Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20714/13.4YYLSB-B.L1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: EMBARGOS
EXCESSO DE PRONÚNCIA
ERRO DE PROCEDIMENTO
FACTO NOTÓRIO
APERFEIÇOAMENTO
DUPLA CONFORME
JUROS DE MORA
SUCUMBÊNCIA
Data do Acordão: 09/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO / PRAZO DA PRESTAÇÃO / PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO.
Doutrina:
- António Abrantes Santos Abrantes Geraldes, Luís Filipe Pires de Sousa e Paulo Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p.413.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 615.º, N.º 1, ALÍNEA D), 635.º, N.ºS 3, 4 E 5, 639.º, N.º 1 E 684.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 780.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 24-01-2012, PROCESSO N.º 1379/09.4TBGDR-A.CL.SL, IN WW.DGSI.PT;
- DE 08-01-2015, PROCESSO N.º 129/11.0TCGMR.G1.S1;
- DE 05-07-2016, PROCESSOS N.º 2860/10.8TBVFR.P1.S1;
- DE 13-09-2016, PROCESSO N.º 1217/10.5TTBGRD.C1.S1;
- DE 27-10-2016, PROCESSO N.º 6852/12.4TBALM.L1.S1;
- DE 16-03-2017, PROCESSO N.º 2226/13.8TJVNF-B.G1.S1;
- DE 23-03-2017, PROCESSO N.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1;
- DE 27-02-2018, PROCESSO N.º 99/15.5T8PMS.C1.S1;
- DE 01-03-2018, PROCESSO N.º 602/16.3T8AVR.S1;
- DE 27-09-2018, PROCESSO N.º 76/14.3YHLSB.L1.S1.
Sumário :
I - A dedução de facto operada pelo acórdão recorrido em sede de fundamentação da resolução de uma questão suscitada no recurso de apelação não conduz à nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, por não se tratar de um erro de procedimento, mas antes, eventualmente, de erro de julgamento.
II - Decidir se certo facto é ou não facto notório constitui ainda matéria de facto, de exclusivo julgamento pelas instâncias, subtraído ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça por via de recurso de revista.
III - A omissão do convite ao aperfeiçoamento de irregularidades ou imprecisões da matéria de facto alegada consubstanciaria, em última análise, uma mera nulidade processual secundária, de que se reclama e de que se não recorre.
IV – O julgamento improcedente, em ambas as instâncias, do pedido de declaração de nulidade da livrança oferecida como título por violação do dever de comunicação/informação das cláusulas contratuais gerais, arrimada em idêntica fundamentação jurídica, consubstancia dupla conforme parcial impeditiva da admissibilidade, nesta parte, do recurso de revista.
VTem-se entendido que não sendo os juros mora vencidos na pendência da ação atendíveis na fixação do valor da causa, também não o são para efeitos de mensuração do valor do vencimento ou da sucumbência.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,


I - Relatório
1. AA e BB deduziram oposição à execução que lhes foi movida pelo CC, S.A. (atualmente DD, S.A.).
2. A execução foi instaurada pelo CC, S.A., contra EE, S.A., FF e contra os ora Embargantes com base na celebração de um “Contrato de Consolidação (Acordo de Pagamento)”, na subscrição de uma livrança antecedida de um pacto de preenchimento e numa garantia hipotecária sobre diversos imóveis, tudo nos termos do requerimento executivo junto a fls. 2 e ss..
3. No requerimento de oposição à execução, através de embargos, os Embargantes pediram: (i) que se declare a nulidade da livrança dada à execução, por falta de um requisito essencial: a data; (ii) que a sociedade executada seja absolvida por não ser avalista da referida livrança, por faltarem a sua assinatura e o seu carimbo no verso; (iii) que se declare a nulidade do contrato (relação subjacente) por falta de carimbo e assinatura da Embargada e falta de comunicação e informação das cláusulas contratuais aos executados.
4. Na 1.ª Instância foi proferido despacho saneador (cfr. fls. 78 a 87) que:

- julgou improcedente a invocada nulidade do título executivo;

