Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S1154
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
DISTINÇÃO
Nº do Documento: SJ200706210011544
Data do Acordão: 06/21/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. Tendo-se provado que, embora o autor levasse a cabo a sua actividade com autonomia, estava adstrito a observar as directrizes do empregador em matéria de organização do trabalho (local, horário e modo da prestação da actividade), bem como as orientações referentes à política geral do empregador, que lhe eram transmitidas pelo director da Central de Tratamento de Resíduos Sólidos, e não podia tomar decisões que envolvessem despesas, sem prévia autorização, deve concluir-se que a relação jurídica estabelecida configura, substancialmente, um contrato de trabalho e não um contrato de prestação de serviço.
2. Neste quadro fáctico, não assume qualquer relevo jurídico significativo o formalismo observado no processamento da contrapartida pela actividade laboral prestada, ou seja, a emissão de «recibos verdes», nem o pagamento de IVA, e, ainda, que a empregadora não tivesse pago ao autor qualquer quantia a título de retribuição de férias, subsídios de férias ou de Natal, nem efectuasse o registo de faltas do autor ao serviço e de ausências para gozo de férias, procedimentos que decorriam, naturalmente, da configuração que o empregador pretendia dar à relação jurídica como contrato de prestação de serviço. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 2 de Janeiro de 2004, no Tribunal do Trabalho de Setúbal, AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Empresa-A, CÂMARA MUNICIPAL DE SETÚBAL e Empresa-B, pedindo: (a) se declare a existência de um contrato de trabalho entre o autor e a ré Empresa-B; (b) se declare a transmissão do estabelecimento entre a ré Câmara Municipal de Setúbal e a ré Empresa-B, entre esta e a ré Câmara Municipal de Setúbal e entre esta e a ré Empresa-A; (c) se considere ilícita a recusa de atribuição de trabalho pela ré Empresa-A ao autor; (d) a condenação solidária das rés a pagarem-lhe as verbas correspondentes às férias e aos subsídios de férias e de Natal, vencidos, no montante de € 31.426,34; (e) a condenação da ré Empresa-A a reintegrá-lo, sem prejuízo da antiguidade e categoria profissional; (f) a condenação da ré Empresa-A a pagar-lhe as retribuições vencidas, no montante de € 7.286,40, acrescidas de todas as que se vieram a vencer; (g) a condenação da ré Empresa-A a pagar juros de mora à taxa de 4% desde a data da citação.

Todas as rés contestaram.
A Câmara Municipal de Setúbal (melhor, o Município de Setúbal) sustentou ser parte ilegítima, pois não celebrou com o autor qualquer contrato de prestação de serviços ou outro, e negou que o autor tenha mantido com a ré Empresa-B um contrato de trabalho, pedindo, em conformidade, a sua absolvição da instância ou do pedido.

A ré Empresa-A pugna pela absolvição do pedido, já que não ocorreu qualquer transmissão de contratos de trabalho da ré Empresa-B para a Empresa-A, não tendo, por isso, qualquer obrigação de admitir o autor nos seus quadros, nem pode ser considerada solidariamente responsável pelo pagamento das quantias peticionadas.

A ré Empresa-B defende a absolvição do pedido, alegando, que o autor nunca foi seu trabalhador, tendo sido celebrado entre eles um contrato de prestação de serviços que inicialmente se reportava à recolha selectiva de lixos e, depois, por acordo verbal, passou a incluir serviços relativos a outros sectores de actividade da Central de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos de Setúbal, sendo que tal contrato foi transmitido para o Município de Setúbal aquando da entrega do estabelecimento.

No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente quanto aos réus Empresa-A e Município de Setúbal e parcialmente procedente quanto à ré Empresa-B, sendo esta condenada a pagar ao autor «a quantia global e ilíquida de € 22.613,25 a título de férias e subsídios de férias proporcional a 2003, subsídios de férias de 1998 a 2003 e subsídios de Natal de 1997 a 2002».

2. Inconformada, a ré Empresa-B apelou, tendo a Relação julgado o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida, sendo contra esta decisão que a mesma ré se insurge, mediante recurso de revista, alinhando as seguintes conclusões:

