Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO PINTO OLIVEIRA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ACIDENTE DE VIAÇÃO PROVA DESPORTIVA ATIVIDADES PERIGOSAS CULPA DO LESADO RISCO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO REAPRECIAÇÃO DA PROVA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
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Data do Acordão: | 07/06/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I. — A responsabilidade prevista no art. 493.º, n.º 2, do Código Civil deve ser excluída desde que o acidente não seja imputável ao perigo ou ao risco especial da actividade desenvolvida. II. — Entre os casos em que o acidente não é imputável ao perigo ou ao risco especial da actividade desenvolvida sencontram-se aqueles em que seja exclusivamente imputável a uma causa de força maior, aqueles em que seja exclusivamente imputável a um comportamento do lesado e aqueles em que seja exclusivamente imputável a um comportamento de terceiro. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1. AA propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Réu BB e a Ré Liberty Seguros, S.A., pedindo que a Ré seja condenada: I. — A pagar ao autor, a título de indemnização, a quantia líquida de 412.662,79€, por todos os danos sofridos em resultado do acidente descrito, tudo acrescido de actualização, e dos juros legais vencidos e vincendos até integral pagamento; II. - A ministrar directamente, no futuro, todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, suportando ainda os custos e encargos com as intervenções cirúrgicas, internamentos, fisioterapia e psiquiatria, ou, III - A suportar aqueles custos e encargos com todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, suportando ainda os custos e encargos com as intervenções cirúrgicas, internamentos, tratamentos, fisioterapia e psiquiatria; ou, IV. — Em alternativa, e por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, requer seja a sua liquidação remetida para execução de sentença; V. — Sem prejuízo do valor da perda de retribuição que o autor irá sofrer, quer no período de clausura hospitalar, quer no período de recuperação; VI. — Sendo que, por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, requer seja a sua liquidação remetida para execução de sentença. 2. Os Réus BB Liberty Seguros, S.A., contestaram, defendendo-se por impugnação e por excepção. 3. O Autor requereu a intervenção principal da sociedade Trilho Pensado, Unipessoal, Lda. 4. O Tribunal de 1.ª instância admitiu a intervenção principal da sociedade Trilho Pensado, Unipessoal, Lda. 5. A sociedade Trilho Pensado, Unipessoal, Lda., contestou, defendendo-se por impugnação, e requereu a condenação do Autor AA como litigante de má fé. 6. O Autor requereu a intervenção principal da sociedade Matos & Prata – Veículos Máquinas e Peças, S.A. 7. O Tribunal de 1.ª instância admitiu a intervenção principal da sociedade Matos & Prata – Veículos Máquinas e Peças, S.A. 8. A sociedade Matos & Prata – Veículos Máquinas e Peças, S.A., contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção, e requereu que o Autor fosse condenado como litigante de má fé. 9. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção improcedente e condenou o Autor AA como litigante de má fé. 10. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância é do seguinte teor: Pelo exposto, decide-se em julgar a presente acção improcedente, por não provada, e os pedidos de condenação do autor como litigante de má-fé parcialmente procedentes e, em consequência: A. Absolvem-se os réus BB e Liberty Seguros, S.A. e as intervenientes principais Trilho Pensado Unipessoal, Ldª e Matos & Prata – Veículos, Máquinas e Peças, S.A., dos pedidos formulados pelo autor AA. B. Condena-se o autor AA, como litigante de má-fé, na multa que se fixa em 15 (quinze) unidades de conta; C. Condena-se o autor AA a pagar, a título de indemnização por litigar com má-fé, 1.000,00 (mil) euros ao réu BB, 1.000,00 (mil) euros à interveniente principal Trilho Pensado Unipessoal, Ldª e 1.000,00 (mil) euros à interveniente principal Matos & Prata – Veículos, Máquinas e Peças, S.A.. 11. Inconformado, o Autor AA interpôs recurso de apelação. 12. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: I - Calcorreando os autos constata-se que o Tribunal fez errada aplicação do Direito. De facto, deu provado no ponto 1 da matéria de facto que “no dia 16.05.2015, foi realizada uma prova desportiva de veículos todo o terreno.” Ora, a prova desportiva em causa nos autos é uma actividade perigosa, relativamente à qual tem aplicação o art.º 493.º n.º 2 do C.C., que estabelece uma presunção de culpa da entidade organizadora da mesma, in casu, a sociedade Trilho Pensado, Unipessoal, Lda. (ponto 32 da matéria de facto), na verificação do acidente que vitimou o A.. II. O Tribunal deu como provados os factos vertidos nos pontos 46 a 53 de onde resulta que o acidente que vitimou o A. se deveu a culpa exclusiva do mesmo, que desrespeitou as instruções e prescrições de segurança da prova, o que, in casu, afastaria a referida presunção legal de culpa da interveniente principal. Sucede que, o Tribunal fez errada interpretação, apreciação e valoração da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal e por depoimentos e declarações de parte, porquanto, o acidente em causa nos autos não se deveu a culpa do A. mas sim à falta de cumprimento dos deveres de diligência adequados à organização do evento desportivo em causa nos autos, a cargo da interveniente principal Trilho Pensado, Unipessoal, Lda.. Assim, e desde logo, III. o pedido de autorização para a realização da prova desportiva, junto a fls. 69 a 74, apresentado pela interveniente Trilho Pensado na Câmara Municipal ... não se mostra instruído com o regulamento da prova, nos termos do art.º 3.º do Dec. Reg. n.º 2-A/2005 de 24.03. De facto, nem os RR. nem as intervenientes principais lograram provar: a) a existência do regulamento da prova, onde constassem as regras e prescrições de segurança da prova, o plano que identificasse as zonas de particular perigo, as zonas adequadas para a assistência dos espectadores e as medidas adequadas para controlar os riscos em todas as zonas do percurso para quem se encontrasse no recinto da prova; b) que o teor do alegado regulamento foi veiculado aos participantes e espectadores da prova e de que forma; c) que os participantes e espectadores tomaram conhecimento seu conteúdo. Pelo que, o Tribunal não podia ter dado como provado no ponto 46 da matéria de facto “ao arrepio das instruções que constavam do regulamento da prova, que ele autor bem conhecia.” IV. Nem os RR. nem as intervenientes principais lograram provar nem demonstrar nos autos, o cumprimento dos requisitos e prescrições de segurança adequados à realização da prova, constantes do parecer emitido pela P.S.P. junto a fls. 53 dos autos, mormente qual a concreta sinalética gráfica existente no local, qual o concreto local da respectiva fixação, por forma aferir se era visível do público e dos participantes. Pelo que, o Tribunal o não podia ter dado como provado no Ponto 56 da matéria de facto que “estando devidamente definidas no local as zonas destinadas ao público” e no Ponto 57 da matéria de facto que “existindo sinalética gráfica (…) a advertir o advertir o público das condutas preventivas e cuidados que deviam adoptar aquando do decurso da prova.”. V. O Tribunal não podia dar como provada a factualidade vertida nos pontos 49, 53, 55, 56 e 57, quando refere que as fitas plásticas existentes no local da prova, eram de cores garridas e que a sua função era de delimitar e interditar/proibir a entrada e permanência de pessoas dentro do local vedado, destinado à circulação dos jipes. De facto, VI. dos depoimentos das testemunhas, não resulta que as fitas plásticas tivessem cores garridas, resultando apenas das declarações de CC, ao minuto 00:13:56 que “o percurso estava delimitado com fitas preta e azuis”. Sendo certo que, tal afirmação resulta infirmada pelo teor das fotografias juntas aos autos, mormente fls. 11 verso e 12, que mostram que as fitas eram de cor branca. Pelo que, o Tribunal não podia ter dado como provado no ponto 55 da matéria de facto que “encontrando-se todo o percurso por onde circulavam os veículos em prova integralmente delimitado por fitas plásticas de cores garridas.” Acresce que, VII. as fitas cuja função é a marcação e delimitação de áreas de perigo e imposição da proibição e/ou interdição de passagem e permanência de pessoas em determinado local e, consequentemente, o afastamento ou distanciamento em relação às zonas de perigo, são de cor garrida, geralmente listadas de cor branca e vermelha ou de cor preta e amarela ou de uma só cor forte, vermelha ou amarela, mas não de cor branca. De facto, VIII. a função das fitas existentes no local da prova, de cor branca, era delimitar o percurso a ser efectuado pelos pilotos dos jipes, para saberem qual o traçado a seguir e não interditar e/ou proibir a entrada e permanência de pessoas dentro do local por elas delimitado. Isso mesmo resulta do ponto 46 da matéria de facto (“as fitas delimitadoras do troço onde decorria a prova (…) fitas delimitadoras do local por onde se descrevia o percurso.” do ponto 48 da matéria de facto (“espaço de circulação delimitado pelas fitas delimitadoras do mesmo.”), do ponto 53 da matéria de facto (“as fitas delimitadoras (…) do percurso onde decorria a prova.”) e do depoimento das testemunhas DD, EE, FF e GG transcritos supra nos arts.º 60.º a 63.º cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. IX. Se as fitas fossem, efectivamente, de alerta de perigo e/ou de proibição/interdição de acesso e permanência deveriam ser fitas em material de alta resistência (e não plásticas) e estar devidamente afixadas, para não caírem, mas, in casu, não estavam correctamente colocadas já que era necessário estar sempre a compô-las, tal como refere a testemunha FF aos minutos 00:04:46 e 00:05:08: “andávamos sempre a compor as fitas. (…) A gente estava em vários pontos, ajudá-los a compor”, “Ia sempre compondo as fitas. Assim, X. não existia qualquer sinalização gráfica que sinalizasse o espaço destinado ao público, nem identificasse os locais de perigo e não existiam fitas delimitadoras de zonas de perigo que impusessem a proibição/interdição de acesso e permanência de pessoas em determinado espaço, e como tal não existia qualquer ordem ou imposição dirigida quer aos espectadores quer aos participantes da prova de proibição de passagem e/ou afastamento de qualquer zona de perigo. Daí que, a organização da prova tivesse que, constantemente, alertar as pessoas que se encontravam no recinto para o perigo de transporem as fitas sinalizadoras do percurso dos veículos todo o terreno e de que não podiam transpô-las, o que resultou das declarações de parte do R. BB, do depoimento das testemunhas GG, DD, FF e das declarações da legal representante da interveniente Trilho Pensado, CC transcritos supra nos arts.