Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2600/17.0T8LSB-B.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
EFEITO DO RECURSO
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
TAXA SANCIONATÓRIA EXCECIONAL
DEVER DE DILIGÊNCIA
RECURSO DE APELAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO ADMITIR O RECURSO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I – É irrecorrível o despacho que fixa o efeito ao recurso, que, nos termos da lei, não é impugnável pelas partes e não vincula o tribunal superior (artigo 641.º, n.º 5, do CPC)

II - Os recorrentes, ao interporem recurso de apelação de um despacho que não é impugnável pelas partes, nos termos do artigo 641.º, n.º 5, do CPC e pretenderem continuar a discutir no Supremo Tribunal de Justiça uma questão que manifestamente não pode ser objeto de recurso de revista, estão a utilizar um instrumento processual anómalo, patológico e manifestamente improcedente, violando regras de diligência ou de prudência básicas, verificando-se, pois, os requisitos fixados na lei (artigo 531.º do CPC) para a condenação em taxa sancionatória excecional.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


 


    I - Relatório

1. AA, BB, CC, DD e EE, recorrentes, interpuseram “recurso de apelação” do despacho do tribunal de 1.ª instância que fixou o efeito do recurso de apelação da sentença do tribunal de 1.ª instância que os condenou.

    Tendo o tribunal de 1.ª instância rejeitado este recurso, por entender que o despacho que fixa o efeito do recurso não é impugnável, os recorrentes reclamaram, ao abrigo do artigo 643.º do CPC, para o Tribunal da Relação ... que negou provimento a esta reclamação.


   2. A tramitação foi a seguinte:

  2.1. Foi proferido o seguinte despacho pelo tribunal de 1.ª instância:

"Por a decisão ser recorrível (art° 629° do CPC), os recorrentes terem legitimidade (art° 631°, n.° 1 do CPC) e estarem em tempo (art° 638° do CPC) admito os recursos interpostos pelo A. a fls. 211 e pela Ré a fls. 226, o qual é de apelação (art.° 644°, n.° 1 al. a) do CPC) com subida imediata, nos próprios autos (art° 645° do CPC) e efeito meramente devolutivo (art.° 647° do Código de Processo Civil).

Efectivamente, peticionam os Réus, nas suas alegações de recurso, a fixação do efeito suspensivo ao recurso e a prestação de caução por hipoteca sobre a sua casa de morada de família.

Notificado, veio o A., em contra-alegações, referir não se opor ao referido efeito suspensivo, mediante a prestação de caução, embora se oponha à caução por constituição de hipoteca voluntária por entender que a mesma não salvaguarda os interesses dos recorridos já que não é impeditiva do registo de outros ónus.

Estabelece o art° 647°, n.° 4 do Código de Processo Civil que "o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efectiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal". Ora, significa isto que a alegação do prejuízo e a oferta da caução devem constar do requerimento de interposição do recurso. Porém, simultaneamente teriam os recorrentes que deduzir o incidente de prestação espontânea de caução nos termos dos art.° 913° a 915° do Código de Processo Civil, o que não ocorreu.

Efectivamente, os recorrentes limitam-se a manifestar intenção de prestar caução mediante constituição de hipoteca voluntária, sem utilizar o meio processual idóneo, desconhecendo-se se lograrão, efectivamente, prestá-la, o que, desde logo, não se compadece com a natureza urgente do referido incidente - art.° 915° do Código de Processo Civil. (...)" 


   2.2. Deste despacho interpuseram os reclamantes recurso que não lhes foi admitido com o seguinte fundamento:

"Notificado do despacho que admitiu o recurso da decisão final e indeferiu a requerida fixação de efeito suspensivo ao mesmo, vieram os RR. "interpor recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão recorrida".

Ora, a decisão que fixa a espécie do recurso e determina o seu efeito não pode ser atacada pelas partes, conforme expressamente prescreve o n.° 5 do art° 641° do Código de Processo Civil, que determina, também, que tal decisão não vincula o tribunal superior que sempre poderá alterar o recurso.

Assim, por legalmente inadmissível, indefiro o recurso interposto. Custas pelo recorrente.

Notifique."