a) Dos factos provados resulta evidente que era apenas o resultado da actividade prestada pelo recorrido que delimitava o carácter da sua intervenção profissional, não havendo qualquer dever de obediência às ordens emanadas da recorrente, integração na sua estrutura hierárquica ou sujeição ao respectivo poder disciplinar: o recorrido tinha plena autonomia técnica;
b) A exigência de respeito pelas orientações genéricas da recorrente não é mais que uma exigência genérica e apriorística, semelhante ao que sucede, quer no mandato [artigo 1161.º, alínea a), do Código Civil], quer na empreitada (artigos 1208.º e 1216.º, n.º 1, do Código Civil), posto que, desde que o recorrido se não afastasse de tais critérios, o mesmo poderia sempre coordenar os serviços sem qualquer interferência da recorrente;
c) Enquanto que o trabalhador tem um horário de trabalho, usualmente fixado pela entidade empregadora, afectando a sua capacidade produtiva, durante esse período de tempo, à entidade empregadora, o prestador de serviço não está na disponibilidade do dono da obra; ora, resulta da matéria de facto provada que, não só não existia disponibilidade da força de trabalho do recorrido, como o recorrido não estava sujeito a qualquer horário de trabalho, maxime a um horário de trabalho que resultasse de qualquer imposição da recorrente;
d) Para além da matéria de facto assente nos autos não permitir concluir pela existência de uma pré-determinação do local da prestação das tarefas do recorrido, tal pré-determinação, a existir, é insuficiente para qualificar o contrato como contrato de trabalho, tanto mais que não é específica do contrato de trabalho e que a especificidade própria da actividade desenvolvida pelo recorrido torna perfeitamente aceitável e justificável que essa actividade se desenvolva preferencialmente nas instalações da recorrente, sem que tal impeça, contudo, a qualificação do contrato como sendo um contrato de prestação de serviços;
e) Acresce que não se verificava o pagamento de uma quantia certa e regular pela actividade profissional desenvolvida pelo recorrido, o qual era pago pelas horas de trabalho efectivamente prestadas, não se verificando igualmente o pagamento de qualquer quantia a título de subsídio de férias e Natal, prestações estas que tipicamente caracterizam um relação de trabalho subordinado;
f) Não só alguns dos instrumentos de trabalho do recorrido pertenciam ao mesmo, como importa ter sempre em atenção que, para a qualificação de um contrato como sendo de prestação de serviços ou de trabalho, é necessário proceder à análise da relação jurídica como um todo e não ao mero somatório dos factos que poderão conduzir a uma ou outra qualificação;
g) Ora, da análise conjugada dos factos e do seu confronto com os diversos indícios de cada conceito-tipo, ou seja, com base num juízo de globalidade, impõe-se concluir terem as partes efectivamente celebrado um contrato de prestação de serviços;
h) Diga-se, por fim, que sempre que se suscitem dúvidas quanto à real vontade das partes na celebração de um contrato, se deve atender ao sentido normal da declaração negocial, atribuindo-lhe o significado que será razoável presumir em face do comportamento do declarante, e fazendo prevalecer as soluções que melhor salvaguardam os princípios da boa fé: uma vez que as partes denominaram o contrato como «contrato de prestação de serviços»; que a respectiva minuta foi da responsabilidade do próprio recorrido, seguindo, aliás, a forma de contratação que o mesmo não ignorava ser também pretendida pela recorrente; que o recorrido sempre emitiu «recibos verdes» e cobrou IVA, nunca tendo, em contrapartida, reclamado o pagamento de quaisquer subsídios de férias ou de Natal, sempre se terá de concluir, inevitavelmente, pela prestação de serviço, em detrimento do contrato de trabalho;
i) Subsidiariamente, dir-se-á ainda que, por força do previsto no contrato de concessão dos autos (transmissão automática para o Município de Setúbal, após transferência para este da Central, de todas as obrigações decorrentes para a recorrente do mencionado contrato e existentes em tal data, incluindo as relativas aos trabalhadores que, nos termos do contrato, se encontrassem afectos em exclusividade à Central) a posição jurídica que a recorrente detinha no contrato de trabalho celebrado com o recorrido se transmitiu para o mencionado Município;
j) Donde conclui a recorrente pela necessária improcedência da totalidade dos pedidos contra si deduzidos pelo recorrido nos presentes autos;
k) O acórdão recorrido interpretou, incorrectamente, o disposto nos artigos 405.º, 1152.º e 1154.º do Código Civil.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e que os pedidos contra si deduzidos sejam julgados totalmente improcedentes.

Os recorridos contra-alegaram, sustentando a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que a revista devia ser negada, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:
Se a relação jurídica estruturada pelas partes como contrato de prestação de serviços se desenvolveu nesses precisos termos, ou se, pelo contrário, a configuração que realmente assumiu impõe que seja qualificada como contrato de trabalho [conclusões a) a h), j), esta na parte atinente, e k) da alegação do recurso];
– Se as obrigações decorrentes para a recorrente do mencionado contrato, por força do previsto no Contrato de Concessão da Exploração da Central de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos de Setúbal, se transmitiram para o Município de Setúbal [conclusões i) e j), esta na parte atinente, da alegação do recurso].

Estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre 1 de Outubro de 1997 e 31 de Julho de 2003, portanto, em data anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho (1 de Dezembro de 2003) e considerando o disposto no n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II
1. As instâncias deram como provados os factos seguintes, mencionando-se entre parênteses as alíneas da matéria de facto considerada assente e os números da matéria de facto julgada provada em sede de audiência de discussão e julgamento:

1) A ré Câmara Municipal de Setúbal, adiante designada por CMS, é, por via legislativa, responsável pela recolha, transporte, tratamento e destino final dos resíduos sólidos urbanos na área do município [alínea A)];
2) Para cumprimento da referida obrigação, a ré CMS, por deliberação camarária de 24.10.1991, criou o estabelecimento denominado Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos [alínea B)];
3) As rés CMS e Empresa-B, adiante apenas designada por Empresa-B, celebraram, por escritura pública, o «Contrato de Adjudicação d[a] Empreitada de Concepção, Construção e Exploração de uma Central de Tratamento de Resíduos Sólidos», o qual consta do documento que constitui fls. 143 a 168 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [alínea C)];
4) Na sequência do qual a ré Empresa-B procedeu à construção e instalação do equipamento e à exploração da referida Central [alínea D)];
5) Em Novembro de 1997, as rés CMS e Empresa-B celebraram um «Protocolo» para recolha selectiva de lixo, denominado «Protocolo» para «Recolha Diferenciada de Papel e Cartão e Embalagens de Vidro na Área do Município de Setúbal» que consta do documento que constitui fls. 64 a 66 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [alínea E)];
6) Em Junho de 2003, a ré CMS deliberou resgatar a exploração da mencionada Central de Tratamento de Resíduos Sólidos [alínea F)];
7) Exploração essa que transmitiu à ré Empresa-A, adiante apenas designada por Empresa-A, na sequência da integração do Município de Setúbal no sistema multimunicipal operada por via do n.º 1 do Decreto-Lei n.º 127/2002, de 10.5 [alínea G)];
8) As rés CMS e Empresa-A celebraram o «Protocolo», datado de 31.07.2003, que consta do documento que constitui fls. 110 a 112 e seu anexo de fls. 113 a 115 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [alínea H)];
9) Tendo os trabalhadores, pelo menos adstritos à Central de Tratamento de Resíduos Sólidos, da ré Empresa-B rescindido o contrato com esta para, de imediato, serem admitidos ao serviço da ré Empresa-A [alínea I)];
10) O autor e a ré Empresa-B assinaram o escrito, datado de 01.10.1997 e denominado de «Contrato de Prestação de Serviços», que consta do documento que constitui fls. 171 e 172 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [alínea J)];
11) A ré Empresa-B enviou ao autor a carta, datada de 16.07.03, que consta do documento que constitui fls. 67 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [alínea K)];
12) O autor enviou à ré Empresa-B a carta que consta do documento que constitui fls. 69 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [alínea L)];
13) A ré Empresa-A enviou ao autor a carta, datada de 27.08.2003, que consta do documento que constitui fls. 70 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [alínea M)];
14) A ré Empresa-B enviou ao autor a carta, datada de 09.09.03, que consta do documento que constitui fls. 71 e 72 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [alínea N)];
15) A ré Empresa-A enviou ao Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas do Sul a carta que consta do documento que constitui fls. 73 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [alínea O)];
16) O autor, no âmbito do contrato referido na alínea J) [corresponde ao facto provado 10)], desempenhava todas as funções de coordenação da recolha selectiva de lixo, designadamente coordenação da recolha desse lixo, seu enfardamento e venda à sociedade Ponto Verde por montante por esta pré fixado e recebimento, análise e resolução de reclamações apresentadas (n.º 1);
17) Essa recolha tinha por objecto o lixo depositado nos contentores de papel/papelão e vidro existentes nos locais - Ecopontos - a isso destinados (n.º 2);
18) Locais esses que eram definidos pelas Juntas de Freguesias (n.º 3);
19) Os contentores onde era depositado o lixo, sejam os destinados ao lixo indiferenciado, sejam os destinados ao lixo objecto da recolha selectiva, que eram comercializados pela ré Empresa-B, adiante apenas designada por Empresa-B, eram por esta vendidos à ré Câmara Municipal de Setúbal, adiante designada por CMS (n.º 4);
20) A actividade de recolha do lixo referido em 1) [corresponde ao facto provado 16)] era efectuada por dois veículos pertencentes à ré CMS, sendo os dois motoristas que os conduziam trabalhadores da ré Empresa-B (n.º 5);
21) O enfardamento do lixo objecto da actividade mencionada em 1) [corresponde ao facto provado 16)] era efectuado por trabalhadores da ré Empresa-B (n.º 6);
22) Os trabalhadores mencionados em 5) e 6) [correspondem aos factos provados 20) e 21)] não desempenham, exclusivamente, a sua actividade no âmbito da recolha selectiva do lixo, pois que desempenhavam também a sua actividade profissional no âmbito da recolha do lixo indiferenciado (n.º 7);
23) Até à denúncia a que se reporta o n.º 31 [corresponde ao facto provado 46)], a actividade da recolha selectiva de lixo era levada a cabo na Central de Tratamento de Resíduos Sólidos a que se reportam as alíneas C) e D) [correspondem aos factos provados 3) e 4)], adiante apenas designada por Central (n.º 8);
24) Para além da actividade referida em 1) [corresponde ao facto provado 16)] e fora do âmbito da recolha selectiva de lixo, o autor:
Acompanhava as visitas de estudo que eram efectuadas à Central por estabelecimentos de ensino, institutos e outras entidades, actividade esta que ocorria, em média, 2 dias por semana;
Participou em 1 ou 2 acções de «caracterização» de lixo indiferenciado, acções estas que era[m], ou deveriam ser, levadas a cabo entre 2 a 6 vezes por ano, e que consistiam na análise e separação do lixo;
Coordenava a venda, pela ré Empresa-B, do lixo indiferenciado à sociedade Ponto Verde;
Apresentou um número não concretamente determinado, porém superior a duas e inferior a 10, propostas para a venda, pela ré Empresa-B, de contentores de lixo por esta comercializados;
Colaborou com o Director da Central, Eng.º BB em, pelo menos, uma proposta para fornecimento de tratamento de lixo no Litoral Alentejano (n.º 9);
25) O autor participou ainda em feiras, uma no estrangeiro e outras em Portugal, em que a ré Empresa-B estava representada (n.º 10);
26) O autor era uma pessoa da confiança do Director da Central, havendo sido, nos termos referidos em J) [corresponde ao facto provado 10)], contratado por proposta deste (n.º 11);
27) O autor reunia, informal e diariamente, com o Director da Central, o qual acompanhava e estava a par da actividade que o autor desenvolvia, sendo que o autor não reportava ou prestava contas a qualquer outra pessoa que não o mencionado Director (n.º 12);