º 71.º a 75.º cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Mais, XI. o Tribunal não podia ter dado como provada a matéria vertida nos pontos 46 e 57 quanto à existência da alegada sinalização sonora, pois que não se provou existência dos alegados “altifalantes que se encontravam distribuídos pelo local da prova”, nem os alegados sítios em concreto onde estariam, já que os depoimentos das testemunhas DD, GG e FF e o depoimento do R. BB transcritos supra nos arts.º 84.º a 87.º cujo teor aqui se dá por reproduzido foram contraditórios entre si, e atentas as regras da lógica e da experiência comum, tratando-se de evento desportivo de veículos todo o terreno, com a afluência de muita gente, onde “estavam mais de mil ou duas mil pessoas a ver”, tal como referido pelo R. BB, ao minuto 00:16:44 do seu depoimento, a utilização de sinais e avisos sonoros não se mostra adequada nem suficiente para a segurança da prova, atento o ruído provocado pelas viaturas em circulação e o barulho provocado pelas pessoas. XII. A interveniente principal Trilho Pensado não providenciou pela assistência médica ou veículos de prevenção no local, já que o A. foi socorrido por um enfermeiro que se encontrava a assistir à prova, tal como o Tribunal deu como provado no ponto 5 da matéria de facto: tendo, logo, sido assistido no local por em enfermeiro que ali se encontrava (…).” XIII. De tudo quanto vem de se dizer, resulta que a interveniente principal, Trilho Pensado, Unipessoal, Lda. não tomou as medidas de segurança suficientes e adequadas para a protecção de participantes e espectadores da prova desportiva em causa nos autos, ou seja, de todas quantos se encontravam no recinto da prova, pelo que, não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si recaía e recai. Pelo que, deve a mesma ser condenada nos termos peticionados pelo A.. XIV. O Tribunal não podia dar como provado nos pontos 39 e 59 da matéria de facto que o A. era um mero espectador da prova desportiva em causa nos autos, porquanto: a) resulta dos pontos 1 e 3 da matéria de facto que o A. se inscreveu a participou na prova; b) a prova era de “circuito time trial”, ou seja, prova contrarrelógio, na qual cada participante corre sozinho e o vencedor da prova é determinado por aquele que percorrer o percurso definido no menor tempo, pelo que só terminaria quando todos os participantes tivessem efectuado o percurso, por forma a aferir quem o efectuou no menor tempo e quem ganhou a prova e depois de entregues os “prémios para os três mais rápidos”; c) pelo que, enquanto a prova estivesse a decorrer, naturalmente que o A., que nela estava inscrito, era seu participante. Acresce que, atenta a existência do seguro de acidentes pessoais dado como no ponto 31 da matéria de facto, que cobria os eventuais danos que viesse a ocorrer nos participantes, deve a Ré Liberty Seguros, S.A. ser condenada a indemnizar o A., pelos danos sofridos. Sendo certo que, XV. e ainda que por mera hipótese académica o A. fosse – que não era, como se deixou demonstrado – um mero espectador da prova desportiva em causa nos autos, tal como refere o Tribunal, o certo é que, em virtude da matéria de facto dada como provada nos pontos 1, 3 e 4, o mesmo foi vítima de um acidente no decorrer da prova desportiva na qual se presume a culpa da Trilho Pensado, Unipessoal, Lda., que esta não a logrou afastar, pelo que, sempre teria que ressarcir o A. pelos danos sofridos. E, uma vez que esta não celebrou o contrato de seguro obrigatório de prova desportiva a que se refere o art.º 6.º, n.º 5 do D.L. 291/2007 de 21/08, tem a que ser considerada e declarada civilmente responsável pela reparação dos danos sofridos pelo A.. XVI. O Tribunal não podia ter dado como provada a matéria vertida no ponto 62 e mais tinha que ter dado como provado que: “- Imediatamente após o autor ter enganchado o cabo no balde da retro-escavadora”, “-A máquina retroescavadora oscilou, e descaiu da posição de auto-nivelamento hidráulico em que se encontrava, e (artigo 12º da petição inicial)”; “- Como causa directa desse movimento inesperado da máquina, o cabo de aço esticou subitamente e, (artigo 13º da petição inicial)”; - Ao esticar, vibrou uma pancada violenta em ambas as pernas do autor, (artigo 14º da petição inicial).” pois que, atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, resultou provado que foi o A. quem engatou o cabo do guincho ao balde da máquina retro-escavadora e que foi colhido por um movimento brusco da máquina, o que resultou nomeadamente do depoimento de parte do A., do depoimento das testemunhas HH, II e JJ transcritos supra nos arts.º 121.º a 123.º cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. XVII. Acresce que, à excepção do depoimento de parte do R. BB onde refere, aos minutos 00:10:12 a 00:10:20 que foi o co-piloto, senhor KK, quem prendeu o guincho à retro-escavadora, das declarações de parte de legal representante de interveniente Trilho Pensado, Unipessoal, Lda. e das testemunhas arroladas pelos RR. e pelas intervenientes, resulta que ninguém viu quem foi a pessoa que engatou o guincho ao balde da máquina. Sendo certo que, o depoimento de parte do R. não pode ser positivamente valorado já que mentiu ao Tribunal, quando: a) refere que no momento que antecedeu o acidente todo o staff veio ajudar ao jipe em dificuldades, mas as testemunhas FF, DD, GG e LL contrariamente, referiram que, no momento do acidente, se encontravam noutro ponto da prova, que não o local onde o mesmo se deu, pelo que, não viram nem quem engatou o cabo à máquina, nem o acidente, conforme depoimentos transcritos supra nos arts.º 124.º a 127.º cujo teor aqui se dá por reproduzido; b) refere ao minuto 00:16:06 “tínhamos lá ambulância”, mas o Tribunal deu como provado no ponto 5 e que o A. foi “assistido no local por um enfermeiro que ali se encontrava, e pelo INEM” que veio entretanto; c) quando, e tal como se pode ler na douta sentença recorrida “confirmou a realização da prova de Trial e ter sido quem a organizou, mas por ser funcionário da interveniente Trilho Pensado, tendo feito tudo em nome desta – ora, à data, não obstante afirmar que era funcionário, era também o gerente da empresa, conforme resulta da certidão permanente analisada”, facto este que escondeu no decorrer do seu depoimento. XVIII. O Tribunal não podia ter dado como provada a matéria de facto constantes dos pontos 42, 43, 47 e 58 e mais tinha que ter dado como provado que: “- No decorrer da prova, o veículo de matrícula ..-..-KF encalhou num obstáculo, que era uma barreira íngreme,”; “- Para ajudar os pilotos a vencer, pelos seus próprios meios, este obstáculo, o organizador da prova, aqui primeiro réu, mandou colocar à frente do obstáculo uma máquina pesada, retro-escavadora a servir de ponto imóvel, fixo, (artigo 5º da petição inicial).”; “- No qual os co-pilotos, em caso de necessidade, pudessem engrenar ou fixar o gancho do cabo do guincho com que os veículos se encontravam equipados, para que, o piloto, accionando o motor do guincho do veículo, conseguisse fazer o veículo vencer o obstáculo, e prosseguir a prova, que era cronometrada (artigos 6º e 7º da petição inicial),” Porquanto, a máquina retroescavadora, dada como provada no ponto 29. da matéria de facto, “da marca NewHolland, de cor amarela e preta”, era um ponto fixo da prova tais como outros, para ajudar os participantes a superar determinados obstáculos da prova, não tendo sido levada para o local da prova com vista a rebocar aquele veículo em concreto, de matrícula ..-..-KF, ou qualquer outro, o que resultou das declarações de parte da legal representante da interveniente Trilho Pensado, CC, do depoimento das testemunhas HH, DD, EE, JJ, transcritos supra no art.º 138.º a 142.º cujo teor aqui se dá por reproduzido, que confirmaram a versão do A. vertida supra no arts.º 143.º cujo teor também aqui se dá por reproduzido. Sendo certo que, o próprio R. BB lá foi dizendo para o que, de facto, servia a máquina retroescavadora no local da prova, apesar de ainda ter dito ao Tribunal que estava lá para rebocar o veículo ...-...-GQ, conforme transcrição vertida no art.º 144.º cujo teor aqui se dá por reproduzido. XIX. O Tribunal não podia ter dado como provada a factualidade vertida nos pontos 44 e 45 da matéria de facto pois que, do depoimento de todas as testemunhas que depuseram sobre essa questão, não resulta que o guincho estivesse avariado. Aliás, pelo contrário, do depoimento de parte do A., do depoimento de parte do R. BB, das declarações de parte da legal representante da interveniente CC e dos depoimentos das testemunhas HH e EE, transcritos supra nos arts.º 146.º a 150.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido, resulta que o guincho estava a funcionar. XX. O Tribunal não podia ter condenado o A. como litigante de má-fé. pois que, conforme se deixou sobejamente demonstrado, e para o que aqui nos interessa, o que é certo e seguro é que o A. inscreveu-se e participou numa prova desportiva de veículos todo o terreno, promovida e organizada pela interveniente principal Trilho Pensado, Unipessoal, Lda.; no decorrer da qual sofreu um acidente, tendo sido colhido por uma máquina retro-escavadora que ali se encontrava para ajudar os participantes a superar um obstáculo. Pelo que, tem o A. direito a ser ressarcido pelos danos que sofreu em virtude do aludido acidente. Daí que, tenha intentado no Tribunal a acção que deu origem aos presentes autos, exercendo apenas um Direito que a lei lhe confere. Pelo que, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má-fé. XXI. Em suma: do aquisitivo processual resulta provado: - Que a R. Trilho Pensado, Unipessoal, Lda. organizou e levou a efeito uma prova desportiva de veículos todo o terreno – Circuito Time Trial; - O A. inscreveu-se como participante e foi admitido a intervir na prova; - No decurso da prova (cerca das 19h00) no local onde esta decorria foi vítima de uma grave acidente, por ter sido colhido violentamente por um cabo de aço que atrelava um Jeep da prova a uma retro-escavadora, em ambas as pernas dentro do recinto onde a prova era levada a efeito, o que lhe provocou os danos dados como provados nos pontos 4. a 28. da matéria de facto dada como provada. - No local da prova não se encontrava qualquer sinal de perigo, a não ser fitas plásticas flexíveis a delimitar o sítio por onde deviam passar os veículos; - A prova em causa consubstancia uma actividade perigosa. A autorização para a sua realização não se mostra instruída com os documentos legalmente exigíveis nos termos do art.º 3.º do Dec. Regulamentar n.º 2-A/2005 de 24.03, nem seguro de responsabilidade civil, e as fitas que usou para delimitar o circuito ou traçado por onde os veículos deviam passar não é meio apto a prevenir acidentes no recinto. - a chamada Trilho Pensado, Unipessoal, Lda., tinha transferido a responsabilidade por acidentes pessoais para a 2.