Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7256/10.9TBCSC.L1.S4
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
FACTOS ESSENCIAIS
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO ALEGADA
REVELIA
EFEITO COMINATÓRIO SEMI-PLENO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 11/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / REVELIA DO RÉU / GESTÃO INICIAL DO PROCESSO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, 567.º, 590.º, 682.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 4/10/07, PROCESSO N.º 07B2739, E DE 12/3/08, PROCESSO N.º 07S3380, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. Em acção reportada a pretensão indemnizatória, fundada nos danos decorrentes da violação culposa de um dever lateral de prevenção e protecção da integridade pessoal dos utentes/consumidores, acautelando perigos específicos das instalações ou locais por aqueles frequentados, constitui facto essencial, integrador da causa de pedir complexa em que se estriba o lesado, a titularidade ou detenção pela entidade demandada do estabelecimento comercial onde se verificou o acidente, de forma a poder ser responsabilizada pelos riscos decorrentes da respectiva exploração.

2. O efeito cominatório semi-pleno, decorrente da situação de revelia operante da R./demandada, apenas determina que se devam ter por confessados os factos efectivamente alegados pelo demandante – cabendo ao juiz sindicar da suficiência e concludência jurídica da factualidade assente por confissão ficta, em termos do preenchimento ou não da fattispecie subjacente ao pedido deduzido.

3. A ampliação da matéria de facto, determinada pelo STJ com base no nº3 do art. 682º do CPC, reporta-se a factos processualmente adquiridos, oportunamente alegados pela parte, mas que as instâncias indevidamente não hajam tomado em consideração – determinando o STJ às instâncias que os considerem e valorem no momento do julgamento do pleito.

4. Não é possível que, a coberto de tal norma, as partes venham intempestivamente pretender incorporar no processo factos novos que não curaram de alegar no momento apropriado e que não devam ter-se por adquiridos para o processo através, por exemplo, do mecanismo actualmente previsto no art. 5º, nº2, alínea b), do CPC – em termos de se eximirem a efeitos preclusivos há muito sedimentados no processo.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA propôs, contra BB e CC - Modas, com sede em Madrid, acção processada na forma ordinária, pedindo a condenação das RR. - a 1ª R. na qualidade de seguradora da 2ª R.-  a pagar-lhe a quantia de € 69.159,21, acrescida de juros legais, a título de indemnização por danos, patrimoniais e não patrimoniais, alegadamente sofridos pela A., em consequência de queda no interior de estabelecimento situado em determinado centro comercial .

       Citadas, as RR. não contestaram.

    Na sentença proferida, condenou-se a 2ª R. a pagar à A. a quantia peticionada, acrescida de juros legais, desde a citação - absolvendo-se a 1ª R. do pedido.

    Inconformada, apelou a 2ª R., tendo a Relação concedido provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e substituindo-a pela absolvição do pedido da apelante .

   Por sua vez, confrontada com tal decisão, interpôs a A. recurso de revista, tendo o STJ anulado o acórdão recorrido, para que a Relação elencasse, de forma concreta e discriminada, a matéria de facto provada, analisando de seguida –e à sua luz - as razões jurídicas invocadas pela apelante.

  Em novo acórdão, manteve a Relação a absolvição do pedido da R., o que ditou a interposição de nova revista da A. para o STJ – sendo proferido acórdão a anular a decisão da Relação e a determinar que se procedesse à apreciação das questões que a Relação tivera por prejudicadas, nomeadamente no que se refere à existência de contrato de seguro.

   E, perante a decisão que, mais uma vez, decretava a absolvição da R. do pedido, interpôs a A. nova revista, dirimida singularmente: em decisão sumária; o relator de tal recurso neste Supremo (depois de notar que tem de considerar-se precludida a matéria atinente à invocada nulidade da citação e à pretendida demonstração da existência de contrato de seguro, visando garantir a responsabilidade civil da 2ª R., já que não foi, pela parte vencida quanto a tais questões, interposto recurso das decisões proferidas nos autos) determinou novamente a anulação do acórdão recorrido, com vista a ser ampliada a matéria de facto, insuficientemente alegada pela A., afirmando:

Já vimos que, com a citação da R. CC – e a questão que a mesma colocou sobre a respectiva nulidade do acto já se encontra (desfavoravelmente) decidida por decisão transitada em julgado – e na falta de contestação da mesma, se consideram fixados ( todos os que podem relevar para a boa decisão da causa) os factos que a A. alegou.