- declarou a existência de título executivo em relação à executada “EE, S.A”; e

- determinou o prosseguimento dos autos quanto à restante matéria em discussão.
5. Os Embargantes e a Exequente interpuseram recursos de Apelação – II Vol., fls. 286 a 292 e 299 a 305.
6. O Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão, decidiu:
“a) julgar improcedente o recurso da exequente/embargada;
b) julgar parcialmente procedente o recurso dos embargantes, revogando a sentença recorrida, quanto a serem devidos juros de mora à taxa anual de 4% vencidos e vincendos sobre o valor global de capital de €1.045.000,00 e de juros moratórios a taxa de 10,721% vencidos desde 26-06-2013 até 18-11-2013, desde a data de vencimento aposta na livrança exequenda até integral pagamento, acrescidos do respetivo imposto de selo, mantendo-se no demais a decisão recorrida” – II Vol., fls. 333 a 351.
7. A Embargante AA e a Exequente interpuseram recurso de Revista – II Vol., fls. 358 a 370 e 375 a 387 – em que apresentaram as seguintes
CONCLUSÕES (Embargante):
“a) O tribunal recorrido apreciou e tomou posição sobre questão que não podia conhecer, isto, porque não resulta dos autos que "(…) que o contrato foi entregue um ou dois dias antes em relação ao momento em que foi assinado, descontados sábado e domingo. "-art. 608.°, n.° 2, 2.ª parte do CPC.
b) O aresto recorrido pronunciou-se sobre questão sobre a qual não podia tomar conhecimento - excesso de pronúncia.
c) Violou, por essa razão, o douto aresto recorrido, expressamente, o art. 608.°, n.° 2,2a parte do CPC.
d) Ora, sendo assim, a decisão a quo é nula, nos termos e para os efeitos dos artigos 615.°, n.° 1, ai. d) do Código de Processo Civil, aplicável por via da alínea c) do n.° 1 do artigo 674.° do mesmo normativo legal.
e) A ora recorrente é uma pessoa média e a compreensão do teor dos complexos contratos bancários em apreciação não está ao seu alcance - factos notórios, art. 412.°, n.° 1, do CPC.
f) Assim, a alegação contida no art0 32 dos embargos continha factos essenciais que individualizavam a violação do dever de informação, mas mesmo que assim não se entendesse era susceptível de ser suprida a eventual imprecisão, através do convite ao aperfeiçoamento da matéria de facto.
g) O douto acórdão recorrido ao entender que não foram alegados factos essenciais, concretizadores do alegado no art.0 32 dos embargos de fls, nem tão pouco que devia ter havido lugar ao aperfeiçoamento da matéria de facto, cometeu erro de interpretação jurídica e, consequentemente, violou o art.0 412.°, n.° 1, bem como o art. 5.°, n.° 2, 6.°, n.° 2 in fine, 411°, 590°/4, todos do CPC, e ainda o art. 236° do CC.
h) O banco recorrido ao conceder à recorrente apenas 1 ou 2 dias para análise do contrato de consolidação e por não ter prestado as informações e comunicações exigidas por lei aos executados, violou os arts. 5.° e 6o, ambos do DL 446/85, de 25.10.
i) Devem tais cláusulas contratuais gerais ser excluídas do contrato de consolidação em causa nos autos - art. 8.°, al. a) do DL 446/85, de 25.10.
Assim não se entendendo,
j) Deve o contrato de consolidação e aditamento, serem julgados totalmente nulos, por falta de explicação e informação das cláusulas contratuais gerais que os compõem, nos termos do art. 9.°, n.° 2 do D.L. 446/85, de 25.10, e, consequentemente, ser declarada nula a livrança dada à execução.
k) Ao entender, a decisão recorrida, que os deveres de comunicação e informação foram observados, violou os artigos 5.°, 6.° e 8.°, alínea a), todos do DL 446/85 e o artigo 280.°, n.° 1 do Código Civil”.

CONCLUSÕES (Exequente):
“A - Foram constituídas duas garantias no âmbito do contrato de consolidação (Acordo de Pagamento) celebrado entre as partes supra identificadas, a saber: livrança em branco, avalizada, e uma hipoteca.
B - Verificou-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de consolidação, pelo que o ora Recorrente accionou as garantias prestadas, tendo para o efeito intentado a presente ação executiva, tendo apresentado dois título executivos, a hipoteca e a livrança.
C- Os Recorridos/Executados invocaram o preenchimento abusivo e a prática de anatocismo quanto ao cálculo de juros sobre o valor em dívida e aposto na livrança.
D- A douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância decide que: a execução para pagamento de quantia certa de que são apenso prosseguirá apenas para pagamento: Do valor de capital €1045.000,00, acrescido de juros moratórios a taxa de 10,721% vencidos desde 26/06/2013 até 18/11/2013; Do montante de imposto de seio (à taxa de 0,5%) sobre o valor global resultante da alínea a) supra; De juros de mora à taxa anual de 4% vencidos e vincendos sobre o vaior global resultante da alínea a) supra, desde 18/11/2013 até integral pagamento, acrescidos do respectivo imposto de selo.
E - Por sua vez, no douto Acórdão proferido pelo digníssimo Tribunal da Relação de Lisboa de que se recorre, acorda-se em: b) julgar parcialmente procedente o recurso dos embargantes, revogando a sentença recorrida, quanto a serem devidos juros de mora à taxa anual de 4% vencidos e vincendos sobre o valor global de capital de € 1.045.000,00 e de juros moratórios a taxa de 10,721% vencidos desde 26-06-2013 até 18-11-2013, desde a data de vencimento aposta na livrança exequenda até integral pagamento, acrescidos do respectivo imposto de selo, mantendo-se no demais a decisão recorridas.
F- Importa reter que no preenchimento da livrança se teve em consideração a redução do crédito de capital ao limite previsto no pacto de preenchimento (conforme determinado na sentença proferida pelo douto Tribunal de 1.ª instância) - € 1045.000,00, os juros moratórios à taxa de 10,721% vencidos desde 26-06-2013 até 18-11-2013, o Imposto de selo à taxa legal e os Juros de mora legais à taxa anual de 4% sobre o capital aposto na livrança desde 18-11-2013 (vencimento) até integral pagamento.
G - Assim, para determinar o valor em dívida até ao vencimento da livrança (18-11-2013) e aposto na mesma, é aplicada a taxa global de mora de 10,721 %.Taxa global, essa, que corresponde à soma da taxa de juros remuneratórios e da cláusula penal, conforme contratualmente estipulado entre as partes, e o respectivo imposto do selo, legalmente previsto.
H - Após o preenchimento da livrança e face ao disposto no artigo 48° LULL, aplicável às livranças ex vi do artigo 77° da mesma lei, o beneficiário de uma livrança pode exigir do subscritor e dos avalistas o valor de juros de mora sobre o respectivo montante correspondentes ao normal juro legal, actualmente de 4%. Conforme explanado na douta sentença proferida pelo tribunal de 1a instância.
I - Ou seja, no domínio da acção executiva fundada em título cambiário, como no caso em apreço, os limites daquela não se circunscrevem ao quantitativo constante do título dado à execução, ou seia, aos limites literais deste último, pois que sempre haverá que tomar em linha de conta, quando devidamente peticionados, os restantes direitos indemnizatórios que assistam ao respectivo portador (arts. 48° e 77° da LULL), direitos que, não obstante não consignados no título, pela sua legal e taxativa atribuição àquele portador, não podem deixar de ser tidos em tinha de conta pelo julgador. Conforme Acórdão da Relação de Lisboa, processo 8273/2007-6, de 18-10-2007, relator Pereira Rodrigues.
J - Pelo que, não pode o respetivo portador do título de crédito, neste caso o ora Recorrente, ser prejudicado pelo não pagamento do valor em dívida no prazo fixado para o efeito.
K - Assim, o sistema legal português prevê, nos artigos 48° e 77° da LULL, a faculdade do portador do título de crédito peticionar juros de mora à taxa legal de 4% sobre o valor aposto na livrança, nas situações em que os devedores na qualidade de subscritores/avalista não procedam ao pagamento desse valor no prazo fixado para o efeito.
L - Ou seja, o ora Recorrente, tem legitimidade para exigir do subscritor e dos avalistas o valor dos juros de mora sobre o respetivo montante, aposto na livrança, correspondentes ao normal juro legal, atuaimente de 4%.
M - A situação supra exposta, não constitui um caso de anatocismo previsto no artigo 560° do Código Civil, porquanto, conforme explanado no douto Acórdão da Relação de Lisboa de que ora se recorre: o exequente limitou-se a proceder à liquidação dos juros e a preencher a livrança pelo montante da soma do capital e juros em divida, não capitalizando quaisquer juros.
N - Face ao supra exposto, não pode o ora Recorrente conformar-se com o douto Acórdão da Relação no que diz respeito à inexigibilidade dos juros legais de 4%, devidos após vencimento da livrança e calculados sobre o valor aposto, porquanto para além de os mesmos serem legalmente admissíveis e exigíveis, conforme explicado, o ora Recorrente não pode ser prejudicado ad eternum pelo não pagamento da livrança.
O - Conclui-se, deste modo, que o portador de letras, livranças ou cheques, quando o respectivo pagamento estiver em mora, pode exigir que a indemnização correspondente a esta consista nos juros legais. (Conforme explanado no Acórdão da Relação de Guimarães, processo n° 2047/14.0TBGMR-A.G1 de 08-10-2015, relator José Amaral disponível em http://www.dasi.Pt/itrq.nsf/-/AE15DOEE83597EC880257F18005AEED5)
P - Razão pela qual, e salvo melhor opinião em sentido diverso, não poderão restar dúvidas de que é legítimo, por legalmente previsto, ao portador da livrança contabilizar os juros legais à taxa de 4% sobre o valor aposto na livrança”.