ª R. LIBERTY SEGUROS, S.A.. Pelo que, - devem a chamada Trilho Pensado, Unipessoal, Lda. e a seguradora LIBERTY SEGUROS, S.A., ser condenadas a reparar os danos emergentes do acidente cfr. art.º 493.º n.º 2 do CC. 13. As Rés Liberty Seguros, S.A., e Trilho Pensado, Unipessoal, Lda., contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso. 14. O Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso, confirmando o acórdão recorrido. 15. Inconformado, o Autor AA interpôs recurso de revista. 16. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: I. O Tribunal da Relação não faz Justiça, pois: fez uso deficiente dos poderes-deveres que lhe assistem quanto à reapreciação da matéria de facto nos termos pugnados pelo recorrente nas conclusões I a XIII ao fazer uma apreciação global e genérica dos depoimentos das tes-temunhas e das partes produzidos em sede de julgamento, sem atentar nas concretas passagens de tais depoimentos e nos concretos elementos probatórios invocados pelo recorrente. Pelo que, ao abrigo do art.º 662.º, n.º 1 e 4, do C.P.C e 674.º, n.º 3, 1.ª parte, do C.P.Civil e por manifesta violação das regras processuais no exercício dos poderes de reapreciação da decisão de facto pela Relação, deve ser ordenada a remessa dos autos à 2.ª Instância para apreciação e julgamento das conclusões I a XIII. II. Não podia o Tribunal recorrido avaliar a conduta da Interveniente Trilho Pensado, Unipessoal Lda. pelo critério geral de diligência do «bonus pater familiae», no emprego das providências necessárias a afastar os perigos próprios das actividades perigosas que levou a cabo de prova desportiva de todo-o-terreno com recuso a uma máquina retroescavadora e considerar que, in casu, tomou as suficientes providências por forma a afastar o perigo e assim elidir a presunção de culpa que sobre si impendia, nos termos do disposto no art.º 493.º, n.º 2 do C.Civil, pois a elisão de tal presunção de culpa tem que ser aferida pelo critério do “diligentissimus pater familiae”. Sucede que, III. Da análise da matéria de facto dada como provada, resulta que não se provou a verificação de um tal nível de diligência (aliás nem sequer um nível médio de diligência) por parte da interveniente Trilho Pensado, Unipessoal, Ldª, pelo que, não se mostra ilidida a referida presunção de culpa. Aliás, IV. da análise ao depoimento do manobrador da retroescavadora lê-se no acórdão recorrido que “disse terem saltado várias pessoas da zona destinada ao público para ajudar a ligar o guincho do jipe GQ à retro-escavadora”, de onde resulta a total falta de medidas de segurança da prova e que, ao contrário do que refere o Tribunal, o acidente em causa nos autos não se deveu ao “autor que, de forma inopinada, imprudente e ao arrepio das instruções que consta-vam do regulamento da prova, que ele autor bem conhecia e também constrariamente aos avisos constantemente proferidos pelos altifalantes distribuídos pelo local da prova, no sentido de ninguém ultrapassar as fitas delimitadoras do troço onde decorria a prova, ultrapassou as referidas fitas delimitadoras do troço onde decorria a prova”, “tendo sido colhido no local onde se evidenciava a prova” (pontos 46 a 53 da matéria de facto), já que várias pessoas, por falta de medidas de segurança, o fizeram e também podiam ter sido colhidas pela máquina retroescavadora! V. Dizer-se como faz o Tribunal recorrido que “Não há a mínima prova de que o sinistro se tenha ficado a dever a falhas de organização, a deficiência de delimitação de zonas de prova interditas ao público e zonas destinadas a este, de falta de meios de socorro a vítimas, de falta ou deficiência de instalação sonora no recinto da prova, de deficiências de cobertura dos trabalhos por parte da organização. O sinistro não se ficou a dever à alegada fragilidade das fitas plásticas de delimitação de áreas.” é contrariar a própria presunção de culpa do n.º 2 do art.º 493.º do C.Civil, a ilidir pelo lesante, e em manifesta violação de tal preceito legal! VI. O facto de não ter resultado provada a existência do regulamento da prova, que o teor do mesmo foi veiculado aos participantes e espectadores e que dele tomaram conhecimento explica, que o Tribunal, de forma subvalorizada, refira que: “não interessa saber se os regulamentos são insuficientes e omissos, nem interessa saber se não foram cumpridos na integra pela interveniente”, “não interessa analisar estes regulamentos”. Sucede que, depois, numa atitude contraditória, o próprio Tribunal acaba por referir que, afinal, “o Autor conhecia as regras, o regulamento da prova e desenho e a organização do evento” e que“ o acidente se ficou a dever à conduta do Autor que, de forma inopinada, imprudente, e ao arrepio das instruções que constavam do regulamento da prova, que ele autor bem conhecia”. Pelo que, VII. deve o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue que: a) nos termos do disposto no art.º 493.º, n-º 2 do C.Civil no exercício da actividade perigosa, ao lesante não basta provar que agiu com os cuidados que um homem normal, em circunstâncias igualmente normais e de acordo com a diligência do bom pai de família (conforme exige o art.º 487.º, n.º 2), mas antes provar que agiu empregan-do todos os deveres especiais de cuidado, como uma pessoa excepcionalmente diligente; b) in casu, não resulta provado que a Interveniente Trilho Pensado empregou todos os deveres especiais de cuidado adequados e aptos ao afastamento dos perigos inerentes à actividade perigosa de prova de perícia automóvel todo o terreno e actividade de utilização naquela prova de uma retroescavadora; c) não logrou a interveniente Trilho Pensado, Unipessoal. Ld.ª afastar a presunção de culpa que sobre si impendia, e impende. d) ficou provado o nexo causal entre o perigo das actividades perigosas levadas a cabo pela interveniente e as lesões sofridas pelo A.. e) deve a interveniente Trilho Pensado, Unipessoal. Lda. ser condenada nos termos peticionados pelo A./recorrente. VIII. Dando aqui por integralmente reproduzido tudo quanto se disse anteriormente e sendo o presente recurso julgado procedente quanto à questão de Direito aí invocada, deve ser dada sem efeito a condenação do recorrente como litigante de má-fé. Nos sobreditos termos, deve o presente recurso ser admitido, e julgado procedente, por provado, revogando-se o douto Acórdão recorrido, e substituindo-o por outro que confira ao A. o direito a ver reparados os prejuízos que sofreu com o acidente causado por falta de cuidado e diligencia da recorrida. 17. A Ré Trilho Pensado, Unipessoal, Lda, contra-alegou. pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso. 18. Em despacho de 16 de Março de 2023, o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator não admitiu o recurso de revista. 19. O despacho de não admissão do recurso é do seguinte teor: Veio o Autor AA em 31-1-2023, relativamente ao Douto Acórdão proferido interpor recurso de revista para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça. Invoca para tal o disposto nos artigos 674º, 1, a) e b) e 671º, todos do CPC. Porém, verifica-se que o Douto Acórdão confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, pelo que nos termos do disposto no artigo 671º, 3 do CPC, dele não cabe o recurso pretendido. Não admito o recurso - artigo 641º, 2, a) do CPC. Custas pelo Recorrente, ora Autor. 20. Inconformado, o Autor AA veio reclamar do despacho de 16 de Março de 2023, ao abrigo do art. 643.º do Código de Processo Civil. 21. Fundamentou a sua reclamação nos seguintes termos: 1.º Foi o aqui recorrente notificado do douto despacho que não admitiu o recurso de revista por si interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, com o seguinte teor: “Veio o Autor AA em 31-1-2023, relativamente ao Douto Acórdão proferido interpor recurso de revista para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça. Invoca para tal o disposto nos artigos 674.º, 1, a) e b) e 671.º, todos do CPC. Porém, verifica-se que o Douto Acórdão confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na .1ª instância, pelo que nos termos do disposto no artigo 671.º, 3 do CPC, dele não cabe o recurso pretendido. Não admito o recurso - artigo 641.º, 2, a) do CPC. Custas pelo Recorrente…” Sucede que, 2.º o despacho que pela presente via se põe em crise, limita-se a transcrever o texto da Lei, e carece, em absoluto, da falta de fundamentação de facto e de direito, com as legais consequências. Mais, 3.º ao contrário do referido pelo Tribunal da Relação, a matéria que o recorrente submeteu à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça no recurso de revista que interpôs do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, não consubstancia a verificação de qualquer situação de dupla conforme, susceptível de obstar à apreciação e julgamento do recurso de revista interposto. De facto, 4.º dispõe o art.º 671.º, n.º 3 do C.P.Civil que: “ sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”. Ora, 5.º no caso dos autos, o A./recorrente interpôs o recurso de revista, ao abrigo do disposto nos arts.º 671.º e 674.º, n.º 1 als. a) e b) do C.P.Civil e subsumiu as respectivas alegações e conclusões recursivas a três questões: 1. “II – Da violação, pelo Tribunal da Relação, das regras processuais atinentes à reapreciação da matéria de facto”, a que correspondem os arts.º 2 a 12.º do corpo da alegação e o ponto I das conclusões; e 2. “III – Da errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 493.º, n.º 2 do C.Civil”, a que correspondem os arts.º 13.º a 34.º do corpo da alegação e os pontos II a VII das conclusões, e 3.“IV – Da litigância de má-fé”, a que corresponde o art.º 35.º do corpo da alegação e o ponto VIII das conclusões. Sendo que, 6.º ao invés do referido pelo Tribunal da Relação, não se verifica quanto a cada das questões suscitadas pelo recorrente que “o douto acórdão confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância”. Assim, 7.º a questão “II – Da violação, pelo Tribunal da Relação, das regras processuais atinentes à reapreciação da matéria de facto”, foi suscitada nos presentes autos, apenas e só, no recurso de revista interposto e não antes, pelo que não foi conhecida nem do Tribunal de Primeira Instância nem do Tribunal de Segunda Instância. De facto, 8.º a questão relativa ao uso deficiente que o Tribunal da Relação fez dos poderes-deveres que lhe assistem quanto à reapreciação da matéria de facto nos termos pugnados pelo recorrente na apelação, foi suscitada apenas e só no recurso de revista, interposto perante este Tribunal Superior, pelo que, não se verifica quanto a tal questão qualquer “dupla conforme”. De facto, 9.º como sobre a questão aqui em apreço vem entendendo esse Supremo Tribunal, designadamente como decidiu no Proc. n.