Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
44/07.1TBGDL.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
CULPA IN CONTRAHENDO
NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
BOA FÉ
DEVER DE LEALDADE
DANO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
CULPA DO LESADO
INDEMNIZAÇÃO
REDUÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 12/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANOXVIII, TOMO III/2010, P.211
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: - Ana Prata, ‘‘Notas sobre a responsabilidade pré contratual’’, in “Revista da Banca”, 16, Outubro/Dezembro, 1990, 75 e segs..
- Manuel de Andrade, “Teoria Geral das Obrigações”, 2ª ed., 1963, pág. 402.
- Menezes Cordeiro, “Dolo na conclusão do negócio, culpa in contrahendo” – “O Direito”, 125, 1993, I-II, 161.
- Mota Pinto, “A responsabilidade pré negocial pela não conclusão dos contratos”, 1963 – separata do Boletim da FDC XIV.
- Vaz Serra, “Culpa do devedor ou do agente”, BMJ 68.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: - ARTIGOS 11.º, 227.º, NºS 1 E 2, 342.º, N.º2, 498.º, 570.º, NºS1 E 2, 799.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 4/4/2006 (WWW.DGSI.PT , SOB O N.º 06A222);
- DE 18/11/04, IGUALMENTE ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
Sumário : I - As regras da boa fé consagradas no art. 227.º do CC significam que, nas negociações preliminares e preparatórias do contrato, as partes se devem comportar como pessoas de bem, com correcção e lealdade.
II - Se alguém inicia e prossegue negociações, criando na outra parte expectativas de negócio, mas com o propósito de as romper ou de não fechar o contrato, ou formando no decurso dessas negociações tal propósito de forma arbitrária, dessa maneira defraudando a confiança que a outra parte tenha formado na celebração deste, viola aquelas regras, devendo indemnizar os prejuízos que cause.
III - A ordem jurídica pretende conciliar, na fase pré-contratual, o interesse da liberdade negocial com o interesse criado pela confiança no projecto de contrato.
IV - O dever de agir segundo os ditames da boa fé consagrado no citado art. 227.º é válido tanto para os contratos consensuais como para os contratos formais, proibindo toda a conduta consistente no rompimento das negociações, que traduza uma apreciável falta de consideração pelos interesses da contraparte, e originando a sua violação arbitrária e culposa, isto é, merecedora de um juízo de censura ou reprovação, a obrigação de indemnizar os danos causados.
V - Em princípio, apenas são objecto da obrigação de indemnizar os danos que constituam lesão do chamado interesse contratual negativo ou interesse da confiança, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na expectativa negocial criada pela parte contrária.
VI - Podem também ser objecto de indemnização por culpa in contrahendo os danos integrantes do interesse contratual positivo, quando, pelo encontro da proposta e da aceitação, já tenha sido obtido acordo, faltando apenas a formalização do contrato, pois, nesse caso, é de entender que existe um verdadeiro dever de conclusão, cuja violação implica a indemnização do interesse do cumprimento, isto é, considerando-se como indemnizável o ganho que derivaria da celebração (formalização) do contrato e que não se obteve.
VII - O dever geral da boa fé na formação dos contratos desdobra-se em vários deveres de actuação, em que se destacam o dever de informação, os deveres de guarda e restituição, o dever de segredo, o dever de clareza, o dever de lealdade e os deveres de protecção e conservação.
VIII - Os deveres de informação, clareza e lealdade, impõem a qualquer das partes que não ocultem uma à outra as suas respectivas intenções negociais, nem os elementos no seu entender susceptíveis de conduzirem à decisão de contratar ou não.
IX - A responsabilidade pré-contratual, por não determinar desde logo a aplicação do regime próprio do contrato visado, mas já poder integrar obrigações resultantes das próprias negociações e portanto já de natureza negocial e não simplesmente derivadas de um dever de conduta genérico, constitui um instituto de regime híbrido, situado a meio caminho entre aqueles e justificativo da aplicação das normas próprias de cada um daqueles outros dois regimes, ora de um, ora do outro, conforme a situação concreta que se verifique, nomeadamente no que respeita à norma constante do art. 799.º, n.º 1, do CC.
X - Assim, se no decurso das negociações forem desde logo alcançados acordos de natureza contratual, embora não formalizados, justifica-se a aplicação do regime da responsabilidade contratual, nomeadamente no que à presunção de culpa se refere.
XI - A fixação da prescrição da responsabilidade pré-contratual nos termos do disposto no art. 498.º do CC, para além de se justificar perante a complexidade e carácter duvidoso da situação, que conduz a uma mais rápida definição da situação jurídica, encontra-se desacompanhada de qualquer outra regulamentação do instituto, o que origina que se conclua que o legislador pretendeu a sua regulamentação de acordo com a interpretação feita com base nos princípios gerais do Direito e os plasmados naquele art. 227.º.
XII - Viola o dever de lealdade quem, tendo tomado a iniciativa de negociações com outrem para celebração de um contrato de compra e venda de um imóvel, desde que a contraparte nele levasse a cabo alterações que lhe indicou, rompe as negociações, por desacordo quanto ao preço, após a realização de tais obras, se não tiver sujeitado a celebração do contrato à fixação de um determinado preço máximo.
XIII - Por força do disposto no art. 570.º, n.º 1, do CC, se a contraparte executar as obras de alteração sem o prévio apuramento dos respectivos custos e sem a correspondente informação à outra parte, assim contribuindo, por violação desse dever de informação, para os danos que venha a sofrer, justifica-se a redução do montante indemnizatório à luz de um critério de equidade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 23/01/07, AA-C... A... - Promoção Imobiliária, Unipessoal, Lda., propôs acção com processo ordinário contra BB e CC-Policlínica S... J..., Lda., pedindo a condenação do réu, ou, subsidiariamente nos termos do art.º 31º-B do Cód. Proc. Civil, da ré, no pagamento da quantia de € 3.040,73 pelo custo financeiro do atraso na celebração dos contratos definitivos, a quantia de € 3.040,73 a título de custo financeiro do atraso na amortização dos empréstimos contraídos, a quantia de € 1.942,52 correspondente ao custo que a autora teve que suportar com a adaptação do projecto de arquitectura, e a quantia de 24.357,30 euros a título de obras suportadas com as alterações introduzidas no imóvel por causa imputável aos réus, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a citação até ao pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, que ela autora é uma sociedade que se dedica à indústria da construção civil e imobiliária, e nesse âmbito construiu um edifício que incluía duas fracções no rés-do-chão destinadas a habitação, em Grândola.

