Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2898/14.6TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: DECLARAÇÃO NEGOCIAL
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 05/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PRESCRIÇÃO DOS CRÉDITOS DO TRABALHADOR EMERGENTES DO CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DENÚNCIA DO CONTRATO PELO TRABALHADOR.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição (2012), 546.
- INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Manual dos Contratos em Geral, Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa, 1965, 356, citando FERRER CORREIA, Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, 162 e ss..
- JOANA VASCONCELOS, Martinez e outros, “Código do Trabalho” (anotado), 9.ª edição (2013), 845.
- MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1976, 419.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º1, 238.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): -ARTIGOS 665.º, N.ºS 1 E 2, 679.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 337.º, N.º1, 340.º, N.º1, AL. H), 400.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 27/3/2013, PROCESSO N.º 5251/03.3TTLSB.L2.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1 – O resultado interpretativo a alcançar de determinada declaração deve estar de acordo com a teoria da impressão do destinatário, ou seja, com o sentido que um declaratário normal colocado  na posição do real declaratário, podia deduzir do comportamento do declarante, á luz dos ditames da boa fé e das circunstâncias atendíveis no caso;

2 – Tendo o trabalhador enviado uma carta à empresa a denunciar o contrato a partir da data da sua recepção, posição que a empresa confirmou enviando-lhe outra carta onde lhe comunicava que não prescindia do montante referente à indemnização por inobservância do prazo de aviso prévio (60 dias), previsto para a denúncia do contrato de trabalho, por ele levada a cabo por comunicação datada de 05 de Agosto de 2013, deve entender-se que a cessação do contrato ocorreu com a recepção dessa carta do trabalhador, o que se verificou em 7 de Agosto de 2013.

3- Tendo a acção sido intentada em 31 de Julho de 2014, com citação da R em 5 de Agosto, improcede a excepção de prescrição dos créditos do trabalhador alegada pela empresa, se estes actos ocorreram ainda antes de se consumar o prazo de um ano previsto no nº 1 do artigo 337º do CT/2009.

Decisão Texto Integral:

           

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1-

 AA instaurou uma acção com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra

BB, LDA., pedindo a sua condenação no pagamento das seguintes quantias:

- € 33.826,70 (trinta e três mil oitocentos e vinte e seis euros e setenta cêntimos), a título de créditos laborais devidos e não pagos, acrescida de € 2.843,51 (dois mil oitocentos e quarenta e três euros e cinquenta e um cêntimos), a título de juros de mora vencidos à data da instauração da acção;

- € 1.900,00 (mil e novecentos euros), a título de pagamentos feitos pelo A. por conta e benefício da Ré, tudo acrescidos de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

Alegou para tanto, e em síntese, que em virtude do contrato de trabalho celebrado com a Ré, que veio a cessar por denúncia do trabalhador, cujos efeitos se produziram no dia 7 de Agosto de 2013, ficaram por pagar créditos salariais, decorrentes quer da redução unilateral e ilícita de parte da sua remuneração, quer do não pagamento de várias prestações retributivas (salários e subsídios) a partir do ano de 2012. Mais alegou que, em duas ocasiões, procedeu à transferência de € 800 e € 1.100 da sua conta pessoal para a empresa “CC, SL”, por ordem da Ré, quantia que nunca lhe foi devolvida.

A Ré contestou por excepção, invocando a prescrição do direito de que se arroga o Autor e alegando, para o efeito, que o contrato de trabalho celebrado entre as partes cessou por denúncia deste, apresentada no dia 9 de Julho de 2013, que foi nessa mesma data aceite pela Ré. E por impugnação, embora reconheça alguns valores em dívida, põe em causa o montante indicado pelo Autor como correspondendo à sua retribuição, alegando que o invocado “prémio de produção” mais não era do que o pagamento de ajudas de custo, variáveis consoante os meses. Impugnou ainda a factualidade alegada pelo Autor relativa aos períodos de férias gozados pelo mesmo e à alegada transferência de dinheiro para a empresa espanhola, denominada “CC, S.L.”

 

Foi proferido saneador que relegou, para final, o conhecimento da excepção de prescrição invocada pela R.

E realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgando procedente a excepção peremptória de prescrição dos créditos emergentes do contrato de trabalho, absolveu a R. da totalidade do pedido.