º 65/18.9T8EPS.G1.S1 de 14.07.2021, disponível em www.dgsi.pt, de entre outras coisas, como segue: “em sede de revista interposta de acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1.ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, quando seja invocada a violação de disposições processuais no exercício dos poderes de reapreciação da decisão de facto pela Relação, este fundamento não concorre para a formação da dupla conforme prevista no n.º 3 do art.º 671.º do CPC, na medida em se está perante uma decisão criada ex novo no próprio tribunal da Relação, sem qualquer paralelo, afinidade ou contiguidade com a decisão produzida na 1.ª instância, com a qual não ocorre qualquer coincidência, como é intrínseco à dupla conforme; sem prejuízo, no entanto, de tal questão poder vir a ser novamente apreciada na eventualidade de ser negada a revista no respeitante à invocada violação de disposições processuais relativamente à decisão de direito. Assim, portanto, a decisão da Relação, ao não conhecer da impugnação da matéria de facto, forma-se, como dito, ex novo na própria Relação, sem qualquer paralelo, afinidade ou contiguidade com a decisão produzida na 1ª instância. Daí que nunca se possa falar em dupla conformidade decisória. Sendo certo, porém, que tal só vale para essa decisão, sem que se possa aproveitar a decisão para abrir o recurso a outras matérias em que se regista uma dupla conforme decisória.”. Aliás, 10.º neste mesmo sentido pronunciaram-se ainda os acórdãos desse Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2016 (JOSÉ RAINHO), de 14. 07.2016 (proc. 111/12.0TBAVV.G1.S1), de 25.05.2017 (proc. 945/13.8T2AMD-A.L1.S1), de 14.09.2017 (proc. 1676/13.4TBVLG.P1.S1), de 19.10.2017 (proc. 493/13.6TBCBT.G1.S2) e de 24.04.2018 (proc. 140/11.0TBCVD.E1.S1). Por outro lado, 11.º quanto à questão “III – Da errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 493.º, n.º 2 do C.Civil”, também não se verifica nenhuma dupla conforma, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância julgou a acção improcedente com base numa fundamentação de Direito diferente daquela com base na qual o Tribunal de Segunda instância julgou o recurso improcedente. De facto, 12.º o Tribunal de Primeira Instância julgou a acção improcedente com base no critério geral do art.º 487.º do C.Civil, assente no ónus da prova da culpa a cargo do lesado, que dispõe que: “art.º 487.º: 1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa. 2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.” Sendo que, 13.º in casu, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que não se provou a culpa do autor da lesão. 14.º Já o Tribunal de Segunda Instancia aplicou aos autos, e decidiu a apelação, com base no regime jurídico constante da norma especial do n.º 2 do art.º 493.º do C.Civil, assente na culpa presumida do lesante no âmbito das actividades perigosas, que dispõe que: “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.” 15.º Regime jurídico este, no âmbito do qual, não é necessário ao lesado a prova da culpa do autor da lesão, a qual se presume, sendo, por isso, além do mais, um regime mais favorável ao lesado. De facto, 16.º ao invés do Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal de Segunda instância, entendeu, e bem, que o A. foi vítima de um acidente no decorrer de uma prova desportiva e que, uma prova de perícia automóvel conta de que uma prova de perícia automóvel todo-o-terreno para vencimento de obstáculos e a actividade de uma máquina retroescavadora quando em serviço de socorro de uma viatura automóvel encalhada são actividades de natureza perigosa e as legais consequências, ao abrigo do disposto no art.º 493.º, n.º 2 do C.Civil. Sucede que, 17.º no entender do recorrente, o Tribunal da Relação fez errada interpretação do disposto no aludido art.º 493.º, n.º 2 do C.Civil, ao avaliar a conduta da lesante pelo critério geral de diligência do “bónus pater familiae” pois que, no exercício da actividade perigosa, ao lesante não basta provar que agiu com a diligência do bom pai de família, mas antes provar que agiu empregando todos os deveres especiais de cuidado, como uma pessoa excepcionalmente diligente, ou seja, com a diligência do “diligentissimus pater familiae”. Pelo que, 18.º como se deixa demonstrado, não se verifica nenhuma conformidade decisória, em termos de fundamentação, entre a Primeira Instância e a Segunda Instância. Por fim, 19.º a questão invocada no recurso “IV – Da litigância de má-fé”, consubstancia uma questão prejudicial e só será, de facto, conhecida e apreciada, caso o recurso relativo à questão de Direito invocada venha a ser julgada procedente. Pelo que, 20.º deve o douto despacho reclamado ser revogado e substituído por outro que admita o recurso de revista interporto pelo recorrente, ao abrigo do disposto nos arts.º 671.º e 674.º n.º 1, als. a) e b) e segs. do C.P.Civil. Termos em que deve a presente reclamação ser admitida e julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser admitido e apreciado o recurso de revista interposto pelo recorrentes do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra. 22. Em 3 de Maio de 2023, foi deferida a reclamação e, em consequ|ência, foram requisitados os autos ao tribunal recorrido. 23. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes: I. — se o Tribunal da Relação actuou ou exerceu correctamente os poderes previsto no art. 662.º do Código de Processo Civil; II. — se, na apreciação da diligência da Ré, agora Recorrida, Trilho Pensado, Unipessoal, Lda., deve aplicar-se o padrão ou standard do diligentissimus paterfamilias; caso afirmativo, III. — se estão preenchidos os requisitos da responsabilidade civil da Ré, agora Recorrida, Trilho Pensado, Unipessoal, Lda., IV. — se deve revogar-se a condenação do Autor, agora Recorrente, como litigante de má fé. II. — FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS 24. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes: 1. No dia 16.05.2015, foi realizada uma prova desportiva de veículos todo-o-terreno que se denominou de "Circuito Time Trial ", num terreno sito no Parque Industrial da cidade ... (artigo 1° da petição inicial). 2. O A. inscreveu-se como participante, e foi admitido a intervir, na referida prova desportiva, como co-piloto. (artigo 2° da petição inicial) 3. Por volta das 19h00, o autor foi colhido por um cabo de aço em ambas as pernas, tendo-o projectado sobre o solo a uma distância de cerca de 4/5 metros. (artigos 3° a 15° da petição inicial) 4. Onde ficou prostrado a gritar, com dores, por ajuda. (artigo 16º da petição inicial) 5. Tendo, logo, sido assistido no local por um enfermeiro que ali se encontrava, e pelo INEM que o assistiu no local do acidente, e o transportou para o Serviço de Urgências da Unidade .... (artigos 17° e 18° da petição inicial) 6. No referido serviço de urgência, depois de ter sido submetido a exames radiográficos, foi-lhe diagnosticada " ... luxação postero-extena do joelho direito, fractura do prato da tíbia esquerda com desvio minor e entorse grave do joelho esquerdo. ", tendo sido submetido a cirurgia para redução da luxação, sob anestesia geral e engessados os dois membros inferiores. (artigos 19° e 20° da petição inicial) 7. Foi internado no Serviço de Ortopedia, onde permaneceu durante 8 dias. (artigo 21°da petição inicial) 8. Teve alta com imobilização de ambos os joelhos, com ortótese. (artigo 22° da petição inicial) 9. Voltou a ser internado no dia 7 de Julho, imediatamente a seguir, (artigo 23° da petição inicial) 10. E foi submetido a programa intensivo de reabilitação, com recurso a tratamento de fisioterapia até ao dia 16 de Julho, em que teve alta hospitalar. (artigo 24' da petição inicial) 11. Permaneceu internado com repouso no leito até ao dia 22.05.2017. (artigo 25° da petição inicial) 12. Período durante o qual continuou a frequentar consultas de reabilitação, das quais teve alta em 10.12.2016. (artigo 26° da petição inicial) 13. À data do acidente o autor tinha 26 anos. (artigo 27° da petição inicial) 14. O autor era um rapaz alegre, activo e bem-disposto, quer no seio familiar quer com os amigos, (artigo 28° da petição inicial) 15. Prestava a sua força de trabalho no negócio de família que é prosseguido pelos pais, no âmbito do qual, conduzia os veículos comerciais, comprava, transportava e vendia produtos agrícolas como batatas, cebolas, castanha e, também, lenha própria para ser consumida em lareiras (artigos 29° a 32° da petição inicial) 16. Era saudável, e não tomava medicamentos. (artigo 33" da petição inicial) 17. Gostava de sair com os amigos e, de ir para a praia e para o rio, de conduzir veículos automóveis, e praticava desporto, nomeadamente fazia caminhadas, e jogava futebol. (artigos 34° a 39°, da petição inicial) 18. Como consequência directa e necessária do acidente, o autor nunca mais voltou a ser o mesmo. (artigo 40° da petição inicial) 19. Inicialmente ficou totalmente imobilizado, dependente de cadeira de rodas, e ficou dependente de terceira pessoa, durante sete semanas, que o levava à rua para as deslocações que necessitava de fazer e, nomeadamente o levava e acompanhava aos tratamentos de fisioterapia, e o ajudava a deitar e a levantar da cama, a vestir e a calçar, a tomar banho, e a tratar da vida diária. (artigos 41 ° a 48° da petição inicial) 20. Ainda hoje, não consegue correr. (artigos 49° e 500 da petição inicial) 21. Deixou de praticar desporto, de fazer caminhadas e de jogar futebol. (artigos 51° a 53° da petição inicial) 22. Tem muita dificuldade em subir e descer escadas, só o fazendo uma a uma. (artigo 57° da petição inicial) 23. Tem complexos em usar calções no Verão, e em ir para a praia e para o rio. (artigos 63° e 64° da petição inicial) 24. Tem sempre presente a imagem do acidente, o que lhe causa profunda tristeza, angústia e revolta. (artigo 65° da petição inicial) 25. Sente-se diminuído nas suas capacidades físicas e motoras, e sabe que, para o resto da vida terá que viver com as marcas das cicatrizes que tem em ambos os membros inferiores. (artigos 66° e 67° da petição inicial) 26. O autor apresenta as seguintes lesões e/ou sequelas: a) joelho esquerdo com instabilidade rotatória em valgo e antero-posterior; b) edema residual da perna esquerda; c) joelho direito com síndrome femuro patelar instabilidade residual antero-posterior; d) na face anterior da perna esquerda, complexo cicatricial medindo cerca de 4/4 cm; e) na face interna da perna direita, cicatriz com vestígios de pontos, medindo cerca de 7 cm. (artigo 68° da petição inicial) 27. Em consequência do acidente o período de défice funcional temporário total é fixável num período de 31 dias; o período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 178 dias; o período de repercussão temporária na actividade profissional total é fixável num período de 209 dias; o quantum doloris é fixável em 4/7; o défice funcional permanente da integração físico-psíquica fixável em 25,20 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro; as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares; o dano estético permanente fixável no grau 3/7 e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 4/7. (Relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito civil realizado) 28. Em virtude do acidente, o autor teve que despender a quantia de 945,57 euros em medicamentos, consultas, transporte em ambulâncias e, ainda, fisioterapia. (artigo 70º da petição inicial e requerimento de fls. 222 e seguintes) 29. A retro-escavadora é da marca Newholland, de cor amarela e preta. (artigos 7º e 8°, do requerimento do autor de fls. 133/134). 