Em Setembro/Outubro de 2005 o réu visitou a obra de edificação e mostrou-se interessado na aquisição das duas fracções de rés-do-chão para aí instalar uma clínica caso as fracções pudessem ser licenciadas para serviços, ficando unificadas numa só.

Então acordaram na venda das fracções por 200.000,00 euros e a autora promoveu a alteração do alvará, a alteração ao projecto de arquitectura – a qual foi feita mediante indicações expressas do réu -, e a realização de obras de adaptação das fracções.

Em Maio de 2006, porém, o réu comunicou à autora que já não tinha interesse na aquisição das fracções autónomas e, por isso, não iria celebrar o negócio, sendo que desconhece se o réu actuou em nome próprio ou em representação da ré.

Em face de ser ocasional a procura deste tipo de imóveis para esta finalidade na localidade de Grândola e perante a desistência do réu, a autora efectuou obras de readaptação do espaço novamente para a finalidade de habitação.

A autora gastou € 1.942,52 no pagamento ao arquitecto das alterações aos projectos, e € 24.357,30 nas obras que realizou. Acresce que as obras originaram um atraso de sessenta dias na conclusão da obra, o que impediu a obtenção das licenças de utilização e a realização das escrituras, sendo que três das fracções já estavam prometidas vender pelo preço total de 287.500,00 euros que a autora deveria receber na data das escrituras definitivas.

Assim a autora teve um atraso no recebimento deste valor deixando de ganhar € 3.040,73 e teve custos financeiros - juros e encargos bancários de igual montante por não poder amortizar o valor que pediu emprestado antes desse período.

Contestaram os réus, impugnando parte dos factos articulados pela autora e alegando, em síntese, que a ré explora uma clínica sita em Grândola desde 1999, e, como se aproxima o fim do contrato de arrendamento de duração limitada do imóvel onde está instalada, o réu começou a procurar espaços para a instalação da mesma.

Nesse âmbito visitou o edifício que a autora estava a construir e iniciou a negociação da aquisição das referidas fracções desde que as mesmas pudessem ser utilizadas para serviços e existissem condições de preço vantajosas.

Nesse sentido propôs dois preços alternativos e enviou a um arquitecto um esboço de adaptação das fracções.