 

   2.3. Deste despacho os recorrentes apresentaram reclamação ao abrigo do artigo 643.º do CPC para o Tribunal da Relação ..., alegando que o fazem do despacho que indeferiu o incidente de caução.

    A questão a dirimir, segundo o Tribunal da Relação ..., não consiste no indeferimento do incidente de caução, que não foi instaurado, mas prende-se antes com a admissão ou não do recurso interposto.

    O Tribunal da Relação negou provimento à reclamação com a seguinte fundamentação:

  «Nos termos do artigo 647°, n° 4, do Código de Processo Civil, o recorrente ao interpor o recurso pode pedir que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal.

   Deste modo, no requerimento em que interpõe o recurso o recorrente deve pedir logo que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso e a par deve instaurar o incidente de caução, que é por apenso, como aliás decorre do disposto nos artigos 906° a 915° do Código de Processo Civil.

   Os recorrentes não instauraram o incidente de prestação de caução, pelo que à Meritíssima Juíza nada mais restou senão atribuir efeito meramente devolutivo ao recurso.

    O despacho proferido pela Meritíssima Juíza ao fixar ao recurso o efeito devolutivo, não foi de indeferimento do incidente de caução pois que este não foi instaurado, foi, isso sim, o decorrente de não ter sido instaurado o dito incidente.

   Este despacho em que foi atribuído efeito devolutivo ao recurso e de que os reclamantes recorreram, não é admissível recurso conforme decorre do artigo 641°, n° 5, do Código de Processo Civil.

  Deste modo, nega-se provimento à reclamação e confirma-se o douto despacho reclamado».

           

   3. Inconformados, os recorrentes apresentaram recurso de revista excecional, ao abrigo das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC contra o acórdão do Tribunal da Relação ..., de 09 de setembro de 2021, que, incidindo sobre a questão da admissibilidade do recurso de apelação do despacho que fixou o efeito do recurso, negou provimento à reclamação e confirmou o despacho reclamado.

           

  4. Na sua alegação de recurso formularam as seguintes conclusões:

«I. O art. 672.º, n.º 1, do CPC, admite a interposição de recurso de revista sempre que: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam e causa interesses de particular relevância social; c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme;

II. O presente recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., é excecional, sendo interposto ao abrigo das alíneas a), b) e c) do n.º 1, do art. 672.º;

III. O Acórdão recorrido julgou improcedente o recurso interposto pelos Recorrentes da Decisão proferida pela Primeira Instância que rejeitou apreciar o requerimento impetrado pelos Recorrentes relativo ao incidente de atribuição de efeito suspensivo ao recurso da Sentença;

IV. Os fundamentos de uma e outra decisão são iguais, ambas se posicionam no sentido da obrigação dos Recorrentes, em simultâneo com as alegações e com o requerimento em que fundamentam o pedido de atribuição do efeito suspensivo, alegando e demonstrando que a eventual execução da decisão lhes causa ou pode causar prejuízo considerável, oferecendo-se para prestarem caução, indicando o valor e o modo por que querem prestar a caução, deduzir, a par, o incidente de prestação de caução nos termos e dos artigos 906.º a 915.º do CPC.

V. Este entendimento, para além de redundante, impondo a prática de um ato inútil, o que, per si é proibido, importa uma interpretação e aplicação contrária à lei.

VI. Existem, pelo menos, dois Acórdãos donde se retira uma interpretação de sentido contrário: o primeiro correspondente ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 07-06-2018, no processo n.º 4232/12.0TBCSC-A.L1-6, em que foi Relator o Senhor Juiz Desembargador CARLOS MARINHO e o segundo corresponde ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 28-11-2013, no processo n.º 384674/10.3YIPRT-A.P1, em que foi Relator o Senhor Juiz Desembargador ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA, que se juntam em versão digitalizada, disponíveis em http://www.dgsi.pt.

VII. Lê-se no sumário do primeiro Acórdão:

O n.º 4 do art. 647.º do Código de Processo Civil permite que, nas apelações sem efeito suspensivo, o recorrente requeira, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo;

Para tal efeito, deverá patentear a inelutável produção de dano de elevado relevo e oferecer-se para prestar caução.

