Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
| Descritores: | FALÊNCIA GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS CONTRATO-PROMESSA | ||
| Nº do Documento: | SJ200609190023351 | ||
| Data do Acordão: | 09/19/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Sumário : | 1) A primeira parte do nº1 do artigo 164º A do CPEREF reporta-se à extinção dos contratos promessa com eficácia meramente obrigacional ainda não cumpridos mas sem que, ao tempo da falência, se verifique uma situação de incumprimento definitivo. 2) Nele se incluem as situações de mora, ainda não convertida em incumprimento, por não ter havido interpelação admonitória translativa e consequente decurso do novo prazo (fatal) fixado. 3) A falência gera uma situação de impossibilidade objectiva e superveniente de cumprimento por parte do promitente vendedor falido, a quem essa impossibilidade é imputável por se ter colocado em situação que não lhe permite satisfazer pontualmente as suas obrigações. 4) Tendo o falido recebido o sinal a massa fica devedora do seu dobro. 5) A alínea f) do nº1 do artigo 755º do Código Civil garante o direito de retenção – direito de garantia “erga omnes” e atendível no concurso de credores – ao promitente-comprador que obteve a tradição da coisa, pelo crédito do dobro do sinal prestado, direito que prevalece sobre hipoteca ainda que anteriormente registada. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O “Banco...........”,SA com sede em Lisboa, requereu, no Tribunal de Comércio de Lisboa, a falência de AA. A falência foi decretada em 20 de Fevereiro de 2002, sendo reclamados os créditos. Em 15 de Março de 2004 foi proferida a sentença de verificação e graduação de créditos,e na parte que aqui releva, sob a forma seguinte: “A) Sobre o produto da venda da fracção designada pela letra ......correspondente ao apartamento ....., do..... andar do prédio urbano situado no......., nº.... a......, freguesia do Campo Grande, concelho de Lisboa: 1º - AA e outro: € 798.076,63; 2º - Banco ..........SA: €5.007.28,45; 3º - Na mesma posição, rateadamente, todos os restantes credores.” Por inconformado, apelou o “Banco............, SA”. A Relação de Lisboa deu provimento ao recurso e graduou nos termos seguintes: “1º- Banco............., SA: €500 728,45; 2º- Na mesma posição, rateadamente, todos os restantes credores.” A data da falência foi fixada em 10 de Setembro de 2000. AA e BB pedem revista. E concluem as suas alegações: 1) O contrato-promessa foi incumprido pela promitente-vendedora de modo objectivo e reiterado; 2) Desde logo, incumprido através do incumprimento de todas as prestações do crédito hipotecário subsequentes ao contrato-promessa, uma vez que estava obrigada a vender livre de ónus e encargos; 3) Incumprido por ter dado azo à execução e penhora do andar dos autos, retirando-o do comércio jurídico, ex vi do artigo 819º do C.Civil, e impossibilitando a realização do contrato prometido; 4) Incumprido por nunca ter informado os promitentes-compradores da situação de facto que gerara que é um exercício de pura má fé; 5) Incumprido ainda por não ter expurgado o andar prometido nem até 31 de Maio de 2001, nem nunca, antes tudo fazendo para o mesmo ser executado e penhorado, como sucedeu; 6) Confessadamente incumprido ao não contestar que a reclamação de créditos deduzida na acção executiva, quer a acção declarativa de resolução do contrato-promessa; 7) Tendo todos os factos anteriores ocorrido até à decretação da falência; 8) O contrato-promessa se ter por incumprido através da própria declaração de falência em Fevereiro de 2002, que, em si mesmo, é um incumprimento incumprimento imputável à falida, no caso, à promitente-vendedora – cf., para todas as conclusões, texto, Ponto nº2; 9) O incumprimento do contrato-promessa imputável à promitente-vendedora que é, no caso, manifesto, não é porém necessário à existência do direito de retenção; Na verdade, 10) O direito de retenção nasce com a traditio rei, que, no caso, ocorreu a 30 de Junho de 1999 – data do contrato de promessa – e que se mantém até aos dias de hoje; 11) O direito de retenção é um direito real de garantia, não carecendo de crédito vencido, nem carecendo de crédito líquido, sendo uma verdadeira “garantia de obrigação futura determinável”. 