Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA INCUMPRIMENTO MORA INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA | ||
Data do Acordão: | 06/28/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | ||
Doutrina: | - Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., 921, 924. - Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, 10.ª ed., 345, II, 120; e, RLJ 118-55. - Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in “Obras Dispersas”, I, 1991, 137/146, 186; “Tutela da Confiança e Venire contra factum proprium” “Obra Dispersa”, I, 352. - Brandão Proença, “Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral”, 1987, 91. - Carneiro da Frada, “Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil”, 2001. - Galvão Telles – “Direito das Obrigações”, 5.ª ed., 224. - Menezes Cordeiro, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, 1984. - Pedro Paes de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, 6.ª ed., 2010, p. 22. - Vaz Serra, in “Mora do Devedor”, apud BMJ 48-242 ss.; e, RLJ, 110, 326-327. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 217.º, N.º1, 432.º, 442.º, N.º2, 799.º, N.º1, 801.º, N.º2, 805.º, NºS1 E 2. AL.A), 808.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 15-3-1983, BMJ 325-561; -DE 9-3-1991, BMJ 405-456; -DE 7-1-1993, CJ/S.T.J, I, 1, 15; -DE 15-10-2002, CJ/S.T.J, 111, 92; -DE 28-3-2006, P.º 327/06; -DE 18-4-2006, P.º 844/06 (06 A844); -DE 27-6-2006, 06 A1758; -DE 5-12-2006, 06 A3914; -DE 6-2-2007, 06 A4749; -DE 8-5-2007, 07 A932; -DE 25-6-2009, 08B3694; -DE 20-10-2009, 146/2001.S1; -DE 9-3-2010, 5647/06. 6TVLSB.S1; -DE 27-1-2011; 5462/04. 4YXLSB.L1.S1; -DE 14-4-2011, 4074/05.0TBVFR.P1.S1. | ||
Sumário : | 1.O n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil prende-se com a reparação do dano, sendo que só é aplicável nos casos de incumprimento do contrato-promessa que não nas situações de mora, ou incumprimento transitório. 2. O incumprimento definitivo restringe-se a quatro situações: recusa de cumprimento (“repudiation of a contract” ou “riffuto di adimpieri”); termo essencial (prazo fatal); cláusula resolutiva expressa (impositiva de irretractibilidade); perda do interesse na prestação. 3. A “anticipatory breach of contract” tem de traduzir-se numa declaração absoluta, inequívoca, peremptória do propósito de não outorgar o contrato definitivo. 4. O termo essencial deve ser clausulado em termos claros, e explícitos, salvo se resultar da natureza ou da modalidade da prestação, sob pena do incumprimento desse prazo se traduzir num mero retardamento, ou mora. 5. A cláusula resolutiva expressa traduz-se no segmento acordado cujo conteúdo seja de tal modo essencial para a perfeição do contrato prometido que o leve a adquirir uma força vinculativa que imponha a sua irretractibilidade, sob pena de, sem ela, o contrato ficar privado de um elemento essencial e, só por isso, poder ser resolvido. 6. A perda de interesse do credor pode resultar da superveniente inutilidade da prestação ou do prejuízo que a sua realização fora de tempo lhe traria. 7. Tem de ser apreciada objectivamente – em termos concretos – não bastando que o credor se limite a alegá-lo e tem de ter na base uma razão objectivamente perceptível e compreensível para o cidadão comum. 8. Para transformar a mora em incumprimento definitivo é necessária uma interpelação com fixação de prazo peremptório razoável para cumprimento da obrigação, cominada expressamente, se não acatada, com o não cumprimento. 9. A interpelação admonitória não é necessária se tiver havido recusa de cumprimento, invocada a perda de interesse do credor ou incumprida uma cláusula resolutiva expressa. 10. Os princípios da boa fé e da confiança impõem-se num plano ético-juridico exigindo este que uma parte não defraude as expectativas da outra e aquele que o “iter” negocial decorra com a lisura normalmente exigível às pessoas de bem. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça “S... – Sociedade Portuguesa de Construção e Obras Públicas, Limitada” intentou acção, com processo ordinário, contra AA pedindo se declarasse resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre ambos, e a condenação do Réu a ver perdido o sinal que prestou, no montante de 23.194,10 euros, já que este desistiu injustificadamente da outorga do contrato prometido. O Réu impugnou os factos alegados e deduziu reconvenção na qual, e para além de pedidos que, logo no saneador, improcederam definitivamente , pediu a condenação da Autora no pagamento do dobro do sinal (46.388,20 euros) acrescido de juros desde 1 de Dezembro de 2004, por imputação do incumprimento à demandante o que lhe causou perda de interesse no negócio. A acção foi, inicialmente, julgada procedente e improcedente a reconvenção. Porém, a Relação anulou a decisão da matéria de facto ordenando o reenvio do processo para elaboração de novos quesitos. Cumprido, que foi, o determinado, proferiu-se nova sentença que julgou válida a resolução do contrato promessa pela Autora e declarou o direito desta fazer seu o sinal, de 23194,10 €, prestado pelo Réu; absolveu a Autora do pedido reconvencional. O Réu apelou para a Relação do Porto que deu provimento ao recurso, absolvendo-o do pedido; e julgou parcialmente procedente a reconvenção condenando a Autora a pagar-lhe a quantia de 46.388,20 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido cruzado. A Autora pede revista, assim concluindo a sua alegação: Não foram oferecidas contra alegações. Considerando as alterações a que a Relação procedeu, ficou assente a seguinte matéria de facto: Foram colhidos os vistos. Conhecendo, 1- Incumprimento do contrato-promessa. Delimitado, que foi, o objecto do recurso, pelo acervo conclusivo da alegação da recorrente há que, e antes de proceder à subsunção dos factos provados, proceder à exegese da resolução do contrato-promessa de compra e venda, pondo, a final, a tónica (tal como fez a impetrante) na dogmática do artigo 808.º do Código Civil. Quando àquele contrato não se segue o contrato prometido ocorreram, por certo, duas situações: mora ou incumprimento; sendo que a primeira também é apodada de incumprimento transitório, ou retardamento da prestação, enquanto no segundo ocorre um não cumprimento definitivo. O n.º 2 do artigo 442.º do diploma substantivo – cuja aplicação é, afinal, o que aqui releva – tem a ver com a reparação do dano, sendo, contudo, que a sua aplicação só tem lugar no caso de incumprimento que não nas situações de mora. Vejamos, então. O elenco dessas situações é restrito, nuclearmente, a quatro: declaração antecipada de não cumprir; termo essencial; cláusula resolutiva expressa e perda do interesse na prestação. 1.1.1 A primeira, que a doutrina italiana apoda de “riffuto di adimpiere”, é o incumprimento mais notório, traduzindo-se numa declaração inequívoca e definitiva a manifestar um absoluto propósito de repudiar o contrato (cfr. e v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 1991 – BMJ 405-456, de 28 de Março de 2006; P.º 327/06. 1.ª, de 18 de Abril de 2006 – P.º 844/06 e, desta Conferência, de 5 de Dezembro de 2006 – 06 A3914 ; ainda o Doutor Brandão Proença, “Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral”, 1987, 91). O renitente terá, então, de emitir uma declaração, séria e categórica (em termos de não deixar que subsistam quaisquer dúvidas) de ser seu propósito não outorgar o contrato prometido. Certo, porém, que este Supremo Tribunal vem equiparando a tal declaração, a conduta do promitente que torne patente e certa a intenção de não cumprir a promessa (cfr., os Acórdãos de 15 de Março de 1983 – BMJ 325-561 e, de 9 de Março de 2010 – 5647/06. 6TVLSB.S1, relatado pelo, ora, 1.º Adjunto, a aceitar a declaração “de forma expressa ou tácita de que não cumprirá ou não quer cumprir.”). Enfim, e como se escreveu no Acórdão desta Conferência de 5 de Dezembro de 2006, acima citado,o que importa é que da declaração do promitente faltoso, não possam ficar “quaisquer dúvidas”. 1.1.2 A segunda situação é o “termo essencial”, ou prazo fatal, consistente no clausular (excepto se tal resultar da natureza ou da modalidade da prestação) de modo claro, explícito e inequívoco um prazo essencial para a realização do contrato. A assim não ser, o incumprimento do prazo constante do contrato não traduz “uma falta definitiva (hoc sensu) de realização da prestação debitória, mas um simples retardamento, demora ou dilação, no cumprimento da obrigação.” (cfr., Prof. A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, 10.