Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SALVADOR DA COSTA | ||
| Descritores: | COMPETÊNCIA TERRITORIAL CONFLITO DE COMPETÊNCIA TRIBUNAL DE FAMÍLIA TRÂNSITO EM JULGADO PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENOR EM PERIGO | ||
| Nº do Documento: | SJ200305080002342 | ||
| Data do Acordão: | 05/08/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Sumário : | 1. Transitada em julgado a decisão declarativa da incompetência territorial do tribunal para continuar a conhecer do processo relativo a promoção e protecção de menores ou jovens em perigo e da competência para o efeito de um outro órgão jurisdicional, definida em definitivo fica a competência em razão do território do último para o efeito, quedando ineficaz a decisão que nele seja proferida em sentido contrário. 2. Trata-se, na espécie, de um conflito negativo de competência territorial meramente aparente, porque se impõe o cumprimento da decisão que primeiramente transitou em julgado. 3. A medida a que se reporta o n.º 4 do artigo 79º da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, é a aplicada pelo tribunal a título definitivo. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I O Ministério Público requereu, no dia 14 de Janeiro de 2003, a resolução do conflito de competência suscitado entre o 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro e o Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira, com fundamento em que os respectivos magistrados, em relação ao procedimento relativo a jovem em perigo, em decisões transitadas em julgado, se atribuem mutuamente competência, negando a própria.Os juízes autores das decisões em causa não responderam, e o Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser declarada a competência do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro para a continuação da prossecução do processo. II É a seguinte a factualidade e a dinâmica processual que releva na decisão em causa:1. No dia 23 de Janeiro de 2002, o Ministério Público requereu, no Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira, a abertura de processo de promoção e protecção relativamente aos menores A e B, mãe e filho, residentes em Cotovios, Alhandra. 2. Terminada a instrução do mencionado processo no dia 19 de Junho de 2002, realizou-se, no dia 8 de Julho de 2002, a conferência, sem acordo, e o juiz declarou aplicar a A a medida provisória da sua confiança a C. 3. Em meados de Julho de 2002, A deixou de viver com C e passou a residir em Vila Real de Santo António. 4. Os requeridos apresentaram, no dia 1 de Agosto de 2002, alegações no sentido de aplicação da medida de confiança a pessoa idónea, foi marcado debate judicial para 13 de Novembro de 2002, entretanto desmarcado com fundamento em não haver ainda decorrido um dos prazos de alegação. 5. No dia 5 de Novembro de 2002, sob promoção do Ministério Público, com fundamento em A residir em Vila Real de Santo António, o juiz do Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira proferiu despacho ordenador da remessa do processo ao Tribunal de Família e Menores de Faro. 6. O Juiz do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro, a quem o processo foi remetido, proferiu despacho, no dia 20 de Abril de 2001, a declarar aquele órgão jurisdicional territorialmente incompetente para conhecer do referido procedimento, com base em o juiz do Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira não haver aplicado uma medida definitiva. 7. O oficial de justiça do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro certificou, no dia 23 de Dezembro de 2002, que os despachos mencionados sob 4 e 5 transitaram em julgado. III A questão decidenda é a de saber se a competência para continuar a conhecer do objecto do processo em causa se inscreve no Tribunal de Família e Menores Vila Franca de Xira ou no 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro.A resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: natureza, objecto e regime do procedimento de promoção e protecção de menores; - a mudança de residência do menor no decurso da aplicação de uma medida provisória justifica ou não a remessa do processo ao tribunal da área da sua nova residência? - ocorre ou não, na espécie, uma situação de conflito real de competência em razão do território? - solução para o caso concreto decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei. Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões. 1. É a Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, que rege sobre as medidas aplicáveis a crianças e jovens em perigo. Uma das medidas de promoção e protecção de menores ou jovens em perigo é a de confiança a pessoa idónea, a executar em meio natural de vida, susceptível de ser decidida a título provisório (artigo 35º, n.º 1, alínea c)). A medida de confiança a pessoa idónea consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de uma pessoa que, não pertencendo à sua família, com ele tenha estabelecido relação de afectividade recíproca (artigo 43º). São aplicáveis medidas provisórias de protecção e protecção às crianças e jovens em situações de emergência ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente, não podendo a sua duração prolongar-se por mais de seis meses (artigo 37º). Os processos judiciais de promoção e protecção são de natureza urgente, correndo nas férias judiciais (artigo 102º, n.º 1). 