30. O réu não celebrou com a ré qualquer contrato de seguro de responsabilidade civil pelo qual tivesse transferido a responsabilidade do acidente. (artigo 3° da contestação da ré) 31. Foi celebrado um contrato de seguro do ramo "acidentes pessoais", titulado pela apólice nº ...40 de que é tomador "Trilho Pensado, Unipessoal, Ida" que vigorava no dia do acidente e que abrangia as seguintes coberturas: morte ou invalidez permanente - capital de 5.000,00 euros e despesas de tratamento - capital de 500,00 euros. (artigo 6° e 7° da contestação da ré) 32. A prova desportiva de veículos todo-o-terreno destinada a ultrapassar obstáculos, vulgo "Prova de obstáculos em Trial", foi promovida e realizada pela pessoa colectiva TRILHO PENSADO UNIPESSOAL Lda, sociedade comercial por quotas com o NIPC 513 339280 e sede social na Rua da Pombeira, R/C Dto, Alto da Pombeira, no limite da freguesia de Arrifana, do município da Guarda, da qual é legal representante CC, solteira, maior, NIF ..., residente na Rua ... ... ... (...) (artigos l° da contestação do réu e 1º da contestação da interveniente Trilho Pensado) 33. E não pelo réu. (artigos 2° da contestação do réu e 1 ° da contestação da interveniente Trilho Pensado) 34. Tendo sido aquela pessoa colectiva que solicitou à edilidade, bem como às autoridades policiais, as competentes autorizações e licenciamentos para a realização do evento, os quais efectivamente lhe foram concedidos por se afigurarem reunidos os respectivos requisitos de segurança. (artigos 3° da contestação do réu e 1º da contestação da interveniente Trilho Pensado) 35. Os veículos retratados nos documentos juntos a fls. 11 e 12 não eram tripulados pelo autor. (artigos 8° da contestação do réu, 9° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 10° da contestação da interveniente Matos & Prata) 36. Desde logo, o acidente que vitimou o autor no dia 16.05.2015 não ocorreu quando o mesmo se encontrava em prova no veículo que tripulava como co-piloto. (artigos 11° da contestação do réu, 12° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 13° da contestação da interveniente Matos & Prata) 37. Que era o veículo marca Nissan, modelo Patrol, com a matrícula ..-..-KF, que tinha como piloto MM. (artigos 12° da contestação do réu, 13º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 14° da contestação da interveniente Matos & Prata) 38. Tendo a prova do autor terminado cerca de 1 hora / 1,5 horas antes da ocorrência do acidente em causa. (artigo 13° da contestação do réu, 14° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 15° da contestação da interveniente Matos & Prata) 39. Já estando o autor fora da execução da prova e fora do veículo que tinha tripulado no decurso da mesma enquanto co-piloto. (artigos 14° da contestação do réu, 15° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 16° da contestação da interveniente Matos & Prata) 40. De forma diversa, no momento em ocorreu o acidente, o veículo que estava no local a ser rebocado era o veículo ...-...-GQ, também da marca Nissan, modelo Patrol. (artigos 15° da contestação do réu, 16° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 17° da contestação da interveniente Matos & Prata) 41. Mas tripulado pelo Sr. NN, como piloto, e por OO (...) motorista da pessoa colectiva J... Lda com sede ao parque industrial da ..., como co-piloto. (artigos 16° da contestação do réu, 17° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 18° da contestação da interveniente Matos & Prata) 42. Veículo este que, nos momentos que antecederam o acidente, estava a ser rebocado a partir da pista onde decorria a prova, por uma máquina retro-escavadora que tinha sido, entretanto, levada para o local. (artigos 17° da contestação do réu, 18° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 19° da contestação da interveniente Matos & Prata) 43. A qual, movimentando-se no mesmo sentido em que o veículo anteriormente seguia, e com a intervenção activa de um maquinista, mas num plano mais elevado, rebocava o ..-..-GQ para o retirar do local pois impedia a circulação por aquele troço de prova. (artigos 18° da contestação do réu. 19° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 21 ° da contestação da interveniente Matos & Prata) 44. Veículo que, pelo facto de ter danificado o respectivo eixo do rodado traseiro, não podia deslocar-se pelos próprios meio, nem fazer uso do respectivo guincho. (artigos 19°, 20º e 21 ° da contestação do réu. 20°, 21º e 22° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 22°, 24° e 25° da contestação da interveniente Matos & Prata) 45. O guincho tinha-se avariado, não se encontrando por isso em funcionamento. (artigos 22° da contestação do réu, 23° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 26° da contestação da interveniente Matos & Prata) 46. Foi o autor que, de forma inopinada, imprudente, e ao arrepio das instruções que constavam do regulamento da prova, que ele autor bem conhecia, e, também contrariamente aos avisos constantemente proferidos pelos altifalantes que se encontravam distribuídos pelo local da prova, no sentido de ninguém ultrapassar as fitas delimitadoras do troço onde decorria a prova, ultrapassou as referidas fitas delimitadoras do local por onde se descrevia o percurso. (artigos 23° a 25° da contestação do réu, 24° a 26° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 27° a 29° da contestação da interveniente Matos & Prata) 47. E invadiu o respectivo curso, precisamente no momento em que o operador da máquina retro-escavadora a movimentava no mesmo sentido do ..-..-GQ, rebocando-o. (artigos 26° e 27° da contestação do réu, 27° e 28° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 30° e 31 ° da contestação da interveniente Matos & Prata) 48. Tendo o autor sido colhido no local onde se evidenciava o referido percurso, ou seja, dentro do espaço de circulação delimitado pelas fitas delimitadoras do mesmo. (artigos 28º da contestação do réu, 29° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 32° da contestação da interveniente Matos & Prata) 49. Espaço no qual era absolutamente interdita a entrada e permanência de quaisquer espectadores, assistentes, ou outras pessoas que não fossem os próprios piloto e co-piloto do veículo imobilizado que se encontrasse em prova. (artigos 29° da contestação do réu, 30º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 33º da contestação da interveniente Matos & Prata) 50. O que não era o caso do autor (artigos 30° da contestação do réu, 31º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 34° da contestação da interveniente Matos & Prata) 51. Bem sabendo ainda o autor que era perigosa e potenciadora de eventuais danos a sua presença no local onde se fazia a tracção com o cabo de aço para reboque do veículo ali imobilizado. (artigos 31 ° da contestação do réu, 32º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 35º da contestação da interveniente Matos & Prata) 52. Assim, as lesões que o autor sofreu resultaram exclusivamente da sua conduta temerária e fortemente negligente, já que inobservadora de todas as indicações que lhe tinham sido anteriormente dadas, e continuavam a ser publicitadas de viva voz aos altifalantes. (artigos 32° da contestação do réu, 33° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 36° da contestação da interveniente Matos & Prata) 53. Se não tivesse ultrapassado as fitas delimitadoras e invadido o espaço do percurso onde decorria a prova, não teria sofrido qualquer acidente, nem em consequência lhe adviriam quaisquer lesões. (artigos 33° da contestação do réu, 34° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 37° da contestação da interveniente Matos & Prata) 54. A pessoa colectiva Trilho Pensado, Unipessoal Lda, realizadora do evento, tinha transferido para a segunda ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice ...40, a responsabilidade civil emergente de danos de natureza pessoal, e, ou, patrimonial emergentes da referida prova. (artigos 35" da contestação do réu, 35° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 10° da contestação da interveniente Matos & Prata) 55. Embora mantivesse no local da prova e zona do público todos os requisitos de segurança adequados a provas deste género, nomeadamente, encontrando-se todo o percurso por onde circulariam os veículos em prova integralmente delimitado por fitas plásticas de cores garridas. (artigos 36° e 37° da contestação do réu, 2° e 3° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 39° e 40° da contestação da interveniente Matos & Prata) 56. Estando devidamente definidas no local as zonas destinadas ao público. (artigo 38° da contestação do réu, 4° da contestação da interveniente e 41 ° da contestação da interveniente Matos & Prata) 57. Existindo sinalética gráfica e sonora a advertir o público das condutas preventivas e cuidados que deviam adoptar aquando do decurso da prova. (artigos 39° da contestação do réu, 5° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 42° da contestação da interveniente Matos & Prata) 58. O autor bem sabe que não tripulava, como co-piloto, o veículo ...-...-GQ que estava a ser rebocado no momento em que sofreu o acidente. (artigos 48º da contestação do réu, 45º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 51º da contestação da interveniente Matos & Prata) 59. E bem sabe que já se não encontrava em prova nesse preciso momento. (artigos 49º da contestação do réu, 46º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 52º da contestação da interveniente Matos & Prata) 60. E que, no momento do acidente, não se propunha regressar àquele veículo que diz que tripulava quando foi colhido pelo cabo de aço. (artigos 50º da contestação do réu, 47º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 53° da contestação da interveniente Matos & Prata) 61. Bem sabendo também que a máquina retro-escavadora não oscilou nem descaiu por acção de tracção do guincho. (artigos 51º da contestação do réu, 48º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 54° da contestação da interveniente Matos & Prata) 62. Antes tendo sido o autor que, no momento da tracção inerente ao reboque, se atravessou no local onde estava o cabo de aço. (artigos 52° da contestação do réu, 49° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 55° da contestação da interveniente Matos & Prata) 63. A chamada não era proprietária nem possuidora da máquina retro-escavadora (artigo 5º da contestação da interveniente Matos & Prata). 