Sendo de carácter cumulativo a exigência descrita, bastará a não materialização de um dos requisitos para não ser necessário nem devido entrar na análise do remanescente por inutilidade manifesta de tal atividade processual;

Constituindo a caução um meio de garantia especial das obrigações, deve a mesma assegurar o cumprimento da obrigação garantida;

Confrontado com um pedido de prestação de caução cabe ao Tribunal apreciar a sua suficiência e propriedade.

VIII. Lê-se no sumário do segundo Acórdão:

I - Nos casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo, o recorrente, se ao interpor o recurso não requereu a atribuição de efeito suspensivo nem invocou que a execução da decisão recorrida lhe causaria prejuízo considerável, não pode depois, esgotado o prazo para formulação daquele requerimento, instaurar um incidente autónomo de prestação espontânea de caução com o objectivo de prestar caução e alcançar a atribuição de efeito suspensivo ao recurso.

II - E isso é assim mesmo que aquando da instauração do incidente de prestação de caução estivesse ainda por admitir o recurso.

III - Esta exigência não priva o processo da justeza, adequação e razoabilidade próprias de um processo equitativo, pelo que a mesma não constitui uma interpretação inconstitucional das correspondentes normas legais.

IX. Recortando o teor dos citados Arestos, com a letra da lei do n.º 4 do artigo 647.º do CPC, onde se lê que o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal (sublinhado e negrito da responsabilidade do subscritor), pode e deve entender que a efetiva prestação de caução – ligada ao incidente previsto nos artigos 906.º a 915.º do CPC – ocorre em momento posterior ao despacho que aprecie os fundamentos em que assenta o requerimento para a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, designadamente as razões que conduzem a que a imediata execução da decisão cause prejuízo ao recorrendo, devendo este oferecer-se para prestar caução, indicando o valor e o modo por que se propõe prestar a caução.

X. O termo utilizado pelo legislador “oferecendo-se” só pode se interpretado no sentido de uma manifestação de vontade para a prestação de caução, identificando o valor e o modo por que a quer prestar, não a sua concretização imediata e já não a iniciativa processual respeitante á instauração do incidente previsto nos artigos 906.º a 915.º do CPC.

XI. O incidente regulado nos artigos 906.º a 915.º do CPC, apenas é de aplicar na sequência despacho a que se refere a parte final do no n.º 4 do artigo 647.º do CPC.

XII. Estão reunidos os pressupostos para admissão do presente recurso de revista excecional, nos termos das alíneas a), b) e c), do n.º 1, do art. 672.º, n.º 1, do CPC, estando em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito, dela dependendo interesses de particular relevância social, como seja a certeza na interpretação e aplicação do Direito e, finalmente, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação está em contradição com os dois citados Arestos, já transitado em julgado, proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Tribunal da Relação do Porto, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, os pressupostos de que esta dependente a apreciação do requerimento que venha a ser apresentado pelo recorrente em simultâneo com a apresentação das alegações de recurso, para a atribuição de efeito suspensivo.

 

Nestes termos e no mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso de revista excecional ser admitido e subsequente julgado procedente, por provado, revogando-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... e substituindo por outro que revogue a Decisão proferida em Primeira Instância que recusou conhecer do incidente relativo à atribuição do efeito suspensivo ao recurso interposto da Sentença, com as legais consequências, assim se fazendo a costuma JUSTIÇA!»


   5. Os recorridos apresentaram contra-alegações, as quais terminaram, requerendo que este Supremo Tribunal, reunido em conferência, condene os recorrentes ao pagamento de uma taxa sancionatória excecional, ao abrigo do artigo 670.º, n.º 1, do CPC.


    6. Os recorrentes apresentaram resposta, em que pugnam para que se dê como não provado o pedido de condenação em taxa de justiça excecional, formulando as seguintes conclusões:

1.º

Na humilde opinião dos Recorrentes o presente recurso não é ilegal nem infundado, conforme razões objetivamente apontadas nas alegações de recurso.

2.º

De notar que no presente recurso está causa, apenas e tão só, a recusa de julgamento do mérito do incidente de atribuição de efeito suspensivo pelo Tribunal de Primeira Instância.

