Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | AZEVEDO RAMOS | ||
Descritores: | NOTIFICAÇÃO TERMO AUTO COTA VALOR PROBATÓRIO ÓNUS DA PROVA | ||
Nº do Documento: | SJ20080408005176 | ||
Data do Acordão: | 04/08/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO O PROVIMENTO | ||
Sumário : | 1 – O “termo” usa-se predominantemente para exprimir a declaração de vontade das partes e para estas exercerem certos poderes processuais . II – O “auto“ tem como funções características a realização de diligências processuais e a produção de efeitos de carácter substancial, quando tais efeitos não dependem unicamente da vontade das partes . III – As “cotas” tal como as “juntadas” e as “remessas” valem apenas como referências, sem serem providas de fé pública. IV- O seu valor corresponde a um documento particular, não havido como autenticado, sujeito à livre apreciação do tribunal . V- Admite, portanto, a mais ampla prova no sentido de um incorrecto cumprimento do acto da secretaria que é noticiado . VI – A parte que afirma a não correspondência da “cota” com o que efectivamente aconteceu, não basta afirmá-lo, tem de convencer o tribunal que assim foi . | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : Na execução ordinária que, em 17-9-99, a C... G... de D..., S.A., moveu contra J...M... da S...e O..., foi proferido o despacho de fls 390, que julgou ineficaz em relação ao Tribunal, por falta de poderes de representação do Encarregado da Venda, a compra e venda da fracção autónoma identificada nos autos sob a verba nº3, por este celebrada mediante escritura pública de 5-1-07, em que foi adquirente H. Cardoso - Gestão Imobiliária, Unipessoal, L.da. * Posteriormente e, na sequência de recurso interposto pela adquirente H. C... –Gestão e Imobiliária Unipessoal, L.da, o Ex.mo Juiz veio a reparar o despacho agravado, substituindo-o por outro a considerar que a agravante adquiriu, de forma válida e eficaz, o direito de propriedade sobre a referida fracção autónoma . * Então, foi requerido que o processo de agravo subisse à Relação para se decidir a questão sobre que recaíram os dois despachos opostos . A Relação do Porto, depois de julgar, através do seu Acórdão de 15-10-07, que o Encarregado da Venda, quando procedeu à celebração da escritura de compra e venda, não tinha poderes para esse acto e que este não podia subsistir, decidiu : “ conceder provimento à oposição ao recurso de agravo interposto pela recorrente H. Cardoso - Gestão e Imobiliária, Unipessoal, L.da e, em consequência, manter a primitiva decisão recorrida, revogando-se o despacho que a reparou “ . * Continuando inconformada, H. C...- Gestão Imobiliária e Unipessoal, L.da, interpôs recurso de agravo para este Supremo Tribunal, onde resumidamente conclui : 1- O Encarregado da Venda não foi validamente notificado do despacho de fls 363 /364 que lhe ordenava que se abstivesse de celebrar a escritura pública de compra e venda do imóvel penhorado nos autos . 2 – Pelo que a compra e venda é válida e eficaz. 3 – A realização de acto judicial de notificação apenas pode ser provada por documento que preencha todos os requisitos legais exigidos . 4 – A notificação de decisões judiciais faz-se através da entrega ou envio de cópia ou fotocópia legível do seu texto, por meio de aviso expedido pelo correio, sob registo- arts 257 e 259 do C.P.C. 5 – Um auto ou termo de notificação pessoal apenas é válido se assinado pelo notificando – art. 164, nº1, do C.P.C. 6 – As “cotas” são notas ou apontamentos de execução de actos de expediente da secretaria judicial e têm a força probatória de um documento particular . 7 – A “cota” em crise não se mostra assinada pelo Encarregado da Venda, nem dela consta que se tenha recusado a assiná-la . 8 – Assim, por inobservância das sobreditas regras, a “cota” de fls 366 não constitui um acto judicial de notificação judicial pessoal válido . 9 – Pelo exposto, em 5-1-07, data em que foi celebrada a escritura pública, o Encarregado da Venda não tinha ainda sido notificado do teor do despacho de fls 363 e 364. 