II – Questões a decidir

Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões formuladas pelos Recorrentes, nos termos dos arts. 635.º, n.os 3-5, e 639.º, n.º 1, do CPC, as questões suscitadas nesta revista são as seguintes:
a) nulidade do acórdão (als. a)-d) do recurso da Embargante);
b) alegação e convite ao aperfeiçoamento (als. e)-g) do recurso da Embargante);
c) violação do dever de informação (als. h)-k) do recurso da Embargante);
d) juros de mora (recurso da Exequente).

III – Fundamentação
1. De Facto
1.1. Matéria de facto provada
“1 - O CC, SA moveu contra os embargantes acção executiva oferecendo à execução, no que aos mesmos respeita, uma livrança, cf doc. de fls. 70 do processo principal.
2 - Os embargantes assinaram os contratos juntos ao requerimento executivo como docs. 1,2, e 4, cujo teor se dá como integralmente reproduzido.
3 - Os contratos juntos ao requerimento executivo como documentos números 1, 2 são compostos por cláusulas pré-feitas pela exequente que, com excepção das referentes ao montante de capital objeto do contrato, prazo de pagamento, taxa de juro, spread, e garantias, não foram sujeitas a pré-negociação com os executados embargantes.
4 - As cláusulas constantes do contrato de consolidação de crédito e seu aditamento foram disponibilizadas pela exequente aos executados BB e AA com antecipação não superior a 1 ou 2 dias em relação ao momento em que os assinaram.
5 - Os executados AA e BB subscreveram os referidos contratos sem que, com excepção dos aspectos referentes ao montante de capital objeto do contrato, prazo de pagamento, taxa de juro, spread, e garantias, lhes tenha sido explicado detalhadamente pela exequente o conteúdo de cada cláusula que os compõem.
6 - A cláusula 12, n.ª 1, do contrato de consolidação de 25.06.2012 tem a seguinte redação:
"Sem  prejuízo  do  estabelecido  na  antecedente  cláusula  décima  primeira nos  casos  de incumprimento pelo(s) segundos outorgantes(s) de qualquer obrigação emergente deste contrato, e bem assim nos casos previstos no art. 780.º do CC, ou ainda se o património do (s) segundo(s) outorgante(s) for objeto de apreensão judicial, ou por qualquer forma onerado, ou se não cumprir outras obrigações por si assumidas perante o CC, ou perante outras instituições de crédito ou financeiras do Grupo CC, ou outras operando no mercado português, o CC poderá considerar automaticamente vencidas as dividas do(s) segundo (s) outorgante(s) resultante do mesmo contrato, dando o mesmo por resolvido".