2. A referida lei expressa, por um lado, ser competente para a aplicação das medidas em causa a comissão de protecção ou o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que for recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial (artigo 79º, nº 1). E, por outro, que se após a aplicação da medida, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de protecção ou ao tribunal da área da sua nova residência (artigo 79º, n.º 4). O procedimento em causa foi instaurado no Tribunal de Família e Menores territorialmente competente, porque na altura da instauração a requerida A residia na sua área territorial de jurisdição. Aplicada à menor a medida provisória de confiança a pessoa idónea, a primeira foi fixar residência na área territorial de jurisdição do Tribunal de Família e Menores de Faro, em função do que para o último ocorreu a remessa do processo em causa. No interesse sobretudo das crianças ou dos jovens em perigo, as medidas provisórias de promoção ou protecção que lhes sejam aplicadas caducam necessariamente ao fim de seis meses. A regra é, por um lado, no sentido de que o local da residência da criança ou do jovem em perigo no momento da comunicação ou da instauração do processo é que define a competência do tribunal para a aplicação das medidas de promoção ou de protecção. E, por outro, no sentido da irrelevância das modificações de facto que ocorram posteriormente ao momento da instauração do processo. A excepção só ocorre no caso de a criança ou o jovem a quem já tenha sido aplicada a medida mudar de residência por um período superior a três meses, caso em que o processo transita para o tribunal da área da sua nova residência. É certo que a lei não distingue, para o efeito que prevê, entre medidas provisórias e medidas definitivas e, onde ela não distingue também o intérprete não deve distinguir, salvo se houver razões de sistema que o imponham. Tendo, porém, em conta o sentido da mencionada regra e excepção, a precariedade das medidas provisórias, a necessidade de salvaguardar com urgência a situação dos menores ou dos jovens em perigo, impõe-se a interpretação do disposto no n.º 4 do artigo 79º da Lei 147/99, de 1 de Setembro, no sentido de a medida a que se refere ser a definitiva. 3. Há conflito negativo de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional, no quadro de decisões já transitadas em julgado, se consideram incompetentes para conhecer da mesma questão (artigo 115º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil). Perante esta formulação legal, estamos na espécie, aparentemente, perante um conflito negativo de competência em razão do território entre dois órgãos jurisdicionais para conhecer da mesma questão. Todavia, a infracção das regras de competência fundadas na divisão judicial do território é legalmente qualificada de incompetência relativa do tribunal (artigo 108º do Código de Processo Civil). Em consequência, a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência em razão do território, mesmo que seja oficiosamente suscitada (artigo 111º, nº 2, do Código de Processo Civil). O despacho judicial proferido pelo Juiz do Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira, mencionado sob II 4, confrontado com a promoção do Ministério Público, significa a declaração da incompetência territorial daquele Tribunal para continuar a conhecer do procedimento em causa. Transitada em julgado a decisão proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira, independentemente da sua legalidade ou ilegalidade, definida ficou em definitivo a questão da competência para conhecer do procedimento tendente à aplicação da pretendida medida à jovem em perigo em causa. Decorrentemente, não obstante o juiz do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro não haver respeitado o aludido caso julgado, não se pode qualificar a situação vertente como de conflito real de competência, mas meramente aparente. 4. Conforme acima se referiu, em razão do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Juiz do Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira sobre a questão da competência territorial, não podia o Juiz do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro proferir despacho a declarar este último juízo territorialmente incompetente para continuar a conhecer do procedimento em causa. Todavia, proferiu despacho a declarar-se incompetente para o efeito e a sua decisão transitou em julgado, do que resulta estarmos perante duas decisões contraditórias que versam sobre a mesma questão concreta da relação processual. Em consequência, nos termos do artigo 675º do Código de Processo Civil, deve cumprir-se a decisão que passou em julgado em primeiro lugar, ou seja, a que foi proferida pelo Juiz do Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira. Impõe-se, por isso, a declaração de que o Juiz do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro deve cumprir a decisão proferida sobre a competência pelo Juiz do Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira. O procedimento em causa iniciou-se sob requerimento do Ministério Público, que beneficia de isenção de custas (artigo 2º, nº 1, alínea b), do Código das Custas Judiciais). Ademais, o conflito em causa não foi originado pelo requerente nem pelos requeridos. Não há, por isso, no caso vertente, sujeição a custas de quem quer que seja. IV Pelo exposto, declara-se que o 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro é o competente para continuar a conhecer dos factos relativos à promoção e protecção objecto do procedimento em causa.Lisboa, 8 de Maio de 2003 Salvador da Costa Ferreira de Sousa Quirino Soares (dispensei o visto) |