10 – Nessa data, o Encarregado da Venda dispunha de legitimidade para realizar a escritura de compra e venda, no uso dos poderes de representação que lhe haviam sido pessoalmente conferidos . 11 – A compra e venda realizada pela escritura de 5-1-07 é válida e eficaz. 12 – Foram violados os arts 164, nº1, 257, 259, 905 e 909 do C.P.C. e os arts 258, 266 e 268 do C.C., por força do art. 1178 do mesmo diploma . * A recorrida C... G... de D..., S.A., contra-alegou em defesa do julgado . * Corridos os vistos, cumpre decidir . * Remete-se para todos os factos que a Relação considerou provados, que aqui se dão por reproduzidos, nos termos dos arts 713, nº6, 726, 749 e 762, nº1, todos do C.P.C. Com interesse imediato para a decisão do recurso, destacam-se os seguintes: 1- Por termo lavrado no dia 26 de Maio de 2000, que constitui fls 73 do processo principal, procedeu-se à penhora da fracção autónoma identificada pela letra B do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o nº .../190196, o que foi registado na Conservatória, pela apresentação nº ... /04 09 2000 . 2 – Depois de ouvidos os executados e os credores reclamantes, foi determinado, por despacho de 15-2-05, a venda por negociação particular da referida a fracção autónoma, pelo preço mínimo de 36.500 euros . 3 – Por despacho de 1-9-06, determinou-se que o Sr. Encarregado da Venda providenciasse pela obtenção de melhor proposta, no prazo de 20 dias, procedendo-se, depois, em conformidade com o despacho de 28-6-00 . 4 – Em 22-9-06, o Sr Encarregado da Venda veio informar que foi apresentada, pela ora agravante, uma proposta de aquisição pelo preço de 10.000 euros . 5 – Em 23-10-06, o Sr. Encarregado da Venda foi autorizado a outorgar a competente escritura, uma vez depositado o preço . 6 – No dia 15-12-06, a agravante procedeu ao depósito da quantia de 10.000 euros . 7 – No dia 15-12-06, o exequente pediu adjudicação do prédio pelo valor de 23.800 euros . 8 – Concluso o processo no dia 20-12-06, foi proferido o despacho de fls 363/364, a determinar que se notificasse o Sr. Encarregado da Venda para informar se já havia procedido à outorga da escritura, sendo que : “ em caso afirmativo, deve o mesmo juntar aos autos os respectivos comprovativos (...) ; caso ainda não tenha procedido à referida formalização, se abstenha de o fazer, uma vez que foi apresentada proposta de valor superior (...) . 9 – No dia 4-1-07, foi remetida carta registada ao Sr. Encarregado da Venda a dar-lhe conhecimento do referido despacho . 10 – A fls 366, sob a epígrafe “ cota “, o Sr. Funcionário de Justiça, com data de 5-1-07, escreveu : “Compareceu neste Juízo o Sr. J... V... F... A..., encarregado da venda, nomeado nestes autos, requerendo verbalmente certidão de fls 73, 261, 320, 327, 344, 351, 359 e 360 dos presentes autos, a qual foi passada e entregue. No acto, foi o Sr. Encarregado da Venda dado conhecimento do teor do despacho de fls 363-364 ” . 11- Essa folha do processo não se mostra assinada pelo Sr. Encarregado da Venda . 12 – Por escritura pública de 5-1-07, lavrada no Cartório Notarial de Paços de ferreira , o Sr. Encarregado da Venda declarou vender, na qualidade de mandatário do Tribunal, e H... M... P... C... declarou comprar, na qualidade de gerente da agravante, a fracção penhorada, pelo valor de 10.000 euros . 13 – No dia 9-2-07, o Sr. Encarregado da Venda veio dizer que não lhe foi dado conhecimento, no dia 5-1-07, do despacho de fls 363, desconhecendo o respectivo teor, quando interveio na escritura referida no ponto anterior . * A questão a decidir consiste em saber qual o valor probatório da “cota” de fls 366, datada de 5-1-07, onde o Sr. Funcionário de Justiça afirma que foi dado conhecimento ao Sr. Encarregado da Venda do despacho de fls 363/364, atrás transcrito, que lhe determinava que se abstivesse de efectuar a venda, por ter sido apresentada proposta de valor superior . * Vejamos : O art. 163, nº1, do C.P.C. dispõe que “ os autos e termos lavrados na secretaria devem conter a menção dos elementos essenciais e da data e lugar da prática do acto a que respeitam “. Nos termos do art. 164, nº1, do C.P.C., “os autos e termos são válidos desde que estejam assinados