28) Actividade essa que, dado o seu carácter rotineiro e a confiança depositada no autor conforme referido em 11) [corresponde ao facto provado 26)], o autor levava a cabo com autonomia, sem prejuízo quer das orientações referentes à política geral da ré Empresa-B, quer do referido no número seguinte [corresponde ao facto provado 27)], que lhe eram transmitidas pelo Director da Central (n.º 13);
29) A tomada de decisões, por parte do autor, que envolvessem despesas para a ré Empresa-B, designadamente a resolução de questões no âmbito da actividade referida em 1) [corresponde ao facto provado 16)] decorrentes de reclamações apresentadas dependia da autorização da ré Empresa-B, emitida ou pela Administração desta ou pelo Director da Central consoante ultrapassassem, ou não, o «plafond» para este fixado (n.º 14);
30) O autor iniciava a prestação da sua actividade às 9H00, trabalhando até às 18H00, sendo que por vezes o fazia para além das 18H00, horário esse - das 9H00 às 18H00 - que era o praticado pelo pessoal de escritório da ré Empresa-B (n.º 15);
31) O autor não picava o ponto ao contrário do que sucedia com a generalidade dos trabalhadores da ré Empresa-B (n.º 16);
32) A ré Empresa-B, como contrapartida da actividade referida nos n.os 1, 9 e 10 [correspondem aos factos provados 16) 24) e 25)], pagava ao autor a quantia [de] € 10,35 por cada hora de trabalho, acrescido de IVA (n.º 17);
33) Sendo que o autor apresentava ao Director da Central o número de horas trabalhadas, número esse não inferior a 8 horas diárias, que o referido Director verificava e rubricava sendo depois tais horas pagas pela ré Empresa-B, emitindo o autor os vulgarmente denominados «recibos verdes» (n.º 18);
34) Para efeitos de contabilidade interna da ré Empresa-B, o número de horas prestadas pelo autor era imputado à actividade desenvolvida no âmbito da recolha selectiva de lixo e à restante actividade fora desse âmbito numa proporção de cerca de 60% a 80% e de 40% a 20%, respectivamente, percentagens essas que, aproximadamente, correspondiam ao trabalho prestado pelo autor no âmbito de cada uma dessas actividades (n.º 19);
35) O autor, nas suas deslocações, utilizava viatura própria, sendo as despesas que o autor efectuasse, designadamente com combustível, suportadas pela ré Empresa-B, a qual suportou, também, as despesas com a viagem e estadia do autor aquando da participação deste na feira no estrangeiro mencionada em 10) [corresponde ao facto provado 25)] (n.º 20);
36) O autor tinha um gabinete nas instalações da ré Empresa-B, o qual era compartilhado com uma outra pessoa - Dr.ª CC - trabalhadora da ré Empresa-B (n.º 21);
37) O autor, para o exercício da sua actividade, utilizava um computador da ré Empresa-B, sendo os restantes materiais utilizados, designadamente canetas e papel, por esta fornecidos (n.º 22);
38) As despesas e receitas decorrentes da actividade desenvolvida pelo autor eram da ré Empresa-B (n.º 23);
39) O autor nunca recebeu subsídios de férias e de Natal e, pelo menos a maior parte das vezes [sic], não gozou férias (n.º 24);
40) O resgate mencionado em F) [corresponde ao facto provado 6)] foi efectuado nos termos do documento que constitui fls. 273 a 278, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (n.º 25);
41) A ré Empresa-B forneceu à ré CMS a listagem dos trabalhadores daquela afectos à Central (n.º 26);
42) A ré CMS forneceu à ré Empresa-A, adiante designada por Empresa-A, a listagem dos trabalhadores afectos à Central, da qual não constava o autor, havendo aquelas acordado que os trabalhadores constantes da mesma passariam a trabalhar para a ré Empresa-A, em cujos quadros seriam incluídos, nos termos constantes do Protocolo que consta do documento que constitui fls. 110 a 115 dos autos (n.º 27);
43) Aquando do acima referido surgiram por parte da ré Empresa-A e da ré CMS algumas dúvidas quanto aos dois motoristas afectos à recolha selectiva de lixo pelo facto de estarem afectos a tal actividade, os quais vieram, porém, a ser admitidos na ré Empresa-A (n.º 28);
44) A ré Empresa-A recusou-se a aceitar o autor nos seus quadros alegando, designadamente, que o mesmo não constava da listagem dos trabalhadores afectos à Central fornecida pela ré CMS à ré Empresa-A (n.º 29);
45) A ré Empresa-A proibiu a entrada do autor nas suas instalações (n.º 30);
46) A ré CMS denunciou o Protocolo referido na alínea E) [corresponde ao facto provado 5)] com efeitos a partir de 01.06.2003, o que comunicou à ré Empresa-B através da carta que consta do documento que constitui fls. 169 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (n.º 31);
47) Tendo a recolha selectiva do lixo, após essa denúncia, passado a ser levada a cabo pela ré Empresa-A, nas instalações desta sitas em Palmela e não na Central a que se reportam as alíneas C) e D) [correspondem aos factos provados 3) e 4)] (n.º 32);
48) Actividade essa que, pelo menos até ao referido na Al. G) [corresponde ao facto provado 7)], era executada por trabalhadores da ré Empresa-A (n.º 33);
49) A entrega, na sequência do referido na Al. G) [corresponde ao facto provado 7)], das instalações da Central à ré CMS teve lugar no dia 31.07.03 (n.º 34);
50) O autor iniciou a prestação da sua actividade, referida em 1) [corresponde ao facto provado 16)], para a ré Empresa-B, aos 01.10.1997 (n.º 35);
51) O autor forneceu à ré Empresa-B a minuta do contrato, intitulada de «Contrato de Prestação de Serviços», que consta do documento que constitui fls. 173 dos autos, sendo que as correcções que constam dos dizeres manuscritos nela apostos foram escritos por pessoa dos serviços jurídicos da ré Empresa-B (n.º 36);
52) Forma de contratação essa que foi a indicada ao autor, pelo Director da Central, aquando da proposta de contratação (n.º 37);
53) O autor não constava do registo de pessoal da ré Empresa-B, bem como do respectivo mapa de horário de trabalho, nunca havendo sido comunicado ao departamento de pessoal eventuais faltas do autor ao serviço, bem como ausências para gozo de férias (n.º 38);
54) O autor e a ré CMS, aos 01.10.2003, celebraram o contrato denominado de «Contrato de Prestação de Serviços (Modalidade de Avença)» que consta do documento que constitui fls. 193 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no âmbito do qual o autor, desde tal data, vem prestando para a mencionada ré a sua actividade profissional (n.º 39).