Todavia surgiu entre ele e a autora uma divergência fundamental no respeitante ao preço, e por isso desinteressou-se do negócio nos princípios de Março de 2006. Por isso, e por não ter sido por causa imputável aos réus que as obras que a autora afirma ter levado a cabo terão sido executadas, e que impugnam ser de adaptação, o atraso na concretização de negócios também não lhes é imputável.

Acresce que a autora alega factos que sabe não corresponderem à verdade, e por isso deve ser condenada como litigante de má fé.

Replicou a autora, rebatendo, em síntese, a atribuição de má fé.

Proferido despacho saneador que decidiu inexistirem excepções nem nulidades secundárias, foi enumerada a matéria de facto desde logo considerada assente e elaborada a base instrutória, após o que se realizou a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto instruenda.

Por fim foi proferida sentença onde se decidiu julgar parcialmente procedente a acção, condenando-se a ré CC-Policlínica S... J..., Lda., a pagar à autora a quantia de onze mil e trinta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos acrescida de IVA à taxa vigente em 2006 sobre a quantia de nove mil e noventa e cinco euros, e juros de mora à taxa legal desde a citação até ao pagamento, absolvendo a ré da parte restante do pedido, e absolvendo o réu do pedido na totalidade, julgando por outro lado improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má fé.

Inconformada, a R. interpôs recurso de apelação, sem sucesso, uma vez que a Relação negou provimento a tal recurso e confirmou a sentença ali recorrida, por acórdão de que vem interposta a presente revista, pela ré, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:

1ª – A responsabilidade pré-contratual depende da verificação dos requisitos fixados no n.º 1 do art.º 227° do Código Civil, a saber, um facto voluntário, ilícito, culposo, de que resulte, como consequência directa e necessária, um dano;

2ª - A A., empresa cuja actividade tem como objecto a promoção imobiliária, tinha obrigação de, previamente à execução de qualquer obra de alteração das fracções para adaptação a clínica médica, cuidar da fixação de todos os elementos do negócio, incluindo o preço;

3ª - A Rte., não tinha obrigação de conhecer os meandros do negócio - a sua actividade é a clínica médica - e tinha legítima expectativa de ver reduzido o montante inicialmente pedido pela A. a título de preço;

4ª - Confrontada com a irredutibilidade do preço, e uma referência a aumento, é legítima, lícita e não culposa a ruptura das negociações pela Rte.;

5ª - Tendo o douto Acórdão, como a douta sentença para que remete, feito errada valoração e ponderação crítica dos factos à luz dos dados da experiência comum;

6ª - Pelo que, ao julgar verificados os requisitos de ilicitude e culpa da responsabilidade pré-contratual da Rte., violou o disposto no n.° 1 do art.º 227° do Código Civil;

7ª - Devendo ser proferido Acórdão revogando o douto Acórdão e, julgando não verificados tais requisitos, absolvendo a Rte. do pedido;

8ª - A não ser assim, o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio, deverá reconhecer-se que estão abrangidos pelo nexo de causalidade apenas os danos verificados até à data da ruptura das negociações, em 28 de Fevereiro de 2006;

9ª - A não serem julgados inverificados os requisitos da responsabilidade pré-contratual, mais uma vez sem conceder, deve atender-se à culpa da A., quer na continuação da execução de obras de adaptação após saber que o negócio não se iria concretizar,

10ª - Quer, fundamentalmente, por não ter acautelado, como lhe competia como profissional da promoção imobiliária, a prévia negociação de todos os elementos do contrato, incluindo o preço, antes de iniciar qualquer obra de adaptação das fracções;

11ª - O que sempre poderia fazer, mesmo celebrando contrato-promessa, condicionando-o à possibilidade física e legal de alteração do uso das fracções;

12ª - Ao omitir tais deveres de cuidado, a A. agiu com culpa, contribuindo decisiva e exclusivamente para a produção do dano, pelo que, deve ser excluído o direito a indemnização, pelos alegados danos anteriores a 28 de Fevereiro, porque outros nunca seriam indemnizáveis, nos termos do n.° 1 do art.º 570° do Código Civil;

13ª - Absolvendo-se a Rte. do pedido por Acórdão revogatório do douto Acórdão recorrido e da douta sentença para cujos fundamentos remete.

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Em contra alegações, a autora pugnou pela confirmação do acórdão recorrido.

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Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que se mostram assentes os factos seguintes:

1º - A autora é uma sociedade que tem por objecto a compra, venda e revenda de bens imobiliários e indústria de construção civil.

2º - No exercício da sua actividade a autora procedeu à construção de um edifício, projectado com diversas fracções autónomas, sito na Rua D. A... H..., em Grândola.

