Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||||
Relator: | LEONOR CRUZ RODRIGUES | ||||
Descritores: | RECURSO RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA REVISTA EXCEPCIONAL ADMISSIBILIDADE VALOR DA CAUSA INCONSTITUCIONALIDADE | ||||
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Data do Acordão: | 07/14/2021 | ||||
Votação: | UNANIMIDADE | ||||
Texto Integral: | S | ||||
Privacidade: | 1 | ||||
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Meio Processual: | REVISTA | ||||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO. | ||||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||||
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Sumário : |
I- Segundo jurisprudência pacífica deste STJ “o recurso de revista excepcional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista criado pelo legislador, na reforma operada ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seria admissível em face da dupla conformidade de julgados, nos termos do artº 671º, nº 3, do CPC, e desde que se verifique um dos requisitos consagrados no artº 672º, nº 1, do mesmo Código. Por conseguinte a sua admissibilidade está igualmente dependente da verificação das condições gerais de admissão do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, enunciados pelo nº 1, do artº 629º, do CPC”. II- O fundamento especial de recorribilidade previsto na alínea d) do nº 2 do artº 629º do CPC, de que do acórdão recorrido “ … não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal” só se verifica nos casos em que o recurso ordinário seria admissível em função da alçada e da sucumbência, se não existisse motivo a estas estranho. III- O regime instituído no artº 629º, nº 2, d) do CPC não se basta com uma mera contradição entre acórdãos das Relações, pelo que o preceito só é aplicável nos casos em que, apesar da revista ser admissível nos termos gerais, se verifica uma irrecorribilidade estabelecida por lei, ou seja, este preceito estabelece uma recorribilidade para acórdãos que são recorríveis nos termos gerais e irrecorríveis por exclusão legal. IV- No caso vertente, na medida em que o valor da causa não é superior à alçada da Relação, nem se encontra verificada uma exclusão do recurso ordinário por outro motivo de ordem legal, não se mostram preenchidos nem o requisito específico previsto no artº 629ºs, nº 2, d) do CPC, nem os requisitos gerais contemplados nas disposições conjugadas dos artºs 671º, nº 1, e 629º, nº 1, do CPC, razão pela qual não é admissível recurso ordinário de revista, e, consequentemente o recurso de revista excepcional. V- Essa interpretação normativa dos referidos preceitos legais não afronta o direito de acesso ao Direito e tutela judicial efectiva, nem o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrados nos artigos 20º e 13º da CRP. | ||||
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Decisão Texto Integral: | Procº nº 2498/03.6TTPRT-D.P1.S1 4ª Secção LR/JG/CM
Acordam em conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. FUTEBOL CLUBE DE GAIA, oponente e recorrente nos autos à margem referenciados, notificado do despacho proferido pela Relatora em 26 de Maio de 2021 que não admitiu o recurso de revista excepcional pelo mesmo interposto contra o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 17 de Dezembro de 2020, acórdão esse que confirmou a sentença de 1ª instância que julgou procedente a oposição à execução, vem apresentar reclamação para a Conferência, ao abrigo do disposto no artigo 652º, nº 3, aqui aplicável por força do artº 679º, ambos do Código de Processo Civil. 2. O despacho proferido pela Relatora, ora reclamado, tem o seguinte teor:
3. Inconformado com esse despacho vem o recorrente requerer que sobre o mesmo recaia um acórdão, nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil, o que faz formulando a final as seguintes conclusões: 1. A prolação da decisão singular em referência, por não verificar a alçada que determina o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça é manifestamente inconstitucional, por injustificada e discriminatória limitação ao direito ao Recurso do ora Requerente. 2. A interpretação que a Exma. Juiz Conselheira opera na decisão em referência – e com a qual não se pode concordar – constitui violação da tutela jurisdicional efetiva prevista no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, bem como, viola o princípio da dignidade constitucional consagrada no artigo 13.º do mesmo diploma legal. 3. A norma constante do artigo 629.º n.º 2 do Código de Processo Civil, dispõe que, independentemente do valor da causa e da sucumbência é sempre admissível recurso. 4. A presente situação enquadra-se no âmbito de aplicação da norma do artigo 629.º n.º 2 al. d). 5. No presente caso estamos perante interesses de particular relevância social e, por seu turno, existe uma interpretação completamente diversa em relação à aplicabilidade da norma constante no artigo 794.º n.º 3 do CPC. 6. O Recurso de Revista Excecional, é necessário e imprescindível não só para uma melhor aplicação do direito, mas também, para a resolução de oposição de julgados. 7. Com todo o respeito, não concordamos com os fundamentos expendidos pela Exma. Juiz Conselheira na Decisão Singular datada de 25-05-2021. 8. O artigo 629.º n.º 2 consagra exceções à regra geral de interposição de Recurso. 9. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, encontra-se em contradição no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito com, pelo menos, dois Acórdãos já transitados em julgado. 10. Em ambos os Acórdãos em oposição, a questão de direito reside em saber se, sustada a execução relativamente a um bem penhorado, não desistindo, o Exequente, de reclamar o seu crédito nesse processo, pode, igualmente, o Exequente, prosseguir para a penhora de novos bens. 11.Entende o Recorrente, ora Requerente, que não se poderá entender como decidiu o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, pois, com o prosseguimento da ação executiva, penhorando-se o depósito do saldo bancário sem desistir da penhora realizada no outro processo poderá levar à eventualidade de ser obtido o pagamento duplamente. 12.Torna-se, assim, necessário a resolução de oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito. 13.O Acórdão da Relação do Porto proferido não atendeu aos princípios de justiça material e de realização de justiça, proferindo uma decisão injusta. 14.Estando, desta feita, em causa um problema dotado de dificuldade, sendo suscetível de interpretações tão divergentes que põem em causa a boa aplicação do direito, torna-se necessário uma decisão por parte deste douto Tribunal Superior. 4. O recorrido não apresentou resposta à reclamação.
Cumpre decidir *
O despacho reclamado transcrito no precedente nº 2 decidiu não admitir o recurso interposto pela reclamante uma vez que o valor da causa, fixado em € 12 405,05, é inferior à alçada do Tribunal da Relação, não sendo dele admissível recurso ordinário, de revista, a revista dita normal, e, consequentemente, recurso de revista excepcional, de conformidade com o disposto nos artigos 629º, nº 1, do Código de Processo Civil, e com fundamento em que a disposição do nº 2, alínea d), do mesmo preceito se aplica unicamente aos casos em que o único impedimento do recurso reside em motivos de ordem legal – é a lei que determina em determinados casos, como nas providências cautelares e outros, que (mesmo que o valor da causa exceda a alçada da Relação) apenas cabe recurso das decisões neles proferidas até à Relação,– estranho ao valor do processo e da sucumbência, o que aqui não é o caso.
Analisado o pedido de submissão à conferência apresentado pelo reclamante e comparado com a posição assumida pelo mesmo em sede de contraditório sobre a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, constata-se que é retomada a linha argumentativa ali referida, não se aditando quaisquer novos argumentos que suportem a divergência relativamente ao decidido, apenas se invocando inovatoriamente a inconstitucionalidade da interpretação do preceito em causa por violação da tutela jurisdicional efetiva prevista no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, e da dignidade constitucional consagrada no artigo 13.º do mesmo diploma legal.
No caso vertente, não vindo invocados fundamentos que infirmem o despacho proferido quanto à inadmissibilidade do recurso, resta reiterar que, na medida em que o valor da causa não é superior ao da alçada da Relação, nem se encontra verificada uma exclusão do recurso ordinário por outro motivo de ordem legal, é manifesto que não se mostram verificados os requisitos previstos no artº 629º, nº2, al. d), do CPC, preceito que tem por ratio garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações em processos que, pela especialidade da matéria, não têm possibilidade de alcançar o Supremo Tribunal de Justiça, por nunca ser admissível o recurso de revista por motivo estranho à alçada, o que aqui não está em causa. Quanto à alegada violação de preceitos constitucionais (artºs 13º e 20º da CRP), é manifesta a falta de razão do recorrente, porquanto o preceito em questão, o artigo 629º, nº 2, al. d), do NCPC, correspondente ao artigo 678º, nº 4 do anterior CPC, na interpretação que aqui lhe é dada, não fere qualquer princípio constitucionalmente consagrado, como decorre do acórdão do Tribunal Constitucional nº 100/99, que, pronunciando-se sobre a constitucionalidade do artigo 678º, nº 4, do anterior CPC, na redacção, introduzida pelos Decretos-Leis nºs 329-A/95, de 12.12 e 180/96, de 25.9, anterior à Reforma de 2007, decidiu o seguinte: “Na óptica deste Tribunal, não se divisa que o segmento normativo em apreço viole o direito fundamental da tutela jurisdicional efectiva consagrado no nº 1 do artigo 20º da Constituição. Na verdade, tal segmento, de todo em todo, não impede, minimamente que seja, que os cidadãos exerçam, quer o seu direito de acção, quer o direito ao processo, quer o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, quer o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 163, sobre aquilo que se inclui no direito de acesso aos tribunais). Questão conexionada ainda com o direito de acesso aos tribunais é a de saber se e em que medida nele se integra o denominado direito a um duplo grau de jurisdição. Não estando aqui em causa matéria de índole penal (sobre a qual este Tribunal, desde há muito, tem defendido que, nos casos das sentenças penais condenatórias, deverá haver direito ao recurso - não por via do direito de acesso aos tribunais, mas sim como o asseguramento das garantias de defesa que o processo criminal deve comportar - cfr., hoje, a redacção consagrada no artigo 32º, nº 1, da Constituição, após a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, e, a este propósito, os Acórdãos deste Tribunal números 299/98 e 300/98, ainda inéditos), há que convir que o segmento normativo sub iudicio, de todo o modo, nem sequer ele próprio obstacula ao exercício de um direito à obtenção de uma decisão judicial em segundo grau. E, mesmo para quem defenda que, estando em jogo direitos fundamentais ou análogos (como, verbi gratia, o direito de propriedade privada ou o direito de livre iniciativa económica privada), do nº 1 do artigo 20º da Constituição deflui um direito de duplo grau de jurisdição, ainda assim a norma em análise não é impeditiva do respectivo exercício, como, aliás, sucedeu no caso dos autos, em que os ora recorrentes puderam censurar a decisão tomada pelo tribunal de 1ª instância. O Tribunal Constitucional tem, desde sempre, tido uma jurisprudência firme de harmonia com a qual (e ressalvada a matéria tocante às sentenças penais condenatórias, nos termos acima aflorados) o legislador ordinário tem liberdade para alterar as regras sobre a recorribilidade das decisões judiciais, aí se incluindo a consagração, ou não, da existência dos recursos, conquanto, como tem sustentado parte da doutrina (cfr. Armindo Ribeiro Mendes, ob. cit., 101 e 102) não suprima em bloco ou limite de tal sorte o direito de recorrer de modo a, na prática, inviabilizar a totalidade ou grande maioria das impugnações das decisões judiciais, ou, ainda, que proceda a uma intolerável e arbitrária redução do direito ao recurso, e isso tendo em conta a previsão da existência, no Diploma Básico, de tribunais de 1ª instância e de recurso (cfr., por exemplo, os Acórdãos deste Tribunal nº 287/90, in Diário da República, 2ª Série, de 20 de Fevereiro de 1991, 502/96, idem, idem, de 27 de Fevereiro de 1997, 237/97, idem, idem, de 14 de Maio de 1997, e 239/97, idem, idem, de 15 de Maio de 1997; cfr., também, Carlos Lopes do Rego, em Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 43 e seguintes, maxime, 80 e segs.). Na sequência deste posicionamento, há que concluir no vertente caso que o segmento da norma in specie, ao determinar a inadmissibilidade do julgamento alargado da revista quando haja oposição entre dois acórdãos da mesma ou de diferente relação sobre a mesma questão fundamental de direito nos casos em que não possa caber recurso ordinário por motivo de alçada, não é ofensivo do direito (ou da corte de direitos) consagrado(a) no nº 1 do artº 20º da Constituição. (…) Na situação aqui em causa, do que se trata, essencialmente, é do funcionamento da regra das alçadas: as acções que nunca chegariam ao Supremo Tribunal, e consequentemente ao pleno, por não disporem de alçada, são subtraídas – ou dito de outra forma, não são abrangidas – pela legitimação especial de recurso contida no artigo 764º. Ora, sendo certo que as alçadas, bem como todos os mecanismos de ‘filtragem’ de recursos, originam desigualdades (partes há que podem recorrer e outras não), estas não se configuram como discriminatórias, já que todas as acções contidas no espaço de determinada alçada são, em matéria de recurso, tratadas da mesma forma. Significa isto que a regra básica de igualdade, traduzida numa exigência de tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, proibindo, designadamente a chamada ‘discriminação intolerável’, não é afectada” Tal entendimento, de que a interpretação normativa segundo a qual o recurso previsto no artigo 629º, nº 2, al. d), do CPC, só é admissível se o valor da causa exceder a alçada da Relação e o valor da sucumbência exceder metade dessa alçada, não viola o direito de acesso ao direito e aos tribunais, e o princípio da igualdade, consagrados nos artigos 20º e 13º da Constituição da República Portuguesa, respectivamente, tem sido constante e reiteramente perfilhado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente nos acórdãos nº 238/2002, 39/2005, 701/2005, 253/2018, nº 361/18, e, mais recentemente, no acórdão nº 159/19, aresto no qual se concluiu que: “(…) a interpretação normativa em que se sustentou o juízo decisório do tribunal a quo, assente na imposição da verificação dos pressupostos do recurso de revista consagrados no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, como delimitativa da admissibilidade do recurso de revista plasmado na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do mesmo diploma legal, não se afigura arbitrária ou aleatória, antes encontrando uma justificação objetiva na teleologia deste tipo de recurso – que visa, como referimos, a proteção do interesse geral na boa aplicação do direito e a segurança jurídica no âmbito de causas que legalmente se encontram impedidas, por motivo estranho à alçada, de ser submetidas à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça – conjugada com uma política de racionalização do acesso ao órgão de cúpula da ordem jurisdicional. Resta, assim, concluir que o critério normativo erigido como objeto do recurso não viola o artigo 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa”.
Em face do exposto, e sem considerações suplementares, acordam em indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante.
Lisboa, 14 de Julho de 2021
Leonor Cruz Rodrigues (Relatora) Júlio Manuel Vieira Gomes Joaquim António Chambel Mourisco
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