ª ed., 345). Tudo porque, e em princípio, o devedor só fica constituído em mora depois de uma interpelação (judicial ou extrajudicial) para cumprir, “ex vi” do n.º 1 do artigo 805.º do Código Civil excepto, e de entre outras excepções, se a obrigação tiver prazo certo (artigo 805.º, n.º 2, alínea a)). E as obrigações de prazo certo são as que têm um termo de vencimento estabelecido pelas partes, no próprio negócio constitutivo ou em ulterior clausulado, que resulte da lei ou seja fixado judicialmente. Daí que se vençam sem necessidade de interpelação (“dies interpellat pro homine”). Mas o prazo certo é, como se disse, o tal prazo fatal, ou seja aquele que foi acordado em termos finais e, em princípio, improrrogáveis. A assim não ser, e insiste-se, o seu decurso gera uma simples mora que terá de ser convertida em incumprimento (definitivo). 1.1.3 Chegamos à cláusula resolutiva expressa. O artigo 432.º do Código Civil admite a resolução do contrato com o fundamento na lei ou em convenção. Tratando-se de contrato bilateral a impossibilidade da prestação por causa imputável ao devedor é um dos fundamentos legais (artigo 801.º, n.º 2 do Código Civil) equiparado ao incumprimento por conversão da mora, se o credor perder o interesse na prestação ou o devedor a não realizar dentro do prazo razoável que lhe for fixado. Para que uma cláusula se considere resolutiva impõe-se que as promitentes acordem, dentro do princípio da liberdade contratual, que o seu conteúdo é de tal modo essencial para a perfeição do contrato prometido que a leva a adquirir uma força vinculativa tal, impositiva de irretractibilidade (ou irrevogabilidade) sob pena de desaparecendo o contrato perder um elemento fundamental e poder, só por isso, ser resolvido. 1.1.4 Finalmente, e para completar este ponto (causas de resolução) alinham-se algumas considerações sobre a perda de interesse do credor. Como acima se insinuou, e melhor se disse no Acórdão desta Conferência de 6 de Fevereiro de 2007 – 06 A4749 – a mora pode originar a que o credor perca interesse no negocio, como resulta do artigo 808.º do Código Civil. Perda de interesse que pode resultar da superveniente inutilidade da prestação ou até ao prejuízo que a sua realização fora de tempo lhe traria. Mas, e por imposição do n.º 2 daquele artigo 808.º, a perda de interesse tem de ser “apreciada objectivamente” (cfr., também, o Prof. Vaz Serra, in “Mora do Devedor”, apud BMJ 48-242 ss e, “inter alia”, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 2002 – CJ/S.T.J, 111, 92 – de 25 de Junho de 2009 – 08B3694 e, desta Conferência, de 5 de Dezembro de 2006 – 06 A3914, de 8 de Maio de 2007 – 07 A932, e de 20 de Outubro de 2009 – 146/2001.S1). A demonstração da perda de interesse tem, por isso, de ser concreta – objectiva – não bastando que o credor se limite a alegá-lo. Mantêm-se o que se afirmou no nosso Acórdão de 6 de Fevereiro de 2007 – 06 A4749: “É que o direito de resolução terá de ser aferido em termos de razoável normalidade negocial, com apego aos princípios de honestidade no trato contratual não dependendo de meros caprichos ou impulsos de ocasião. A perda de interesse não é um mero ‘não quero’ mas tem de se fundar numa causa objectiva que o cidadão comum possa apreender e compreender. (…) E tenha-se presente que a perda do interesse tem de resultar da mora, isto é, de relevante retardamento da prestação. (cfr., para maior desenvolvimento, o Prof. Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in “Obras Dispersas”, I, 1991, 137/146; Prof. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., 924 e Prof. A. Varela, RLJ 118-55, referindo o ‘kein interesse’. No mesmo sentido,os mais recentes Acórdãos de 14 de Abril de 2011 – 4074/05.0TBVFR.P1.S1 e desta Conferência, de 20 de Outubro de 2009 – 146/2001.S1). 2-Conversão da mora. Tratados os requisitos do incumprimento, ficou patente que, considerando perfilar-se a montante – e salvo na situação de prazo fatal – uma situação de mora, há que, para obter a resolução, converter esse incumprimento transitório em definitivo. Tal só é possível pela via da interpelação admonitória consistente na notificação do devedor para cumprir, num prazo razoável que, nesse acto, lhe é fixado. Coenvolve uma intimação de cumprimento, a fixação do prazo para cumprir com a cominação/advertência que o contrato padecerá de incumprimento definitivo resolutório se não outorgado nesse novo prazo (que, aliás, não se confunde, nem pode somar-se ao prazo inicial nem ao período de mora – cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Abril de 2006 – 06 A844, de 27 de Junho de 2006 – 06 A1758, de 6 de Fevereiro de 2007 – 06 A4749, de 27 de Janeiro de 2011 – 5462/04. 4YXLSB.L1.S1 e Prof. A. Varela, ob. cit., II, 120). A interpelação admonitória é tão importante que certa doutrina nem sequer a dispensa ainda que o renitente tenha emitido uma declaração, expressa, peremptória e inequívoca de não ser seu propósito a outorga do contrato prometido. Assim, e nesta última posição situa-se o Prof. Pessoa Jorge, “Direito das Obrigações”, mau grado,por a considerarmos maximalista, acompanhemos os Profs. Galvão Telles – “Direito das Obrigações”, 5.ª ed., 224 e Almeida Costa – “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., 921, e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 1983 – BMJ 325-361, de 7 de Janeiro de 1993 – CJ/S.T.J, I, 1, 15, e os nossos, acima citados, de 5 de Dezembro de 2006, e de 6 de Fevereiro de 2007 que a dispensam naqueles casos. É que, perante o já afirmado “anticipatory breach of contract” (“repudiation of contract” ou “absolute refusal to perform”) não há que tentar convencer o renitente de que tem de cumprir o contrato em relação ao qual é patentemente “unwilling”. Só assim não seria se surgissem dúvidas sobre a univocidade da declaração de recusa, ou sobre o seu valor (nos termos do n.º 1, “in fine”, do artigo 217.º do Código Civil, razão suficiente para afastar os requisitos de certeza do conteúdo. Outrossim, será de dispensar a interpelação admonitória se o prazo acordado tem a natureza de termo essencial. Não faria sentido que tendo sido expressamente clausulado no contrato (ou tal resulte da natureza ou da modalidade da prestação) de forma clara e inequívoca um termo essencial vir fixar outro, também peremptório, mas pela via cominatória. Tal equivaleria a transformar um negócio inicialmente fixo absoluto em usual, relativo ou simples para depois voltar a revertê-lo à primeira categoria (vejam-se estes conceitos no Prof. Vaz Serra, RLJ, 110, 326-327; cfr. o Prof. A. Varela a defender que no caso de retardamento da prestação, a translação deste em incumprimento impõe a fixação de um prazo suplementar cominatório que é “uma ponte de passagem para o não cumprimento (definitivo) da obrigação” – RLJ 128-138). 3 “In casu” Chegados, agora, ao cerne do recurso. A recorrente inconforma-se com o julgado pelas razões acima seriadas, por ter sido condenada a restituir o sinal em dobro por incumprimento do contrato-promessa. Considera ter havido errada interpretação do artigo 808.º do Código Civil; incorrecta leitura da cláusula do artigo 3.º do contrato-promessa; e, finalmente, má aplicação dos princípios da boa fé e da confiança. Vejamos “pari passu”. 3.1 Procedemos acima a algum exercício de exegese sobre o artigo 808.º do Código Civil. O preceito prevê duas situações: - perda de interesse na prestação por mora do credor. - não realização da prestação no prazo suplementar fixado. Concluímos, e reiteramos, que a primeira parte tem a ver com a perda de interesse objectivo e a segunda com prazo fixado na sequência de interpelação admonitória (aqui não havendo, como não há, prazo fatal). Em ambos os casos terá de perfilar-se um incumprimento transitório (mora). Perante o elenco dos factos provados, verifica-se que a Autora prometeu vender e o Réu comprar – em 9 de Dezembro de 2003 – uma fracção autónoma em Vila Nova de Gaia; que, como o prédio estava ainda em construção, a Autora comprometeu-se a ter as obras concluídas em fins de Maio de 2004, mas que se tal prazo fosse excedido em seis meses por razões a si imputáveis, o Réu poderia resolver o contrato e ser indemnizado “nos termos da lei”; a outorga da escritura (dia, hora e local) seria escolhida pelo Réu dentro de 15 dias fixados pela Autora, sequentes ao pedido de licença de habitação e constituição da propriedade horizontal; em Março de 2004, o Réu passou a ocupar a fracção autorizada pela Autora; em Novembro de 2004, a Autora requereu a licença de habitação e, depois de várias diligências junto da Câmara Municipal, fez novo pedido em 29 de Abril de 2005; em 5 de Julho de 2005, enviou ao Réu carta registada com aviso de recepção, comunicando-lhe que a escritura devia ser realizada até 20 de Julho de 2005; logo após o envio da carta, o funcionário da Autora afirmou que esta se ia retractar do envio da missiva e que tudo faria para evitar um litigio; o Réu não marcou a escritura e, em 19 de Julho de 2005, abandonou a casa e pediu a devolução do sinal, imputando incumprimento à Autora; o Réu vivia em Sintra mas, por razões profissionais, tinha de passar 3 ou 4 dias por semana no Porto; por não ter aí casa, tinha de se instalar em hotéis, onde não podia trabalhar como fazia antes; em Janeiro de 2004, a lareira, o estacionamento, o abastecimento de água e electricidade, e os elevadores, ou não funcionavam ou apresentavam graves deficiências; o Réu propôs à Autora a resolução do contrato com devolução do sinal ou redução do preço da fracção pelo período de instalação em unidade hoteleira; durante o 1.º Semestre de 2005, a Autora não respondeu a telefonemas do Réu e os seus funcionários diziam não ter respostas; o Réu saiu da fracção em Janeiro de 2005, quando ainda não existiam campainhas, os elevadores estavam sem inspecção e só um funcionava e continuava a não ser possível contratar electricidade. Do quadro exposto, resulta flagrante mora da Autora – celebrou o contrato em Dezembro de 2003 para cumprimento antes do final de Maio de 2004 – sendo que não o fez estando a fracção, cerca de um ano e meio depois do prazo acordado, com muito deficientes condições de habitabilidade (ressaltando a impossibilidade de ligar a energia eléctrica, a ausência de campainhas nas portas – o que é particularmente relevante tratando-se de um 5.º andar – a existência de elevadores não inspeccionados – facto gerador de risco – e de uso absolutamente necessário tratando-se de um piso elevado). E o facto de o Réu ter sido autorizado pela Autora a ocupar a fracção não implica que as partes tivessem acordado tacitamente prescindir, ou prorrogar, o prazo de outorga da escritura,para além do inicialmente convencionado, já que nada autoriza essa conclusão. Não obstante, no seu pedido reconvencional o Réu não optou por lançar mão da interpelação admonitória, com conversão da mora em incumprimento, já que a comunicação feita à Ré não contém a fixação de um prazo para outorga da escritura com a cominação da resolução do contrato, antes lhe propondo a resolução pura e simples com restituição do sinal e mais tarde, a redução do preço, com o abatimento das despesas que efectuou, e a imediata realização da escritura, sob pena de “recorrer ao tribunal”). Mas nunca afirmou, expressamente, a recusa de cumprir. A sua opção na lide, foi obter a resolução invocando a perda de interesse. E logrou provar, como lhe cumpria, essa perda objectiva (sendo actor – o que resulta do quesito 10.º - necessitando de um espaço para ensaiar com o seu parceiro de cena e escrever para ambos, tal não se compadecia com o espaço de um hotel; de outra banda residindo em Sintra, e passando 3 ou 4 dias por semana no Porto, a trabalhar e pretendendo ter um espaço personalizado, tal também não se compadece com uma situação de desconforto (por viver nas circunstâncias acima descritas). Assim sendo, mostra-se presente o requisito de resolução da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 808.º do Código Civil. E nem se diga, como faz a recorrente, que tendo sido interpelado pela Autora para marcar a escritura veio impor-lhe como condição para cumprir o contrato uma redução do preço, e que tal demonstra uma declaração expressa e inequívoca de não cumprir. Mas que resulta dos factos é o seguinte: em 5 de Julho de 2005, a Autora notificou o Réu por carta registada com aviso de recepção, nestes termos “ (…) interpelamos, por este meio, V. Exas., para a celebração da escritura pública de compra e venda que deverá ser realizada, impreterivelmente, até ao dia 20 de Julho de 2005.” O Réu não procedeu à marcação da escritura e, em 19 de Julho de 2005, remeteu à Autora uma carta onde refere que não foram cumpridos os prazos acordados, concluindo “ (…) resta-me uma de duas soluções: devolvem-se o sinal e o negócio fica sem efeito (…) ou não me querem devolver o sinal e eu vou recorrer ao tribunal, evocando o não cumprimento dos prazos por parte de Vexas.” Mas, como se disse, a declaração do Réu não se traduziu numa recusa de cumprimento, nem a Autora assim a “leu”, tanto mais que garantiu ao Réu querer sanar conflitos e estar disposta a proceder à reparação das deficiências. De todo este quadro resulta que o incumprimento é de imputar à Autora, nos termos julgados pelo Acórdão recorrido, já que o artigo 808.