Ora, dentro da matéria alegada – embora de forma deficiente, como já dissemos – encontram-se factos que poderão levar a concluir ser a R. BB Modas a titular do estabelecimento onde ocorreu o sinistro, sendo eventualmente por ele responsável.

Trata-se, desde logo, dos factos elencados nos arts. 17º ( na parte em que alude à funcionária da R. ora em causa), 21º, 22º, 25º, 26º, 28º, 33º, 34º ( na parte inteligível), 41º e 42º ( na parte respeitante à R. CC).

Ou de outros, que após melhor ponderação e reflexão sejam tidos como pertinentes.

Até para o eventual recurso à prova por presunção judicial, admitida em direito – art. 349º a 351º.

….

E sendo parca a matéria de facto vinda da Relação para um bom julgamento da causa deverá a mesma ser aí ampliada, em ordem a constituir base bastante para uma correcta decisão de direito.


2. Remetidos novamente os autos à Relação, foi aí proferido novo acórdão, mantendo o anterior sentido decisório - concedendo provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e julgando a acção improcedente, absolvendo do pedido a R. apelante.

Em tal aresto, começa por se especificar a matéria de facto provada, face ao efeito cominatório semi-pleno da falta de contestação:

-   A A. dirigiu-se no dia 4/10/2009, entre as 12.30 h e as 13.00 h, à BB, sito no estabelecimento comercial no Caiscaishopping, a fim de efectuar compras, como era usual.

-    A A. encontrava-se acompanhada pelo marido e pela neta de 8 anos.

-   Após a A. ter visitado o r/c deste estabelecimento, dirigiu-se ao 1º andar na secção de criança, a fim de adquirir roupa para a neta.

-    A A., o marido e a neta circulavam pelo espaço, a visitar os expositores da roupa.

-   Após ter encontrado a roupa que lhe interessava, a A., seguida pelo marido e pela neta, dirigiu-se à caixa, a fim de efectuar o pagamento.

-     A A., à medida que circulava, abria a mala, a fim de retirar a carteira e tirar o dinheiro, na proximidade da caixa.

-   Quando começou a andar, escorregou numa água esponjosa, transparente, não se detectava a olho nu, em virtude de o chão ser cinzento.

-  Tal substância, causa do acidente (que não foi removida de imediato) segundo informação das funcionárias da loja, tratava-se de vomitado de uma criança.

-   Esse local, onde se encontrava o vomitado, não estava sinalizado, não estava resguardado, não estava ninguém a limpá-lo e não tinha ninguém a impedir que o pisasse.

-   Simplesmente, não se denotava da cor do chão, que é cinzento.

-   Ao escorregar, a A. caiu ao comprido, dentro desse vomitado, do lado esquerdo do corpo.

-   Tendo a mão esquerda rodado e virado toda para trás.

-   Os tendões das costelas entraram para dentro destas.

-   A perna esquerda saiu o tendão desde a virilha até ao pé.

-   Desde do pescoço até à anca do lado esquerdo do corpo, teve um hematoma, que levou cerca de dois meses a passar.

-   O pescoço e a coluna ficaram com dores, que ainda hoje permanecem e com tonturas.

-  Após a queda, no momento da mesma, acorreu ao local uma funcionária da 2ª R., de nome DD, munida de um balde e esfregona, para limpar o não tinha sido limpo até ao ocorrência do acidente.

-   A A. foi levantada por uma funcionária que se encontrava junto dos expositores da roupa, pelo marido e pela funcionária já referida.

-  Na sequência do ocorrido, a A. foi levantada pela funcionária referenciada, foi buscar gelo, o qual enrolou numa fralda de bebé toda suja e colocou-a na mão da A., que já se encontrava inchada com um volume enorme.

-   A A. dirigiu-se ao hospital, para ser observada e medicada.

