Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
792/20.0T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
COVID-19
SUSPENSÃO
CONTAGEM DE PRAZOS
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 07/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS.
Sumário :
I- O disposto no art. 6.°-B, n.º 5, al. d), da Lei 1-A/2020, de 19 de março, retira do âmbito da regra da suspensão dos prazos, prevista no n.º 1 do mesmo artigo, os prazos de interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma de decisões finais, independentemente de estas serem proferidas antes ou depois da sua entrada em vigor (22 de Janeiro de 2021).
II- A situação pandémica e as consequentes medidas de confinamento que justificaram a suspensão dos prazos processuais determinada pela Lei n.º 4-B/2021, de 01-02, não exigia que essa suspensão abrangesse os atos de interposição de recurso de decisões finais (não implicando tais atos a prática de atos ou diligências presenciais), pelo que esta opção legislativa não viola a Constituição da República, mormente os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.
Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 792.20.0T8STR.E1.S1 (Revista)
MBM/ JG/ RP

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.

1. AA intentou a presente ação laboral de processo declarativo comum, emergente de contrato de trabalho, contra RANGEL – INTERNACIONAL AEREA E MARÍTIMA, S.A., ambos com os sinais nos autos, estando em causa créditos emergentes da relação laboral estabelecida entre as partes.

2. A ação foi julgada parcialmente procedente na primeira instância, por sentença notificada aos Ilustres Mandatários das partes, por comunicações eletrónicas expedidas em 15.12.2020.

3. O Autor e a Ré interpuseram recurso de apelação (quanto à matéria de facto e de direito), através de alegações oferecidas, respetivamente, no dia 30.03.2021 e no dia 26.04.2021.

4. A primeira instância admitiu ambos os recursos.

Todavia, por acórdão confirmativo da decisão singular proferida pelo relator, o Tribunal da Relação de Évora (TRE) julgou intempestivos e, por isso, inadmissíveis ambos os recursos.

Para tanto, entendendo ser também aplicável às sentenças proferidas antes de 22.01.2021 o disposto no art. 6.°-B, n.º 5, al. d), da Lei 1-A/2020, de 19 de março(aditado pela Lei  4-B/2021, de 1 de fevereiro) o TRE considerou que não se havia suspendido o prazo de recurso.

5. Deste acórdão interpuseram recurso de revista, ambas as partes, sustentando, em síntese, nas conclusões das suas alegações:

- A interposição de recurso é um ato processual a ser praticado num processo judicial, pelo que o prazo em causa se suspendeu no dia 22 de janeiro de 2021.

- A norma ínsita no número 5, alínea d), do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020 (na redação antes referida) não prevê qualquer exceção à regra da suspensão de prazos prevista no número 1.

- Decorre da conjugação destas normas que se suspenderam os prazos de interposição de recurso de sentenças proferidas na primeira instância, no âmbito de processos não urgentes, que se encontrassem em curso a 22.01.2021; e que não se suspenderam os prazos de interposição de recurso de sentenças proferidas após o mesmo dia, nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 do artigo 6.º-B tenham entendido não ser necessária a realização de novas diligências.

- No caso em apreço, a exceção está claramente definida: não ficam suspensos os prazos de interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão proferida após o dia 22 de janeiro de 2021. A norma diz caso em que, ora, esse caso é o caso em que foi proferida a sentença já depois do dia 22 de janeiro de 2021.

– No âmbito da proteção da segurança jurídica relativamente a actos normativos, vigora o princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas.

– A norma em apreço, ou é interpretada no sentido de apenas subtrair à regra da suspensão dos prazos prevista no número 1 do artigo 6.º-B os de interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma de decisões proferidas após o dia 22 de janeiro de 2021, ou encerra a violação do princípio constitucional do estado de direito, nos seus subprincípios de segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.

6. O Ministério Público, em parecer a que as partes não responderam, pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.