3.º

A questão sub iudicio é assim a de saber se o incidente suscitado pelos Recorrentes de atribuição de efeito suspensivo ao recurso exige a instauração de um segundo incidente, que correria por apenso, de prestação de caução, que correria, assim, em paralelo com o incidente enxertado nos autos principais.

4.º

Ora, como defendido pelos Recorrentes não faz sentido a prática de dois atos processuais com idêntica finalidade, não devendo, assim, a interpretação do Tribunal “a quo” ser acolhida, em homenagem ao princípio, previsto no art. 130.º do CPC, da proibição da prática de atos inúteis no processo.

5.º

Por outro lado, importa, pela relevância que tem na análise do comportamento processual do Recorrido, relembrar que na presente ação o Recorrido não age no seu exclusivo interesse, mas antes no interesse de todos os herdeiros da falecida FF, irmã do Recorrido e também irmã do Recorrente AA.

6.º

Na verdade, o crédito em discussão não pertence exclusivamente ao Recorrido, mas antes a todos os herdeiros da falecida FF, entre os quais os Recorrentes, que detêm um quinhão superior ao quinhão detido pelo Recorrido, porquanto uma das irmãs sobrevivas doou o seu quinhão ao Recorrente AA, pelo que este detém um quinhão equivalente a 2/5 da herança aberta e indivisa, em causa na presente ação.

7.º

De entre os herdeiros da falecida FF, o quinhão do Recorrido é de 1/5 da herança, enquanto o quinhão dos Recorridos é superior àquele, correspondendo a 2/5.

8.º

Não se compreende, assim, a ânsia desmesurada do Recorrido em ter acesso exclusivo ao eventual crédito, no caso da Decisão proferida em Primeira Instância vier a transitar em julgado.

9.º

A ânsia do Recorrido é de tal ordem intensa, que a Mandatária do Recorrido, que assina o pedido de condenação dos Recorrentes numa taxa sancionatória excecional, enquanto decorria o prazo para a interposição de recurso ordinário da Sentença proferida pela Primeira Instância, imediatamente à notificação da Sentença logo instaurou ação executiva, com indicação à penhora de saldos bancários existentes em contas tituladas pelos Recorrentes, visando com tal comportamento obter uma vantagem a que não tinha direito.

10.º

Em resumo, os Recorrentes contestam a imputação que lhes é feita na resposta às alegações de recurso, uma vez que o motivo subjacente ao recurso de revista excecional que interpuseram não é movido por qualquer intuito de protelamento da ação da justiça, mas pelas razões objetivamente elencadas nas alegações de recurso de revista excecional.

11.º

Por fim, ainda que seja despiciendo para a questão sub iudicio, os Recorrentes não podem deixar de sublinhar que os bens imóveis oferecidos como garantia no incidente para a fixação de efeito suspensivo ao recurso,

são os bens imóveis em causa na ação instaurada pelo Recorrido, sendo, pois, suficientes para garantia de pagamento do eventual crédito que venha a ser reconhecido a favor do Recorrido e dos demais herdeiros — onde não se pode deixar de incluem os Recorrentes — o que não se concede mas se admite apenas por mera cautela de patrocínio.

Termos em que deve ser julgado improcedente, por não provado, o pedido de condenação dos Recorrentes em taxa de justiça excecional, como peticionado pelo Recorrido na resposta às alegações de recurso de revista excecional.»


    Cumpre decidir.


   II - Fundamentação

  I - Da questão prévia da admissibilidade do recurso de revista

   1. Dependendo a remessa do processo para a formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do CPC da verificação dos pressupostos do recurso de revista geral, cabe agora à Relatora averiguar e decidir esta questão prévia sobre a qual os recorrentes já se pronunciaram na sua alegação de recurso de revista excecional, defendendo que o recurso de revista é admissível nos termos do n.º 1 do artigo 671.º do CPC.