Este é o acervo factual disponível para resolver as questões suscitadas.

2. A primeira questão suscitada no recurso mereceu respostas concordantes na primeira instância e no tribunal da relação, ambas no sentido de que o vínculo jurídico estabelecido entre o autor e a ré Empresa-B se devia qualificar como uma relação de trabalho subordinado, tendo em consideração os indícios de subordinação jurídica resultantes dos factos dados como provados.

O acórdão recorrido explicitou, neste particular, o seguinte:
«A prestação a que o Autor estava obrigado concretizava-se em instalações da entidade servida, com meios por esta disponibilizados e tinha de fazê-lo num determinado horário, ainda que não formalmente fixado pela entidade patronal. O Autor prestava contas ao Director da Central, com o qual reunia diariamente, o que contribui para que mais fundadamente se conclua pela subordinação jurídica do Autor, que não é afastada pela relativa autonomia de que gozava. O pagamento da respectiva retribuição fazia-se em função do tempo que dedicava à função que, veja-se, não era inferior a 8 horas diárias. As apontadas especificações revelam também que não estava em causa apenas o resultado do trabalho do Autor mas a sua própria actividade que a Ré retribuía em função da disponibilidade daquele. Trata-se, pois, de um tratamento em tudo idêntico ao que se verifica em relação aos trabalhadores subordinados.
É certo que o Autor não picava o ponto, nunca recebeu subsídios de férias e de Natal, a maior parte das vezes não gozava férias e, embora pago à hora, a sua remuneração era acrescida de IVA, emitindo o Autor recibos verdes. Porém, esses elementos não são decisivos para concluir-se pela inexistência de contrato de trabalho, já que provando-se a existência de subordinação jurídica a falta de pagamento daquelas prestações e aquela forma de proceder apenas revelará que a entidade patronal infringiu as disposições legais ou convencionais que estabeleciam o respectivo direito a favor do trabalhador ou pretendiam dar uma aparência diferente daquela que era a realidade contratual.
A relação que entre as partes se estabeleceu configura, pois, analisada a factualidade provada na sua globalidade, uma relação jurídica de trabalho subordinado, nenhuma censura merecendo a decisão da 1ª instância que nesse sentido concluiu.»

Em sede de revista, a recorrente insiste que «da análise conjugada dos factos e do seu confronto com os diversos indícios de cada conceito-tipo, ou seja, com base num juízo de globalidade, impõe-se concluir terem as partes efectivamente celebrado um contrato de prestação de serviço», e que o acórdão sob recurso interpretou, incorrectamente, o disposto nos artigos 405.º, 1152.º e 1154.º do Código Civil.

2.1. Os contratos referidos têm a sua definição na lei.

De harmonia com o preceituado no artigo 1152.º do Código Civil, cuja expressão literal viria a ser reproduzida no artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, «contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta».

Por sua vez, segundo o artigo 1154.º do Código Civil, «contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».
A prestação de serviço é uma figura próxima do contrato de trabalho, não sendo sempre fácil distingui-los com nitidez, porém, duma maneira geral, tem-se entendido que é na existência ou inexistência da subordinação jurídica que se deve encontrar o critério de distinção.

Pode, portanto, concluir-se que o contrato de trabalho se caracteriza fundamentalmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade patronal, sendo que o laço de subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens, enquanto que na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da actividade.

2.2. A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho decorre precisamente do poder de direcção que a lei confere ao empregador (n.º 1 do artigo 39.º da LCT) a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º da LCT].

Porém, como vem sendo repetidamente afirmado, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de, frequentemente, se recorrer a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios.

É o que acontece nos casos em que o trabalho é prestado com grande autonomia técnica e científica do trabalhador, nomeadamente quando se trate de actividades que tradicionalmente são prestadas em regime de profissão liberal, como acontece com o exercício da actividade do médico, do engenheiro, do advogado.

A este propósito, afirmou-se no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de Novembro de 1994, proferido no Processo n.º 4090 (Acórdãos Doutrinais, n.º 399, p. 363), «[a] dependência técnica e científica não é necessária à subordinação jurídica, podendo esta restringir-se a domínios de carácter administrativo e de organização. Nessas situações, o trabalhador somente fica sujeito à observância das directrizes do empregador em matéria de organização do trabalho - local, horário, número de clientes, etc. A subordinação jurídica pode, assim, respeitar apenas à organização da actividade laboral, não obstante englobar também o poder de determinar a função do trabalhador, já que cabe ao empregador a distribuição do posto de trabalho segundo o organigrama da empresa e as necessidades desta. A subordinação jurídica existirá, pois, sempre que ocorra a possibilidade de ordens e direcção, bem como quando a entidade patronal possa de algum modo orientar a actividade laboral em si mesma, ainda que só no tocante ao lugar ou ao momento da sua prestação

Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização).

Cada um daqueles indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, por isso, o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 145), a ser formulado com base na totalidade dos elementos de informação disponíveis, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo.

Saliente-se, por último, que incumbe ao trabalhador, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolve uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário da actividade, demonstrando que se integrou na estrutura organizativa do empregador.

2.3. O autor e a ré Empresa-B assinaram, em 1 de Outubro de 1997, um designado «Contrato de Prestação de Serviços» (n.º 10 da matéria de facto provada), tendo este por objecto «a prestação por parte do Segundo Signatário [o autor] à Primeira Signatária [a ré Empresa-B] de serviços na área da coordenação e gestão da recolha selectiva implementada no Município de Setúbal» (cláusula primeira), aí constando que «[o] período normal de trabalho decorrerá numa base semanal máxima de 40 horas, podendo contudo variar em função do resultado a obter e especificidade da função a desempenhar» (cláusula terceira), situando-se o local de trabalho «nos escritórios da Primeira Signatária, sito[s] em Poçoilos – Estrada de Aljeruz, 2900 Setúbal, ou em qualquer outro relacionado com o exercício da actividade» (cláusula quarta), e «[c]omo contrapartida dos serviços prestados, a Primeira Signatária obriga--se a pagar ao Segundo Signatário o montante de Esc. 1500$00 (mil e quinhentos escudos) por hora de trabalho, acrescido do IVA à taxa aplicável» (cláusula quinta).

Ora, no caso vertente, provou-se que o autor desempenhava todas as funções de coordenação da recolha selectiva de lixo, designadamente coordenação da recolha desse lixo, seu enfardamento e venda à sociedade Ponto Verde por montante por esta pré-fixado e recebimento, análise e resolução de reclamações apresentadas, e que iniciou a prestação daquela actividade para a ré Empresa-B, em 1 de Outubro de 1997 (n.os 16 e 50 da matéria de facto provada).