3º - O projecto e licenciamento do prédio referido incluíam no rés-do-chão duas fracções destinadas a habitação.

4º - Entre os meses de Setembro - Outubro de 2005 o réu BB visitou a obra deste edifício mostrando-se interessado na aquisição de duas fracções destinadas à habitação no rés-do-chão se as mesmas pudessem ser licenciadas para serviços e ficassem unificadas numa só.

5º - O réu visava instalar uma clínica médica que a ré tem em funcionamento noutro local de Grândola.

6º - O autor e o réu BB negociaram a aquisição das referidas fracções do imóvel em construção.

7º - A dada altura o réu desinteressou-se do negócio.

8º - Houve lugar a um processo de alteração camarário de uso do loteamento com vista à alteração do uso das fracções inicialmente previsto.

9º - O réu enviou ao arquitecto DD um esboço de adaptação das fracções à actividade da ré.

10º - O edifício referido tem edificadas várias fracções, incluindo as duas que o réu pretendeu adquirir.

11º - A fracção correspondente ao rés-do-chão d... foi prometida vender em 4 de Janeiro de 2007 a EE pelo valor de 92.500,00 euros.

12º - A fracção correspondente ao 1.° andar direito foi prometida vender em 23 de Outubro de 2006 a FF pelo preço de € 95.000,00.

13º - A fracção correspondente ao 1.° andar esquerdo foi prometida vender a GG e a HH pelo valor de € 100.000,00 euros.

14º - A autora e a ré acordaram verbalmente a venda/compra das duas fracções de rés-do-chão indicadas mas desentenderam-se quanto ao preço em 28 de Fevereiro de 2006.

15º - Porque o acordo referido implicava uma alteração da obra em construção foi elaborado um projecto de alterações ao projecto já licenciado.

16º - As alterações efectuadas na obra consistiram na alteração da estrutura em betão armado, incluindo rebaixamento de fundações, acrescento de pilares de construção de muro de suporte de terras e acrescento de pé direito em 30 centímetros.

17º - Após orçamento datado de 9 de Março de 2006 também consistiram na marcação de paredes divisórias e assentamento de tijolo, na demolição de alvenarias existentes e carrego de entulhos e alteração das janelas para portas de sacada em dois vãos da fachada principal.

18º - O réu entregou à autora os elementos de identificação para posterior formalização de um negócio.

19º - Os elementos indicados referiam-se à ré CC-Policlínica de S... J..., Lda.

20º - Por ser mais fácil encontrar comprador para fracções para habitação a autora regressou ao projecto original.

21º - Em consequência, executou saídas de fumo, incluindo abertura de roços em lajes, construção de chaminés no telhado, abertura de porta de entrada no apartamento, rectificação da ombreira e carrego de entulho, construção de nova parede divisória entre as cozinhas em tijolo 19 x 24 x 30 e alteração da rede de gás para dois contadores.

22º - Em virtude das obras indicadas ocorreu um atraso de trinta dias úteis na conclusão da obra.

23º - A autora pagou ao arquitecto o trabalho pelas alterações ao projecto inicial no valor de 1.942,52 euros.

24º - Pelas obras indicadas a autora pagou a quantia de 14.870,90 euros, nos termos seguintes:

25º - Alteração da estrutura em betão armado, incluindo rebaixamento de fundações, acrescento de pilares e construção de muro de suporte para encosto de terras, no valor de 4.750,00 euros, acrescido de IVA;

26º - Acrescento do pé direito em 30 centímetros, incluindo tijolo, estuque projectado, pinturas e azulejos, no valor de 1.545,00 euros, acrescido de IVA;

27º - Marcação de paredes divisórias e assentamento de tijolo no valor de 925,00 euros, acrescido de IVA;

28º - Demolição das alvenarias existentes, incluindo parede divisória entre cozinhas, e carrego do entulhos, no valor de 1.100,00 euros, acrescido de IVA;

29º - Alteração de janelas para portas de sacada em dois vãos da fachada principal (demolição de paredes e carrego de entulhos) no valor de € 190,00, acrescido de IVA;

30º - Execução de saídas de fumos, incluindo abertura de roços em lajes e construção de chaminé no telhado, no valor de € 2.800,00, acrescido de IVA;

31º - Abertura para porta de entrada do apartamento, rectificação de ombreiras e carrego de entulhos, no valor de € 265,00, acrescido de IVA;

32º - Construção de nova parede divisória entre cozinhas em tijolo 19x24x30 no valor de 325,00 euros, acrescido de IVA; e

33º - Alterações na rede de gás para dois contadores por ter sido considerado apenas um contador para uma fracção no valor de € 390,00, acrescido de IVA.