64. Como não tinha designado qualquer colaborador ou trabalhador seu para com ela operar (artigo 6° da contestação da interveniente Matos & Prata). 25. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes: - Foi o primeiro réu que promoveu e levou a efeito a prova desportiva de veículos todo-o-terreno em causa nos autos (artigo 1° da petição inicial). - No decorrer da prova (artigo 3º da petição inicial) - O veículo em que seguia, encalhou num obstáculo, que era uma barreira íngreme, (artigo 4º da petição inicial) - Para ajudar os pilotos a vencer, pelos seus próprios meios, este obstáculo, o organizador da prova, aqui primeiro réu, mandou colocar à frente do obstáculo uma máquina pesada, retro-escavadora a servir de ponto imóvel, fixo, (artigo 5º da petição inicial) - No qual os co-pilotos, em caso de necessidade, pudessem engrenar ou fixar o gancho do cabo do guincho com que os veículos se encontravam equipados, para que, o piloto, accionando o motor do guincho do veículo, conseguisse fazer o veículo vencer o obstáculo, e prosseguir a prova, que era cronometrada (artigos 6º e 7º da petição inicial) - Para ajudar o piloto a vencer esse obstáculo e continuar a prova, cabia ao autor, enquanto co-piloto, soltar o cabo do guincho do veículo e prender o respectivo gancho no balde da máquina (artigo 7º da petição inicial). - Obrigação que o autor cumpriu, na convicção para si certa e segura de que a máquina ali colocada pelo primeiro réu se encontrava de facto fixa e imobilizada como rocha. (artigo 9º da petição inicial) - Imediatamente após o autor ter enganchado o cabo no balde da retro -escavadora, (artigo 10º da petição inicial) - Quando regressava ao interior do veículo, (artigo 11º da petição inicial) - A máquina retro-escavadora oscilou, e descaiu da posição de auto-nivelamento hidráulico em que se encontrava, e (artigo 12º da petição inicial) - Como causa directa desse movimento inesperado da máquina, o cabo de aço esticou subitamente e, (artigo 13º da petição inicial) - Ao esticar, vibrou uma pancada violenta em ambas as pernas do autor, (artigo 14º da petição inicial) - Com muito regularidade, (artigo 37º da petição inicial) - Mantém dificuldade em andar, e (artigo 49º da petição inicial) - Passou a ter uma vida sedentária, (artigo 54º da petição inicial) - E engordou cerca de 10 kg. (artigo 55º da petição inicial) - Deixou de poder conduzir, e de exercer a actividade comercial que exercia no negócio de família, (artigo 56º da petição inicial) - Só o faz com o apoio de um corrimão ou de terceira pessoa. (artigo 58º da petição inicial) - Tem muitas dores em ambas as pernas, (artigo 59º da petição inicial) - Usa permanentemente joelheira elástica porque a perna direita continua muito inchada. (artigo 60º da petição inicial) - Não sabia o que era um comprimido e passou a ter que tomar calmantes para dormir, e (artigo 61º da petição inicial) comprimidos para as dores. (artigo 62º da petição inicial) - O autor está sem trabalhar e, com isso, sem receber o salário correspondente ao exercício da sua actividade profissional de transporte, compra e venda de lenhas e outros produtos agrícolas, desde a data do acidente até hoje, no valor de 525,00€, correspondente ao salário mínimo nacional, relativo a quarenta e dois meses. (artigo 83º da petição inicial) - O autor continua impedido de exercer a atrás referida actividade, pela dificuldade de uso das pernas. (artigo 84º da petição inicial) - A incapacidade permanente do autor poderá ser de 100% para a sua profissão habitual, (artigos 85º a 87º da petição inicial) - O autor está sempre em posição de inferioridade face a um concorrente, a um pretendente ao mesmo posto de trabalho, ao mesmo emprego, com o que será sempre preterido. (artigo 97º da petição inicial) - O autor irá necessitar, até final da sua vida, de assistência médica e medicamentosa, tratamentos fisiátricos, consultas de osteopatia, ortopedia e de acompanhamento psiquiátrico. (artigo 102º da petição inicial) - E de novas intervenções cirúrgicas, porquanto, trata-se de lesões articulares dos dois joelhos, em que não se mostra restabelecida a estabilidade ligamentos, e por isso com futuras alterações degenerativas. (artigo 103º da petição inicial) - Com a realização da nova intervenção cirúrgica, o autor irá ter que deixar de trabalhar, quer no tempo de clausura hospitalar, quer ainda no período de recuperação, (artigo 108º da petição inicial) - O primeiro réu transferiu para a segunda ré parte da responsabilidade emergente dos acidentes que ocorressem no decurso da prova. (artigo 114º da petição inicial); - O acidente foi provocado por um cabo de aço que, ligado a uma retro-escavadora, que tinha sido levada para o local, a qual, por falta de perícia, desleixo ou falta de cuidado do maquinista, esticou demasiado o cabo, tendo-o feito brandir uma violenta pancada no autor (artigos 2º a 4º, do requerimento do autor de fls. 133/134); - A retro-escavadora foi levada para o local pela proprietária, a chamada Matos & Prata (artigos 7º e 8º, do requerimento do autor de fls. 133/134). - “grupo”. (artigo 6º e 7º da contestação da ré) - O autor tem sido visto na via pública a conduzir veículos ligeiros e pesados. (artigo 41º da contestação do réu, 38º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 44º da contestação da interveniente Matos & Prata) - Anda normalmente. (artigo 42º da contestação do réu, 39º da contestação da interveniente e 45º da contestação da interveniente Matos & Prata) - Sobe e desce escadas normalmente. (artigo 43º da contestação do réu, 40º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 46º da contestação da interveniente Matos & Prata) - Continua a fazer o mesmo tipo de vida que fazia anteriormente. (artigo 44º da contestação do réu, 41º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 47º da contestação da interveniente Matos & Prata) - Tendo-se inclusivamente casado no dia 16.06.2018 em cerimónia pública onde se evidenciava a normalidade da sua postura e normal robustez física. (artigo 45º da contestação do réu, 42º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 48º da contestação da interveniente Matos & Prata). O DIREITO 26. A primeira questão suscitada pelo Autor, agora Recorrente, consiste em averiguar se o Tribunal da Relação actuou ou exerceu correctamente os poderes previstos no art. 662.º do Código de Processo Civil. 27. Em primeiro lugar, o Autor, agora Recorrente, invoca a violação da lei adjectiva (processual), ao alegar, na conclusão I do recurso de revista, que “O Tribunal da Relação […] fez uso deficiente dos poderes-deveres que lhe assistem quanto à reapreciação da matéria de facto nos termos pugnados pelo recorrente nas conclusões I a XIII ao fazer uma apreciação global e genérica dos depoimentos das testemunhas e das partes produzidos em sede de julgamento, sem atentar nas concretas passagens de tais depoimentos e nos concretos elementos probatórios invocados pelo recorrente”. 28. Em segundo lugar, o Autor, agora Recorrente imputa a violação da lei adjectiva (processual) ao Tribunal da Relação, ao alegar, ainda na conclusão I do recurso de revista, que “[…] ao abrigo do art.º 662.º, n.º 1 e 4, do C.P.C e 674.º, n.º 3, 1.ª parte, do C.P.Civil e por manifesta violação das regras processuais no exercício dos poderes de reapreciação da decisão de facto pela Relação, deve ser ordenada a remessa dos autos à 2.ª Instância para apreciação e julgamento das conclusões I a XIII”. 29. Ora as conclusões I a XIII do recurso de apelação são do seguinte teor: I - Calcorreando os autos constata-se que o Tribunal fez errada aplicação do Direito. De facto, deu provado no ponto 1 da matéria de facto que “no dia 16.05.2015, foi realizada uma prova desportiva de veículos todo o terreno.” Ora, a prova desportiva em causa nos autos é uma actividade perigosa, relativamente à qual tem aplicação o art.º 493.º n.º 2 do C.C., que estabelece uma presunção de culpa da entidade organizadora da mesma, in casu, a sociedade Trilho Pensado, Unipessoal, Lda. (ponto 32 da matéria de facto), na verificação do acidente que vitimou o A.. II. O Tribunal deu como provados os factos vertidos nos pontos 46 a 53 de onde resulta que o acidente que vitimou o A. se deveu a culpa exclusiva do mesmo, que desrespeitou as instruções e prescrições de segurança da prova, o que, in casu, afastaria a referida presunção legal de culpa da interveniente principal. Sucede que, o Tribunal fez errada interpretação, apreciação e valoração da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal e por depoimentos e declarações de parte, porquanto, o acidente em causa nos autos não se deveu a culpa do A. mas sim à falta de cumprimento dos deveres de diligência adequados à organização do evento desportivo em causa nos autos, a cargo da interveniente principal Trilho Pensado, Unipessoal, Lda.. Assim, e desde logo, III. o pedido de autorização para a realização da prova desportiva, junto a fls. 69 a 74, apresentado pela interveniente Trilho Pensado na Câmara Municipal ... não se mostra instruído com o regulamento da prova, nos termos do art.º 3.º do Dec. Reg. n.º 2-A/2005 de 24.03. De facto, nem os RR. nem as intervenientes principais lograram provar: a) a existência do regulamento da prova, onde constassem as regras e prescrições de segurança da prova, o plano que identificasse as zonas de particular perigo, as zonas adequadas para a assistência dos espectadores e as medidas adequadas para controlar os riscos em todas as zonas do percurso para quem se encontrasse no recinto da prova; b) que o teor do alegado regulamento foi veiculado aos participantes e espectadores da prova e de que forma; c) que os participantes e espectadores tomaram conhecimento seu conteúdo. Pelo que, o Tribunal não podia ter dado como provado no ponto 46 da matéria de facto “ao arrepio das instruções que constavam do regulamento da prova, que ele autor bem conhecia.” IV. Nem os RR. nem as intervenientes principais lograram provar nem demonstrar nos autos, o cumprimento dos requisitos e prescrições de segurança adequados à realização da prova, constantes do parecer emitido pela P.S.P. junto a fls. 53 dos autos, mormente qual a concreta sinalética gráfica existente no local, qual o concreto local da respectiva fixação, por forma aferir se era visível do público e dos participantes. Pelo que, o Tribunal o não podia ter dado como provado no Ponto 56 da matéria de facto que “estando devidamente definidas no local as zonas destinadas ao público” e no Ponto 57 da matéria de facto que “existindo sinalética gráfica (…) a advertir o advertir o público das condutas preventivas e cuidados que deviam adoptar aquando do decurso da prova.”