    O presente recurso é tempestivo, o recorrente tem legitimidade e a ação tem valor. Todavia, estamos perante uma decisão que não se pronuncia sobre o mérito nem põe termo ao processo, nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, e que se limita a não admitir um “recurso de apelação” dirigido contra um despacho que fixa o efeito ao recurso e que, nos termos da lei, não é impugnável pelas partes e não vincula o tribunal superior (artigo 641.º, n.º 5, do CPC). Com efeito, o despacho que em primeira instância fixa o efeito do recurso apenas pode ser alterado pelo Tribunal Superior, não adquirindo, pois, força de caso julgado formal. Nessa exata medida é irrecorrível por se tratar de um despacho de mero expediente. Sendo irrecorrível, não faria sentido que fosse admissível um recurso de revista de um acórdão da Relação, que afirmou a não admissibilidade do recurso de apelação do despacho que fixa o efeito ao recurso.

    Pelo que, não estando reunidos os pressupostos gerais da revista, não se remete o processo à formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC.


     2.  Da taxa sancionatória excecional

   O recorrido pede que este Supremo Tribunal, reunido em conferência, aplique uma taxa sancionatória aos recorrentes, por entender que é admissível o recurso e que não foi intentado com intenção de protelar a administração da justiça.

      Diferentemente do instituto da litigância de má fé, em que a má-fé é sancionada com a aplicação de uma multa e/ou uma indemnização a satisfazer à parte contrária, o uso indevido do processo com expedientes manifestamente infundados e anómalos (contemplem, ou não, má fé, negligência ou dolo), é sancionado apenas em custas, com um agravamento da taxa de justiça devida.

    É pressuposto da aplicação da taxa sancionatória excecional, nos termos do artigo 531º do CPC, que o processado revele a presença de pretensões formuladas por um sujeito processual que sejam manifestamente infundadas, abusivas e reveladoras de violação do dever de diligência, e que deem azo a uma atividade processual inútil.

  Nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo, do Acórdão de 18-12-2019 (proc. n.º 136/13.8JDLSB.L2-A.S1), «III - Somente em situações excepcionais em que o sujeito aja de forma patológica no desenrolar normal da instância, ao tentar contrariar ostensivamente a legalidade da sua marcha ou a eficácia da decisão praticando acto processual manifestamente improcedente é que se justifica a aplicação da taxa sancionatória – por isso chamada – excepcional. IV – A taxa sancionatória excepcional poderá/deverá ser aplicada somente quando o acto processual praticado pela parte seja manifestamente infundado, tendo ainda a parte revelado nessa prática falta de prudência ou de diligência, a que estava obrigada, assumindo o acto um carácter excepcionalmente reprovável, por constituir um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo».

       No caso vertente, os recorrentes, como resulta do acima exposto, ao interporem recurso de apelação de um despacho que não admite recurso nem é impugnável pelas partes, nos termos do artigo 641.º, n.º 5, do CPC e pretenderem continuar a discutir no Supremo Tribunal de Justiça uma questão que manifestamente não pode ser objeto de recurso de revista, estão a utilizar um instrumento processual anómalo, patológico e manifestamente improcedente, violando regras de diligência ou de prudência básicas.

    O comportamento processual dos recorrentes, mesmo que não revele má fé, deve ser objeto de censura, por implicar uma atividade judiciária inútil.

  Assim, decide-se aplicar uma taxa sancionatória excecional, no montante de 4 UC’s.     


       3. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o artigo 663.º, n.º, 7, do CPC:

 I – É irrecorrível o despacho que fixa o efeito ao recurso, que, nos termos da lei, não é impugnável pelas partes e não vincula o tribunal superior (artigo 641.º, n.º 5, do CPC)

 II - Os recorrentes, ao interporem recurso de apelação de um despacho que não é impugnável pelas partes, nos termos do artigo 641.º, n.º 5, do CPC e pretenderem continuar a discutir no Supremo Tribunal de Justiça uma questão que manifestamente não pode ser objeto de recurso de revista, estão a utilizar um instrumento processual anómalo, patológico e manifestamente improcedente, violando regras de diligência ou de prudência básicas, verificando-se, pois, os requisitos fixados na lei (artigo 531.º do CPC) para a condenação em taxa sancionatória excecional.


   III - Decisão 

   Pelo exposto, decide-se não admitir o recurso de revista e condenar os recorrentes em custas no montante de 4 Unidades de Conta.


Supremo Tribunal de Justiça, 18 de janeiro de 2022


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Fernando Samões (2.º Adjunto)