Apelou o A, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa acordado em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

Ainda inconformado, traz-nos o A a presente revista, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:

 (1) Cabe recurso de revista do Acórdão sub judice, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 671.°, n.º 3 do CPT, pois a fundamentação da decisão proferida em 1ª instância é essencialmente diferente da fundamentação seguida no Acórdão de que se recorre: ainda que conclua no sentido da prescrição dos créditos reclamados pelo Recorrente, a Relação segue um caminho totalmente diferente daquele que havia sido seguido em 1.a instância, considerando que o contrato cessou em 31/07/2013 ou 02/08/2013, quando o A. deixou de comparecer nas instalações da R, e não (como defendia a 1ª instância) em 09/07/2013, com a comunicação verbal nessa data feita pelo A.;

(2) Caso assim não se entenda (o que por mera cautela de patrocínio se equaciona sem nunca conceder), subsidiariamente deverá a presente revista ser admitida termos e para os efeitos do disposto no artigo 672, n.º1, alínea a) ou b) do CPC, pois está aqui em causa definir os requisitos exigidos para a denúncia de contrato de trabalho e o momento em que a mesma opera, o que configura questão extremamente delicada e controvertida, sendo a decisão aqui tomada transponível para múltiplas outras situações, o que por outro lado assume particular relevância social, atendendo à natureza do direito laboral e à necessidade de proteger a parte mais fraca na relação laboral - o trabalhador;

(3) Assente que está a admissibilidade da presente revista, passemos então aos respectivos fundamentos, podendo desde já adiantar-se que a cessação do contrato do Recorrente não ocorreu nem dia 9 de Julho de 2013 (com a conversa mencionada no ponto 3 dos factos provados), nem no dia "31 de Julho ou 2 de Agosto" (quando o Recorrente terá deixado de comparecer nas instalações da Recorrida, conforme ponto 13 dos factos provados), tendo apenas ocorrido em 7 de Agosto de 2013, quando foi recebida a carta referida no ponto 10 dos factos provados;

(4) Na verdade, para que se possa afirmar a existência de uma denúncia verbal é necessário que a respectiva declaração do trabalhador seja inequívoca, revelando uma intenção clara de fazer cessar o contrato de trabalho em determinada data, devendo sempre ter-se em conta todo o contexto em que a declaração é proferida e o circunstancialismo que lhe sucedeu (nesta sede veja-se por exemplo o douto acórdão do 5T J de 06-07-2005, www.dgsi,pt, no processo n," 0551171);

 (5) E revertendo ao caso sub judice, parece-nos desde logo evidente que nunca se poderia considerar (como fez a 1ª instância) que o contrato de trabalho cessou no dia 9 de Julho de 2013, pese embora o Recorrente tenha então anunciado a sua intenção de se demitir (cf. ponto 3 dos factos provados), pois a verdade é que não indicou nenhuma data em concreto e na sequência continuou a trabalhar e a deslocar-se às instalações da Recorrida (cf. pontos 6., 7. e 13. dos factos provados). Aliás, não faria qualquer sentido a desvinculação imediata e sem qualquer aviso prévio se o motivo da denúncia foi o Recorrente ter aceite uma proposta de emprego feita por uma outra sociedade, sita em Moçambique, para onde apenas teria de se mudar no princípio do mês de Agosto (cf. ponto 3 dos factos provados), estando em causa uma mera conversa informai, com vista a informar que a cessação iria suceder a breve trecho, em data a concretizar a posteriori;

 (6) Por outro lado, a cessação também não ocorreu "em 31 de Julho ou 2 de Agosto", como sustenta o Tribunal da Relação, amparando-se no ponto 13 dos factos provados: a mera circunstância de o Recorrente ter deixado de comparecer nas instalações da Recorrida não configura sequer uma declaração negocial, sendo certo que a ausência do trabalhador apenas pode configurar denúncia de contrato de trabalho nos estritos termos previstos no artigo 403.° do Código do Trabalho, ou seja, (a) quando acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não retomar o serviço ou quando se prolongue durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo de ausência; e (b) após comunicação ao trabalhador dos respectivos factos constitutivos, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida do trabalhador (cf. Ac, do TRP de 03-06-2013, in www.dgsi.pt, 362/10.1TTVRL.P1);