7 - A cláusula 8 do contrato de consolidação de 25.06.2012 tem a seguinte redacção:
"Em garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades assumidas ou a assumir perante o CC e derivadas deste contrato, suas eventuais prorrogações, alterações, aditamentos e/ou substituições, até á sua completa liquidação, incluindo o pagamento do capital até ao valor limite de €1.045.000,00 (um milhão e quarenta e cinco mil euros) e os correspondentes juros compensatórios e os devidos pela mora e demais encargos legais e contratuais e ainda de todas as despesas judiciais e extrajudiciais que o CC venha a fazer para a cobrança do seu crédito consolidado, foram CONSTITUÍDAS A FAVOR DO CC pelo (s) segundo outorgante8s) e/ou pelo(s) Garantes(s) as seguintes garantias, que se mantém plenamente válidas e eficazes:
1.1. Hipoteca constituída em 06/12/2006 (...).
1.2. Livrança em branco emitida e subscrita pelo(s) segundo(s) outorgantes à ordem do CC, em substituição da(s) livrança(s) já entregues, com aval dado ao (s) subscritor(es) pelo (s) garantes BB, AA e FF, que todos o(s) interveniente (s) cambiário (s) autorizam (m) desde já o Banco, nos casos de incumprimento deste contrato, e/ou das suas eventuais prorrogações, alterações, aditamentos, e/ou substituições, conforme aqui preceituado, a preencher pelo valor que lhe for devido, a fixar-lhe as datas de emissão e vencimento, bem como a designar o local de pagamento, autorizando ainda o CC a debitar o valor do imposto de selo, que se mostre devido, em quaisquer contas de depósito á ordem de que nele seja(m) titular(es)."
8 - A embargada preencheu a livrança por capital no valor de €1065.896,60 e juros no valor de €61956,01 correspondentes ao período de 26.04.2013 até 18.11.2013.
9 - As cartas enviadas aos executados embargantes e juntas no requerimento executivo como doc. 5, cujo teor se dá por reproduzido, foram subscritas por mandatários.
10 - O exequente assinou o contrato de consolidação de crédito celebrado em 25.06.2012 conforme doe 1 anexo á contestação, ora dado por reproduzido, o qual corresponde ao doe 1 anexo ao requerimento executivo mas contendo, além da assinatura dos de mais outorgantes, também a assinatura do Banco.
11 - Na apreciação das operações bancárias efetuadas pelo exequente existe margem para a negociação no que tange aos aspetos referentes ao montante de capital objeto de tais operações, prazo de pagamento, taxa de juro e spread, garantias.
12 - Os funcionários do Banco exequente encontravam-se disponíveis para esclarecer as dúvidas dos clientes emergentes de todas as operações bancárias praticadas pelo Banco, quer perante os mutuários quer perante os garantes, de forma a esclarecer a posição contratual de cada um nos termos dos contratos que outorgam.
13 - Foram disponibilizadas aos executados embargantes as minutas para leitura com 1 ou 2 dias de antecedência em relação á assinatura dos contratos.
14 - No aditamento ao contrato de consolidação celebrado em 14.01.2012 (o aditamento) os executados reconheceram-se devedores da quantia de €1061.572,59 acrescido dos juros capitalizados de €4500,00.
15 - O limite de capital acordado na cláusula 8 do contrato de consolidação coincide com o capital mutuado aquando do referido contrato.
16 - A cláusula 11.ª n.º 1 do contrato de consolidação tem a seguinte redacção:
"Em caso de incumprimento no pagamento de capital, juros compensatórios e demais encargos o(s) segundo outorgante(s) obriga(m)-se a pagar ao CC os juros compensatórios calculados à taxa praticada à data do incumprimento, acrescida da sobretaxa máxima, permitida a titulo de clausula penal devida pela mora em que incorre(u) (ram), actualmente de 4% ao ano".
17 - O montante de juros contabilizado aquando do preenchimento da livrança, em 18.11.2013 - €61.956,01-, inclui juros desde 26.04.2013 até 18.11.2013 á taxa de 6,721% (€40.993,38) e juros desde 25.05.2013 á taxa de 4% (€20.962,63).
18 - Na cláusula 7 ponto 1.3 do contrato de consolidação prevê-se:
"Sem prejuízo do cumprimento de outras obrigações estipuladas no presente, (s)/a(s) SEGUNDO(S) OUTORGANTE (s) obriga-se (am-se) para com o CC a: (...)
1.3 Pagar ao CC todas as despesas decorrentes deste contrato, nomeadamente o Imposto de Selo devido, bem como as despesas relacionadas com a formalização, registo e distrate das garantias reais prestadas ou previstas, e ainda as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de Advogado e solicitador, que o Banif tenha eventualmente de fazer para assegurar ou obter o pagamento dos seus créditos emergentes deste contrato."
11 - Os executados pagaram as seguintes prestações:
11 013/05/25 6195.04 6.69 6.705 PP EUR
10 2013/04/25 6401.50 6401.50 6.705 PG EUR
9 2013/03/25 4681.11 4681.11 6.705 PG EUR
8 2013/02/25 4681.11 4681.11 6.708 PG EUR
7 2013/01/25 4681.11 4681.11 6.708 PG EUR
6 2012/12/25 6.708 PG EUR
5 2012/11/25 5514.75 5514.75 5.832 PG EUR
4 2012/10/25 5.832 PG EUR
3 2012/09/25 5872.20 5872.20 6.185 PG EUR
2 2012/08/25 6.185 PG EUR
1 2012/07/25 5602.65 5602.65 6.185 PG EUR.”

1.2.Factos não provados

“Nada mais se provou com relevância para a causa, designadamente:
- Que o contrato de consolidação não tenha sido assinado nem carimbado pela embargada (provando-se que o foi);

- Que todas as cláusulas dos contratos não tenham sido sujeitas a pré-negociação com os executados que não participaram na sua fixação (provando-se apenas o que consta do ponto 3 da matéria provada);

- Que seja prática comercial da exequente informar o teor dos contratos quanto às implicações dos mesmos, consequências do incumprimento e demais cláusulas reguladoras do mesmo (provando-se apenas que se encontram disponíveis para esclarecer as duvidas emergentes de todas as operações bancárias praticadas pelo Banco);
- Que a exequente tenha suportado os encargos discriminados no doc 2 anexo á contestação;

- Que a data do incumprimento das prestações seja 26.04.2013
- Que sempre que os executados efectuaram pagamentos o exequente emitiu e enviou as respectivas notas de lançamento com os montantes pagos, situação que os executados não podem desconhecer.

- Que os executados nunca tenham efectivado contactos no sentido de serem esclarecidos sobre os montantes mencionados nas cartas juntas como doc 5 ao requerimento executivo".