º do Código Civil foi interpretado com acerto. 3.2 Outrossim, não merece censura a interpretação da cláusula 3.ª do contrato-promessa. Aí pode ler-se: “2- A primeira outorgante obriga-se a exercer as diligências necessárias para que as obras de edificação estejam concluídas antes dos finais de Maio de 2004. 3- Se por razões culposas imputáveis à primeira outorgante, o período estipulado no número dois dessa cláusula for ultrapassado em seis meses, o segundo teria o direito de resolver o contrato e de ser indemnizado nos termos da lei.” Não se trata de cláusula resolutiva expressa, nos termos da conceptualização acima deixado. O Prof. Baptista Machado explicava que a cláusula resolutiva “pode ter, e tem frequentemente, em vista estabelecer que um determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução, eliminando assim de antemão qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento e subtraindo esse ponto a uma eventual intervenção do juiz. (…) Mesmo que na cláusula se estabeleça que o cumprimento terá de se verificar, sob pena de resolução, dentro de certo prazo, deverá entender-se que se está perante cláusula resolutiva, pois o credor, ao fazer inserir tal cláusula, terá querido reservar-se o direito de declarar a resolução, na hipótese de incumprimento, mas não terá querido privar-se desde logo do direito de exigir o cumprimento tardio.” (in “Pressupostos da Resolução por Incumprimento” apud “Obra Dispersa” I, 186). Aderindo a este entendimento, a interpretação da cláusula em crise diferente não pode ser do que estabelecer um prazo de conclusão das obras, sem que o mesmo constitua um termo essencial (fatal) antes concedendo ao credor a faculdade de accionar os mecanismos da mora – regra sem que, contudo, tal fosse afectado pelo facto de o Réu ter sido autorizado a ocupar a fracção que, como se viu, se encontrava em condições de acessibilidade e habitabilidade precárias por não concluída. De outra banda, a obtenção da licença de habitação é “conditio” da outorga do contrato prometido, cumprindo à Autora obtê-la e sendo-lhe de imputar o respectivo atraso, perante o Réu, “ex vi” do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil. 3.3 Finalmente, e quanto à alegação da violação dos princípios da boa fé e da confiança nada nos autos aponta nesse sentido. O primeiro “tem um sentido moral profundo e pode exprimir-se pelo mandamento de que cada um fique vinculado em fé da palavra dada, que a confiança que constitui a base imprescindível de todas as relações humanas não deve ser frustrada nem abusada e que cada um se deve comportar como é de esperar de uma pessoa honrada, de uma pessoa de bem. (…) Numa perspectiva subjectiva decide-se da boa ou má fé em que se encontra certa pessoa perante uma situação jurídica própria.” (cfr. Prof. Pedro Paes de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, 6.ª ed., 2010, p. 22 e Prof. Menezes Cordeiro, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, 1984). Já o princípio da confiança supõe uma componente ética a não defraudar as expectativas no relacionamento entre as pessoas (cfr. Prof. Baptista Machado – “Tutela da Confiança e Venire contra factum proprium” apud “Obra Dispersa”, I, 352 e Doutor Carneiro da Frada, “Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil”, 2001). Ora o facto de o Réu ter utilizado (detido) a fracção, ter usado uma cláusula contratual para não outorgar a escritura não basta, na conjugação com os restantes factos provados para lhe assacar a violação desses princípios. Improcedem, pois, os argumentos da recorrente. 4 Conclusões Nos termos expostos, acordam negar a revista. Custas a cargo da Autora. Sebastião Póvoas (Relator) Moreira Alves Alves Velho |