7. Posto isto, em face das conclusões das alegações de recurso, e inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), as questões a decidir são as seguintes:

- Se o disposto no art. 6.°-B, n.º 5, al. d), da Lei 1-A/2020, de 19 de março, apenas retira do âmbito da regra da suspensão dos prazos processuais, prevista no n.º 1 do mesmo artigo, os prazos de interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma de decisões finais proferidas após o dia 22 de Janeiro de 2021.

- Na afirmativa, se tal interpretação é inconstitucional.

E decidindo.
                                                                    


II.


8. A Lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro, aditou à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, entre outras normas, o art. Artigo 6.º-B, epigrafado “Prazos e diligências”, com o seguinte teor:

“1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
(…)
5 - O disposto no n.º 1 não obsta:

a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na
alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;

b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;

c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.
(…)

7 - Os processos, atos e diligências considerados urgentes por lei ou por decisão da autoridade judicial continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:

a) Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se, se não causar prejuízo aos fins da realização da justiça, através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

b) Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, pode realizar-se presencialmente a diligência, nomeadamente nos termos do n.º 2 do artigo 82.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, competindo ao tribunal assegurar a realização da mesma em local que não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
(…)”

9. Nos termos do art. 4.º do mesmo diploma, o supradito art. 6.º-B produziu efeitos a 22 de janeiro de 2021, “sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados”.

10. Posteriormente, em 06.04.2021, entrou em vigor a Lei 13-B/2021, de 5 de abril (que veio estabelecer a cessação do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março), cujo art. 6.º revogou o dito art. 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020.

11. Embora a interpretação não deva cingir-se ao elemento literal – nem subvalorizar os seus elementos sistemático, histórico e teleológico –, não pode ser considerado pelo intérprete um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, devendo presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art. 9º do Código Civil).

Outra dimensão fundamental da interpretação consiste na sua conformidade com a Constituição, desde logo – enquanto parâmetro matricial de apreciação da legitimidade constitucional do direito infraconstitucional – com o princípio da igualdade, o qual impõe que situações materialmente semelhantes sejam objeto de tratamento semelhante e que situações substancialmente diferentes tenham, por sua vez, tratamento diferenciado.

Ora, numa abordagem global e integrada dos elementos interpretativos literal e lógicos (sistemático, histórico  e teleológico) atinentes à norma em discussão [n.º 5, d), do transcrito art. 6.º-B], afigura-se-nos que o seu sentido não pode deixar de ser entendido da seguinte forma: i) a suspensão dos prazos para a prática de atos processuais, genericamente determinada pelo n.º 1 do mesmo artigo, não obsta a que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal, e demais entidades aí referidas, entendam não ser necessária a realização de novas diligências; ii) nos casos em que se tenha considerado ser desnecessária a realização de novas diligências e em que, por isso, seja (ou tenha sido) proferida decisão final, não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão; iii) por identidade de razão e imperativos de coerência sistémica, estes prazos (não implicando a prática de atos ou diligências presenciais) também não se suspendem nos casos em que a decisão final tenha sido proferida anteriormente a 22.01.2022 (contando-se, então, os referidos prazos a partir desta data).

Sendo esta a interpretação que melhor se adequa aos critérios (de razoabilidade) enformadores do equilíbrio visado pela lei – harmonização da necessidade de combater e controlar a crise pandémica, minimizando a proliferação dos contágios, com os imperativos de funcionalidade do sistema de justiça –, também não se descortina qualquer fundamento material que fosse suscetível de determinar a adoção da tese defendida pelos recorrentes, tese que, a ser adotada, se traduziria num tratamento diferenciado de situações essencialmente idênticas e, por conseguinte, numa infração ao princípio da igualdade.

12. Neste sentido interpretativo, v.g., a seguinte jurisprudência deste Supremo Tribunal:

 – Ac. de 13.10.2021, Proc. n.º 24015/19.6T8LSB.L1.S1 (4.ª Secção):
Por força da conjugação dos números 1 e 5 do artigo 6.°-B da Lei n.º l-A/2020 de 19 de março (artigo aditado pela Lei n.°4-B/2021 de 1 de fevereiro) não ficaram suspensos os prazos de interposição dos recursos nos tribunais superiores, por não implicarem, em regra, a prática de atos ou diligências presenciais.