pelo juiz e pelo respectivo funcionário . Se no acto não intervier o juiz, basta a assinatura do funcionário, salvo se o acto exprimir a manifestação de vontade de alguma das partes ou importar para ela qualquer responsabilidade , porque nestes casos é necessária também a assinatura da parte ou do seu representante “. O termo usa-se predominantemente “ para exprimir a declaração de vontade das partes e para estas exercerem certos poderes processuais ; o auto tem como funções características a realização de diligências processuais e a produção de efeitos de carácter substancial, quando tais efeitos não dependam unicamente da vontade das partes “ ( Alberto dos Reis, Comentário do Código do Processo Civil, Vol. 2º, pág. 200) . A pág. 201, acrescenta o mesmo Autor : “ O termo e o auto servem para dar notícia ou fazer prova de determinados factos ; mas nota-se esta diferença : recorre-se ao auto quando o facto tem maior gravidade ( auto de arrombamento de portas ) ou quando se pretende constituir um título executivo ( auto de aposição de escritos ) “. Mais adiante ainda observa : “As cotas são simples registos, notas ou apontamentos de ocorrências que interessam ao processo “. A “cota” noticia o cumprimento de um acto de expediente . No caso de se referir a uma notificação postal, deve juntar-se o recibo do registo postal, o que é bem elucidativo no sentido de não valer como prova plena da notificação . Para que um documento seja autêntico é necessário que seja lavrado por autoridade pública com competência legal para atribuir fé pública ao documento, ou seja, que haja uma disposição legal a reconhecer expressamente essa competência . Se tal se verifica para o “termo” e para o “auto” quando cumpram os requisitos legais, já o mesmo não acontece com as “cotas”, que representam simples registos ou notas, dando conta da execução de actos de expediente da secretaria . Já se decidiu no Acórdão do S.T.J. de 10-2-94 ( Bol. 434- 574), que tal como as “juntadas” e as “remessas”, as “cotas” valem apenas como referenciais sem serem providas de fé pública ; o seu valor corresponderá a um documento particular, não havido como autenticado, sujeito à livre apreciação pelo tribunal . Admitem, portanto, a mais ampla prova no sentido de um incorrecto cumprimento do acto da secretaria que é noticiado . Porém, à parte que afirme a não correspondência da “cota” com o que efectivamente aconteceu, não basta afirmá-lo - tem que convencer o tribunal que assim foi “. Ora, não vemos razão para deixar de seguir esta jurisprudência, que foi reafirmada no Acordão do S.T.J. de 26-4-95 ( Bol. 446-201) . Assim sendo, não há que fazer apelo às regras das notificações a que se referem os arts 257 e 259, nem dos autos e termos a que se reporta o art. 164, nº1, do C.P.C., designadamente à falta de entrega de cópia e de assinatura da “cota” de fls 366, pelo Encarregado da Venda, para o acto nela noticiado poder ser válido . Não basta o Encarregado da Venda afirmar que não lhe foi dado conhecimento do teor do despacho de fls 363 /364 que lhe determinava para se abster da venda e que não recebeu qualquer informação ou notificação nesse sentido . O Sr. Encarregado da Venda teria de produzir prova, no sentido de convencer o tribunal que assim foi, ou seja, teria de ilidir a força probatória da “cota”, com a constatação de que o acto nela noticiado não foi praticado, nem corresponde à realidade, prova essa que não foi feita . Daí que, não tendo sido provada a falsidade do conteúdo da “ cota “ em referência, se mantenha a sua força probatória e a sua validade . Assim sendo, ter-se-á de concluir que no momento em que o Sr. Encarregado da venda procedeu à celebração da escritura de compra e venda de 5-1-07 não tinha poderes para esse acto, que é ineficaz em relação ao tribunal, por falta de poderes de representação, nos termos do art. 268, nº1, do C.P.C. Não se mostram violados os preceitos invocados nas conclusões do recurso . * Termos em que negam provimento ao agravo e confirmam o acórdão recorrido . Custas pela agravante . Lisboa, 8 de Abril de 2008 Azevedo Ramos (Relator) Silva Salazar Nuno Cameira |