. V. O Tribunal não podia dar como provada a factualidade vertida nos pontos 49, 53, 55, 56 e 57, quando refere que as fitas plásticas existentes no local da prova, eram de cores garridas e que a sua função era de delimitar e interditar/proibir a entrada e permanência de pessoas dentro do local vedado, destinado à circulação dos jipes. De facto, VI. dos depoimentos das testemunhas, não resulta que as fitas plásticas tivessem cores garridas, resultando apenas das declarações de CC, ao minuto 00:13:56 que “o percurso estava delimitado com fitas preta e azuis”. Sendo certo que, tal afirmação resulta infirmada pelo teor das fotografias juntas aos autos, mormente fls. 11 verso e 12, que mostram que as fitas eram de cor branca. Pelo que, o Tribunal não podia ter dado como provado no ponto 55 da matéria de facto que “encontrando-se todo o percurso por onde circulavam os veículos em prova integralmente delimitado por fitas plásticas de cores garridas.” Acresce que, VII. as fitas cuja função é a marcação e delimitação de áreas de perigo e imposição da proibição e/ou interdição de passagem e permanência de pessoas em determinado local e, consequentemente, o afastamento ou distanciamento em relação às zonas de perigo, são de cor garrida, geralmente listadas de cor branca e vermelha ou de cor preta e amarela ou de uma só cor forte, vermelha ou amarela, mas não de cor branca. De facto, VIII. a função das fitas existentes no local da prova, de cor branca, era delimitar o percurso a ser efectuado pelos pilotos dos jipes, para saberem qual o traçado a seguir e não interditar e/ou proibir a entrada e permanência de pessoas dentro do local por elas delimitado. Isso mesmo resulta do ponto 46 da matéria de facto (“as fitas delimitadoras do troço onde decorria a prova (…) fitas delimitadoras do local por onde se descrevia o percurso.” do ponto 48 da matéria de facto (“espaço de circulação delimitado pelas fitas delimitadoras do mesmo.”), do ponto 53 da matéria de facto (“as fitas delimitadoras (…) do percurso onde decorria a prova.”) e do depoimento das testemunhas DD, EE, FF e GG transcritos supra nos arts.º 60.º a 63.º cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. IX. Se as fitas fossem, efectivamente, de alerta de perigo e/ou de proibição/interdição de acesso e permanência deveriam ser fitas em material de alta resistência (e não plásticas) e estar devidamente afixadas, para não caírem, mas, in casu, não estavam correctamente colocadas já que era necessário estar sempre a compô-las, tal como refere a testemunha FF aos minutos 00:04:46 e 00:05:08: “andávamos sempre a compor as fitas. (…) A gente estava em vários pontos, ajudá-los a compor”, “Ia sempre compondo as fitas. Assim, X. não existia qualquer sinalização gráfica que sinalizasse o espaço destinado ao público, nem identificasse os locais de perigo e não existiam fitas delimitadoras de zonas de perigo que impusessem a proibição/interdição de acesso e permanência de pessoas em determinado espaço, e como tal não existia qualquer ordem ou imposição dirigida quer aos espectadores quer aos participantes da prova de proibição de passagem e/ou afastamento de qualquer zona de perigo. Daí que, a organização da prova tivesse que, constantemente, alertar as pessoas que se encontravam no recinto para o perigo de transporem as fitas sinalizadoras do percurso dos veículos todo o terreno e de que não podiam transpô-las, o que resultou das declarações de parte do R. BB, do depoimento das testemunhas GG, DD, FF e das declarações da legal representante da interveniente Trilho Pensado, CC transcritos supra nos arts.º 71.º a 75.º cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Mais, XI. o Tribunal não podia ter dado como provada a matéria vertida nos pontos 46 e 57 quanto à existência da alegada sinalização sonora, pois que não se provou existência dos alegados “altifalantes que se encontravam distribuídos pelo local da prova”, nem os alegados sítios em concreto onde estariam, já que os depoimentos das testemunhas DD, GG e FF e o depoimento do R. BB transcritos supra nos arts.º 84.º a 87.º cujo teor aqui se dá por reproduzido foram contraditórios entre si, e atentas as regras da lógica e da experiência comum, tratando-se de evento desportivo de veículos todo o terreno, com a afluência de muita gente, onde “estavam mais de mil ou duas mil pessoas a ver”, tal como referido pelo R. BB, ao minuto 00:16:44 do seu depoimento, a utilização de sinais e avisos sonoros não se mostra adequada nem suficiente para a segurança da prova, atento o ruído provocado pelas viaturas em circulação e o barulho provocado pelas pessoas. XII. A interveniente principal Trilho Pensado não providenciou pela assistência médica ou veículos de prevenção no local, já que o A. foi socorrido por um enfermeiro que se encontrava a assistir à prova, tal como o Tribunal deu como provado no ponto 5 da matéria de facto: tendo, logo, sido assistido no local por em enfermeiro que ali se encontrava (…).” XIII. De tudo quanto vem de se dizer, resulta que a interveniente principal, Trilho Pensado, Unipessoal, Lda. não tomou as medidas de segurança suficientes e adequadas para a protecção de participantes e espectadores da prova desportiva em causa nos autos, ou seja, de todas quantos se encontravam no recinto da prova, pelo que, não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si recaía e recai. Pelo que, deve a mesma ser condenada nos termos peticionados pelo A.. 30. Com o presente recurso de revista, o Autor, agora Recorrente, pretende que o Supremo Tribunal de Justiça anule o acórdão recorrido, para que o Tribunal da Relação actue ou exerça os poderes de reapreciação da decisão de facto previstos no art. 662.º do Código de Processo Civil. 31. O art. 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil determina que O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 32. Como se diz, designadamente, nos acórdãos do STJ de 14 de Dezembro de 2016 — proferido no processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1 —, de 12 de Julho de 2018 — proferido no processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1 — e de 12 de Fevereiro de 2019 — proferido no processo n.º 882/14.9TJVNF-H.G1.A1 —, “… o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa escapa ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674º nº 3 e 682º nº 2 do Código de Processo Civil), estando-lhe interdito sindicar a convicção das instâncias pautada pelas regras da experiência e resultante de um processo intelectual e racional sobre as provas submetidas à apreciação do julgador. Só relativamente à designada prova vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige certa espécie de prova para a demonstração do facto ou fixa a força de determinado meio de prova, poderá exercer os seus poderes de controlo em sede de recurso de revista” [1]; “… está vedado ao STJ conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhe sendo permitido sindicar a actuação da Relação nos casos da designada prova vinculada ou tarifada, ou seja quando está em causa um erro de direito (arts. 674.º, n.º 3, e 682.º, nº 2)” [2]. 33. Em todo o caso, como se diz, designadamente, no acórdão do STJ de 30 de Maio de 2019 — processo n.º 156/16.0T8BCL.G1.S1 —, “[n]ão obstante a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no tocante à decisão sobre a matéria de facto ser residual e de o n.º 4 do artigo 662.º do Código de Processo Civil ser peremptório a determinar a irrecorribilidade das decisões através das quais o Tribunal da Relação exerce os poderes previstos nos n.ºs 1 e 2 da mesma norma, é admissível julgar o modo de exercício destes poderes, dado que tal previsão constitui ‘lei de processo’ para os efeitos do artigo 674.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil”. 34. O art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil determina que o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 35. Em consonância com o art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação deve “formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” [3]. 36. O acórdão recorrido fundamentou a decisão sobre a impugnação da matéria de facto na reavaliação dos meios de provas disponíveis — em concreto, sobre a reavaliação dos depoimentos de parte e dos depoimentos das testemunhas. 37. Constatando que a versão do Autor, agora Recorrente, AA não foi confirmada nem pelas declarações de parte do Réu BB, nem pelas declarações de parte da representante legal da Ré, agora Recorrida, Trilho Pensado, Unipessoal, Lda., e que só em parte foi confirmada pelos depoimentos das testemunhas HH e II, o Tribunal da Relação concluiu que “a versão do Autor é […] pouco consistente”. 38. Explicando por que é que a versão do Autor era “pouco consistente”, o Tribunal da Relação diz que “[a]versão trazida pelo Apelante ao recurso só teria lugar no caso de ausência de prova dos circunstancialismos que envolveram o sinistro” e que, em concreto, não se verificava a ausência de prov dos circunstancialismos que envolveram o sinistro. 39. Em primeiro lugar, deu por demonstrado que tinha havido uma delimitação das áreas da provas interditas ao público através da colocação de fitas plásticas e que não foi por causa da alegada “fragilidade das fitas plásticas de delimitação de áreas” que se deu o sinistro. 40. Em segundo lugar, deu por demonstrado que a delimitação das áreas das provas da prova interditas ao público através da colocação de fitas plásticas era, em concreto, suficiente: “Tratava-se de uma prova de perícia na condução e no vencimento de obstáculos, não de velocidade, a efectuar numa área adaptada de improviso para o evento. Não se vê necessidade de, ao tempo, e face ao evento trágico dos autos, pugnar pela sua substituição por gradeamentos metálicos, de madeira, fardos de palha ou sacos e areia. O público, quando indisciplinado, ultrapassa igualmente estes obstáculos”. 41. Em terceiro lugar, deu por demonstrado que o Autor, agora Recorrente, conhecia as regras da prova e estava consciente do perigo resultante da sua infracção, através da entrada nas áreas das provas da prova interditas ao público. 42. Em quarto lugar, o Tribunal da Relação deu por demonstrado que a organização da prova tinha tomado todas as providências necessárias para a assistências às vítimas de eventuais acidentes: “Logo após ter sido colhido pelo cabo, o Autor foi assistido por um profissional de saúde que se encontrava no local. Outros meios de socorro estavam presentes e chegaram prontamente, passados poucos minutos. Não houve no julgamento a mínima referência a uma eventual demora na assistência médica”. 