– Ac. de 22.04.2021, Proc. n.º 263/19.8YHLSB.L1.S1 (7.ª Secção):
Nos termos do n.º 5, al. d), do art. 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021 de 01-02, não estão abrangidos pelo regime de suspensão de prazos processuais fixado no n.º 1, entre outros atos, os requerimentos de interposição de recurso.

– Ac. de 25.05.2021, Proc. n.º 11888/15.0T8LRS.L1-A.S1 (1.ª Secção):
- Nos termos da Lei n.º 4-B/2021, de 01-02, que veio alterar a Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, aditando a esta última Lei, entre outros, o art. 6.º-B, resulta com clareza que o legislador, neste momento de combate à pandemia, quis proceder de forma diversa da atuação ocorrida na primeira fase. Enquanto na primeira fase, suspendeu os prazos, neste momento de combate à pandemia decidiu que nos tribunais superiores os processos não urgentes prosseguiriam a não ser que fosse necessário a realização de atos presenciais e, nesse caso, determinou que se procedesse nos termos da al. c) do citado n.º 5. Determinou ainda que devia ser proferida a decisão final nos processos e, nesse caso, os prazos de interposição de recurso não se suspendiam.
- Ocorrendo justo impedimento para interpor recurso no prazo legal, a invocação do justo impedimento, para evitar o efeito extintivo do prazo, tem de ser feita logo que cesse a causa impeditiva com o oferecimento imediato da respetiva prova e a prática, em simultâneo, do ato em falta e não em sede de reclamação contra o despacho de não recebimento do recurso.

– Ac. de 08.09.2021, Proc. n.º 5407/16.9T8ALM.L1.S1-A (2.ª Secção):
I - Da leitura da al. a) do n.º 5 do art. 6.º-B, da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, aditado pelo art. 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 01-02, resulta que a suspensão dos prazos para a prática de atos processuais, a partir de 22-01-2021, decretada pelo n.º 1 do mesmo artigo, designadamente a suspensão dos prazos para a interposição de recursos, não se aplicou à tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes.
II - A referência genérica à tramitação dos processos nos tribunais superiores, sem qualquer distinção ou exceção, abrange os atos dos juízes, da secretaria ou das partes, pelo que, todos os prazos dos processos a correr termos no STJ, desde que não exigissem a prática de atos presenciais, não foram suspensos pelo aditamento efetuado pela Lei n.º 4-B/2021, de 01-02.
 III - A situação pandémica e as consequentes medidas de confinamento que justificaram a suspensão dos prazos processuais determinada pela Lei n.º 4-B/2021, de 01-02, não exigia que essa suspensão abrangesse a tramitação dos processos nos tribunais superiores, designadamente o ato de interposição de recursos de decisões neles proferidas, pelo que, tal opção legislativa não constitui uma exigência intolerável ao exercício do direito ao recurso, encontrando-se plasmada na lei de modo visível, pelo que a interpretação aqui seguida não desrespeita o modelo do processo equitativo a que se refere o art. 20.º, n.º 4, da Constituição.

– Ac. de 07.10.2021, Proc. n.º 20348/15.9T8LSB-B.P1-A.S1 (1.ª Secção):
A razão de ser da não suspensão dos processos nos tribunais superiores – incluindo o prazo de recurso – prende-se com o tipo de análise e intervenção efetuada por estes tribunais, em comparação com a 1.ª instância, na situação de pandemia, nomeadamente com o funcionamento do julgamento e fixação dos factos provados e não provados, já que em geral se trata de processos sem necessidade de presença de testemunhas, peritos, advogados, etc., sendo o escrutínio realizado fundamentalmente numa base documental e de confronto de argumentação, como se deduz da própria lei relativa à suspensão já citada: o art. 6.º-B, n.º 5, na versão dada pela Lei n.º 4-B/2021,de 01-02 à Lei n.º 1-A/2020, de 19-03.