Para além da actividade referida e fora do âmbito da recolha selectiva de lixo, o autor: (i) acompanhava as visitas de estudo que eram efectuadas à Central por estabelecimentos de ensino, institutos e outras entidades, actividade esta que ocorria, em média, 2 dias por semana; (ii) participou em 1 ou 2 acções de «caracterização» de lixo indiferenciado, acções estas que eram, ou deveriam ser, levadas a cabo entre 2 a 6 vezes por ano, e que consistiam na análise e separação do lixo; (iii) coordenava a venda, pela ré Empresa-B, do lixo indiferenciado à sociedade Ponto Verde; (iv) apresentou um número não concretamente determinado, porém superior a duas e inferior a 10, propostas para a venda, pela ré Empresa-B, de contentores de lixo por esta comercializados; (v) colaborou com o Director da Central, Eng.º BB em, pelo menos, uma proposta para fornecimento de tratamento de lixo no Litoral Alentejano (n.º 24 da matéria de facto provada).

O autor participou ainda em feiras, uma no estrangeiro e outras em Portugal, em que a ré Empresa-B estava representada (n.º 25 da matéria de facto provada).
Mais se apurou a factualidade que se passa a discriminar:
– O autor reunia, informal e diariamente, com o Director da Central, o qual acompanhava e estava a par da actividade que o autor desenvolvia, sendo que o autor não reportava ou prestava contas a qualquer outra pessoa que não o mencionado Director (n.º 27 da matéria de facto provada);
– A tomada de decisões por parte do autor, que envolvessem despesas para a ré Empresa-B, designadamente a resolução de questões decorrentes de reclamações apresentadas, dependia da autorização da ré Empresa-B, emitida ou pela Administração desta ou pelo Director da Central consoante ultrapassassem, ou não, o «plafond» para este fixado (n.º 29 da matéria de facto provada);
– O autor iniciava a prestação da sua actividade às 9H00, trabalhando até às 18H00, sendo que por vezes o fazia para além das 18H00, horário esse (das 9H00 às 18H00) que era o praticado pelo pessoal de escritório da ré Empresa-B (n.º 30 da matéria de facto provada);
– A ré Empresa-B, como contrapartida da actividade referida, pagava ao autor a quantia de € 10,35 por cada hora de trabalho (n.º 32 da matéria de facto provada);
– Sendo que o autor apresentava ao Director da Central o número de horas de trabalho prestadas, número esse não inferior a 8 horas diárias, que o referido Director verificava e rubricava sendo depois tais horas pagas pela ré Empresa-B (n.º 33 da matéria de facto provada);
– O autor, nas suas deslocações, utilizava viatura própria, sendo as despesas que o autor efectuasse, designadamente com combustível, suportadas pela ré Empresa-B, a qual suportou, também, as despesas com a viagem e estadia do autor aquando da participação deste na feira no estrangeiro mencionada (n.º 35 da matéria de facto provada);
– O autor tinha um gabinete nas instalações da ré Empresa-B, o qual era compartilhado com uma outra trabalhadora daquela ré (n.º 36 da matéria de facto provada);
– O autor, para o exercício da sua actividade, utilizava um computador da ré Empresa-B, sendo os restantes materiais utilizados, designadamente canetas e papel, por esta fornecidos (n.º 37 da matéria de facto provada);
– As despesas e receitas decorrentes da actividade desenvolvida pelo autor eram da ré Empresa-B (n.º 38 da matéria de facto provada).

Tais factos integram o conjunto de indícios que, no caso, poderão ser tidos como reveladores da existência de subordinação jurídica.

Em favor da inexistência da subordinação jurídica, provou-se que o autor não picava o ponto ao contrário do que sucedia com a generalidade dos trabalhadores da ré Empresa-B (n.º 31 da matéria de facto provada), as quantias relativas à actividade prestada eram pagas, acrescidas de IVA, mediante a emissão pelo autor de «recibos verdes» (n.os 32 e 33 da matéria de facto provada), o autor nunca recebeu subsídios de férias e de Natal e, a maior parte das vezes, não gozou férias (n.º 39 da matéria de facto provada), e o autor não constava do registo de pessoal da ré Empresa-B, bem como do respectivo mapa de horário de trabalho, nunca tendo sido comunicadas ao departamento de pessoal eventuais faltas do autor ao serviço, bem como ausências para gozo de férias (n.º 53 da matéria de facto provada).

O que está verdadeiramente em causa é saber se aquela relação jurídica, face à configuração que realmente assumiu, deve ser qualificada como contrato de trabalho ou de prestação de serviço.

Como é sabido, cabe em última instância ao tribunal operar a qualificação dos factos apurados, já que não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, em conformidade com o previsto no artigo 664.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos conjugados artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código, pelo que, não coarcta a liberdade do julgador neste domínio a qualificação jurídica dos factos efectivada pelas partes.

Ora, os indícios recolhidos evidenciam a existência da subordinação jurídica do autor à ré Empresa-B, uma vez que o autor estava sujeito à observância das directrizes da empregadora em matéria de organização do trabalho, nomeadamente, local, horário e modo da prestação da actividade, reunindo, informal e diariamente, com o Director da Central, o qual acompanhava e estava a par da actividade que o autor desenvolvia (n.º 27 da matéria de facto provada), dependendo a tomada de decisões, por parte do autor, que envolvessem despesas para a ré Empresa-B, da autorização da ré Empresa-B, emitida ou pela Administração desta ou pelo Director da Central consoante ultrapassassem, ou não, o «plafond» para este fixado (n.º 29 da matéria de facto provada), devendo o autor apresentar ao Director da Central o número de horas de trabalho prestadas, número esse não inferior a 8 horas diárias, que o referido Director verificava, sendo depois tais horas pagas pela ré Empresa-B (n.º 33 da matéria de facto provada), pelo que, o autor logrou demonstrar que prestava, em favor da ré Empresa-B, uma actividade sob a sua autoridade e direcção, remunerada em função do tempo de trabalho e que, no desempenho dessa actividade, integrava a estrutura empresarial da empregadora (cf. n.os 35 a 38 da matéria de facto provada).

Em suma, apurou-se que o autor se encontrava submetido à autoridade e direcção da empregadora, que lhe dava ordens acerca das tarefas a desempenhar.