2. De Direito

Impõe-se, agora, resolver as questões suscitadas nos recursos de ambas as partes.
2.1. Nulidade do acórdão (als. a)-d) do recurso da Embargante)
O Tribunal da Relação deve ocupar-se apenas das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe impuser ou permitir o conhecimento oficioso de outras – art. 608.º, n.º 2, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação ex vi do art. 663.º, n.º 2, do CPC.
Constituem questõescada uma das causas de pedir múltiplas que servem de fundamento a uma mesma pretensão, ou cada uma das pretensões, sob cumulação, estribadas em causas de pedir autónomas, ou ainda cada uma das exceções dilatórias ou perentórias invocadas pela defesa ou que devam ser suscitadas oficiosamente”[1].
A violação do preceito do art. 608.º, n.º 2, do CPC, é sancionada com a nulidade do acórdão, porque o juiz conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, isto é, incorreu em excesso de pronúncia – art. 615.º, n.º 1, al. d), segunda parte, do CPC. Alegada e verificada a nulidade, compete ao Supremo Tribunal de Justiça supri-la, reformando o acórdão viciado, conforme o art. 684.º, n.º 1, do CPC. 
Contudo, de acordo com o entendimento que constitui jurisprudência uniforme[2], o excesso de pronúncia e as demais causas de nulidade do acórdão reconduzem-se apenas a erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) e não também a erro de julgamento (error in judicando).
Por seu turno, constitui erro de julgamento a situação específica em que o tribunal não atende a um facto que se encontre provado ou considere um facto que não devesse ser atendido nos termos do art. 5.º, n.os 1 e 2, do CPC, na medida em que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do art. 608.º, n.º 2, do CPC. Importa, nesta sede, ter em conta a norma do art. 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores ex vi dos arts. 663.º, n.º 2, e 679.º, do CPC[3].
E esta é (no sentido de alegada) a situação anómala que a Embargante descreve: o acórdão recorrido, perante a prova de o contrato de consolidação ter sido celebrado a 25 de junho de 2012, segunda-feira, deduziu e afirmou que (fls. 346) “é lógico que tal contrato não foi entregue pela exequente aos executados no sábado ou no domingo anteriores. Assim, apenas podemos concluir, que o contrato foi entregue um ou dois dias antes em relação ao momento em que foi assinado, descontados sábado e domingo”.
Esta situação não se reconduz a um erro in procedendo, ou seja, à nulidade do acórdão invocada pela Recorrente, que não se verifica.
Acresce que a dedução de facto operada pelo Tribunal da Relação de Lisboa não foi tratada como “questão” (para o efeito de se qualificar como novidade e sustentar o seu indevido conhecimento oficioso), mas antes como “fundamentação da resolução da questão”. Como se pode ler no acórdão recorrido, a questão tratada foi enunciada como “violação do dever de informação e de comunicação previsto legalmente em sede de cláusulas contratuais gerais” – v. fls. 341, 344 e 346.
Não pode, por isso, dizer-se que o Tribunal da Relação de Lisboa tomou conhecimento de questão de que não podia conhecer, em vista da verificação da hipótese da norma do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.  
Em síntese: A dedução de facto operada pelo acórdão recorrido em sede de fundamentação da resolução de uma questão suscitada no recurso de apelação não conduz à nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, por não se tratar de um erro de procedimento, mas antes, eventualmente, de erro de julgamento.
Deve, pelo exposto, improceder a nulidade arguida.
2.2. Ónus de alegação e convite ao aperfeiçoamento (als. e)-k) do recurso da Embargante)
A Embargante sustenta que é facto notório ser “pessoa média”, cuja compreensão do conteúdo dos complexos contratos bancários em apreço não está ao seu alcance e que a alegação contida no art. 32.º da petição de Embargos referia factos essenciais respeitantes à violação do dever de informação. Se assim se não entender, devia ter tido lugar um convite de aperfeiçoamento.
À Embargante não assiste, contudo, qualquer razão.
Na alegação dos factos constitutivos da violação do dever de informação relativo às cláusulas contratuais, enquanto fundamento da pretensa nulidade do contrato e da livrança, cujo ónus de alegação e de prova lhes competia por se tratar de matéria excetiva – art. 342.º, n.º 2, do Cód. Civil –, os Embargantes invocaram, além do mais, que “os termos e condições dos referidos contratos são complexos, não estando a sua compreensão ao alcance dos executados” - art. 32.º da petição de embargos.
Perante a não consideração da alegação produzida na matéria de facto da sentença – com o fundamento de que “os embargantes não concretizaram da sua parte qualquer óbice a tal compreensão, limitando-se a alegar de forma genérica e conclusiva nos arts. 32. da PI que os termos e condições dos referidos contratos são complexos, não estando ao seu alcance, sem concretizar porquê (…) não se alegando e provando quais os aspectos compreendidos das cláusulas contratuais não negociadas cuja aclaração se justificava, nem quais os esclarecimentos razoáveis solicitados pelos executados embargantes” (fls. 274) –, os Embargantes colocaram a questão da ampliação da matéria de facto no recurso de apelação. Todavia, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que “A argumentação do Tribunal a quo merece a nossa adesão, pois a matéria alegada pelos ora recorrentes no art 32° da petição de embargos não chega sequer a ser conclusiva, sendo antes matéria genérica sem aptidão para minimamente individualizar a violação do dever de informação deduzida. Os embargantes não concretizaram o porquê de a compreensão dos contratos não estar ao alcance deles, não identificaram nem especificaram os aspectos insertos nas cláusulas contratuais cuja aclaração se justificava. A "complexidade" dos contratos apenas sugere uma realidade ideal, vaga e abstracta. E porque se trata de alegação genérica que não permite minimamente a individualização dessa violação do dever de informação, enfermando essa alegação de uma patologia similar à falta de causa de pedir, não pode a mesma ser suprida na sequência de eventual resposta a despacho de aperfeiçoamento (veja-se o n° 4 do art 590° do CPC), nem pode ser objecto de prova por não ter a mínima individualização necessária para poder ser objecto de instrução. Não estando alegados factos essenciais, não tem sentido falar na sua insuficiência e, por isso, não há lugar a qualquer convite para suprir aquela falta, no âmbito de qualquer das hipóteses referidas no citado art 590°. Tal convite, como nele bem se diz, pressupõe a alegação dos factos essenciais integrantes da causa de pedir (o que no caso não foi feito), não se destina a suprir tal falta. Não se verifica a invocada violação dos arts 5.º n.° 2 b), 6.º n.° 2 in fine, 411.°, 590.° n.° 4, todos do CPC e art 236.° do CC”.
Repare-se, com efeito, que a adjetivação dos termos e condições dos contratos como “complexos”, cuja compreensão não está “ao alcance dos Executados”, é afirmação conclusiva por ter de resultar do confronto entre, por um lado, os termos e condições dos contratos, com análise da linguagem, comum ou técnica, utilizada e, por outro lado, o grau de escolaridade e de conhecimento dos seus destinatários, os Embargantes. Estes descuraram a alegação e prova desse resultado. Não pode, pois, concluir-se pela ininteligibilidade ou incompreensão dos referidos termos e condições dos contratos em apreço.
Os Embargantes invocaram que a sua mediana (in)compreensão configura “facto notório” e que sempre aquela conclusão devia ter sido objeto de aperfeiçoamento judicial. Não têm razão. Desde logo, decidir se certo facto é ou não facto notório constitui ainda matéria de facto, do exclusivo julgamento pelas instâncias, por não se reconduzir a algum dos casos especialmente previstos no art. 674.º, n.º 3, do CPC, que facultam o conhecimento e modificação da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça[4]. Depois, não assume notoriedade o grau de complexidade dos contratos concretamente celebrados e a sua incompreensão pelos Embargantes, pois são notórios os factos que não carecem de alegação nem de prova por serem do conhecimento geralart. 412.º, n.º 1, do CPC - e o conhecimento geral não se verifica in casu[5]. Em terceiro lugar, a omissão do convite ao aperfeiçoamento de irregularidades ou imprecisões da matéria de facto alegada consubstanciaria, em última análise, uma mera nulidade processual secundária, de que se reclama e de que se não recorre, há muito sanada por não oportunamente invocada (se existisse) e, nessa medida, não passível de ser ainda sindicada neste recurso – arts. 195.º, n.º 1, 196.º e 199.º, do CPC[6].  Em seguida, a finalidade do convite judicial ao aperfeiçoamento da matéria de facto alegada tem em vista os casos em que a mesma se mostre insuficiente ou imprecisa – art. 590.º, n.º 4, do CPC – e não também aqueloutros em que se mostre inexistente – ou seja, os casos em que as afirmações produzidas não têm cunho factual e resvalam em meros juízos genéricos, conclusivos ou de direito. Com efeito, não houve nestes cumprimento mínimo, ainda que defeituoso, do ónus de alegação que mereça a concessão judicial do seu aperfeiçoamento em ordem a poder vir a mostrar-se funcionalmente adequado a permitir a procedência do pedido ou da exceção. Afigura-se logicamente evidente que só podem ser aperfeiçoadas as realidades previamente existentes e não as inexistentes.
Em síntese: decidir se certo facto é ou não facto notório constitui ainda matéria de facto, de exclusivo julgamento pelas instâncias, subtraído ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça por via de recurso de revista; a omissão do convite ao aperfeiçoamento de irregularidades ou imprecisões da matéria de facto alegada consubstanciaria, em última análise, uma mera nulidade processual secundária, de que se reclama e de que se não recorre, há muito sanada (se existisse) e, nessa medida, não passível de ser ainda sindicada neste recurso.