13. Como flui de todo o exposto, improcede a alegação de que a perfilhada interpretação viola a Constituição da República, mormente os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.

Como se refere, a estre propósito, no supracitado aresto de 08.09.202:

“Invoca o Autor que a conclusão acima retirada viola o princípio da proteção da confiança, ínsito ao modelo do Estado de direito democrático, na medida em que defrauda a legítima expetativa dos cidadãos, pelo que está ferida de inconstitucionalidade.

A garantia da via judiciária estatuída no artigo 20.º, da Constituição, conferida a todos os cidadãos para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, abrange, não só a atribuição do direito de ação judicial, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, deve seguir as regras de um processo equitativo, conforme impõe o n.º 4, do referido artigo 20.º, da Constituição.

Assim, o exercício dos direitos processuais conferidos às partes, designadamente o direito ao recurso, deve ser regulado pela lei processual de modo a garantir a possibilidade de um exercício efetivo, devendo os ónus impostos às partes não se revelarem desproporcionados nem imprevisíveis.

Ora, (…) sendo possível o desenvolvimento da tramitação processual, por parte de todos os intervenientes, na fase de recurso em processo civil, através da utilização de meios eletrónicos, a proliferação de casos registados de contágio da pandemia da doença COVID-19 e das consequentes medidas de confinamento que justificaram a suspensão dos prazos processuais determinada pela lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, não exigia que essa suspensão abrangesse a tramitação dos processos nos tribunais superiores, designadamente o ato de interposição de recursos de decisões neles proferidas, pelo que, tal opção legislativa não constitui uma exigência intolerável ao exercício do direito ao recurso, não se podendo afirmar que existia uma legitima expetativa das partes que os prazos fossem suspensos nos processos pendentes nas instâncias superiores, apesar de, em anteriores fases do período pandémico, essa suspensão tivesse sido decretada.

Esta opção legislativa também não se revela oculta e, por isso, imprevisível, uma vez que resulta, com evidente clareza, do texto da alínea a), do n.º 5.º, do artigo 6.º-B, aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, pelo artigo 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro.

Como tem afirmado o Tribunal Constitucional, em diversos acórdãos, em situações em que não é discernível no texto legal o conteúdo de um ónus que os interessados devem cumprir para poderem recorrer, designadamente a observância de um determinado prazo, mesmo que estes cumpram os deveres de uma conduta processual diligente e observem os ditames de prudência técnica, a sanção do não recebimento de um recurso, com fundamento no incumprimento desse ónus, revela-se uma solução manifestamente injusta. A imposição de um ónus imprevisto, perante a letra de lei, e por isso de difícil cumprimento pelas partes, tendo como consequência para a sua inobservância a perda imediata e irremediável de um importante direito de defesa processual, como é o direito ao recurso, não é seguramente conforme a um fair trial.

Mas, na presente situação, a não suspensão do prazo para interpor recurso (…) está bem expressa no referido preceito legal, pelo que a necessidade de o direito ao recurso (…) dever ser exercido no prazo previsto (…), durante o período em que vigorou a suspensão de prazos processuais, determinada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, não constitui um ónus imprevisível que atente contra o processo justo e equitativo imposto pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, na dimensão em que reflete o princípio estruturante do Estado de direito democrático da proteção da confiança.

Por estas razões, o disposto na alínea a), do n.º 5.º, do artigo 6.º-B, aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, pelo artigo 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, ao excluir da medida de suspensão dos prazos processuais determinada no n.º 1, do mesmo artigo, os atos das partes a praticar nos processos pendentes nos tribunais superiores, designadamente a interposição de um recurso (…), não viola qualquer princípio ou disposição constitucional.”

Sem necessidade de mais considerações, improcedem, pois, as revistas.







IV.

14. Em face do exposto, negando as revistas, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.

Cada recorrente suportará as custas do recurso respetivamente interposto.



Lisboa, 6 de julho de 2022




Mário Belo Morgado (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Ramalho Pinto