12) No caso, os recorrentes em momento algum renunciaram ao direito de retenção, nem de modo expresso, nem de modo tácito, tanto mais que a casa dos autos constitui desde meados de 1999 a sua casa de morada de família – o que o aresto recorrido aceita como verdadeiro, nunca ninguém impugnou, nem sequer o Banco.......; 13) Estão assim plenamente verificados os pressupostos da existência do direito de retenção que nasce com a traditio ocorrida em 1999; 14) O recurso interposto pelo Banco........ para o Tribunal da Relação de Lisboa tendo por objecto a decisão de “verificação e graduação de créditos” é um manifesto abuso de direito uma vez que não impugnou a reclamação de créditos deduzida pelos recorrentes, o que inclui o reconhecimento da garantia de direito de retenção – cf., para todas as conclusões, texto, Ponto nº3; 15) Ao contrário do constante no aresto recorrido, nada resulta da letra da lei do artigo 164º A do CPEREF em matéria de perda de garantias para a contraparte do falido; 16) Desde logo, porque o direito de retenção se mantém apesar da falência, o que é orientação jurisprudencial pacífica; 17) Depois, porque o regime do artigo 164º A do CPEREF equipara a falência ao incumprimento do contrato-promessa imputável ao falido ao distribuir, de acordo com as regras típicas do contrato-promessa, a retenção do sinal ou a devolução em dobro consoante seja falido o promitente-comprador ou a promitente-vendedora, como é o caso dos autos; 18) Por fim, a interpretação sufragada pela Dr.ª CC trata de modo diferenciado a contraparte de um falido da contraparte de um não falido, o que contraria a equivalência de regimes gerais; 19) O que, aliás, resulta da interpretação teleológica “inadmissível” e “inaceitável” de constituir um “alivio para a massa falida”. 20) Não há suporte para a interpretação constante do aresto recorrido na obra citada dos Profs. Carvalho Fernandes e João Labareda, que não tratam do exemplo dos autos: contrato promessa em que se verificou a traditio rei; 21) A interpretação do artigo 164º A do CPEREF constante no aresto recorrido, corresponde a uma verdadeira inconstitucionalidade por desrespeito aos artigos 2º e 20º da CRP, o que desde já se alega – cf., para todas as conclusões, texto, Ponto nº4; Consequentemente, 22) O aresto recorrido é ilegal por violação expressa do disposto nos artigos 442º nº3, 755º nº1, alínea f), 757º, 759º nº2, 819º e 334º, todos do Código Civil e 164º A e 200º do CPEREF, e ainda artigos 2º e 20º da CRP. Juntaram douto, e muito bem elaborado, parecer. Contra-alegou o Banco recorrido para defender a manutenção do julgado. As instâncias deram por assentes os seguintes factos, com relevo para a decisão: 1) O Banco........SA, reclamou o pagamento da quantia de €500.728,45 relativos a um empréstimo concedido à falida e não reembolsado na sua totalidade e juros; 2) No dia 30 de Novembro de 1998 a falida e o Banco....., SA celebraram um contrato, por escritura pública, no qual a primeira declarou confessar-se devedora à segunda da quantia de oitenta e um milhões de escudos, respeitante ao mútuo referido na alínea anterior; 3) Mais declararam constituir a favor do banco uma hipoteca sobre a fracção designada pela letra “.....”, correspondente ao apartamento..... , no ...... andar do prédio urbano sito no....., nº...... a..... da freguesia do Campo Grande – concelho de Lisboa, pedida a sua inscrição na matriz em 4 de Junho de 1997 e descrito na 2ª Conservatória de Registo Predial de Lisboa sob o nº ....., destinada a garantir o pagamento da quantia referida em 3), respectivos juros e despesas no montante máximo de cento e oitenta milhões setecentos e dez mil e cem escudos; 4) A hipoteca referida no nº anterior encontra-se inscrita na 2ª Conservatória de Registo Predial de Lisboa sob a inscrição..............; 5) No dia 30 de Junho de 1999 a falida, AA e BB , celebraram um acordo que denominaram de “Contrato de Promessa de Compra e Venda” no qual a primeira prometeu vender aos segundos, livre de ónus ou encargos, a fracção identificada no ponto nº3 pelo preço de 120.000.000$00 e os segundos prometeram comprar a mesma; 6) Declararam ainda as partes que a escritura seria outorgada até 30 de Junho de 2001, em dia, hora e local a fixar pelos promitentes-compradores; 7) Mais declarou a falida que sobre a fracção impendia a hipoteca referida e que se obrigava a expurgá-la integralmente ou até ao valor em divida até um mês antes da celebração da escritura pública; 8)AA e BB entregaram à falida, a título de sinal, a quantia de 80.000.000$00; 9) E falida entregou-lhe a chave da fracção, que estes passaram a usar em data não apurada do ano de 1999; 10)AA e outro e outro (BB) reclamaram o pagamento da quantia de € 798.076,63 relativos ao dobro do sinal entregue à falida e referido no ponto nº8; 11) AA e BB deduziram embargos de terceiros na acção executiva intentada pelo Banco......., SA contra a falida e na qual foi penhorada a fracção referida no ponto nº3; 12) AA e BB intentaram em 9 de Julho de 2001, uma acção declarativa de condenação contra a falida e outros, na qual pedem que seja declarado que são titulares de um direito de retenção sobre a fracção em causa; 13) Na presente acção foi apreendida a fracção; 14) A declaração de falência de DD foi requerida em 10 de Setembro de 2000. 15) Por sentença de 20 de Fevereiro de 2002 e transitada em julgado foi declarada a falência da requerida DD. Foram colhidos os vistos. Trata-se, nuclearmente, de decidir se o crédito dos recorrentes é privilegiado e consequentemente, graduado como tal ou se trata de mero crédito comum. Conhecendo, 1- Incumprimento do contrato promessa. 2- Direito de retenção. 3- Contrato promessa e falência. 4- Conclusões. 1- Incumprimento do contrato-promessa. Reportando-nos, por ser o que aqui releva, ao incumprimento unilateral do contrato-promessa, perfilam-se, como causais, a mora (mero incumprimento parcial mas convertível em incumprimento decorrido o prazo fixado em interpelação admonitória), a recusa categórica de cumprir, a impossibilidade imputável de cumprimento, a perda de interesse na prestação e o termo essencial. A recusa do cumprimento (ou “rifuto di adimpiere”) traduz o incumprimento “ipso facto” desde que se contenha em declaração “absoluta e inequívoca” de “repudiar o contrato” (cf. Prof. Brandão Proença in “Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral”, Coimbra, 1996, 87 e o Acórdão do STJ de 7 de Março de 1991 – BMJ – 405-456). Já o termo essencial pressupõe um acordo expresso, aquando da celebração do contrato, sendo, contudo, que a essencialidade pode ainda resultar da natureza ou modalidade da prestação gerando as situações previstas no artigo 808º do Código Civil (equiparadas a incumprimento definitivo; cf. o Acórdão do STJ de 2 de Maio de 1985 – BMJ 347-375). Na cláusula resolutiva expressa as partes convencionaram “o direito de resolver o contrato quando certa e determinada obrigação não seja cumprida conforme o estipulado contratualmente, incluindo o prazo (cf. Prof. Calvão da Silva, apud “Sinal e Contrato-Promessa”, 95). “In casu” foi fixado um prazo para a outorga do contrato prometido. É o estabelecimento de condição temporal conducente ao vencimento da obrigação. Mas não resulta da matéria de facto tratar-se de “termo essencial” ou “prazo fatal”. Então, o simples retardamento não gera só por si uma situação de incumprimento, mas, e apenas, de mora. O credor tem sempre o direito de impor o cumprimento da obrigação e a indemnização pelos danos causados (então, nos termos do artigo 804º do Código Civil) mas só após interpelação, com fixação de prazo certo de natureza peremptória e não acatado é que poderá apelar para o regime do nº2 do artigo 442º do Código Civil. A interpelação admonitória é, na expressão do Prof. Antunes Varela (RLJ – 128-138) “uma ponte obrigatória de passagem para o não cumprimento (definitivo) da obrigação. (cf. ainda, o Prof. Galvão Telles – “O Direito” 120, 587). E esta situação não ocorreu no caso em apreço. Ademais, o Prof. Baptista Machado considera nula a cláusula que confere o direito de resolução como efeito da não realização da prestação dentro do novo prazo estabelecido. Fundamenta esta asserção por tal cláusula assegurar “ao credor uma posição de privilégio pois, por força dela, poderia ainda exigir o cumprimento depois do prazo, ao passo que o devedor, decorrido este, já não poderia purgar a mora” (in “Pressupostos da resolução por incumprimento”, BFDC, 1979, 43). Resta apurar se houve incumprimento por outra causa, perfilando-se uma situação de impossibilidade da prestação. Impossibilidade absoluta, superveniente e objectiva. Até à declaração de falência ocorria apenas uma situação de mora ainda não travestida em incumprimento. Com a declaração de falência da promitente vendedora a prestação tornou-se impossível. A apreensão dos bens no processo de falência, a privação imediata do falido da sua administração e poder de disposição dos bens que passam a integrar a massa falida, geram uma situação de indisponibilidade impossibilitando a celebração do contrato prometido pelo promitente vendedor falido. O artigo 164º A do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência impõe a imediata extinção dos contratos-promessa com eficácia meramente obrigacional, ainda não cumpridos. Ora essa extinção é, sem qualquer dúvida imputável ao falido que se colocou em situação de não poder satisfazer pontualmente as suas obrigações. Mas ainda que assim não se entendesse, sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa, “ex vi” do disposto no artigo 799º nº 1 do Código Civil. Adiante melhor se detalhará este ponto. 2- Direito de retenção. Na busca de uma definição do conceito, e na linha do artigo 754º do Código Civil, o Prof. Antunes Varela dizia ser de retenção o “direito conferido ao credor, que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores.” (in “Das obrigações em Geral”, II, 7ª Ed., 579). A recusa de entrega ao dono é legitimada se o crédito do recusante tiver resultado de despesas feitas por causa (ou de danos causados pela) da coisa. Trata-se de um direito real de garantia em consequência do qual o credor tem o direito de reter a coisa possuída por o legislador, muitas vezes sem privilegiar a natureza da obrigação, conectar o crédito à coisa. Como se julgou no Acórdão do STJ de 4 de Outubro de 2005 – 05 A2158 – “desde que o credor tenha um crédito relacionado, nos termos legalmente previstos, com a coisa retida, reconhece-se-lhe o direito de garantia, válido erga omnes e atendível no concurso de credores. Com efeito, o retentor não pode opor-se à execução, singular ou universal, movida por outros credores, mas é-lhe assegurada a posição preferencial que legitima a recusa em abrir mão da coisa até ao pagamento do seu crédito, faculdade que não desaparece pela acidental circunstância de o devedor se tornar insolvente e/ou haver um processo de falência.” E cita em abono deste entendimento os Profs. Calvão da Silva (“Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 339) e Vaz Serra (“Direito de Retenção”, BMJ 65-103). A alínea f) do nº1 do artigo 755º do Código Civil garante o direito de retenção ao beneficiário do contrato-promessa que obteve a tradição da coisa prometida, retenção que sobre ela incide, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável ao outro promitente, nos termos do artigo 442º. Pressupostos desta retenção são a tradição da coisa objecto do contrato-promessa e o incumprimento por parte do promitente alienante dessa coisa, tendo sido passada qualquer quantia a título de sinal. Trata-se de um direito “ope legis”, que não precisa de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar, o que acontece automaticamente com oferta de protecção jurídica ao credor enquanto este não vir satisfeito o seu crédito. (cf., vg, os Acórdãos do STJ de 10 de Fevereiro de 2000 – CJ. /STJ VIII-I-82 e de 24 de Abril de 2002 – 02B1136). Concluímos, acima, que ocorreu incumprimento definitivo e que o mesmo é imputável à falida. Outrossim, é certo ter havido tradição da fracção autónoma. Para além do pagamento pelos recorrentes de substancial parte do preço imputável a título de sinal (preço acordado de 120 000 000$00; entrega, aquando da celebração do contrato de 80.000 000$00) os promitentes vendedores entregaram ainda uma garantia bancária de 40.000 000$00 para assegurar o pagamento da restante parte do preço (cláusula 7ª do contrato-promessa). Em consequência (ou na sequência) os recorrentes receberam a chave passando a ocupar a fracção. O preço achava-se quase totalmente pago e o remanescente não pago estava garantido por uma entidade bancária, sendo estes factos de relevo bastante para, logicamente, concluir pela presença de “corpus” e “animus” na “traditio”. A propósito, reflecte o Prof. Vaz Serra: “o promitente-comprador, que toma conta do prédio e nele pratica actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade, sem que o faça por mera tolerância do promitente vendedor, não procede com intenção de agir em nome do promitente vendedor, mas com a de agir em seu próprio nome; não existe entre ele e o promitente vendedor um negócio jurídico (titulo) que revele a sua qualidade de mero detentor ou possuidor em nome do promitente vendedor, a ponto de os actos que pratique na coisa deverem ser havidos como praticados por um simples possuidor em nome de outrem (…) nesse caso deve gozar dos benefícios que a lei reconhece ao possuidor.” (RLJ – 109º, 347-348). Do contrato-promessa com “traditio” resulta um “direito real aparente” e não apenas o direito de utilização da coisa. Aqui chegados, resta conjugar a alínea f) do nº1 do artigo 755º do Código Civil com o artigo 164º A do CPEREF, em termos de apurar da existência deste último pressuposto do direito de retenção – pressuposto especifico, presentes que estão, os pressupostos gerais acima elencados. 3- Contrato-promessa e falência. 3.1- O nº1 do artigo 164º A do CPEREF dispõe que contrato promessa, com eficácia meramente obrigacional “que se encontre por cumprir à data da declaração de falência extingue-se com esta, com perda do sinal entregue ou restituição em dobro do sinal recebido, como divida da massa falida consoante os casos.” A segunda parte deste preceito admite “a possibilidade de o liquidatário judicial, ouvida a comissão de credores, optar pela conclusão do contrato prometido, ou requerer a execução específica da promessa, se o contrato o permitir.” Antes do mais, dir-se-á que a referencia ao contrato “por cumprir” significa o contrato a aguardar cumprimento (incluindo em situação de mora não convertida) que não àquele já fulminado com incumprimento definitivo. Só assim se compreende a segunda parte citada (possibilidade de o liquidatário optar pela conclusão ou pela execução especifica) uma vez que perante uma situação de incumprimento fatal não se pode falar em “conclusão do contrato” ou na sua”execução específica”. E mau grado dúvidas que possam surgir sobre este último ponto, continuamos a entender que o apelo à execução específica pressupõe um atraso no cumprimento (mera mora ou recusa transitória de cumprir) e que o credor lança mão desse meio para evitar o incumprimento definitivo, já que só naqueles casos é possível a execução retardada. Sempre que haja incumprimento definitivo (demonstrada a perda de interesse do credor) não há lugar a execução específica mas sim à resolução do contrato com a indemnização compensatória a que se refere o artigo 442º CC (cfr.,inter alia, o Ac. STJ de 4/2/92 BMJ 414-448). Assim, o legislador quis regular a situação dos contratos-promessa “pendentes” de cumprimento aquando da sentença falimentar. E determinou a sua extinção com ressalva do poder discricionário do liquidatário judicial, consultada a comissão de credores, de concluir (ou executar) o contrato prometido. A extinção “ope legis” tem como consequência o apelo ao regime do sinal e, tratando-se de contrato erecto, por ainda não definitivamente incumprido, há que apurar quem vem a ser o responsável pelo não cumprimento futuro. E este só pode ser o promitente falido pois, como atrás se disse, foi ele que colocando-se em situação de falência, impossibilitou a outorga do contrato prometido criando a situação permissiva da extinção da promessa. Daí, sendo o falido o promitente vendedor, que tenha recebido o sinal, a massa fica devedora do seu dobro; sendo o falido o promitente-comprador, que tenha passado o sinal, o mesmo é perdido. O regime do sinal a penalizar o promitente não falido só releva na situação em que o liquidatário optar pela conclusão do contrato prometido e aquele se colocar em situação de incumprimento. 3.2- Aqui chegados, e verificada a existência do crédito dos recorrentes equivalente ao dobro do sinal prestado e tendo havido tradição da coisa prometida vender, o mesmo é privilegiado prevalecendo sobre o crédito hipotecário do recorrido, “ex vi” do nº2 do artigo 759º do Código Civil. Procedem, em consequência, as conclusões dos recorrentes. 4- Conclusões. Pode concluir-se que: a) A primeira parte do nº1 do artigo 164º A do CPEREF reporta-se à extinção dos contratos promessa com eficácia meramente obrigacional ainda não cumpridos mas sem que, ao tempo da falência, se verifique uma situação de incumprimento definitivo. b) Nele se incluem as situações de mora, ainda não convertida em incumprimento, por não ter havido interpelação admonitória translativa e consequente decurso do novo prazo (fatal) fixado. c)A falência gera uma situação de impossibilidade objectiva e superveniente de cumprimento por parte do promitente vendedor falido, a quem essa impossibilidade é imputável por se ter colocado em situação que não lhe permite satisfazer pontualmente as suas obrigações. d)Tendo o falido recebido o sinal a massa fica devedora do seu dobro. e)A alínea f) do nº1 do artigo 755º do Código Civil garante o direito de retenção – direito de garantia “erga omnes” e atendível no concurso de credores – ao promitente-comprador que obteve a tradição da coisa, pelo crédito do dobro do sinal prestado, direito que prevalece sobre hipoteca ainda que anteriormente registada. Nos termos expostos, acordam conceder a revista,revogando o Acórdão recorrido e prevalecendo a sentença da 1ª Instância. Custas a cargo do recorrido. Lisboa, 19 de Setembro de 2006 Sebastião Póvoas Moreira Alves Alves Velho |