-  A A., após a queda, tentou várias vezes contactar a CC, através da sua gerência, tentativas essas sempre infrutíferas, para informar que estava cheia de dores, o pulso ligado e pedir para lhe pagarem as despesas.

-  Duas vezes por semana, a A. dirigia-se à CC, estabelecimento sito no Cascaishopping, quando pretendia falar com o gerente, era-lhe dito pelas funcionárias que estavam na caixa que não se encontrava e que teria de falar com a D. EE.

-  A A. entregou em Dezembro de 2069, para ser ressarcida, pagamentos das consultas, dos medicamentos e outras despesas, a uma funcionária, no estabelecimento supra mencionado,  sem que a D. EE ou o gerente aparecessem.

-    Em Janeiro de 2010, a A. dirigiu-se às instalações da CC, no Cascaishopping a fim de apresentar à R. novas despesas medicas e medicamentosas que efectuou. Contudo, inexplicavelmente, não falou com a D. EE ou com qualquer outro responsável pela loja.

-  Para além de comparecer junto da CC, no estabelecimento referido, a A. ligava vezes sem conta, sempre sem ser atendida pelas pessoas indicadas.

-   Perante esta atitude da CC, a A. teve que contratar uma advogada, que obteve os contactos telefónicos e fax da sede da CC em Espanha, bem como da Companhia de Seguros, uma vez que a filial da CC no Cascaishoping nunca entregou os mesmos à A.

-   A  A. continuou a ligar via telefone para a CC.

-   O médico da 2ª R. veio ver  a A., no dia 18/9/2010, um sábado, às 10 h da manhã, após a mandatária da A. ter ligado para Espanha, para a Companhia de Seguros, a comunicar que iria entrar no Tribunal de Cascais, uma acção contra a CC e a Companhia de Seguros.

-   Já decorreu mais de uma semana, quer a CC - lª R., quer a Companhia de Seguros BB - 2a R., nada disseram.

-  Continuando a A. a ser medicada pela sua médica de família, a fazer fisioterapia, indicada primeiramente pelo médico dos ouvidos devido às tonturas provenientes da coluna, tudo isto por sua conta e risco.      

-  A A. continua com queixas de cervicalgias, ombro doloroso à esquerda, dorsalgia esquerda e coxalgia esquerda, na sequência de traumatismo por queda ocorrida em Outubro de 2009.

-  Tendo feito, desde do acidente, tratamento de fisioterapia tendo que efectuar deslocações para os respectivos trata- mentos e feito também tratamento médico anti-inflamatórios e analgésicos.

-   Já em Fevereiro de 2010, mesmo actualmente, a A., devido à sua situação clínica do foro articular pós traumática, não pode deslocar-se em transportes públicos para consultas e tratamentos.

-  Desde o dia 4/102009, que a A. cuidar da casa e da sua mãe, de conduzir, simplesmente de realizar uma vida independente de outras pessoas.

-   Encontra-se dependente do marido para a conduzir, quando este não pode, devido à sua actividade profissional, tem que contratar um táxi, bem como teve e tem que contratar uma pessoa para auxiliar com a sua mãe, pessoa idosa (principalmente à noite) e na lide doméstica, já que a A. deixou ter forças no lado esquerdo.

-  Para além destas despesas, ainda teve e tem todas as consultas médicas, medicamentos, taxas moderadoras, I.M.I. - Imagens Médicas Integradas, meios complementares de diagnóstico e outras às suas expensas, no valor de € 3.179,21.

-   A A. consulta várias vezes por mês, com inicio em Abril, um osteopata, com pagamento de cada consulta de € 50, o que perfaz até esta data, a quantia de € 600.

-   Para além desta quantia, terá que despender com uma doméstica o valor mensal aproximado de € 600, o que perfaz anualmente o valor de € 7.200.

-   Ainda não foi liquidada a roupa e calçado, na importância de € 180, que a A. vestiu naquele dia do acidente e que ficou estragada, tendo sido colocada no caixote do lixo.

-   A A. não poderá cuidar da sua casa, da sua mãe, bem como conduzir, até ao fim da sua vida, irá sofrer reduções na sua independência como ser humano, ficando dependente de terceiros.

