade de prova segura sobre o pacto firmado, de forma a não resultarem dúvidas que ele foi, de facto, querido pelas partes. O que, à partida, parece não excluir que, tendo sido observada a forma escrita – como o foi – possa ter lugar a sua aceitação sob a forma tácita pela outra parte (aquela que a não fez escrever como fazendo parte do acordo).

Na verdade, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: sendo tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem. Não impedindo o carácter formal da declaração que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz – art. 217.º, nºs 1 e 2 do CC .Sendo certo que, para que se considere a existência de uma declaração negocial tácita, ela terá de deduzir-se do facto que, com toda a probabilidade a revele, do chamado facto concludentia. Havendo entre este e a declaração um nexo de presunção lógico dedutivo que permite deles deduzir uma declaração que lhe é logicamente anterior. Ora, a aceitação da referida factura pró-forma, com os documentos que lhe eram anexos, e as demais condutas das partes no desenvolvimento do negócio, que acabou com entrega de mercadoria por banda da ré – e deixemos, para já, o incumprimento do contrato que a autora alega – tendo as partes estipulado que a mercadoria seria entregue “C... P...”, como, bem ou mal, o foi, levam-nos a concluir que a A., não tendo feito qualquer reserva à questionada cláusula, a ela aderiu. É este um caso típico de acordo por adesão


Saliente-se que esta posição não é absolutamente unânime na jurisprudência, podendo citar-se, em sentido mais restritivo, o recente Ac. de 9/7/14, proferido pelo STJ no P. 165595/11.1YIPRT.G2.S1 , onde se decidiu:

Não satisfaz a condição de aceitação da convenção, a não formalização por escrito, ou por outra forma de expressão concludente e inderrogável, dessa aceitação. A inclusão num anexo a um pedido de encomenda para prestação de serviços, sob a epígrafe “condições gerais de compra” de uma cláusula donde conste a atribuição de um foro privativo de jurisdição, não é idónea para, ainda que o declaratário não tenha manifestado oposição, atribuição do foro que nela se inscreveu. Tratando-se de uma cláusula inserta numa folha de feição de adesão, que não foi objecto de assinatura por qualquer das partes, a proposta nela inserta, de atribuição de jurisdição, teria de ser confirmada por escrito, ou por forma que demonstrasse, da parte do contraente que a recebe, que aceitaria o foro nela atribuído.


Tal conteúdo decisório assentou na seguinte fundamentação:

A jurisprudência tem decidido de forma não uniforme a questão de formalização, ou necessidade de formalizar, por escrito, a aceitação de uma cláusula de atribuição de um forro prorrogando constante de um contrato. [

Com se disse supra o artigo 23.º do Regulamento 44/2001 exige que os pactos de atribuição se conformem com as regras insertas nas respectivas alíneas do seu artigo 1º: por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; b) respeito pelos usos que as partes estabeleçam entre si; c) usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.

Em nosso juízo, no caso concreto, a anexação a um pedido de encomenda de serviços de uma folha com as condições gerais de compra, não satisfaz o requisito inserto na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º do Regulamento.

Na verdade trata-se de uma folha anexa a um pedido de encomenda de serviços que assume uma proposta de adesão geral, ou seja sem especificação autónoma e individualizada de uma proposta de convenção de atribuição de jurisdição. Trata-se de uma cláusula dispersa e inserta numa folha anexa a que a parte contraente não dispensa atenção concreta e focalizada. Não consta que os contraentes tivessem verbalmente acordado ou convencionado um foro de jurisdição e ambas as partes tenham aderido á convenção estabelecida.

Em situações similares que vimos tratadas em outros arestos as notas de encomenda encontravam-se assinadas pelos contraentes e nesse caso foi considerado estar verificado o requisito da aceitação, sob a forma escrita, da convenção de atribuição do foro de jurisdição.


No caso que nos ocupa, vinca-se e repisa-se, a nota de encomenda não se encontra assinada pelo contraente que a recebeu e cumpriu a prestação de serviços contidos na referida nota, sendo que não cumpre o requisito de convenção escrita a aposição num anexo referente às condições gerias de compra de uma cláusula em que uma das partes se arroga, unilateralmente e de forma genérica, a imposição de um foro de jurisdição.

A falta de confirmação por escrito, ou pelo menos uma conduta expressiva de aceitação da cláusula geral revelada pelos usos da contratação entre as partes, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 23.º do Regulamento 44/2001, ilaqueia o reconhecimento de que a parte que recebeu a proposta de aceitação, mediante um anexo ao pedido de encomenda, tivesse aceite a convenção de jurisdição que nesse anexo lhe era proposto.


De qualquer modo, seja qual for a solução dogmática a que se adira, temos como evidente – perante a peculiar fisionomia do caso dos autos – que nem sequer se poderiam ter por preenchidos os pressupostos da aceitação tácita do pacto de jurisdição proposto através da referida menção nas facturas emitidas pela R.: é que, ao contrário das situações de facto versadas nos arestos que têm, por vezes, feito apelo à possibilidade de aceitação ou adesão tácita da proposta de eleição do foro, no caso ora em apreciação não foram sequer anexadas às facturas quaisquer cláusulas ou condições contratuais que – constando embora de escritos não assinados -  titulassem o contrato e consubstanciassem minimamente uma cláusula de estipulação de foro.

Na verdade, não está alegado que tivessem acompanhado as facturas juntas aos autos quaisquer outros documentos que pudessem conter ou indiciar minimamente uma convenção ou estipulação de foro: limitou-se a R. – em termos puramente unilaterais – a incluir nas facturas que emitiu, referentes a fornecimentos ocorridos no desenvolvimento da relação contratual complexa de concessão comercial que integra a causa petendi da presente acção, em mera nota de rodapé e em caracteres diminutos, que em qualquer caso ambas as partes se submetem em exclusivo ao foro espanhol.

Ora, neste circunstancialismo, é evidente que seria, desde logo, colidente com o princípio da boa fé contratual pretender extrair um efeito essencial do silêncio da contraparte – considerando que, pelo facto de esta não ter procedido à imediata devolução das facturas emitidas (pondo assim drasticamente em causa o relacionamento comercial em curso entre as sociedades), teria – só por isso - aceitado o proposto (de forma, aliás, encapotada) pacto atributivo de jurisdição: na verdade, ponderado aquele princípio estruturante da boa fé, é evidente que a mera aceitação/ não devolução das facturas emitidas não pode considerar-se comportamento concludente, que leve a ter por tacitamente aceite a pretendida submissão dos contraentes ao foro espanhol, relativamente a todos os litígios que pudessem decorrer, não apenas do concreto fornecimento titulado por cada factura enviada, mas da relação fundamental e complexa de concessão comercial, alegada pela A. como elemento da causa de pedir.

Ou seja: a aceitação ( não devolução) da factura unilateralmente emitida pela R.  e o pagamento dos bens fornecidos não pode ter-se por comportamento concludente - que, com toda a probabilidade, revele a aceitação da cláusula de renúncia ao foro normalmente competente; como é evidente, são realidades bem diversas a aceitação das obrigações emergentes dos fornecimentos titulados por cada factura enviada e a aceitação da proposta de pacto de jurisdição nela encapotadamente incluída – não havendo qualquer elemento que, em termos minimamente consistentes, permita concluir que tal cláusula foi efectivamente apreendida, no seu real significado, pela A. e por ela aceite – em termos de abranger a dirimição de todos os litígios, mesmo que respeitantes à relação fundamental existente entre as partes, de modo a poder ter-se por verificado o requisito estruturante da necessária bilateralidade dos pactos de jurisdição.


6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando inteiramente o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 19 de Novembro de 2015


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor