Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
085897
Nº Convencional: JSTJ00026088
Relator: GUSMÃO DE MEDEIROS
Descritores: ARRENDAMENTO
ÓNUS REAL
ACTO DE ADMINISTRAÇÃO
ACTUALIZAÇÃO DE RENDA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
OBRAS
LOCATÁRIO
Nº do Documento: SJ199412070858972
Data do Acordão: 12/07/1994
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: P LOUREIRO TRATADO DE LOCAÇÃO VOLI PAG277/278. H MESQUITA IN OBG REAIS E ÓNUS REAIS PAG399. A VARELA DAS OBG EM GERAL VOLI 6ED.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
DIR REGIS NOT.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 1024 N1 ARTIGO 1029 N1 A N2 ARTIGO 1095 ARTIGO 1104 ARTIGO 1031 B.
DL 330/81 DE 1981/12/04 ARTIGO 3.
CRP59 ARTIGO 2 N1 X.
CRP84 ARTIGO 2 N1 M ARTIGO 7.
CNOT67 ARTIGO 89 J.
CCIV867 ARTIGO 949 PAR2 E.
CRP29.
DL 67/75 DE 1975/02/19.
Sumário : I - Os contratos de arrendamento celebrados por prazo superior a 6 anos, por meio de escritura pública e registados não têm a natureza de ónus reais.
II - Os contratos de arrendamento celebrados por prazo superior a 6 anos, sem ser por escritura pública e sem registo, são tidos e havidos como contratos celebrados por prazo não superior a 6 anos, ou seja, como actos de administração ordinária.
III - Os contratos referidos em 1 e 2 estão sujeitos às regras imperativas que disciplinam a locação, inclusivé à regra do artigo 1104 do Código Civil, que permite o direito de resolução pelo inquilino quando o senhorio exerça o direito de actualização anual de rendas.
IV - As obras feitas no locado pelo inquilino com vista a adaptá-lo ao fim do contrato, em resultado de cláusula inserida no mesmo, não tem outro significado que não seja o de as ditas obras passarem a ser parte integrante da fracção arrendada.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. No Tribunal Judicial de Espinho, A e B instauraram acção comum com processo ordinário contra Correios e Telecomunicações de Portugal, pedindo a condenação desta a) pagar-lhe uma indemnização correspondente às rendas vencidas, no montante de
913217 escudos; b) pagar-lhe em execução de sentença uma indemnização correspondente às rendas vincendas, devidamente actualizadas até Julho de 1993; c) a realizar todas as obras referidas nos artigos 33 e 38 da petição inicial, ou pagar a quantia de 2100000 escudos, afim de poderem realizar as mesmas.
Fundamentam os pedidos no seguinte:
- deram de arrendamento à Ré a fracção "A", de que são proprietários, do prédio sito na Rua ..., da freguesia de Espinho, pelo prazo de 10 anos, a começar em 1 de Julho de 1983 e a terminar em 1 de Julho de 1993, pela renda inicial de 60000 escudos, que veio a ser sucessivamente actualizada até Maio de 1990, encontrando-se nessa data fixada em 118619 escudos.
- tendo exigido a actualização para 130481 escudos, para o ano de 1990 a 1991 (Maio a Julho), a Ré deu o contrato por resolvido entregando o prédio e mudando de instalações, incumprindo, assim, o prazo do contrato que "só podia terminar no seu termo".
- deve, pois, a Ré pagar-lhes as rendas em dívida e ainda as vincendas desde Dezembro de 1993.
- além disso a Ré provocou no arrendado diversos danos que não reparou.
Citada a Ré, veio a mesma contestar dizendo:
- Que entregou o arrendado aos Autores, no exercício do direito legal de resolução prescrito no n. 3 do artigo
1104 do Código Civil e artigo 3 do Decreto-Lei n.
330/81.
- Que o locado foi entregue no estado em que o recebeu, ressalvadas pequenas deteriorações licitas atento o fim do contrato e a utilização normal do mesmo.
Que as obras que integravam o locado aquando da sua entrega aos Autores haviam sido autorizadas por estes e valorizaram o locado, sendo inseparáveis deste.
- A Ré pediu em reconvenção a condenação dos Autores a pagar-lhe a quantia de 809727 escudos, a título de indemnização pelas benfeitorias que realizou no arrendado e que valorizaram este.
- Procedeu-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente provada, condenando a Ré a realizar uma parte das obras de reparação pretendidas pelos Autores ou no pagamento a estes do respectivo custo a liquidar em execução de sentença, mas absolvendo-a do pedido na parte restante.
E julgando improcedente a reconvenção, absolveu os reconvindos do respectivo pedido.
2. Os Autores apelaram. A Relação do Porto, no seu acórdão de 23 de Novembro de 1993, julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.
3. Os Autores pedem revista, formulando as seguintes conclusões:
1. O arrendado celebrado pelo prazo de 10 anos está sujeito a registo.
2. É um ónus real que se mantém sobre o arrendado até ao fim do prazo.
3. Decidindo-se de modo contrário ofendeu-se os artigos
405, 398 n. 1 e alínea a) do artigo 1029, ambos do Código Civil e artigo 2 n. 1 alínea m), do Código de Registo Predial.
4. As obras realizadas pela apelada não se destinavam a conservar ou a melhorar o prédio nem lhes aumentava o valor.
5. Decidindo-se de modo contrário ofendeu-se o que dispõe o artigo 216 do Código Civil.
6. A apelada não restituiu o arrendado no estado em que o recebeu, pelo que o arrendamento além das razões acima expostas ainda se mantém.
7. Dando-se como feita a entrega, ofendeu-se o que dispõe a alínea i) do artigo 1038, artigo 1043 e artigo 1092, todos do Código Civil.
4. A recorrida apresentou contra-alegações a pugnar pela manutenção do acórdão recorrido.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
Elementos a tomar em conta:
1) Autores e Ré celebraram em Agosto de 1983 o contrato de arrendamento relativo à fracção A de que os primeiros são proprietários, do prédio sito na Rua 26 n. 256, freguesia de Espinho.
2) Foi convencionado entre Autores e Ré que o prazo do contrato era de 10 anos, a começar de 1 de Julho de 1983 e a terminar em 1 de Julho de 1993.
3) A renda foi inicialmente convencionada em 60000 escudos.
4) Até Maio de 1990, a Ré aceitou sempre a actualização estando fixada, em Maio de 1990, em 118619 escudos.
5) Os Autores exigiram a actualização de 118619 escudos para 130481 escudos para o ano que se seguia.
6) A Ré deu o contrato como resolvido, entregando o prédio, mudando de instalações, enviando a chave num envelope.
7) O prédio era novo e foi dado de arrendamento à ré para determinado fim específico: a instalação duma estação dos correios;
8) Para tanto a Ré teve de realizar obras.
9) Em Maio de 1990, procederam os autores à notificação da Ré para actualização da renda do local arrendado, passando para 130431 escudos.
10) Por carta de 25 de Maio de 1990, a Ré avisou os
Autores da resolução do contrato de arrendamento.
11) De acordo com a cláusula 3 do contrato os proprietários obrigavam-se a efectuar obras necessárias de conservação e segurança do local arrendado e autorizavam a Ré a efectuar no mesmo todas as obras de adaptação que por estas fossem julgadas convenientes aos fins do arrendamento.
12) Autores e Ré ao subscreverem o contrato fizeram-no na convicção de que ocorreriam actualizações anuais de renda.
13) Com a utilização do arrendado por parte da Ré quer pelo uso normal quer pela instalação de material de uma estação de correios, aquele sofreu, respectivamente, deteriorações e alteração, tendo a Ré entregue a fracção aos Autores, sem ter procedido a qualquer reparação.
14) Para a reposição do arrendado no estado em que foi recebido pela Ré tornava-se necessário remover um portão de três folhas existente na entrada para o logradouro posterior, e subsequente tapamento do espaço aberto com um muro de tijolos, rebocado e revestido a mosaico cerâmico; remoção do piso em betonilha, existente no logradouro lateral; demolição e remoção dos destroços do muro de delimitação do logradouro, pelo lado norte; execução de parede divisória no interior do estabelecimento com inclusão de porta de madeira para intercomunicação; demolição e remoção dos destroços das instalações sanitárias e vestiário; remoção do revestimento em placas de PVC em todo o piso do estabelecimento; remoção da orla de protecção dos pilares no interior do estabelecimento; anulação de três caixas para tapetes do pavimento e remoção do mesmo pavimento; remoção da rede de instalações eléctricas e telex, nomeadamente canalizações, condutores, materiais de fixação, armaduras de iluminação, aparelhagem de comando e manobra.
15) A renda do mês de Junho foi paga pelo valor antigo.
16) Aquando da entrega pela Ré do arrendado este integrava obras realizadas por aquele, autorizadas pelos Autores e que o valorizaram.
17) O arrendamento em causa reportava-se à fracção constante da planta anexa ao contrato e como parte integrante do mesmo.
18) Aquela planta referenciava a encarnado a área a construir e a amarelo a área a demolir.
19) A área a construir correspondia às instalações sanitárias e a área a demolir correspondia a uma parede de tijolo com a área de 3,22 metros quadrados.
20) A construção das instalações sanitárias implicou; execução de paredes de alvenaria e revestimento; revestimento em azulejo branco das paredes interiores; revestimento do pavimento em mosaico; colocação de uma porta; colocação de rodapé; fornecimento e colocação de peças sanitárias (lavatório, sanita, urinóis) e acessórios próprios das instalações sanitárias; rede de
água quente e fria; rede de esgotos, torneiras, sifões.
21) A construção das instalações sanitárias e a demolição da parede referida implicou, entre outras, a realização de instalação eléctrica própria também para o funcionamento de escritórios.
22) Ao tempo da realização das obras, as despesas com as mesmas orçaram em 809727 escudos, acrescidos de Iva.
23) A construção das instalações sanitárias, eléctricas e de telex valorizou a fracção.
24) As obras referidas no número anterior representaram beneficiação da fracção, com vista, nomeadamente, a eventual arrendamento.
25) Os autores autorizaram a Ré a efectuar as obras julgadas convenientes aos fins do arrendamento.
26) Os autores subscreveram o contrato na convicção de que este era para cumprir até ao seu termo.
III
Questões a apreciar no presente recurso.
- A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa pela análise de duas questões: a primeira, a de saber se o contrato de arrendamento ainda se mantém de sorte a os autores terem direito às rendas peticionadas; a segunda, a de saber se a Ré deve realizar todas as obras peticionadas pelo Autor.
A primeira questão decide-se face à questão de saber se a Ré podia resolver, como resolveu, o contrato de arrendamento em causa.
Abordemos tais questões.
IV
Se a Ré podia resolver, como resolveu, o contrato de arrendamento celebrado com os Autores.
1. A Relação do Porto decidiu, no seu acórdão de 23 de
Novembro de 1993, que o recorrente podia resolver, como resolveu, o contrato de arrendamento celebrado com os
Autores por a sujeição ao arrendamento, por mais de seis anos, a registo e a sua qualificação como ónus real não obstar a que ao respectivo contrato se ponha termo antes de decorrido o prazo contratual, desde que ocorra razão válida que o justifique. Tal razão ocorre aquando do pedido de utilização de rendas, uma vez que o artigo 3 do Decreto-Lei n. 330/81, de 4 de Dezembro
(em vigor à data da celebração do contrato de arrendamento em causa) dispõe que às actualizações nesse diploma previstas, aplica-se o disposto nos ns. 2 e 3 do artigo 1104 do Código Civil.
Por sua vez, o recorrente sustenta que o arrendamento celebrado por mais de seis anos, susceptível de registo constitui um ónus real porque todas as situações referidas no n. 2 do C.R.P. ou são direitos reais ou
ónus reais, sendo certo que não podem aplicar-se a estes arrendamentos certas regras, nomeadamente a denúncia.
Que posição tomar?
2. Antes de mais, convém sublinhar que a questão será apreciada e decidida à sombra do Código Civil, uma vez que o contrato de arrendamento em causa foi celebrado e resolvido antes da entrada em vigor do RAU.
- Precisada a lei aplicável, passemos à solução da questão.
3. O artigo 1024 do Código Civil prescreve no seu n. 1 que a locação constitui para o locador um acto de administração ordinário, excepto quando for celebrado por prazo superior a seis anos.
- O arrendamento por prazo superior a seis anos constitui um verdadeiro acto de oneração que Pinto
Loureiro justificava nos seguintes termos: "A limitação de poderes dos administradores nasce da consideração de que um contrato ad longum tempus pode acarretar consigo uma quebra no valor venal dos bens administrados, ocasionando assim diminuição no valor do património, equivalendo a praticar actos de administração com consequências de acto de disposição..."
(Tratado de Locação, vol. I. 277 e 278).
- Como oneração a considera a lei, tanto que obriga a registo predial a locação por prazo superior a seis anos (artigo 2 n. 1 alínea m), Código de Registo Predial). E só por escritura pública, em que terão de intervir marido e mulher, pode ser titulado tal arrendamento (artigo 1029 n. 1 alínea a), do Código
Civil, e artigo 89 alínea j) do Código do Notariado).
- No Código Civil de Seabra era expressamente considerado um ónus real "o arrendamento por mais de um ano, havendo adiantamento de renda, ou por mais de quatro não havendo" (artigo 949, parágrafo 2 alínea e)).
- A natureza de ónus real era, aliás, reconhecida no domínio do Código de Registo Predial de 1929 (Artur
Lopes Cardoso, Registo Predial, página 166) e veio a ser corroborada no Código de Registo Predial aprovado pelo Decreto-Lei n. 42565, de 8 de Outubro de 1959 - artigo 2 n. 1 alínea x -, embora já não usando a expressão "ónus real", expressão que também não foi usada no actual Código de Registo Predial - artigo 2 n.
1, alínea m).
4. O Professor Henrique Mesquita depois de analisar as diversas dadas pelo legislador português à expressão
"ónus real" e depois de apontar o verdadeiro significado a atribuir ao conceito de "ónus real" e de definir a sua natureza jurídica, conclui que, no nosso ordenamento jurídico, a sua constituição está sujeita ao princípio do numerus clausus.
- E face a esta conclusão pergunta se existirão no ordenamento português figuras ou relações jurídicas subordinadas ao regime do "ónus real", regime este que sintetiza nos seguintes termos: "para que de um ónus real possa falar-se é mister que o titular de um "ius in ré" se encontra vinculado nessa qualidade, a obrigações que tenham prestações de dar (uma prestação ou várias e nesta hipótese, com ou sem carácter de periodicidade) e que ao credor assista, em caso de não cumprimento, o direito de realizar o valor da prestação ou das prestações em dívida à custa da coisa onerada, segundo o regime próprio das garantias reais - isto é, podendo executar a coisa seja quem for, à data da execução, o respectivo proprietário e com preferência em relação a todos aqueles que não invoquem sobre ele uma garantia a que deva reconhecer prioridade".
- E depois de fazer a pergunta se existe figuras ou relações jurídicas subordinadas ao regime de ónus real
(regime que se transcreveu), aponta que devem qualificar-se como "ónus reais" as seguintes situações: a obrigação de pagamento da contribuição autárquica, no período de duração de privilégio, a obrigação de pagamento da chamada "taxa de beneficiação", as anuidades de amortização dos empréstimos, o direito de apanágio (Obrigações Reais e Ónus Reais, páginas 399 a
465).
- Os diversos autores desta figura (surpreendendo a sua natureza e regime jurídico), nem sempre apontam os mesmos casos de ónus reais, no âmbito do nosso ordenamento jurídico - privado vigente, mas o certo é que nenhum aponta o contrato de arrendamento celebrado por prazo superior a seis anos como um caso de "ónus real" (Henrique Mesquita, obra citada, páginas 465 e seguintes; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 6 edição, página 203; Oliveira Ascensão,
Direito Civil (reais), 5 edição, páginas 593 e seguintes; Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, 2 edição, página 153).
- E correcta é a não inclusão do contrato de arrendamento para comércio...celebrado por prazo superior a seis anos, nos casos de ónus reais, dado o regime jurídico dos mesmos, conforme se deixou assinalado, na esteira dos ensinamentos do professor
Henrique Mesquita (obra citada, página 457).
5. Os arrendamentos sujeitos a registo (os celebrados por mais de seis anos - artigo 2 n. 1 alínea m), do
Código de Registo Predial), devem ser reduzidos a escritura pública - artigo 1029 n. 1 alínea a), do
Código Civil.
O n. 2 do artigo 1029 do Código Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n. 67/75, de 19 de Fevereiro, prescreve que no caso da alínea a) do número anterior
(os arrendamentos sujeitos a registo devem ser reduzidos a escritura pública), a falta de escritura pública ou do registo não impede que o contrato se considere validamente celebrado e plenamente eficaz pelo prazo máximo por que o poderia ser sem a exigência da escritura e do registo.
- Se tiverem sido celebrados por mais de seis anos, os arrendamentos para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo (artigos 2 n. 1 alínea m) e 7, ambos do Código de Registo Predial). Em face do artigo 1029 n. 2, porém, a falta de registo não impede igualmente que o contrato se considere plenamente eficaz - mesmo contra terceiros - pelo prazo de seis anos, o prazo máximo por que o poderia ser sem a exigência de registo.
- Isto equivale a dizer que o artigo 1029 n. 2 tem de ser interpretado, em conjugação com o disposto no n. 1 do artigo 1024, ambos do Código Civil, no sentido de que a locação constitui, para o locador, um acto de administração ordinária quando celebrado for um contrato de arrendamento por mais de seis anos sem revestir a forma legal (escritura pública) e, assim, não sujeito a registo.
- Na locação, como acto de administração ordinária do locador, não se coloca, nem se pode colocar, a questão de saber se entra no âmbito do direito das coisas que revestem a natureza de ónus reais.
6. As considerações expostas em 3) a 5) permitem trazer luz à questão de saber se a Ré podia resolver, como resolveu o contrato de arrendamento com os autores.
- A resposta tem de ser necessariamente afirmativa.
- O contrato de arrendamento em causa não foi reduzido a escritura pública e sem possibilidade de ser registado tem de ser considerado como acto de administração ordinária dos Autores: locação por prazo não superior a seis anos.
- Não se coloca, assim, a questão de entrar no âmbito do direito das coisas que revestem a natureza de ónus reais, sendo certo que se revestisse a forma legal e se tivesse sido registado também afastado se encontrava de tal âmbito, conforme se deixou evidenciado em 3) a 5) do presente parágrafo.
- Sendo assim, haverá que aceitar quer se trata de um contrato de arrendamento com prazo certo, embora renovável nos termos do artigo 1095, do Código Civil, o que equivale a dizer estar sujeito às regras imperativas que disciplinam a locação, onde se inclui a do artigo 1104, que permite o direito de resolução pelo inquilino quando o senhorio pretende a actualização da renda.
- Os Autores exerceram o direito de actualização anual da renda no contrato de arrendamento em causa, conforme lhes permitia o Decreto-Lei n. 330/81, de 4 de Dezembro, e a Ré, no exercício de um direito legalmente permitido - o direito de resolução previsto no artigo
1104 do Código Civil, declarou aos Autores que dava o contrato por findo.
V
Se a ré deve realizar todas as obras peticionadas pelos autores.
1. A Relação de Lisboa, confirmando a sentença da 1 instância, decidiu que os Autores não lograram fazer a prova de que as obras deterioraram, como afirmam, o locado. Pelo contrário, prova fez-se de que essas obras valorizaram o arrendado e até com vista, nomeadamente, a eventual arrendamento.
- Por sua vez, os recorrentes continuam a sustentar que o facto de os apelantes terem dado o seu consentimento para as obras não evita que a apelada tenha a obrigação de as destruir, dado que não pode ser aplicada outra estação de correios.
Que dizer?
2. Autores e Ré celebraram um contrato de arrendamento de uma fracção de um prédio sito em Espinho, destinado
à instalação duma estação de correios. As partes introduziram na convenção negocial uma cláusula a indicar que fazia parte integrante do contrato de arrendamento uma planta anexa que referenciava a encarnado a área a construir (correspondia às instalações sanitárias) e a amarelo a área a demolir (correspondia a uma parede de tijolo com a área de 3,22 metros quadrados).
- A introdução de tal cláusula na convenção negocial não tem outro sentido senão que os senhorios pretendiam cumprir a sua prestação: o assegurar o gozo da fracção no âmbito e para os fins do contrato - artigo 1031 alínea r), do Código Civil.
- E para cumprirem essa sua prestação deveriam ter os
Autores feito as obras de adaptação aos fins do contrato, sendo certo que o não fizeram e, por tal, incluíram tal cláusula no contrato, inclusão que não tem outro sentido permitir que a inquilina se substitua a eles na feitura das obras de adaptação da fracção aos fins do contrato.
Com a inclusão de tal cláusula as obras que a Ré realizou (as referidas em 19) e 20) parágrafo II do presente acórdão), passaram a ser parte integrante da fracção.
Se assim é, as mesmas não podem ser consideradas benfeitorias, tendo presente a sua definição (Oliveira Ascenção, Direito Civil (reais), 5 edição, página 109), nem tampouco deteriorações licitas para efeitos da sua reparação por parte da Ré no momento da restituição da fracção locada.
- Conclui-se, assim, que a Ré não deve realizar todas as obras peticionadas pelos autores.
VI
Conclusão:
Do exposto, poderá extrair-se que:
1) os contratos de arrendamento celebrados por prazo superior a seis anos, por meio de escritura pública e registados não têm a natureza de ónus reais.
2) Os contratos de arrendamento celebrados por prazo superior a seis anos, sem ser por escritura pública e sem registo, são tidos e havidos como contratos celebrados por prazo não superior a seis anos, ou seja, como actos de administração ordinária.
3) Os contratos referidos em 1) e 2) estão sujeitos
às regras imperativas que disciplinam a locação, onde se inclui a do artigo 1104 que permite o direito de resolução pelo inquilino quando o senhorio pede a actualização das rendas.
4) As obras feitas no locado pelo inquilino com vista a adaptá-lo ao fim do contrato, em resultado de cláusula inserida no mesmo não têm outro significado senão que as mesmas integram o locado.
Face a tais conclusões, em conjugação com os elementos reunidos nos autos, poderá pensar-se que:
1) A Ré podia resolver, como resolveu, o contrato de arrendamento celebrado com os Autores, em resultado destes terem exercido o seu direito de actualização anual de rendas.
2) Os Autores deixaram de ter direito às rendas, a partir da resolução do contrato por parte da Ré.
3) A Ré não tem obrigação de reparar as obras feitas em resultado do contrato de arrendamento celebrado com os
Autores.
4) O acórdão recorrido não merece censura por não ter inobservado o afirmado em 1) a 3).
Termos em que se nega a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 7 de Dezembro de 1994.
Miranda Gusmão.
Araújo Ribeiro.
Raúl Mateus.
Decisões impugnadas:
Sentença de 5 de Janeiro de 1993 do 3 Juízo de Espinho;
Acórdão de 23 de Novembro de 1993 da Relação do Porto.