-    Terá uma vida muito limitada, o que não tinha, antes da queda.

-  Tem dores, tonturas, em certas alturas, não pode mexer o pescoço, não pode mexer o lado esquerdo, como tivesse paralisado.

-   Terá que realizar fisioterapia e homeopatia até ao fim da sua vida, para ter alguma qualidade de vida, sob pena de ficar paralítica.


      Passando, de seguida, a apreciar as questões suscitadas no recurso, considerou a Relação:

    A questão a decidir centra-se, assim, primacialmente, na apreciação das nulidades invocadas pela R., ora apelante.

   A tal respeito, e no tocante à invocada nulidade de citação, desde logo, deverá a respectiva arguição considerar-se extemporânea - uma vez que, não estando em causa a omissão do próprio acto, haveria de ter sido deduzida (art. 198º, nº2, C.P.Civil) dentro do prazo fixado para a contestação.

    Por outro lado, não tendo a A., ora apelada, interposto recurso da decisão, acha-se a mesma transitada em julgado, na parte em que absolveu do pedido a seguradora BB - pelo que se têm de considerar irrelevantes as alegações da apelante, no tocante à responsabilidade daquela pelo sinistro. 

    Sustenta ainda, todavia, a apelante não ter qualquer relação com o objecto do litígio - já que é uma sociedade de direito espanhol, com sede em Madrid, e a loja onde ocorreu o acidente sofrido pela A. se encontra arrendada à empresa CC Modas, Unipessoal, Lda, sociedade por quotas de direito português, com sede no Cascaishoping - Alcabideche, concelho de Cascais.

    Ainda que tal afirmação se não ache cabalmente demonstrada, resulta da análise da petição inicial que (para além da confusa referência constante do seu art 1º) se não mostra sequer alegado seja a apelante (nem, aliás, pessoa diversa) a entidade que explora o estabelecimento comercial onde ocorreu o dito acidente.

   Muito menos directamente se lhe imputando qualquer conduta susceptível de, por acção ou omissão, sobre ela fazer recair a responsabilidade relativa aos danos sofridos pela apelada.

  Sendo que as referências, constantes da petição, à C & A e seus funcionários, claramente se reportam ao aludido estabelecimento - aí confundido, como se dessa entidade ou de uma sua filial se tratasse, com a sociedade CC Modas,  ora apelante.

  Pese embora a ausência de contestação, e a consequente confissão da matéria alegada, não pode, assim, ter-se por provada, mesmo através do recurso a presunção judicial, a factualidade a tal atinente .     E, na ausência do necessário suporte fáctico, sempre se haveria de concluir, ao invés do decidido, pela improcedência do pedido formulado contra a apelante - quedando-se prejudicadas as demais questões pela mesma suscitadas. 


3. Novamente inconformada, interpôs novamente a A. recurso de revista, que encerra com as seguintes conclusões:

1º- Assim e de acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2015, a aqui recorrente o ónus de alegação e prova dos factos essenciais que constituem a causa de pedir (art°5° n° l do CPC.

2°- Mas, para isso, era ou é necessário que o Tribunal da Relação de Lisboa, notificasse a aqui recorrente para apresentar provas e terá de as indicar, nos termos do art° 219 n° 2 conj. com o art° 247° n° 1 ambos do C.P.C.

3°- O Tribunal da Relação de Lisboa, mais uma vez, limitou-se a concluir:

O Tribunal da Relação considera que "Pese embora a ausência de contestação e consequente confissão da totalidade da matéria alegada, não pode assim, ter-se por provada a factualidade a tal atinente. E na ausência de suporte fáctico, sempre se haveria de concluir, ao invés do decidido pela improcedência do pedido formulado contra a apelante quedando-se prejudicadas as demais questões pela mesma suscitadas".

"Pelo acima exposto, se acorda em, concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, julgando a acção quanto a ela, igualmente improcedente, absolver do pedido a R. apelante".

4°- E, a não cumprir o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Lisboa, terá o Tribunal da Relação de Lisboa, de notificar a aqui recorrente para apresentar o ónus da prova, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos objectos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade, segundo o art°436° do C.P.C.