2.3. Violação do dever de informação (als. h) a k) do recurso da Embargante).
Nos embargos, foi deduzida a exceção da nulidade da livrança por força da nulidade das cláusulas dos contratos que lhe estiveram subjacentes decorrente da violação do dever de comunicação/informação a cargo da exequente – art. 30.º a 39.º (fls. 6 e 7) - e fez-se-lhe corresponder o pedido expresso de absolvição do pedido por nulidade do contrato – por falta de comunicação e informação das cláusulas aos executados – al. c) (fls. 13.).
Este pedido concreto foi julgado improcedente pela sentença do Tribunal de1.ª Instância e pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. Compulsando o último, encontra-se a seguinte fundamentação:
“Na sentença recorrida argumentou-se nos seguintes termos:
"In casu estamos perante um contrato de consolidação (acordo de pagamento) que visa a reestruturação do crédito concedido num contrato de empréstimo anterior (confrontar considerandos do contrato de 25.06.2012), contrato cujo valor é superior a um milhão de Euros, e um seu aditamento, sendo que este não altera as cláusulas que não foram negociadas entre as partes no contrato de 25.06.2012, limitando a actualizar o capital de que os executados se confessam devedores e alterar o montante da prestação de juros compensatórios.
Portanto, a apreciação, nos presentes autos, do cumprimento dos deveres impostos pelo art 5.º e 6.º da LCCG limita-se apenas ao contrato de consolidação de 25.06.2012 (o aditamento não contém clausulas não negociadas e o contrato de caução hipotecária e mandato de Dezembro de 2006 é outorgado pelo Banco e pela sociedade EE — administração, locação e Investimento Imobiliário, sa, a qual não é parte neste apenso).
Provou-se que as cláusulas constantes do contrato de consolidação de crédito (e seu aditamento) foram disponibilizadas pela exequente aos executados BB e AA com antecipação não superior a 1 ou 2 dias em relação ao momento em que os assinaram.
Comprovada assim a comunicação integral, importa aferir se tal antecipação de 1 ou dois dias na comunicação do clausulado em relação á data da celebração do contrato configura a antecedência necessária ao conhecimento efectivo pelos mesmos do teor das cláusulas não negociadas, usando de comum diligência.
E parece-nos que sim.
Desde logo porque o facto de o contrato de consolidação se destinar a reestruturar uma operação de concessão de crédito anterior, um contrato de empréstimo (confrontar considerandos do contrato), o que denota que a situação de negociação e execução de contratos de crédito já não é nova para os intervenientes.
E portanto tal antecedência permitiria pelo menos a leitura do contrato e a solicitação dos esclarecimentos de que pudessem carecer, sendo certo que, no que tange aos embargantes, estamos perante contraentes que, embora outorguem também o contrato em nome próprio, são legais representantes (outorgando também o contrato nessa qualidade) de sociedades comerciais que movimentam valores elevados, conforme resulta do próprio valor do contrato, sendo-lhes exigível, usando da diligência própria do cidadão médio, que leiam integralmente o clausulado e formulem os pedidos de esclarecimento sobre as concretas clausulas que lhes suscitem duvidas. Parece-nos portanto que o dever de comunicação das cláusulas não negociadas foi cumprido pela exequente relativamente aos embargantes.
Analisemos agora o dever de informação das cláusulas.
(...) verifica-se que os ora embargantes, outorgaram o contrato em nome próprio mas também na qualidade de administradores de sociedade comerciais que movimentam valores elevados, como resulta do valor do contrato; acresce que o contrato consubstancia uma reestruturação do crédito concedido em contrato anterior.
Face a este contexto (...), a presença do contrato assinado pelos embargantes pressupõe que estes o entenderam, já que os embargantes não concretizaram da sua parte qualquer óbice a tal compreensão, limitando-se a alegar de forma genérica e conclusiva nos art 32 da p.i. que os termos e condições dos referidos contratos são complexos, não estando ao seu alcance, sem concretizar porquê. Ora, não se alegando e provando quais os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais não negociadas cuja aclaração se justificava, nem quais os esclarecimentos razoáveis solicitados pelos executados embargantes, não existe violação do dever de informação (neste sentido cf Ac STJ de 24.01.2012 proferido no Processo 1379/09.4TBGDR-A.Cl.Sl,diponivel in ww.dgsi.pt)".
Adianta-se desde já que nos merece integral acolhimento uma tal linha de entendimento. Apenas acrescentaremos algumas notas.
(sublinhado e carregado nosso)”.   