Aliás, contrariando a tese da recorrente, demonstrou-se que, embora o autor levasse a cabo a sua actividade com autonomia, tal figurino operativo justificava-se pelo carácter rotineiro dessa actividade e pela confiança pessoal nele depositada (n.º 26 da matéria de facto provada), sendo que, em todo o caso, o autor estava adstrito a observar as orientações referentes à política geral da ré Empresa-B, que lhe eram transmitidas pelo Director da Central, e não podia tomar decisões que envolvessem despesas, sem prévia autorização (n.os 28 e 29 da matéria de facto provada).

Neste quadro fáctico, não assume qualquer relevo jurídico significativo o formalismo observado no processamento da contrapartida pela actividade laboral prestada, ou seja, a emissão de «recibos verdes», nem o pagamento de IVA, e, ainda, que a ré Empresa-B não tenha pago ao autor qualquer quantia a título de retribuição de férias, subsídios de férias ou de Natal, tal como não haver registo de faltas do autor ao serviço e de ausências para gozo de férias, procedimentos que decorriam, naturalmente, da configuração que a recorrente pretendia dar à relação jurídica como contrato de prestação de serviço.

Perante o acervo factual enunciado, impõe-se concluir que a relação jurídica estabelecida entre as partes configura, substancialmente, um contrato de trabalho e não um contrato de prestação de serviço, tendo o acórdão recorrido interpretado, correctamente, o preceituado nos artigos 405.º, 1152.º e 1154.º do Código Civil, pelo que, nesta conformidade, improcedem as conclusões a) a h), j), na parte atinente, e k) da alegação do recurso de revista.

3. A recorrente defende, subsidiariamente, que, no caso de se entender que a relação jurídica estabelecida entre as partes configura, substancialmente, um contrato de trabalho, então, por força do acordado no contrato de concessão dos autos, sempre se terá de concluir que a posição jurídica que a recorrente detinha naquele contrato de trabalho se transmitiu para o Município de Setúbal, contra quem o autor poderia ter exercido todos os seus direitos, incluindo, o de exigir o pagamento dos subsídios de férias e de Natal em cujo pagamento a recorrente foi condenada.

Tal como sublinha o acórdão recorrido, «só a Ré Empresa-B foi condenada e apenas no pagamento da quantia correspondente aos subsídios de férias e de Natal vencidos na vigência do contrato e aos proporcionais de férias e subsídio de férias pelo tempo de trabalho prestado em 2003 (até 31/07/2003). Todos os demais pedidos formulados pelo Autor foram julgados improcedentes, tendo nesse domínio a sentença transitado em julgado, pois que o Autor, que quanto a tais pedidos decaiu, não interpôs recurso, e só ele tinha legitimidade para o fazer.»

Assim, nesta sede, está apenas em causa ajuizar se, por força do acordado no Contrato de Concessão de Exploração da Central de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos de Setúbal, a responsabilidade pelo pagamento dos créditos reconhecidos ao autor - a quantia global e ilíquida de € 22.613,25 a título de férias e subsídios de férias proporcional a 2003, subsídios de férias de 1998 a 2003 e subsídios de Natal de 1997 a 2002» -, pelos quais a ré Empresa-B de Portugal foi condenada, se transmitiu para o Município de Setúbal.

3.1. Conforme resulta da matéria de facto provada, o Município de Setúbal é responsável pela recolha, transporte, tratamento e destino final dos resíduos sólidos urbanos na área do município, e, por deliberação da sua Câmara Municipal, de 26 de Setembro de 1991, aprovada pela Assembleia Municipal, em 24 de Outubro de 1991, adjudicou à ré Empresa-B, a Empreitada de Concepção, Construção e Exploração de uma Central de Tratamento de Resíduos Sólidos, sendo que, em 28 de Janeiro de 1993, os réus Município de Setúbal e Empresa-B celebraram, por escritura pública, o «Contrato de Adjudicação da Empreitada de Concepção, Construção e Exploração de uma Central de Tratamento de Resíduos Sólidos» (fls. 143 a 168), na sequência do qual a ré Empresa-B procedeu à construção e instalação do equipamento e à exploração da referida Central (n.os 1 a 4 da matéria de facto provada).

Na cláusula 25.ª do referido Contrato de Concessão de Obra Pública, sob a epígrafe «Não Renovação do Contrato», foi acordado entre o Município de Setúbal (primeiro outorgante) e a ré Empresa-B (segundo outorgante) que «[o] Primeiro Outorgante poderá, mediante aviso prévio não inferior a um ano, comunicar a sua intenção de não prorrogar o presente Contrato, desde que tenham decorrido quinze anos sobre o seu início» (n.º 1) e que «[d]ecorrido o período correspondente ao aviso prévio, e não tendo havido acordo sobre uma renovação, o Primeiro Outorgante assumirá todos os direitos e obrigações do Segundo Outorgante decorrentes do presente Contrato, incluindo os relativos aos trabalhadores contratados até ao último ano e todos os direitos e deveres assumidos pelo Segundo Outorgante, durante este último ano, desde que o Primeiro Outorgante os tenha aprovado» (n.º 2).

Doutro passo, resulta da cláusula 27.ª do mesmo Contrato, que «[o] prazo da presente concessão corresponde a um ano e meio [para] construção, equipamento e montagem da Central, e a dezasseis anos de exploração, após a recepção provisória [da obra]» (n.º 2), sendo que «[f]indo o prazo de concessão, sem que tenha ocorrido qualquer prorrogação, a Central transferir-se-á para o Primeiro Outorgante, livre de quaisquer ónus ou encargos, e em bom estado de funcionamento e conservação, usual neste tipo de instalações, sem prejuízo do desgaste proveniente de uma normal utilização, e com um stock corrente de peças sobressalentes, garantindo ainda ao Primeiro Outorgante a transferência da utilização das patentes, marcas e licenças necessárias à operação da Central» (n.º 4) e que «[a] transferência do Pessoal para os quadros do Primeiro Outorgante será efectuado nos termos da Cláusula Vigésima Quinta, número dois» (n.º 5).