(7) Assim, é forçoso concluir que a extinção do contrato de trabalho apenas ocorreu em 7 de Agosto de 2013, quando foi recebida a carta referida no ponto 10 dos factos provados, na qual (aí sim) o Recorrente transmitiu, de forma clara e inequívoca, a sua intenção de fazer cessar o contrato de trabalho na data em fosse recebida essa mesma carta;

(8) De resto, não deixa de ser revelador que tenha sido justamente esse o entendimento da Recorrida, pois como avulta dos factos provados (cf. ponto 12), depois de ter recebido essa carta do Recorrente, em 7 de Agosto de 2013, respondeu-lhe que "., cumpre-nos transmitir a V. Exª que não prescindimos do montante referente à indemnização por inobservância do prazo de aviso prévio (60 dias), previsto para a denúncia do contrato de trabalho, levada a cabo por V. Ex.ª, por comunicação datada de 05 de Agosto de 2013.";

(9) Ora, tendo o contrato apenas cessado no dia 7 de Agosto de 2013, uma vez recebida a carta referida no ponto 10 dos factos provados, e tendo a presente acção sido instaurada em 31 de Julho de 2014 e a Recorrida sido citada em 5 de Agosto de 2014, o prazo de prescrição previsto no artigo 337.°, n.º 1 do Código do Trabalho não foi obviamente ultrapassado;

(10) Mas mais ainda: mesmo que se entendesse que a cessação ocorreu quando o Recorrente deixou de comparecer nas instalações da Recorrida (o que se admite por mera cautela de patrocínio, sem conceder), os créditos reclamados não se encontrariam prescritos, pois sendo certo que o Recorrente deixou de comparecer nas instalações da Recorrida em 2 de Agosto de 2013 (cf. ponto 13 dos factos provados), a verdade é que ainda lá compareceu nesse dia, como a própria Recorrida confessou no artigo 29º da contestação, referindo que "a verdade é que o último dia em que o Autor se deslocou às instalações da Ré foi o dia 2 de Agosto de 2013.";

(11) Ora, o 2 de Agosto de 2013 foi uma sexta-feira, o que equivale a dizer que o primeiro dia de ausência do Recorrente foi a segunda-feira seguinte, dia 5 de Agosto de 2013, pelo que no limite teria sido essa a data de cessação do contrato de trabalho e, assim sendo, o prazo de prescrição ter-se-ia iniciado em 6 de Agosto de 2013 e terminado em 6 de Agosto de 2014, pelo que mesmo nessa hipótese ter-se-ia tempestivamente interrompido a prescrição, atendendo a que presente acção foi instaurada em 31 de Julho de 2014 e que a Recorrida foi citada em 5 de Agosto.

Pede assim que se revogue o Acórdão recorrido e, em consequência, se ordene a sua substituição por decisão que declare que os créditos reclamados pelo Recorrente não se encontram prescritos, condenando-se a Recorrida no seu pagamento.

A R não alegou.

Por despacho do relator foi admitida a revista, por se ter entendido que houve uma fundamentação essencialmente diversa das instâncias na abordagem da questão da determinação da data em que cessou o contrato de trabalho, considerando-se assim que não ocorre dupla conforme impeditiva da revista.

E não tendo qualquer das partes reagido contra tal despacho, foram os autos à Ex.mª Procuradora Geral Adjunta que emitiu parecer no sentido da confirmação do decisão recorrida, o qual não suscitou qualquer reacção das partes.

Cumpre decidir.

2-----

            As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

1. No dia 9 de Julho de 2001, o Autor foi admitido ao serviço da Ré, tendo sido contratado, inicialmente a termo certo, para, sob as ordens, direcção e fiscalização daquela, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de “Director Financeiro”.

2. Na prática, o Autor exercia as funções de director financeiro, Técnico Oficial de Contas e director de recursos humanos da Ré.

3. No dia 9 de Julho de 2013, o Autor comunicou ao Director Geral da Ré, EE, que se demitia das suas funções, dizendo que tinha aceitado uma proposta de emprego feita por uma outra sociedade, sita em Moçambique, para onde teria de se mudar no princípio do mês de Agosto.

4. Nesse mesmo dia, o director geral da Ré contactou o Dr. DD solicitando que a empresa deste passasse a exercer, de imediato, as funções exercidas pelo Autor, o que aquele aceitou.