Como se retira da afirmação sublinhada e se pode confirmar pelo cotejo da fundamentação do acórdão com a fundamentação da sentença, empregou-se, essencialmente, a mesma fundamentação fáctico-jurídica para sustentar a improcedência do pedido de declaração de nulidade das cláusulas contratuais e da livrança fundado em putativa violação do dever de comunicação/informação.
Estamos, assim, relativamente a um pedido autónomo dos embargos tratado na sentença e no acórdão, perante decisões das instâncias coincidentes no sentido (de improcedência) e na fundamentação, ou seja, perante uma situação processual de dupla conforme que impede a admissibilidade do recurso nos termos gerais – art. 671.º, n.º 3, do CPC. Acresce que não se suscitam dúvidas sobre a aplicação do atual CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, em virtude do disposto nos seus arts 6.º, n.º 4, 7.º, n.º 1, a contrario (a ação executiva deu entrada em juízo a 25 de novembro de 2013, como resulta da consulta informática do requerimento executivo) e 8.º.
Por consequência, encontra-se vedada a admissibilidade do recurso de revista-regra quanto a tal segmento decisório e a que se reporta a questão suscitada de se saber se ocorreu ou não violação do dever de comunicação/informação de cláusulas contratuais gerais.
Não tendo sido interposto recurso de revista excecional – art. 672.º, n.º 1, do CPC -, não há também que remeter os autos à Formação de juízes legalmente instituída para conhecer da sua admissibilidade.
Em síntese: o julgamento improcedente, em ambas as instâncias, do pedido de declaração de nulidade da livrança oferecida como título por violação do dever de comunicação/informação das cláusulas contratuais gerais, arrimada em idêntica fundamentação jurídica, consubstancia dupla conforme parcial impeditiva da admissibilidade, nesta parte, do recurso de revista – art. 671.º, n.º 3, do CPC.
Por todo o exposto, o recurso da embargante deve ser julgado improcedente.

2.4. Juros de mora (recurso da Exequente).
Na sentença proferida, o Tribunal de 1.ª Instância determinou o prosseguimento da execução para pagamento de várias quantias, entre as quais “C) os juros de mora à taxa anual de 4% vencidos e vincendos sobre o valor global resultante da alínea a) supra, desde 18.11.2013 até integral pagamento, acrescidos do respectivo imposto de selo, sendo que na al. A) se contemplou o valor do capital de € 1045.000,00, acrescido de juros de moratórios à taxa de 10,721%, vencidos desde 26.06.2013 até 18.11.2013” fls. 281.  
Por seu turno, o acórdão  do Tribunal da Relação de Lisboa decidiu “julgar parcialmente procedente o recurso dos embargantes, revogando a sentença recorrida, quanto a serem devidos juros de mora à taxa anual de 4% vencidos e vincendos sobre o valor global de capital de € 1.045.00,00 e de juros moratórios à taxa de 10,721% vencidos desde 26-06-2013 até 18-11-2013, desde a data de vencimento aposta na livrança até integral pagamento“. E, na respetiva fundamentação, referiu que “Ora, de acordo com a sentença recorrida, a quantia exequenda é integrada por capital, juros remuneratórios, imposto de selo e juros moratórios sobre o capital e juros remuneratórios. Ao ordenar o pagamento de juros de mora sobre a quantia total da livrança é estar a pagar juros moratórios sobre juros remuneratórios”.
O cotejo da fundamentação com o segmento decisório do acórdão transcrito confirma que neste se revogou o cômputo dos juros de mora decidido na al. C) e não também na al. A) da sentença; ou seja, o acórdão apenas revogou a parte em que havia sido decidido prosseguir a execução para pagamento dos juros de mora à taxa anual de 4%, desde 18.11.2013 até integral pagamento, sobre a quantia referida em A), e não também dos juros de mora à taxa de 10,721%, vencidos desde 26.06.2013 até 18.11.2013, referidos na al. A).
Assim, mantendo no mais a sentença recorrida, o vencimento da Exequente ocorreu apenas relativamente a estes juros referidos na al. C) da sentença.

O recurso de revista só é admissível se o acórdão recorrido tiver sido desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal da Relação, ou seja, superior a € 15.000, considerando a data da propositura da ação executiva (de que estes embargos constituem apenso) – 25 de novembro de 2013 -  e o então valor da alçada do Tribunal da Relação de € 30.000 – art. 629.º, n.º 1, do CPC.