Embora o prazo da concessão de exploração da Central tivesse sido fixado em dezasseis anos, o certo é que o Município de Setúbal deliberou, em Junho de 2003, resgatar o mencionado contrato de concessão, nos termos e pelos fundamentos constantes do «Documento de Resgate da Concessão de Exploração da Central de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos de Setúbal», inserido de fls. 273 a 278 dos autos (n.os 6 e 40 da matéria de facto provada).

Neste último documento, relativamente ao valor da indemnização a atribuir à Empresa-B de Portugal (Ponto IV), refere-se «que os montantes a pagar pelo Município à Empresa-B deverão ser deduzidos de eventuais obrigações da concessionária, vencidas e não cumpridas à data de produção de efeitos do resgate».

E, mais adiante, no Ponto VI do mesmo documento, consigna-se que «[n]a data de cessação do Contrato de Concessão a Central deverá ser transferida para o Município de Setúbal, livre de ónus, encargos, ou responsabilidades de qualquer natureza, em bom estado de funcionamento e conservação e com um stock corrente de peças sobresselentes, nos termos do contrato actualmente em vigor. Com a transferência da Central, o Município de Setúbal assumirá todas as obrigações que para a Empresa-B decorram do Contrato de Concessão, e existentes na presente data, incluindo os relativos aos trabalhadores que, nos termos do Contrato, se encontrem adstritos em exclusividade à Central.»

3.2. O artigo 37.º da LCT, fora dos casos onde se verificasse uma verdadeira cessão da posição contratual, que importava a modificação subjectiva na titularidade da relação jurídica com o assentimento do trabalhador, nos termos dos artigos 424.º a 427.º do Código Civil, previa que, existindo uma transmissão do estabelecimento, ocorria uma sub-rogação ex lege (cf. MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Atlântida Editora, Coimbra, 1970, p. 90) ou, por outras palavras, uma «transferência da posição contratual [laboral] ope legis» (cf. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 1.ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, p. 682), que prescindia do assentimento do trabalhador, e operava a transferência da relação jurídica emergente do seu contrato de trabalho para a esfera jurídica de uma nova entidade patronal, distinta daquela com quem o trabalhador iniciou a sua relação laboral.

Na verdade, o artigo 37.º da LCT dispunha:
«Artigo 37.º
(Transmissão do estabelecimento)
1. A posição que dos contratos de trabalho decorre para a entidade patronal transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua actividade, salvo se, antes da transmissão, o contrato de trabalho houver deixado de vigorar nos termos legais, ou se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente, no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento sem prejuízo do disposto no artigo 24.º
2. O adquirente do estabelecimento é solidariamente responsável pelas obrigações do transmitente vencidas nos seis meses anteriores à transmissão, ainda que respeitem a trabalhadores cujos contratos hajam cessado, desde que reclamadas pelos interessados até o momento de transmissão.
3. Para efeito do n.º 2 deverá o adquirente, durante os quinze dias anteriores à transacção, fazer afixar um aviso nos locais de trabalho no qual se dê conhecimento aos trabalhadores que devem reclamar os seus créditos.
4. O disposto no presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, a quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento.»
Ora, como se pondera no acórdão sob recurso, «são coisas totalmente diferentes a transmissão da posição contratual entre o transmitente e o adquirente do estabelecimento (regulada pelo n.º 1 do artigo 37.º da LCT) e a responsabilidade solidária que o n.º 2 do artigo 37.º da LCT estabelece: o adquirente do estabelecimento é apenas solidariamente responsável pelas obrigações do transmitente vencidas nos seis meses anteriores à transmissão desde que reclamadas pelos interessados até ao momento da transmissão»; e, prossegue o mesmo aresto, «a verdade é que, relativamente aos créditos reconhecidos na sentença recorrida, não foi demonstrado que o Autor os tivesse de alguma forma reclamado, a não ser na presente acção, que deu entrada em juízo em 2/01/2004, muito depois da alegada transmissão. Aliás, nem sequer foi alegada a falta de afixação do aviso a que alude o n.º 3 do artigo 37.º da LCT, para eventualmente poder funcionar-se com um prazo de reclamação diferente. Basta isso para poder afirmar-se que, no respeitante aos referidos créditos, não pode recorrer-se ao regime estabelecido no artigo 37.º da LCT para co-responsabilizar a CMS [Município de Setúbal] pelos créditos reconhecidos.»

3.3. Noutro plano de consideração, refira-se que o regime jurídico contido no «Contrato de Adjudicação da Empreitada de Concepção, Construção e Exploração de uma Central de Tratamento de Resíduos Sólidos», cuja aplicação a recorrente reclama, não poderá ser tomado em consideração.

Na verdade, como se evidenciou supra, o regime jurídico de transição do estabelecimento e do pessoal afectos àquela Central plasmado nas Cláusulas 25.ª e 27.ª do referido contrato administrativo regem, respectivamente, sobre os efeitos da não renovação do contrato e da sua não prorrogação findo o prazo de concessão, situações que não se configuram no caso concreto.

Assim, por via daquele regime jurídico, não ocorre a pretendida transmissão da responsabilidade pelo pagamento dos créditos reconhecidos ao autor.

Apenas se acrescentará, porque a recorrente se apoia num trecho normativo constante na segunda parte do Ponto VI do «Documento de Resgate da Concessão de Exploração da Central de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos de Setúbal» - «Com a transferência da Central, o Município de Setúbal assumirá todas as obrigações que para a Empresa-B decorram do Contrato de Concessão, e existentes na presente data, incluindo os relativos aos trabalhadores que, nos termos do Contrato, se encontrem adstritos em exclusividade à Central» -, que também este regime jurídico de transição do estabelecimento e do pessoal afectos à Central não determina a transmissão da responsabilidade pelo pagamento dos créditos reconhecidos ao autor da ré Empresa-B de Portugal para o réu Município de Setúbal.

É que, como bem decorre dos n.os 16, 24 e 25 da matéria de facto provada, o autor não se encontrava afecto em exclusividade àquela Central.

Improcedem, pois, as conclusões i) e j) da alegação do recurso de revista.
III
Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente (artigo 446.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 21 de Junho de 2007
Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra.