Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B938
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: NEVES RIBEIRO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
INTERESSE EM AGIR
EXPROPRIAÇÃO
DECISÃO ARBITRAL
FALSIDADE
DOCUMENTO
ACTO JUDICIAL
Nº do Documento: SJ200305220009382
Data do Acordão: 05/22/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 2085/02
Data: 07/02/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
Razão da revista
1. "A", intentou a presente acção declarativa de simples apreciação, contra B , C , D , E , F e G , pedindo que seja declarado falso que, de acordo com o PDM de Lisboa, a parcela de terreno que identifica, se integra em área de reconversão urbanística de usos mistos, tal como foi qualificado pelos árbitros na vistoria promovida ad perpetuam rei memoriam, no processo de expropriação, e assim determinou o valor da indemnização fixada, por tal parcela de terreno estar integrada em área de usos especiais.

2. Os RR. contestaram, impugnando a versão apresentada pela Autora, alegando que a referência no auto, não significa que os árbitros classificaram desse forma o terreno, não podendo aliás alhear-se da área envolvente para fixarem justamente a indemnização, pugnando assim pela improcedência da acção.

3. A sentença julgou a acção procedente e declarou a falsidade do acórdão arbitral, nos termos requeridos pela autora, conforme acima se transcreveu. ( Ponto 1).
E a Relação disse o seguinte no que, para aqui, tem importância:
«....Deste modo, entendemos que há falta de interesse em agir por parte da autora - o que conduz à absolvição de instância»
«Mas fosse como fosse, não existe qualquer falsidade do laudo pericial, pelo que se concede provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se a acção improcedente, absolvendo-se os réus da instância». (Fls. 383).
II
Objecto da revista
São as seguintes as conclusões relevantes, pelas quais se traça o objecto da revista:
1. Aplicando, erradamente, à presente acção o art. 771º-b), do C.PC, entendeu a Relação que, não existindo fundamento para o recurso de revisão subsequente a esta acção, faltaria à autora interesse em agir .
2. Essa negação do interesse processual (que, como é sabido, se traduz na necessidade de tutela judicial) enferma de algum equívoco: a autora tem interesse (objectivo) em obter uma decisão favorável neste processo, para, com base nela, interpor recurso de revisão, com vista à reparação de uma decisão injusta e que a prejudica, tanto bastando para que se mostre preenchido o pressuposto processual em causa.
3. A questão de saber se existirá ou não fundamento para a revisão é diferente e não é condição de procedência ou de prosseguimento da presente acção, pelo que a Relação não devia ter entrado a conhecer dessa questão: tal como bem se afirmou na sentença de 1ª instância, não cabe a este tribunal pronunciar-se sobre a existência de fundamento para a revisão.
4. Nos termos do C. P.C, é ao tribunal competente para a revisão que cabe decidir sobre a existência do respectivo fundamento, como expressamente determinam os art.ºs 774º-2 e 775º-1, do CPC, sendo que o legislador manifestamente não quis que o tribunal da acção prévia pudesse conhecer da mesma questão, o que nem faria sentido no sistema delineado no CPC; justificando-se esta solução legal, nomeadamente, pelo facto de ser o tribunal onde correu o processo em que foi proferida a decisão a rever que está em melhores condições de decidir sobre a verificação do fundamento do recurso.
5. Esta razão de ser encontra-se, aliás, ilustrada de forma perfeita no caso
concreto, em que a Relação, certamente por distanciamento em relação ao processo de expropriação, errou ao concluir pela inexistência de fundamento para o recurso de revisão (recurso este que, de resto, já foi interposto pela autora, não tendo sido liminarmente indeferido e estando presentemente suspenso até que transite em julgado a decisão da presente acção).
6. Embora o Supremo não deva, pelos motivos expostos, reapreciar esta questão, refira-se que, no caso concreto, se verificam os fundamentos para a revisão do acórdão arbitral previstos no art. 77º1-b), do CPC.
7. Em 1º lugar, não é duvidoso, em face da prova produzida nos autos, que a falsidade ocorrida determinou a decisão a rever.
8. Em 2° lugar, a questão da falsidade não foi discutida no processo de expropriação, tal como, de resto, concluiu a Relação (que simplesmente entendeu que foi por negligência da autora que a questão não foi discutida naquele processo).
9. Se necessário fosse, deveria ser alterada a matéria de facto, dando-se como assente o facto constante do quesito 3°, por acordo / confissão das partes: a autora, tendo obtido vencimento na 1ª instância, suscitou esta questão nas suas (contra-alegações) de recurso para a Relação, ao abrigo do disposto no art. 684º-A-2, do C.P.C. Mas a Relação negou conhecer dela, com fundamento em que "a autora não recorreu da sentença" de 1ª. instância, esquecendo que a autora não recorreu porque não podia fazê-lo (art. 678 CPC) e ignorando, assim, aquele art.º 684º-A-2, do C. P. C. Por força do que dispõem os art.ºs 490º e 722º-2, do CPC, o STJ pode conhecer desta questão, devendo, caso se entenda necessário, determinar-se que o processo baixe à Relação para alteração da matéria de facto, no sentido referido.
10. Errou a Relação ao entender que apenas por negligência da autora a questão da falsidade não chegou a ser discutida no processo de expropriação, demonstrando os factos o desacerto de tal conclusão.
11. Não é, também, verdade que a autora pudesse ter tomado conhecimento da correcta classificação do terreno por consulta do D.R. em que estava publicado o PDM de Lisboa, pois é manifesto que essa mera consulta não possibilitava aquele conhecimento; sendo que, de qualquer modo, para o efeito da admissibilidade do recurso de revisão, interessa o conhecimento efectivo, e não a mera possibilidade de conhecimento, e a autora alegou, na PI, que desconhecia a falsidade em causa, até 12/8/96, (pelo que, se necessário fosse, deveria o processo baixar à 1 a instância para ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 729º-3, do C. P.C).
12. Nesta acção, foi pedido que fosse declarado falso que, de acordo o PDM de Lisboa, o terreno se integra em área de usos mistos, como foi feito constar pelos árbitros no processo de expropriação, tornando-se por demais evidente que tendo sido dado como assente que os árbitros declararam que, de acordo com o PDM, o terreno se integrava em "área de usos mistos", bem como que de acordo com o PDM, o terreno dos autos se integra antes em "área de usos especiais" - esse pedido terá de proceder.
13. Questão diferente é a de saber se a sentença desta acção é suficiente para fundamentar a revisão, nos termos do art. 771º-b), do C. P.C - mas, como se concluiu, sobre esta questão não deve o tribunal desta acção pronunciar-se, porque o seu conhecimento cabe exclusivamente ao tribunal onde pende o recurso de revisão, entretanto já interposto.
14. De qualquer modo, quer se entenda que os árbitros no processo de expropriação avaliam o bem na qualidade de peritos (qualidade essa que foi expressamente invocada no caso concreto), quer se entenda que o fazem na qualidade de verdadeiros juízes de um tribunal arbitral, a falsidade verificada é subsumível à letra ou ao espírito do art. 771º-b), do C. P. C., sendo certo que, neste preceito, não se utiliza o conceito de falsidade no seu sentido técnico-jurídico específico, mas sim no seu sentido amplo, de "atributo de toda a representação ou afirmação desconforme com a realidade".
15. Não colhe, designadamente, o argumento, deduzido pela Relação, de que estaríamos perante um erro de julgamento por parte dos árbitros: os árbitros não "classificaram" o terreno- a averiguação da classificação de um terreno de acordo com o PDM, é efectuada mediante simples exame da planta de pormenor do PDM, onde a classificação se encontra indicada.
16. Por fim, improcede o argumento dos réus de que os árbitros, ao declararem que o terreno dos autos se integrava em área de usos mistos, apenas o avaliaram em função da sua "envolvente": trata-se de matéria de facto alegada na contestação, mas que foi dada como não provada pelo tribunal..
17. A decisão recorrida - conclui a recorrente - violou, em conclusão, as disposições legais citadas, devendo, por conseguinte, ser revogada e substituída por outra que declare procedente a acção.
III
Matéria de facto
1. Com vista à realização das obras de ligação ferroviária Norte Sul, através da Ponte 25 de Abril, a A. promoveu a expropriação da parcela de terreno denominada parcela nº11, da propriedade dos RR, composta por prédio urbano de R/c, 1ºandar e barracas no quintal, sito na Azinhaga da Torrinha, freguesia de Nossa Srª Fátima, em Lisboa, descrito sob o nº00149 na 2ªConservatória do Registo Predial de Lisboa, inscrito na 11º Bairro Fiscal sob artº248.
Por despacho de 17/6/1994, o Secretário de Estado das Obras Públicas, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação do referido imóvel e direitos a ele relativos, tendo a A. sido autorizada a tomar posse administrativa do mesmo imóvel.
Promovida a vistoria ad perpetuam rei memoriam, realizou-se esta em 19/12/1994, e a A. entrou na posse administrativa do imóvel em 30/12/1994.
Não tendo sido possível chegar a acordo com os interessados para a expropriação amigável, foi o litígio submetido a arbitragem para fixação da indemnização.
Foram designados os árbitros, nos termos legais.
Assim constituído, o tribunal arbitral (necessário), proferiu acórdão em 12/12/95, nos termos que constam a fls. 14 a 22, no qual determinou, como valor de indemnização da área expropriada, a quantia de 120.645.000$00.
Para calcularem valor do terreno, os árbitros socorreram-se do estabelecido no Plano Director Municipal, de Lisboa ( PDM, doravante), publicado no DR. nº226, II, de 29/4/94.
Declararam os árbitros que, de acordo com o PDM, o terreno em causa se integra em área de conversão urbanística de usos mistos.
0 cálculo do valor da indemnização foi efectuado com base no valor de 35.000$00 por m2, obtido este através do produto do custo de construção pelo índice fundiário e pelo referido índice e ocupação 1.75 .
Em 11/10/1996, o A. obteve documento da autoria do Departamento de Planeamento Urbanístico da CML que consta a fls.23 .
A CML certifica, nesse documento, que o terreno a que os autos respeitam se encontra integrado em área de usos especiais.
O índice de ocupação afere-se pelo índice da área bruta do terreno a área de construção ali existente.
No laudo de arbitragem considerou-se o terreno inserido em zona de usos mistos, atendendo às classificações do PDM, e tal pressuposto integrou a avaliação do mesmo para fixação da indemnização.
IV
Direito aplicável
1. A questão da revista releva da interpretação da alínea b), do artigo 771º, do Código de Processo Civil e da consequente integração, ou não do caso que vem proposto, na interpretação obtida.
Consideremos alguns aspectos metodológicos prévios.
Já se sublinhou o teor decisório da decisão recorrida:
« ... entendemos que há falta de interesse em agir por parte da autora - o que conduz à absolvição de instância»
«Mas fosse como fosse, não existe qualquer falsidade do laudo pericial, pelo que se concede provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se a acção improcedente, absolvendo-se os réus da instância». (Fls. 383).
É verdade que a questão da acção é saber se o laudo arbitral é falso, ou não. Mas para quê? Responde a recorrente nas conclusões 1ª, 2ª, 3ª, 12ª e 13ª. Ou seja: em vista de um recurso de revisão de decisão arbitral, entretanto já interposto ( conclusão 13ª).
Não podemos iludir as coisas, tanto mais que são apresentadas com transparência pela recorrente/expropriante.
Se se reconhecer judicialmente que a decisão arbitral proferida no processo expropriativo, têm natureza susceptível de desencadear a abertura de um recurso de revisão, a acção donde emergiu a decisão de que se pede revista ( decisão de fls.370 a 383), então está legitimada a posição da autora para propor e prosseguir nesta acção.
Consequentemente, para se avaliar do seu interesse na presente acção não há outro caminho que não seja averiguar da natureza falsa ou verdadeira da decisão arbitral, como fundamento da revisão.
Não há terceira via, pese embora as conclusões da recorrente quando diz que uma coisa que se pretende com esta acção, outra com a futura revisão a que está condicionada. Uma coisa precede a outra. Não se podendo decidir sobre a primeira, sem averiguar da existência e admissibilidade da segunda.
De modo que haverá um direito material da autora, que se repercute no direito de acção correspondente (a todo o direito corresponde uma acção para o fazer valer - artigo 2º-2 do Código de Processo Civil) a exercer através do processo de revisão da decisão arbitral, se ocorrerem os requisitos legais que a tornam falsa, na acepção do artigo 771º, b), do Código de Processo Civil.
Ora, sendo assim, é preciso averiguar desses requisitos.
É o que iremos ver, como método de conhecimento do proposto.

2. Comecemos por transcrever o preceito, no segmento que releva:
« A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão, nos seguintes casos: ...b): Quando se apresente sentença já transitada, que tenha verificado a falsidade de documento ou acto judicial ... que possam, em qualquer dos caos ter determinado a decisão a rever».
«A falsidade de documento ou acto judicial não é, todavia, fundamento de revisão, se a matéria tiver sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever». ( Sublinhámos).
A revisão de uma sentença judicial ou arbitral é um procedimento excepcional ao princípio da estabilidade das decisões emanadas de órgãos competentes de poder de declarar o direito e de o aplicar ao caso concreto. Funciona a benefício da certeza e da segurança do direito e da paz jurídica e judiciária, entre os cidadãos, no plano individual ou intergrupos.
É um bem jurídico social dentro de uma Comunidade de Direito.
De modo que, em matéria civil, será sempre, a título excepcional, a admissibilidade de um recurso extraordinário de revisão, permitindo a reabertura de um processo civil anteriormente encerrado, com trânsito da respectiva decisão.
E permite-se, apenas em razão de se mostrar certo ou muito provável que o processo precedente adjectiva uma realidade que não se verificou, ou provavelmente não se terá verificado, nos termos do, aí, julgado em definitivo.
Como este tribunal recentemente, a propósito semelhante, teve ocasião de acentuar (1), a lei viabiliza a reabertura da discussão de certa matéria definitivamente encerrada, porque, entre o interesse da certeza da declaração judiciária do direito, e a exigência de um direito justo (ao ser declarado), considerou relevante o descerramento do debate, mesmo que a decisão correspondente se encontre dentro da alçada do tribunal que decidiu, da forma viciada por que indica o aludido artigo 771º.
São vícios de tal modo graves que abalam o princípio da justiça material do caso, injustiça que interessa remover.
Mas também é verdade que o prestígio de um Estado de Direito recomenda que a apreciação ("rescisão", como dizem os autores que tratam a matéria) de uma decisão judicial ( ou mesmo arbitral) com trânsito em julgado, só, por excepção, pode ser revista, dentro de determinado prazo, quando afectada na sua formação e formulação, por vícios graves que a desalicerçam - ou desalicerçam os pressupostos probatórios materiais em que se suportou.
A excepção corresponde ao segundo interesse acima referido, sacrificando um direito certo e seguro, por causa de um o direito recto e justo.

3. Na situação em apreço, cabe chamar a exame a parte transcrita do preceito do Código de Processo Civil.
Ele permite, excepcionalmente como se sublinhou, a revisão, quando se apresente sentença já transitada, que tenha verificado a falsidade de documento ou acto judicial ... que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever.
Mas previne que a falsidade de documento ou acto judicial não é fundamento de revisão, se a matéria tiver sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever.
Caberá então indagar pelos elementos adquiridos, se a recorrente já discutiu ou poderia ter discutido no processo expropriativo, a matéria que vem erguer agora como sendo falsa e que, eventualmente, suporta a decisão arbitral proferida naquele processo.
Se assim se verificar haverá direito à revisão; Se isso não ocorrer, não haverá tal direito.

4. Consequentemente indicado está, o caminho de retomar os factos que podem reflectir o sucesso da indagação, naquele, ou neste sentido.
É este o desafio que assim se põe à análise, neste ponto metodológico do exercício judicativo.
Ora, acontece que, para calcularem o valor do terreno, os árbitros socorreram-se do estabelecido no Plano Director Municipal de Lisboa, que foi publicado no DR, II, nº226, de 29/9/94.
Declararam que, de acordo com este Plano Director, o terreno em causa se integra em área de conversão urbanística de usos mistos.
0 cálculo do valor da indemnização foi efectuado com base no valor de 35.000$00 por m2, obtido através do produto do custo de construção pelo índice fundiário e pelo índice de ocupação 1.75 .
Em 11/10/1996, o A. obteve documento proveniente e da autoria do Departamento de Planeamento Urbanístico da CML, que consta a fls.23.
A CML certifica, nesse documento, que o terreno a que os autos respeitam se encontra integrado em área de usos especiais.
O índice de ocupação afere-se pelo índice da área bruta do terreno e área de construção ali existente.
No laudo de arbitragem considerou-se o terreno inserido em zona de usos mistos, atendendo às classificações do PDM, e tal pressuposto integrou a avaliação do mesmo para fixação da indemnização. (Sublinhámos).

5. Mas acontece ainda que, no referido processo de expropriação, que correu termos na comarca de Lisboa, a recorrente interpôs recurso subordinado, no qual, aludindo à análise critica ao relatório de arbitragem ( ponto 8º), disse:
...Socorreram-se os senhores peritos do disposto no PDM de Lisboa, publicado no Diário da Republica, n.º226, II série, de 29 de Setembro de 1994, uma vez que, segundo os mesmos, o terreno em causa integra-se em área de reconversão urbanística de usos mistos (ponto 73º), ignorando as características dos acessos, bem como o da zona envolvente (ponto 9º).... Se se consultar a planta de classificação do espaço urbano, verifica-se que referido terreno se encontra numa zona destinada a "áreas de Usos Especiais", previstas nos artigos 85º e 86º do PDM de Lisboa, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros, n.º94/94, de 14 de Julho (ponto 11º).

6. Dito o que foi, nos dois números que antecedem, querem-se trazer para o trajecto do discurso, três observações de carácter conclusivo:
A primeira: é que a parte nuclear do que alegadamente será matéria falsa foi aberta a debate no processo expropriativo, com intervenção técnica adequada (inclusive, naturalmente, um perito designado pela recorrente).
A segunda: Houve interposição de recurso. Como salienta o acórdão recorrido, « tudo começou com a decisão de primeira instância que decidiu a acção de expropriação, com base no laudos dos peritos, em sentido em que a apelante (é aqui a recorrente) entende estar em desconformidade com o PDM».
Dessa sentença, os expropriados recorreram e a expropriante interpôs recurso subordinado, como já acima se aludiu.
Os expropriados desistiram do recurso e o recurso subordinado ficou sem efeito. ( fls. 381).
Mais: No recurso subordinado punha-se em causa o relatório da peritagem (fls. 275, nºs 9 e 11), apontando-se aí, a alegada divergência entre o texto do relatório dos peritos e o conteúdo do PDM - núcleo essencial da matéria exactamente sobre a qual se pretende agora a declaração de falsidade.
A terceira e última observação, na medida em que não esteja contida nas duas anteriores, é a seguinte:
Não teria razoabilidade uma parte num processo, podendo e devendo reagir contra determinado aspecto, constitutivo do fundamento legal da reacção ( arguição de vícios ou irregularidades de processo; ou de actos das partes, da secretaria, ou do tribunal; reclamação da matéria de facto, ou, enfim, o recurso...), ganhasse nova oportunidade de reacção, através de novo meio processual, esgotada o ciclo temporal (timming) da invocabilidade com sucesso do fundamento da impugnação anterior. Não se mostra admissível conferindo-lhe agora, um direito de recuperação da oportunidade perdida!
Tratar-se ia de uma forma peculiar de renovação da acção, insucedida a primeira, por falta de utilização dos meios normais de impugnação dos actos judiciais ou das partes.
A tanto se opõe a excepcionalidade do processo extraordinário de revisão, como foi preocupação de explicar, na introdução ao tema principal deste recurso ( Ponto 2, Parte IV).
Já sem falar do princípio da eventualidade ou preclusão processual, que garante a gestão racionalizada do desenrolar do processo, assegurando o respeito pelas expectativas legítimas da contraparte!

7. O que, tudo somado, significa que está fora de época, de sede e de forma processual, a reacção contra a suposta falsidade da matéria em que assentou a decisão arbitral (2).
Foi aberta, e teve lugar, a discussão da matéria em tempo útil e oportuno - debate que só não prosseguiu, em via de recurso, para a Relação, pelo que ficou assinalado no ponto 6.
Lembre-se, como já foi dito acima, que não se pode ganhar por aqui o que se deixou perder por ali!
Não tem sentido, nem se percebe bem, a que titulo ora se invoca (entre outros, mas sobretudo) os artigos 684º-A- 2 e 729º-3, do Código de Processo Civil (conclusões: 9ª e 11ª ).
Por outro lado - que fique bem claro - não há nenhuma diferença essencial na questão em causa, entre o tema que foi apreciado e discutido na acção expropriativa e o que se quer voltar a ver agora, rediscutido, para possibilitar o processo extraordinário de revisão, entretanto suspenso, à espera do resultado deste pedido de declaração de falsidade (conclusões: 12ª e 13ª, Parte II).

7.1. Consequentemente, verifica - se o pressuposto excludente do direito de revisão atribuído pela parte final da alínea b), que se começou por transcrever, do artigo 771º, do Código de Processo Civil, ao prevenir que a falsidade do acto judicial não é fundamento de revisão, se a matéria tiver sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever».
Esta verificação judiciária leva a concluir, conforme o método enunciado no ponto 1, que a recorrente não tem o direito material que pretende fazer valer com o pedido revisão da decisão arbitral.
Falta-lhe, no plano processual correspondente, o interesse em agir, como pressuposto processual do exercício do direito de acção (recurso de revisão) em que assenta o seu pedido.
Por outra palavras: o direito invocado pela recorrente para desencadear a revisão carece de tutela judiciária em que se traduz o interesse em agir.
E ainda que se diga, como diz a recorrente (conclusões 1ª a 3ª , 12ª e 13ª), que, para se chegar a este resultado, já se está a apreciar alguma coisa relativa ao mérito do próprio processo de revisão, responderemos que o caminho tem que ser mesmo este, dada a indissociabilidade das questões.
Só por lá - por este caminho - se chega ao reconhecimento da inutilidade da revisão, pela falta de interesse processual de agir, ou, então do reconhecimento da desnecessidade de tutela judiciária de um direito, cuja oportunidade de garantia judiciária, foi desaproveitada em tempo adequado - e assim se perdeu a sua garantia judiciária, pela forma que vem apresentada.
Um exercício simples põe a claro a sem razão da recorrente:
Admitamos que a acção donde emerge a revista, procedia. O laudo - que é uma decisão arbitral transitada e com força executiva - era declarado falso.
Então, o que é que sucederia? Voltava-se à causa nuclear da acção expropriativa, isto é, à discussão do valor expropriativo fixado no laudo!
Voltaríamos ao princípio de uma segunda acção igual, quanto às partes e ao objecto.
Ora, em nenhum sistema processual ( cremos que de nenhum país da União Europeia) há acções inúteis, salvo nos casos restritíssimos em que, entre nós, a lei as permite, como sucede com as situações contempladas nos artigos 449º, 2, c) e 662º-2 e 3, do Código de Processo Civil. (3)
Mas por razões muito específicas que a simples leitura dos artigos revela. E mesmo assim, o autor é "castigado", porque tem de pagar as custas, já que fez intervir o tribunal, sem necessidade!
Mas nada têm a ver com o que se passa nesta acção!

8. Condensando e sintetizando:
a) Falta agora à autora a tutela judiciária, a necessidade ou interesse processual em relação ao direito material que pretende accionar - tutela que se esgotou na altura e na relação processual próprias, quando o pretendeu fazer valer;
b) Não pode renovar-se a mesma necessidade tutelar, recobrando, agora, o que nessa altura e aí, se deixou perder, por facto imputável à autora/recorrente;
c) Se as coisas seguissem a direcção que ela pretende, a autoridade do caso julgado - lembre-se, mais uma vez - ficaria em risco, contra a natureza excepcional da admissibilidade do processo de o rever, como também já se salientou;
d) Consequentemente, estamos perante um pressuposto processual autónomo, não especificado - algo de normalmente presente em todas as acções - mas que, excepcionalmente, pode representar uma excepção dilatória (4) ;
e) É o caso, como reconheceu a decisão recorrida, que, por essa razão, absolveu os réus de instância.
(Ponto 3, Parte I).
Por isso, deve manter-se o decidido.

V
Decisão
Termos em que, ponderando o exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em negar provimento à revista, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 22 de Maio de 2003.
Neves Ribeiro
Araújo Barros
Oliveira Barros
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(1) - Acórdão proferido no Agravo n.º 715/03, de 10 de Abril de 2003.

(2) - Talvez convenha lembrar, porque não consta no texto, a natureza jurisdicional e executiva da decisão arbitral - artigos 209º-2 da Constituição; 48º-2, do Código de Processo Civil; e 26º - 1 e 2, da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto - Lei da Arbitragem Voluntária, para a qual remete o artigo 1528º do Código de Processo Civil, sobre o tribunal arbitral necessário.

(3) - O estudo destes dois casos pode ver-se nas Lições de Processo Civil do Professor Castro Mendes, I volume, páginas 507/510.

(4) - Idem, Castro Mendes, Obra citada, páginas 510.