5. Uma vez que o Autor, no âmbito das suas funções de director financeiro, era o responsável pela contabilidade da Ré, o director geral da Ré, EE, perguntou então ao Autor se o mesmo podia auxiliar na transição das pastas para o novo contabilista, Dr. DD.

6. O Autor aceitou ir passando as pastas apenas até ao final desse mês de Julho.

7. Durante alguns dos dias seguintes, o Autor deslocou-se às instalações da Ré, de modo a auxiliar o Dr. DD na transição da contabilidade da Ré.

8. O Dr. DD de imediato começou a detectar o incumprimento de diversas obrigações fiscais, designadamente a entrega de IES e declarações periódicas de IVA e de desvios contabilísticos, factos de que deu conhecimento a EE.

9. Em finais do mês de Julho de 2013, confrontado com as discrepâncias detectadas pelo novo contabilista, o Autor referiu a EE que tinha desviado quantias monetárias, cujo valor não determinou e que queria pagar tais montantes.

10. Por carta datada do dia 5 de Agosto de 2013, enviada pelo Autor à Ré, que a recebeu no dia 7 de Agosto de 2013, aquele informou esta do seguinte: “No passado dia 9 de Julho 2013 informei a empresa, nos termos do n.º 1 do artigo 400.º do Código do Trabalho, da intenção de me demitir das funções de Director Financeiro que exerço desde Junho de 2001 na BB, Lda. Venho por esta via formalizar o pedido de demissão apresentado na referida data, que produzirá os seus efeitos na data de efectiva recepção da presente carta. Ficarei a aguardar a liquidação dos créditos laborais vencidos e vincendos por conta da execução e cessação do meu contrato de trabalho.”.

11. Na sequência da conversa referida em 9., o Autor procedeu à transferência do montante de € 46.951,83 (quarenta e seis mil novecentos e cinquenta e um euros e oitenta e três cêntimos) para a conta da Ré.

12. A Ré enviou ao Autor, que a recebeu, uma carta datada de 19 de Agosto de 2013, da qual consta, além do mais, o seguinte teor: “Serve o presente para acusar a entrada na nossa conta (…) do montante de € 46.951,83 (…), valor que aceitamos, exclusivamente, como reconhecimento de dívida e princípio de pagamento das responsabilidades que V. Exa. tem para com a nossa empresa, cujo montante global está a ser apurado (…) Por último, nos termos conjugados dos artigos 400.º e 401.º do Código do Trabalho, cumpre-nos transmitir a V. Exa. que não prescindimos do montante referente à indemnização por inobservância do prazo de aviso prévio (60 dias), previsto para a denúncia do contrato de trabalho, levada a cabo por V. Exa, por comunicação datada de 05 de Agosto de 2013.”.

13. Em data não concretamente apurada, mas situada entre finais do mês de Julho e os primeiros dois dias do mês de Agosto de 2013, o Autor deixou de comparecer nas instalações da Ré.

14. O salário base do Autor era de € 2.750,00 (dois mil setecentos e cinquenta euros).

15. Nos meses de Agosto, Setembro e Novembro do ano de 2008 e nos meses de Janeiro a Abril, Junho, Julho, Setembro, Outubro e Novembro do ano de 2009, o Autor auferiu ainda um denominado “prémio de produção”, no valor mensal de € 1.141,50 (mil cento e quarenta e um euros e cinquenta cêntimos).

16. O Autor recebia ainda mensalmente ajudas de custo, cujo valor era variável.

17. Em Dezembro de 2010, o valor mensalmente auferido pelo A. foi reduzido em € 200,00 (duzentos euros), situação que se manteve até ao final do contrato.

18. Tal redução não foi objecto de acordo escrito entre as partes, nem foi comunicada à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) nem por esta autorizada.

19. Era o Autor quem era o responsável pelo processamento dos salários e pela comunicação dos vencimentos à Segurança Social.

20. Em 2012, não foi pago ao Autor o valor do subsídio de férias referente ao ano civil de 2011, vencido no dia 1/01/2012.

21. Também no ano de 2012, não foi paga ao Autor a retribuição dos meses de Março, Abril e Outubro, nem o subsídio de Natal.

22. Em 2013, não foi pago ao Autor o valor do subsídio de férias referente ao ano civil de 2012, vencido no dia 1/01/2013, nem a retribuição do mês de Julho.

23. O Autor gozou vinte e dois dias de férias no ano de 2012.

24. No ano de 2013, o Autor gozou, pelo menos, uma semana de férias no mês de Junho, data em que foi para Moçambique.

25. No mesmo ano de 2013, o Autor gozou férias nos seguintes dias: 26 de Abril, 18 a 22 de Março e 11 de Fevereiro.

26. No dia 16/05/2011, o Autor transferiu a quantia de € 800,00 (oitocentos euros), da sua conta pessoal junto do Banco Santander para a empresa CC, S.L..

27. No dia 17/05/2011, o Autor transferiu a quantia de € 1.100,00 (mil e cem euros) da sua conta pessoal junto do Banco Santander para a empresa CC, S.L..

28. O director geral da Ré era quem, em representação e no interesse da empresa, exercia as funções de gestão e era o responsável pela actividade por esta desenvolvida.

29. Foi o Autor quem, alegando existirem dificuldades financeiras da empresa, propôs ao director geral da Ré, EE, a redução dos salários, quem determinou o montante concreto da redução e a que trabalhadores se iria aplicar, o que o director geral da Ré aceitou.

30. A acção foi proposta em 31/7/2014, tendo a R. sido citada no dia 5/8/2014 (Aditado pela Relação).

3---

E decidindo:

 

A questão que se discute na revista prende-se com a determinação da data da cessação do contrato de trabalho operada pelo trabalhador ora recorrente, pois tendo a R invocado a prescrição dos créditos reclamados pelo trabalhador, estes prescrevem decorrido um ano contado da data em que o contrato cessou, conforme determina o artigo 337º, nº 1 do CT.

A 1ª instância considerou       procedente a invocada excepção por ter considerado que o contrato de trabalho cessou por denúncia verbal do trabalhador operada em 9/7/2013, pois tendo a acção sido ajuizada em 31/7/2014, e tendo a R. sido citada no dia 5/8/2014, já havia sido ultrapassado o mencionado prazo de um ano.

Por seu turno, o acórdão recorrido entendeu que, perante os factos consignados sob os nºs 5 e 6, donde resulta que, face ao pedido do Director-Geral da R. para que o A. auxiliasse na transição das pastas para o novo contabilista, pedido a que o mesmo acedeu até ao final do mês de Julho de 2014, se tem de considerar o A. acabou por dar um pré-aviso até final de Julho, sendo esse o momento a considerar para a cessação do contrato. E nesta linha julgou também procedente a excepção de prescrição dos créditos reclamados pelo A, com a consequente absolvição da R do pedido.

           

É contra tal decisão que reage o A na revista, sustentando que a cessação do contrato ocorreu com a carta datada do dia 5 de Agosto de 2013, recebida pela R no dia 7 de Agosto de 2013, e onde aquele a informava do seguinte:

No passado dia 9 de Julho 2013 informei a empresa, nos termos do n.º 1 do artigo 400.º do Código do Trabalho, da intenção de me demitir das funções de Director Financeiro que exerço desde Junho de 2001 na BB, Lda. Venho por esta via formalizar o pedido de demissão apresentado na referida data, que produzirá os seus efeitos na data de efectiva recepção da presente carta. Ficarei a aguardar a liquidação dos créditos laborais vencidos e vincendos por conta da execução e cessação do meu contrato de trabalho.”.

 

            Colocando-se a questão a decidir nos termos descritos, vejamos se o A tem razão.

 

3.1----

Uma das modalidades previstas para a cessação do contrato de trabalho é a denúncia pelo trabalhador, conforme se consagra no nº 1 do artigo art. 340º, al. h) do CT/2009, que é o aplicável.

E nesta linha, este pode pôr termo ao contrato, independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 ou 60 dias, consoante se trate, respectivamente, de trabalhador com antiguidade até dois anos ou mais, conforme prevê o artigo 400º, nº 1 do mesmo compêndio legal.

Por outro lado, a falta de observância da forma escrita na comunicação de denúncia não gera a sua invalidade, antes dificultando ao trabalhador a prova da sua vontade extintiva.[1]

Por isso, e conforme se conclui no acórdão revidendo, a exigência de documento escrito não constitui uma formalidade ad substantiam, mas tão só ad probationem, pelo que a denúncia do contrato feita apenas oralmente não deixa de ser eficaz.

Tem no entanto de se tratar duma declaração de vontade do trabalhador que seja inequívoca, nomeadamente quanto à vontade do trabalhador fazer extinguir o contrato e quanto à data em que a tal extinção opera.

Efectivamente, a declaração de vontade há-de ser interpretado de acordo com os princípios que emergem do artigo 236º, n.º 1 do Código Civil, donde resulta que a declaração de vontade vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

Por outro lado, prescreve o n.º 1 do artigo 238.º do mesmo compêndio legal que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento ainda que imperfeitamente expresso.

Por isso, o sentido da norma decorrente do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil é o de que a interpretação da declaração negocial deve, em princípio, fazer-se de acordo com chamada pela teoria da impressão do destinatário, que preconiza que a interpretação deve ser entendida não com um sentido subjectivo, obtido pela indagação da verdadeira intenção do declarante, mas antes com um sentido objectivo, que decorre do sentido que lhe atribuiria um declaratário razoável colocado na posição concreta do declaratário efectivo.

Assim se entendeu no acórdão deste Supremo Tribunal de 27/3/2013, processo n.º 5251/03.3TTLSB.L2.S1 (Leones Dantas)[2], e que estamos a seguir, de cuja doutrina se conclui que o resultado interpretativo a alcançar de determinada declaração deve estar de acordo com a teoria da impressão do destinatário, ou seja, com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, podia deduzir do comportamento do declarante, á luz dos ditames da boa fé e das circunstâncias atendíveis no caso.

Deste modo a declaração deve interpretar-se – objectivamente – como a interpretaria uma pessoa de qualidades médias, colocada na real situação em que se encontrava aquele a quem a declaração foi feita[3].

Por outro lado, e conforme explica MOTA PINTO, a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário lhe atribuiria, devendo considerar-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomar-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz teria conhecido e figurando-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável[4].

Postas estas considerações vejamos então o que resulta da matéria de facto.

3.2----

No dia 9 de Julho de 2013, o Autor comunicou ao Director Geral da Ré, EE, que se demitia das suas funções, dizendo que tinha aceitado uma proposta de emprego feita por uma outra sociedade, sita em Moçambique, para onde teria de se mudar no princípio do mês de Agosto.

Nesse mesmo dia, aquele director geral da Ré contactou o Dr. DD solicitando que a empresa deste passasse a exercer, de imediato, as funções exercidas pelo Autor, o que aquele aceitou.

E uma vez que o Autor, no âmbito das suas funções de director financeiro, era o responsável pela contabilidade da Ré, o director geral da Ré, EE, perguntou-lhe se o mesmo podia auxiliar na transição das pastas para o novo contabilista, o mencionado Dr. DD.

O A aceitou ir passando as pastas até ao final desse mês de Julho, deslocando-se durante alguns dos dias seguintes às instalações da Ré, de modo a auxiliar o Dr. DD na transição da contabilidade da Ré.

 

E por carta datada do dia 5 de Agosto de 2013, enviada pelo Autor à Ré, que a recebeu no dia 7 de Agosto de 2013, aquele informou esta do seguinte:

No passado dia 9 de Julho 2013 informei a empresa, nos termos do n.º 1 do artigo 400.º do Código do Trabalho, da intenção de me demitir das funções de Director Financeiro que exerço desde Junho de 2001 na BB, Lda. Venho por esta via formalizar o pedido de demissão apresentado na referida data, que produzirá os seus efeitos na data de efectiva recepção da presente carta. Ficarei a aguardar a liquidação dos créditos laborais vencidos e vincendos por conta da execução e cessação do meu contrato de trabalho.”

Em data não concretamente apurada, mas situada entre finais do mês de Julho e os primeiros dois dias do mês de Agosto de 2013, o Autor deixou de comparecer nas instalações da Ré.

            A Ré enviou ao Autor, que a recebeu, uma carta datada de 19 de Agosto de 2013, da qual consta, além do mais, o seguinte teor:

Serve o presente para acusar a entrada na nossa conta (…) do montante de € 46.951,83 (…), valor que aceitamos, exclusivamente, como reconhecimento de dívida e princípio de pagamento das responsabilidades que V. Exa. tem para com a nossa empresa, cujo montante global está a ser apurado (…)

Por último, nos termos conjugados dos artigos 400.º e 401.º do Código do Trabalho, cumpre-nos transmitir a V. Exa. que não prescindimos do montante referente à indemnização por inobservância do prazo de aviso prévio (60 dias), previsto para a denúncia do contrato de trabalho, levada a cabo por V. Exa, por comunicação datada de 05 de Agosto de 2013.”.