43. Ora a fundamentação do acórdão recorrido é adequada e suficiente para que se possa concluir que o Tribunal da Relação reavaliou os meios de prova disponíveis, reponderou todas as questões de facto suscitadas, para formar uma convicção própria, e respondeu a todas as questões de facto suscitadas, fundamentando a sua resposta. 44. Em resposta à primeira questão, dir-se-á que o Tribunal da Relação actuou ou exerceu correctamente os poderes previstos no art. 662.º do Código de Processo Civil. 45. A segunda e a terceira questões suscitadas pelo Autor, agora Recorrente, consistem em averiguar: II. — se, na apreciação da diligência da Ré, agora Recorrida, Trilho Pensado deve aplicar-se o padrão ou standard do diligentissimus paterfamilias; III. — caso afirmativo, se estão preenchidos os requisitos da responsabilidade civil da Ré, agora Recorrida, Trilho Pensado, Unipessoal, Lda. 46. O Tribunal de 1.ª instância decidiu o caso através da aplicação do art. 483.º do Código Civil, sem qualificar a actividade exercida pela Recorrida, agora Reclamada, Trilho Pensado, Unipessoal, Lda., como actividade perigosa. 47. O Tribunal da Relação qualificou a actividade exercida pela Recorrida, agora Reclamada, Trilho Pensado, Unipessoal, Lda., como actividade perigosa — e, em consequência, decidiu o caso através da aplicação do art. 493.º do Código Civil. 48. O art. 493.º, n.º 2, do Código Civil é consensual ou quase-consensualmente considerado decisivo para a flexibilização do sistema de responsabilidade civil. O legislador terá acolhido o princípio da excepcionalidade da responsabilidade objectiva do art. 483.º, n.º 2, “ciente da possibilidade [de a] norma do art. 493.º, n.º 2, [do Código Civil] suprir, de certa forma, a inelutável desactualização do sistema” [4]. 49. O problema estaria em averiguar se o art. 493.º, n.º 2, age (ainda) fora do sistema de responsabilidade objectiva — como cláusula geral de responsabilidade subjectiva “impura”, por culpa presumida — ou (já) dentro do sistema de responsabilidade objectiva; está em averiguar se o art. 493.º, n.º 2, é uma fattispecie de responsabilidade subjectiva “impura”, por culpa presumida, em que o lesante não responde desde que alegue e que prove que adoptou o cuidado ou a diligência de uma pessoa normal, ou uma fattispecie de responsabilidade objectiva “impuríssima”, em que o lesante só não responde desde que alegue e que prove que adoptou o cuidado ou a diligência de uma pessoa ideal [5]. 49. Embora em abstracto relevantes, as considerações relativas à interpretação do art. 493.º, n.º 2, do Código Civil são em concreto prejudicadas pela configuração do caso sub judice. 50. O caso sub judice encontra-se de alguma forma aquém ou além da interpretação do art. 493.º, n.º 2, do Código Civil — atendendo a que está provado que o acidente foi imputável ao lesado [6][7] ou, em todo o caso, que houve culpa do lesado [8]. 51. Os factos dados como provados sob os n.ºs 46-53 e 58-62 são do seguinte teor: 46. Foi o autor que, de forma inopinada, imprudente, e ao arrepio das instruções que constavam do regulamento da prova, que ele autor bem conhecia, e, também contrariamente aos avisos constantemente proferidos pelos altifalantes que se encontravam distribuídos pelo local da prova, no sentido de ninguém ultrapassar as fitas delimitadoras do troço onde decorria a prova, ultrapassou as referidas fitas delimitadoras do local por onde se descrevia o percurso. (artigos 23° a 25° da contestação do réu, 24° a 26° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 27° a 29° da contestação da interveniente Matos & Prata) 47. E invadiu o respectivo curso, precisamente no momento em que o operador da máquina retro-escavadora a movimentava no mesmo sentido do ..-..-GQ, rebocando-o. (artigos 26° e 27° da contestação do réu, 27° e 28° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 30° e 31 ° da contestação da interveniente Matos & Prata) 48. Tendo o autor sido colhido no local onde se evidenciava o referido percurso, ou seja, dentro do espaço de circulação delimitado pelas fitas delimitadoras do mesmo. (artigos 28º da contestação do réu, 29° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 32° da contestação da interveniente Matos & Prata) 49. Espaço no qual era absolutamente interdita a entrada e permanência de quaisquer espectadores, assistentes, ou outras pessoas que não fossem os próprios piloto e co-piloto do veículo imobilizado que se encontrasse em prova. (artigos 29° da contestação do réu, 30º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 33º da contestação da interveniente Matos & Prata) 50. O que não era o caso do autor (artigos 30° da contestação do réu, 31º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 34° da contestação da interveniente Matos & Prata) 51. Bem sabendo ainda o autor que era perigosa e potenciadora de eventuais danos a sua presença no local onde se fazia a tracção com o cabo de aço para reboque do veículo ali imobilizado. (artigos 31 ° da contestação do réu, 32º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 35º da contestação da interveniente Matos & Prata) 52. Assim, as lesões que o autor sofreu resultaram exclusivamente da sua conduta temerária e fortemente negligente, já que inobservadora de todas as indicações que lhe tinham sido anteriormente dadas, e continuavam a ser publicitadas de viva voz aos altifalantes. (artigos 32° da contestação do réu, 33° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 36° da contestação da interveniente Matos & Prata) 53. Se não tivesse ultrapassado as fitas delimitadoras e invadido o espaço do percurso onde decorria a prova, não teria sofrido qualquer acidente, nem em consequência lhe adviriam quaisquer lesões. (artigos 33° da contestação do réu, 34° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 37° da contestação da interveniente Matos & Prata) […] 58. O autor bem sabe que não tripulava, como co-piloto, o veículo ...-...-GQ que estava a ser rebocado no momento em que sofreu o acidente. (artigos 48º da contestação do réu, 45º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 51º da contestação da interveniente Matos & Prata) 59. E bem sabe que já se não encontrava em prova nesse preciso momento. (artigos 49º da contestação do réu, 46º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 52º da contestação da interveniente Matos & Prata) 60. E que, no momento do acidente, não se propunha regressar àquele veículo que diz que tripulava quando foi colhido pelo cabo de aço. (artigos 50º da contestação do réu, 47º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 53° da contestação da interveniente Matos & Prata) 61. Bem sabendo também que a máquina retro-escavadora não oscilou nem descaiu por acção de tracção do guincho. (artigos 51º da contestação do réu, 48º da contestação da interveniente Trilho Pensado e 54° da contestação da interveniente Matos & Prata) 62. Antes tendo sido o autor que, no momento da tracção inerente ao reboque, se atravessou no local onde estava o cabo de aço. (artigos 52° da contestação do réu, 49° da contestação da interveniente Trilho Pensado e 55° da contestação da interveniente Matos & Prata). 52. O Tribunal de 1.º instãncia deduziu dois fundamentos para a absolvição do pedido: I. — por um lado, não teriam sido provados os factos constitutivos do direito à indemnização previstos no art. 483.º do Código Civil; II. — por outro lado, ainda que tivessem sido provados os factos constitutivos, sempre teria sido provado o facto impeditivo do direito à indemnização previsto no art. 570.º — culpa do lesado [9] 53. O Tribunal da Relação, ao deslocar o caso do art. 483.º para o art. 493.º, n.º 2, do Código Civil, desvalorizou a culpa do lesado [10] — e, desvalorizando a culpa do lesado, deduziu um fundamento, deduziu um único fundamento, para a absolvição do pedido. “a Interveniente Trilho Pensado, Unipessoal Lda., demonstra que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar o sinistro dos autos”. 54. Em todo o caso, a diferença entre as duas construções é mais aparente que real: 55. O princípio do art. 493.º, n.º 2, do Código Civil deve articular-se com o requisito da conexão de perigo ou da conexão de risco (Gefährdungs- oder Risikozusammenhang). Os danos ou prejuízos por que responde a pessoa que cria ou controla uma situação de perigo ou de risco são, apenas e só, os danos ou prejuízos que tenham sido causados pelo perigo ou risco especial capaz de explicar / de justificar a responsabilidade civil [11]. 56. Interpretando-se o princípio do art. 493.º, n.º 2, do Código Civil de acordo com o requisito da conexão de perigo ou da conexão de risco (Gefährdungs- oder Risikozusammenhang), a responsabilidade só deve ser excluída desde que o acidente não seja imputável ao perigo ou ao risco especial da actividade desenvolvida. 57. Ora, os casos em que o acidente não seja imputável ao perigo ou ao risco especial da actividade desenvolvida são os casos previstos no art. 505.º do Código Civil: — aqueles em que seja exclusivamente imputável a uma causa de força maior: — aqueles em que seja exclusivamente imputável a um comportamento do lesado; — aqueles em que seja exclusivamente imputável a um comportamento de terceiro. 58. Os factos dados como provados sob os n.ºs 46-53 e 58-62 são suficiente para que se conclua que o acidente é exclusivamente imputável ao comportamento do lesado — do Autor, agora Recorrente. 59. Em resposta à segunda e à terceira questões, dir-se-á que, ainda que, na apreciação da diligência da Ré, agora Recorrida, devesse aplicar-se o padrão ou standard do diligentissimus paterfamilias, nunca estariam preenchidos os requisitos da responsabilidade civil da Ré, agora Recorrida, Trilho Pensado, Unipessoal, Lda. 60. Finalmente, a quarta questão consiste em averiguar se deve revogar-se a condenação do Autor, agora Recorrente, como litigante de má fé. 61. O art. 542.º, n.º 3, do Código de Processo Civil é do seguinte teor: Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé. 62. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que o art. 542.º, n.º 3, do Código de Processo Civil exclui um segundo grau de recurso [12]. 63. Em consonância com as decisões relativas à primeira, à segunda e à terceira questões, deverá dizer-se, como se disse, designadamente, no acórdão do STJ 26 de Junho de 2014 — processo n.º 2733/05.6TBAMT.P1.S1 —, que “Decidida e confirmada pela Relação a condenação dos autores como litigantes de má fé na 1.ª instância, esgotada está a possibilidade de interposição de recurso para o STJ, nos termos do art. [542.º, n.º 3, do Código de Processo Civil], que limita a um grau a admissibilidade do recurso da decisão que condena por litigância de má fé”. III. — DECISÃO Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido. Custas pelo Recorrente AA. Lisboa, 6 de Julho de 2023 Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator) Nuno Ataíde das Neves José Maria Ferreira Lopes _______ [1] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1. |