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Como se vê pela análise das conclusões das alegações da recorrente, começa esta por suscitar a questão de saber se incorreu ou não em responsabilidade pré-contratual ao recusar celebrar com a autora o contrato de compra e venda das fracções aludidas após o decurso de negociações tendencialmente conducentes à conclusão desse contrato, sustentando ela que tal responsabilidade não lhe pode ser imputada, por inverificação dos requisitos de ilicitude e culpa sua.

Nos termos do art.º 227º, n.º 1, do Cód. Civil, “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

Tais regras da boa fé consagradas no art.º 227º significam que, nas negociações preliminares e preparatórias do contrato, as partes se devem comportar como pessoas de bem, com correcção e lealdade; pelo que, se alguém inicia e prossegue negociações, criando na outra parte expectativas de negócio, mas com o propósito de as romper ou de não fechar o contrato, ou formando no decurso dessas negociações tal propósito de forma arbitrária, dessa maneira defraudando a confiança que a outra parte tenha formado na celebração deste, deve indemnizar os prejuízos que causa.

É que a ordem jurídica pretende conciliar, na fase pré-contratual, dois interesses a salvaguardar: por um lado, o interesse da liberdade negocial, que impõe que às partes, até ao último momento, seja reconhecida liberdade de optar entre contratar ou não; por outro, o interesse criado pela confiança no projecto de contrato, quer dizer, a legítima expectativa de contratar que as próprias negociações vão consolidando, pois que normalmente tal expectativa vai aumentando à medida que as negociações vão avançando e as partes vão chegando a acordos parcelares ou suportando despesas e encargos relacionados com essas negociações.

Há, assim, que verificar se a ora recorrente terá actuado, no decurso das negociações que teve com a autora com vista à celebração do contrato de compra e venda das aludidas duas fracções, de forma a violar aquele princípio da boa fé, o que a recorrente sustenta não ter acontecido na medida em que, segundo entende, o rompimento das negociações pela sua parte não foi arbitrário mas resultante de desacordo quanto ao preço a praticar.

Ora, na fase preliminar, vestibular ou negociatória, que se desenrola durante um período de duração variável no decurso do qual se prepara, discute e até, tantas vezes, se celebram acordos parcelares que podem eles próprios originar obrigações contratuais, as partes usufruem de uma liberdade muito maior que na fase posterior à conclusão do negócio, podendo sempre proceder a reformulações ou a reajustamentos, mais difíceis, senão mesmo impossíveis, na fase ulterior. Mas essa margem de liberdade, perante a nítida intenção do legislador de proteger a confiança formada na outra parte no decurso das negociações, não é total, nem surge desenhada por forma discricionária, em termos de abranger o simples capricho ou arbítrio inesperado e imprevisível dos negociadores.

Com efeito, se bem que qualquer das partes, ao iniciar negociações, tenha forçosamente de efectuar estudos preparatórios que lhe apontem para a probabilidade de sucesso e de assumir o risco de não conduzirem a bom termo, também há que ter em conta que as próprias negociações e a conduta da outra parte a podem ter levado a proceder a novos estudos de mercado, consultas, elaboração de orçamentos, contratos de prestação de serviços com outrem, seguros e demais actividades onerosas, porventura dispendiosas, determinantes de despesas que a lei entende por bem proteger contra arbitrariedades e caprichos.

É esta a razão de ser do instituto da responsabilidade pré-contratual, entre nós estudada ainda na vigência do Código Civil de 1867 (Prof. Mota Pinto, “A responsabilidade pré negocial pela não conclusão dos contratos”, 1963 – separata do Boletim da FDC XIV -, e Prof. Manuel de Andrade – “Teoria Geral das Obrigações”, 2ª ed., 1963, pág. 402), e em sede dos trabalhos preparatórios do Código Civil (Prof. Vaz Serra, “Culpa do devedor ou do agente”, BMJ 68), sendo que o dever de agir segundo os ditames da boa fé consagrado no citado art.º 227º é válido tanto para os contratos consensuais como para os contratos formais, proibindo toda a conduta, consistente no rompimento das negociações, que traduza uma apreciável falta de consideração pelos interesses da contraparte, e originando a sua violação culposa, isto é, merecedora de um juízo de censura ou reprovação, a obrigação de indemnizar os danos causados, pois, como refere o Prof. Menezes Cordeiro (“Dolo na conclusão do negócio, culpa in contrahendo” – “O Direito”, 125, 1993, I-II, 161), “a autonomia privada é conferida às pessoas dentro de certos limites e sob as valorações próprias do Direito; em consequência, são ilegítimos os comportamentos que, desviando-se de uma procura honesta e correcta de um eventual consenso contratual, venham a causar danos a outrem. Da mesma forma são vedados os comportamentos pré-contratuais que inculquem, na contraparte, uma ideia distorcida sobre a realidade contratual”.

Por outro lado, em princípio, apenas são objecto da obrigação de indemnizar os danos que constituam lesão do chamado interesse contratual negativo ou interesse da confiança, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na expectativa negocial criada pela parte contrária, embora possam ser também objecto de indemnização por culpa in contrahendo os danos integrantes do interesse contratual positivo quando, pelo encontro da proposta e da aceitação, já tenha sido obtido acordo, com a chegada a bom termo da fase decisória da negociação e faltando apenas a formalização do contrato, pois nesse caso é de entender que existe um verdadeiro dever de conclusão cuja violação implica a indemnização do interesse do cumprimento, isto é, considerando-se como indemnizável o ganho que derivaria da celebração (formalização) do contrato e que não se obteve.

Necessário é, porém, que, para haver obrigação de indemnizar quando o contrato negociado não chegue a ser concluído, se verifique o rompimento arbitrário e culposo, por uma das partes, das negociações, determinante de danos da outra parte, e o facto específico da criação, nesta, por força da conduta da primeira, da expectativa ou da confiança na celebração do contrato.

Acresce que o dever geral de boa fé na formação dos contratos se desdobra em vários deveres de actuação, sabiamente enumerados pela Dra. Ana Prata (‘‘Notas sobre a responsabilidade pré contratual’’, in “Revista da Banca”, 16, Outubro/Dezembro, 1990, 75 e segs.), que são o dever de informação, os deveres de guarda e restituição, o dever de segredo, o dever de clareza, o dever de lealdade e os deveres de protecção e conservação, entre eles se destacando com interesse para a hipótese dos autos os deveres de informação, clareza e lealdade, que impõem a qualquer das partes que não ocultem uma à outra as suas respectivas intenções negociais nem os elementos no seu entender susceptíveis de conduzirem à decisão de contratar ou não, esclarecendo a contraparte do que efectivamente pretendem no tocante à celebração do contrato e não faltando aos compromissos que no decurso das negociações vão assumindo, de forma tácita ou expressa.

Por outro lado ainda, sendo certo que não se trata de questão pacífica saber se a responsabilidade pré-contratual constitui uma forma de responsabilidade contratual ou antes de responsabilidade aquiliana (para os Profs. Menezes Cordeiro e Vaz Serra e Cons. Mário de Brito, constitui responsabilidade obrigacional, ao passo que para os Profs. Mota Pinto e Almeida Costa e Dra. Ana Prata, integra responsabilidade extracontratual), entende-se que a responsabilidade pré-contratual, por não determinar desde logo a aplicação do regime próprio do contrato visado mas já poder integrar obrigações resultantes das próprias negociações e portanto já de natureza negocial e não simplesmente derivadas de um dever de conduta genérico, constitui um instituto de regime híbrido, situado a meio caminho entre aqueles, como referiu por exemplo o Acórdão deste Supremo de 4 de Abril de 2006 (www.dgsi.pt, sob o n.º 06A222), e justificativo da aplicação, em parte por analogia, e em parte, no que nomeadamente à norma constante do art.º 799º, n.º 1, do Cód. Civil, respeita, - por tal norma ser de considerar excepcional na medida em que como excepcional deve ser considerada a culpa ficcionada -, por interpretação extensiva, visto tratar-se, qualquer acordo celebrado no domínio das negociações prévias, de uma situação que nitidamente cabe no espírito daquele dispositivo (art.º 11º do Cód. Civil), das normas próprias de cada um daqueles dois outros regimes, ora de um, ora do outro, conforme a situação concreta que se verifique, neste sentido apontando também o Acórdão deste Supremo Tribunal de 18/11/04, igualmente acessível em www.dgsi.pt.

Isto é, se no decurso das negociações forem desde logo alcançados acordos de natureza contratual, embora não formalizados, justifica-se a aplicação do regime da responsabilidade contratual, nomeadamente no que à presunção de culpa se refere, ao contrário das hipóteses em que não se tenha chegado a tais acordos parcelares, se bem que o n.º 2 do art.º 227º, citado, tenha consagrado para este tipo de responsabilidade a prescrição nos termos do disposto no art.º 498º do Cód. Civil. É que a fixação da prescrição nesses termos, para além de se justificar perante a complexidade e carácter duvidoso da situação, que conduz à necessidade de uma mais rápida definição da situação jurídica, encontra-se desacompanhada de qualquer outra regulamentação do instituto, o que origina que se conclua que o legislador pretendeu a sua regulamentação de acordo com a interpretação feita com base nos princípios gerais do direito e os plasmados naquele art.º 227º.

Ora, na hipótese dos autos, comprovado que se encontra que foi a recorrente que, por intermédio do seu representante, se apresentou na obra que se encontrava a ser levada a cabo pela autora, tomando a iniciativa de lhe propor o negócio de compra e venda das duas fracções inicialmente destinadas à habitação desde que as mesmas pudessem ser licenciadas para serviços e ficassem unificadas numa só a fim de nela instalar uma clínica médica, com ela negociando a respectiva aquisição, que com a autora veio a acordar verbalmente, entregando-lhe inclusive os elementos de identificação necessários à posterior formalização do negócio, e enviando mesmo ao arquitecto um esboço de adaptação das fracções à actividade para que as pretendia adquirir, tem de se concluir que criou na autora forte expectativa e confiança na celebração definitiva do contrato, a ponto de originar um processo de alteração camarário de uso do loteamento com vista à alteração do uso das fracções inicialmente previsto, conduzindo à elaboração de um projecto de alterações ao projecto já licenciado, e à execução, pela autora, de diversas obras de alteração e de adaptação das aludidas fracções ao fim pretendido por ela recorrente.

Assim, manifesto se torna que o rompimento das negociações pela ré, que se desinteressou do negócio por força de desentendimentos quanto ao preço, em relação ao qual os factos provados não fornecem elementos de comparação para se determinar se se justificaria ou não que excedesse o de outras fracções vendidas pela autora e que, de todo o modo, não dependia do preço dessas outras fracções mas da vontade das partes, não se mostra, só por força de tais desentendimentos, justificado. A divergência quanto ao preço, a menos que fosse inultrapassável, - o que os factos provados não mostram, pelo que se ignora se, com um prolongamento das negociações, não seria possível chegar a acordo quanto a ele, e que constituiria excepção peremptória porque poderia impedir o efeito jurídico dos factos aduzidos pela autora, a provar pela ré (art.º 342º, n.º 2, do Cód. Civil), que não o fez -, não justifica só por si o rompimento, uma vez que a ré não sujeitou previamente a realização das obras de alteração e adaptação à prática de um determinado preço final máximo razoável das fracções, tendo em consequência, ao permitir a execução das obras sem alertar a autora para a sua intenção de não pretender a conclusão do negócio se viesse a ser praticado um preço acima de determinado montante, violado o dever de lealdade a que se encontrava sujeita para com ela e que lhe impunha que obstasse a que a autora tivesse de suportar as despesas e os atrasos inerentes àquela execução, em vez de se limitar a aguardar a indicação, pela autora, do preço que, após a realização das obras com vista a concretizar o negócio acordado, esta pretendia praticar, para só depois decidir celebrá-lo ou não e comunicar-lhe a sua intenção de desistir da celebração do mesmo.

Daí que seja de considerar, como as instâncias fizeram, arbitrário o rompimento das negociações pela recorrente, determinante de danos consistentes nas obras de adaptação realizadas pela autora, causadas pela confiança criada nesta pela conduta negocial daquela.

Verificam-se, pois, todos os requisitos determinantes da responsabilidade pré-contratual da ré para com a autora: o facto voluntário, consistente na criação, nesta, da expectativa ou confiança na conclusão do contrato negociado, e no rompimento das negociações; o dano, consistente no prejuízo que a autora sofreu em consequência da alteração do projecto, da execução das obras de adaptação das fracções ao fim visado pela ré e de readaptação para habitação, e do atraso na conclusão das obras; a ilicitude, traduzida na própria arbitrariedade do rompimento e violação do dever de lealdade nos termos acima indicados em infracção do disposto no citado art.º 227º; a culpa, consistente no juízo de censura e de reprovação que a demonstrada conduta negocial da recorrente merece e que, aliás, pelo acima exposto, seria de presumir face ao acordo negocial alcançado; e o nexo de causalidade entre a descrita conduta da ré e os danos sofridos pela autora. Pelo que sobre a ré recai efectivamente a obrigação de indemnizar a esta.

Suscita a recorrente, porém, uma segunda questão: a de saber quais os danos indemnizáveis, na medida em que, tendo o rompimento das negociações tido lugar em 28 de Fevereiro de 2006, não há nexo de causalidade entre a sua conduta e os danos, posteriores àquela data, ainda consistentes em obras de adaptação, mas apenas entre a sua conduta e os danos anteriormente produzidos.

Nesta parte, a recorrente tem razão, mas daí, apenas, não deriva a diminuição do montante fixado como indemnização.

Com efeito, as obras referidas no n.º 17º da descrição dos factos provados, sendo ainda de adaptação ao fim pretendido pela ré e não de readaptação ao fim inicialmente visado, já não se justificavam, pois, tendo as partes, como na sentença da 1ª instância se refere, entrado em desacordo antes dessas obras quanto a um aspecto fundamental do negócio – o preço -, não é sustentável o entendimento de que a autora continuasse a crer na conclusão do negócio e, com base nessa crença, continuasse a realizar despesas com obras de adaptação ao uso que era anteriormente pretendido pela ré mas que deixara de o ser face ao próprio rompimento das negociações. Por isso, em relação a tais obras, bem como às de readaptação por elas determinadas, já não existe nexo de causalidade: não foi a conduta da recorrente, mas uma decisão precipitada e injustificada da autora, que as originou, pelo que em relação a elas não se verifica obrigação de indemnização pela recorrente.

Mas a esse respeito a própria sentença da 1ª instância, confirmada pelo acórdão recorrido, concluiu não haver lugar a indemnização por essas obras de adaptação e de correspondente readaptação, por concorrência de culpa da autora e por inexistência de nexo causal.

Daí, porém, parte a recorrente para suscitar uma terceira questão: a da consideração de que a própria autora contribuiu, com culpa, para a produção dos danos verificados antes de 28 de Fevereiro de 2006.

Nos termos do art.º 570º, n.º 1, do Cód. Civil, “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao Tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”. E acrescenta o n.º 2 deste artigo que “se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar”.

A concluir-se pela existência de culpa da autora, o afastamento das consequências da presunção de culpa da ora recorrente, fixado neste último número, não origina, porém, a exclusão da obrigação de indemnizar, uma vez que, como acima se referiu, já se concluiu que a responsabilidade da ré se baseia não em simples presunção, a que a latere se aludiu, mas mesmo em culpa efectiva.

Entende-se, porém, que na verdade existe culpa da autora, concorrente com a da ré, na produção dos danos que sofreu. Isto porque não pode deixar de se concluir que a autora actuou com certa precipitação ao lançar-se no empreendimento das obras de adaptação sem uma prévia averiguação, que se lhe impunha a fim de informar de modo mais completo a ré sobre os elementos com relevo para as negociações, do montante das despesas e demais custos que essas obras e o atraso na conclusão do edifício iriam provocar, retirando daí as necessárias conclusões quanto ao preço a praticar e dando de tal conhecimento oportuno à ora recorrente, pelo que igualmente se tem de considerar a conduta da autora digna de censura.

Manifesto é, pois, que o facto da autora, consistente na realização das obras de adaptação sem o prévio apuramento dos respectivos e consequentes custos que acabariam por ter de sobrecarregar a ré, e sem a correspondente informação a esta, é também culposo, por digno de censura, e contribuiu para a produção dos danos indicados, justificando-se, perante a gravidade das respectivas condutas, - uma vez que dessa forma a própria autora acabou por violar o seu dever de cuidado e de informação -, e suas consequências, e à luz de um critério de equidade com base no disposto no art.º 566º, n.º 3, do Cód. Civil, a redução para metade do montante indemnizatório fixado nas instâncias.

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Pelo exposto, acorda-se em conceder em parte a revista, alterando-se o acórdão recorrido no sentido de a ré ficar condenada a pagar à autora a quantia de 5.518,76 euros, acrescida de IVA à taxa vigente em 2006 sobre a quantia de 4.547,50 euros, e de juros legais de mora desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do pedido na parte restante e confirmando o acórdão recorrido em tudo o mais.

Custas, aqui e nas instâncias, na proporção dos respectivos vencimentos.

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Supremo Tribunal de Justiça,

Lisboa, 16 de Dezembro de 2010.

Silva Salazar (Relator)*

Nuno Cameira

Sousa Leite

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* Sumário elaborado pelo relator.