A Recorrente sindica, no recurso de revista, o segmento do acórdão do Tribunal da Relação que revogou o decidido na al. C) da sentença, portanto, os juros de mora à taxa anual de 4%, desde 18.11.2013 até integral pagamento, sobre o valor global resultante da al. A), em que se mencionava o valor do capital de € 1.045.000,00, acrescido de juros moratórios à taxa de 10,721% entre 20.06.2013 e 18.11.2012, quantia global que se computa em € 1.089.506,84.

No âmbito da quantificação do valor da sucumbência desta determinação da sentença (al. C)), revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação, surge a questão de se saber se o período dos juros de mora a calcular para efeitos de sucumbência deverá terminar à data da propositura da ação (25.11.2013), à data da prolação do acórdão do Tribunal da Relação (19.06.2018) ou noutra data posterior.

A jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que não sendo os juros vencidos na pendência da ação atendíveis na fixação do valor da causa – art. 299.º, n.º 1, do CPC -, também não o são para efeitos de mensuração do valor do vencimento ou da sucumbência[7].

De acordo com este entendimento, a sucumbência traduz-se no valor dos juros vencidos entre 18.11.2013 e (apenas) 25.11.2013, que, calculados sobre o valor global de € 1.089.506,84, perfazem o valor total (à taxa de 4%) de € 835,79. Este valor é inferior a metade do valor da alçada do Tribunal da Relação.
Por isso, o recurso de revista não é admissível.

IV – Decisão
Por o valor da sucumbência ser inferior a metade da alçada da Relação ao tempo da propositura da ação, rejeita-se o recurso de revista interposto pela Exequente.
Por ocorrer dupla conformidade parcial de decisões das instâncias obstativa da admissibilidade do recurso de revista regra, ordinário ou normal, rejeita-se parcialmente o recurso de revista interposto pela Embargante na parte em que suscita novamente a questão da violação do dever de informação, fundamentadora do pedido de declaração de nulidade da livrança oferecida como título executivo.
Julga-se improcedente o recurso de revista interposto pela Embargante, na parte sobrante (e admissível), e confirma-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

Custas na proporção do vencimento de cada um dos Recorrentes.


Lisboa, 10 de setembro de 2019


(Maria João Vaz Tomé)


(Alexandre Reis)


(António Magalhães) 

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[1] Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2016 (Tomé Gomes), proc. n.º 6852/12.4TBALM.L1.S1.

[2] Vide Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de setembro de 2018 (Olindo Geraldes), proc. n.º 76/14.3YHLSB.L1.S1, de 16 de março de 2017 (Tomé Gomes), proc. n.º 2226/13.8TJVNF-B.G1.S1, de 5 de julho de 2016 (João Camilo), proc. n.º 2860/10.8TBVFR.P1.S1, de 9 de julho de 2015 (Fernanda Isabel Pereira), Incidente n.º 592/13.4TBCBR.C1.S1, de 30 de maio de 2013 (Granja da Fonseca), proc. n.º 2209/08.0TBTVD.L1.S1.

[3] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de março de 2017 (Tomé Gomes), proc. n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e de 8 de janeiro de 2015 (João Trindade), proc. n.º 129/11.0TCGMR.G1.S1.

[4] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 1998 (Lemos Triunfante), proc. n.º 1049/98; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de março de 1999 (Armando Lourenço), proc. n.º 1232/98; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de junho de 2003 (Pires da Rosa), proc. n.º 1007/03; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de setembro de 2003 (Nuno Cameira), proc. n.º 1949/03.
[5] “Na esfera pessoal, o facto notório tem de constar como certo ou falso para a generalidade de pessoas de cultura média, entre as quais se encontra o juiz; na esfera cognoscitiva, no sentido de que tal conhecimento deve integrar a cultura médica, não integrando apenas um saber especializado; na esfera espacial, no sentido de que tal facto deve ser conhecido no território a que respeita” – vide António Abrantes Santos Abrantes Geraldes, Luís Filipe Pires de Sousa e Paulo Pimenta, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p.413. Será, por exemplo, facto notório, a inflação – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de março de 2003 (Joaquim de Matos), proc. n.º 201/03.

[6] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de outubro de 2003 (Salvador da Costa), proc. n.º 3103/03, de 22 de junho de 2005 (Silva Salazar), proc. n.º 1781/05, de 11 de julho de 2006 (Pires da Rosa), proc. n.º 1909/05, de 19 de dezembro de 2006 (Ferreira Girão), proc. n.º 4125/06, de 25 de janeiro de 2007 (João Bernardo), proc. n.º 4402/06, de 22 de abril de 2008 (Urbano Dias), proc. n.º 1067/08, de 10 de dezembro de 2009 (Garcia Calejo), proc. n.º 712/07.8TBETZ.E1.S1, de 20 de janeiro de 2010 (Santos Bernardino), proc. n.º 1282/03.1TBLGS.E1.S1, de 13 de setembro de 2016 (Gabriel Catarino), proc. n.º 1217/10.5TTBGRD.C1.S1, de 1 de março de 2018 (Maria do Rosário Morgado), proc. n.º 602/16.3T8AVR.S1.  

[7] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de março de 2002 (Barata Figueira), proc. n.º 4304/01;  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de dezembro de 2005 (Barros Caldeira), proc. n.º 3062/05; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de dezembro de 2006 (Pinto Hespanhol), proc. n.º 06S2573; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de maio de 2007 (Pereira da Silva), Incidente n.º 552/07; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de setembro de 2011 (João Trindade), proc. n.º 165/06.8TBGVA.C1.S1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de abril de 2013 (Pereira da Silva), proc.n.º 14953/02.0TVLSB.L1.S1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de outubro de 2015 (Silva Gonçalves), proc. n.º 2083/09.9TVPRT.P1.S3; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de fevereiro de 2018 (Cabral Tavares), proc. n.º 99/15.5T8PMS.C1.S1.