Como interpretar esta actuação do trabalhador quanto à data da cessação do contrato de trabalho?

Quanto a nós, e neste ponto estamos com a Relação, a denúncia do contrato não se operou em 13 de Julho de 2013, pois o A continuou a prestar serviço à R, auxiliando o novo contabilista na transição das pastas.

Mas já não acompanhamos a Relação quando concluiu que a denúncia do contrato ocorreu no final de Julho de 2013.

Efectivamente e como dissemos, devendo a denúncia advir duma declaração de vontade inequívoca, não colhemos da factualidade provada nada donde resulte que a mesma ocorreu no final de Julho.

Na verdade, é certo que o trabalhador se comprometeu a apoiar o novo contabilista até final do mês.

Mas nada se tendo apurado que confirmasse esta sua vontade, não podemos aderir a esta posição da Relação, pois doutra forma não se compreende a carta que o recorrente mandou à R em dia 5 de Agosto de 2013, e por esta recebida no dia 7 do mesmo mês, e onde este, formalizando o seu pedido de demissão da empresa, declara inequivocamente que o mesmo produzirá os seus efeitos na data de efectiva recepção daquela carta.

Aliás, foi com este sentido que a R interpretou a declaração de vontade do trabalhador, tanto mais que lhe respondeu, através da carta de 19 de Agosto de 2013, referindo que não prescindia do montante referente à indemnização por inobservância do prazo de aviso prévio (60 dias), previsto para a denúncia do contrato de trabalho, levada a cabo pela comunicação datada de 05 de Agosto de 2013.

Ou seja, foi a própria R quem considerou que a denúncia do contrato só se havia operado com a comunicação do trabalhador de 5 de Agosto de 2013.

Por isso, e aplicando os supramencionados princípios respeitantes à interpretação da declaração de vontade, à luz dos ditames da boa fé e das circunstâncias atendíveis no caso, não podemos deixar de considerar que a cessação do contrato ocorre com a recepção da carta do trabalhador de 5 de Agosto de 2013, e recebida pela empresa em 7 do mesmo mês.

Doutra forma, estaríamos a pôr em causa uma situação de confiança criada no trabalhador, alicerçada no teor da carta que a empresa lhe enviou a 19 de Agosto e onde esta lhe comunicou, inequivocamente, que considerava que o contrato só foi denunciado a 7 deste mês.

Pelo exposto, tendo o contrato cessado nesta data (7 de Agosto de 2013), e tendo a acção sido ajuizada em 31/7/2014, com citação da R no dia 5/8/2014, temos de concluir que foi proposta antes de se consumar o prazo de um ano previsto no artigo 337º do CT.

Por isso, e procedendo o recurso, é de revogar o acórdão recorrido, devendo no entanto os autos voltar à Relação para conhecer das demais questões que eram postas na apelação, pois a regra da substituição àquele Tribunal, constante dos nº s 1 e 2 do artigo 665º do CPC, não é aplicável à revista, conforme estabelece o artigo 679º do mesmo compêndio legal.

4---

            Termos em que se acorda em julgar procedente o recurso, pelo que, e revogando-se o acórdão recorrido, se ordena que os autos voltem à Relação para conhecer dos créditos reclamados pelo Recorrente.

            As custas da revista ficam a cargo da R.

           

                        Anexa-se sumário do acórdão


Lisboa, 12 de Maio de 2016

Gonçalves Rocha (Relator)

Ana Luísa Geraldes

Ribeiro Cardoso        


_______________________________________________________
[1] Neste sentido Joana Vasconcelos, Código do Trabalho (anotado), Martinez e outros, pgª 845, 9ª edição (2013); e Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, pgª 546, 3ª edição (2012), onde sustenta que a cominação de nulidade por inobservância da forma resultante do artigo 220º do CC não se aplica aqui, produzindo a denúncia não escrita a cessação da relação laboral.

[2] Acessível em www.stj.pt

[3] INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Manual dos Contratos em Geral, Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa, 1965, p. 356, citando FERRER CORREIA, Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, pags. 162 e segs.

[4] Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1976, p. 419.