5º- Já que, ao longo deste processo, a aqui recorrente sempre apresentou provas, nos termos do art°342° do Código Civil," àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, o que aconteceu neste processo, a aqui recorrente provou os factos, com relatórios médicos, fez prova documental das suas despesas, enquanto que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado não foi feito pela aqui recorrida, já que nunca houve intenção de o fazer, ou por negligência ou por dolo.

6°- Simplesmente, a aqui recorrente só lhe interessa receber a sua indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento, tal como foi proferida a sentença e provada de acordo com as provas documentais.

7º- A aqui recorrida só se lembrou da existência da recorrente, porque foi condenada a liquidar a quantia de Euros 11.159,21 Euros (a titulo de danos patrimoniais) e Euros 58.000,00 (a titulo de danos não patrimoniais) valores a que acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento.

8°- Assim, andou e muito bem, a Meritíssima Juíza do Tribunal "a quo" ao proferir como proferiu esta sentença, não merecendo qualquer tipo de censura.

9°- Para mais, esta quantia de Euros 11.159,21 a titulo de danos patrimoniais e a importância de Euros 58.000,00 a titulo de danos não patrimoniais não são elevadas para a queda que a recorrente sofreu no estabelecimento da recorrida.

10°- Esta indemnização, ainda não é demais, tendo em conta que sendo a aqui recorrente uma pessoa normal, activa e trabalhadora, após a queda passou a depender de terceiros, deixou de trabalhar e com imobilidade reduzida, com dores de dia e de noite, não tem posição de corpo quando dorme e quando está de acordada, ingere diariamente vários tipos de comprimidos para as dores, para a estabilidade, para as articulações, para os ouvidos e para a depressão.

11º- Não pode a aqui recorrente ser prejudicada pela inércia, pela negligência da aqui recorrida.

12°- Para mais, a aqui recorrente sabia do acidente que tinha acontecido nas suas instalações do estabelecimento comercial sito no Caiscaishoping, tinha recebido despesas para pagar, não o fez, ignorou-as simplesmente.

13º- Assim, tais danos são aqueles que a aqui recorrente/autora invocou e provou, mais uma vez, a aqui recorrida não contestou a acção, poderia ter interposto recurso desse despacho, nada fez, tendo-se conformado com os factos alegados e prova produzida pela autora /recorrente, tem a mesma recorrida e ré de ser condenada na totalidade do pedido.

14°- Sabe, muito bem, a aqui recorrida qual é o montante em danos patrimoniais e danos não patrimoniais que teria que indemnizar a aqui recorrente, tal como consta na petição inicial e demais documentos juntos à mesma.

15°- Como tem que pagar a quantia já sentenciada e juros à taxa legal desde da citação até integral pagamento é que se lembrou de colocar todos os procedimentos legais em causa, até à sentença proferida em primeira instância.

16°- Como ficou provado, o valor indemnizatório foi proveniente da queda ou acidente sofrido pela recorrente no estabelecimento comercial da ré/recorrida, como muito bem sabe a aqui recorrida, desde do primeiro momento fez orelhas mocas às queixas e suplicas do aqui recorrente. (Vide sentença e provas documentais já juntas aos autos).

17°- Desde telefonemas, desde contactos directos com a gerência, desde cartas que a aqui recorrente efectuou à recorrida, sempre infrutíferas.

18°-A aqui recorrente, teve com as suas dificuldades económicas, contratar uma Advogada para defender os seus interesses, o que veio acontecer.

19º - A aqui recorrida só se lembrou da aqui recorrente, bem como do seu valor indemnizatório, nas vésperas de uma acção executiva.

20°- Logo, cabe a esta recorrida liquidar o valor indemnizatório, como ficou provado pelo decisão singular do Supremo Tribunal de Lisboa "...encontram-se factos que poderão levar a concluir ser a ré CC Modas a titular do estabelecimento onde ocorreu o sinistro, sendo eventualmente por ele responsável".

21°- E, esse sentido, não foi explorado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, simplesmente e mais uma vez, proferiu decisão final igual aos anteriores acórdãos e a justificar essa decisão através de editar, copiar e colar das justificações já proferidas de anteriores acórdãos.

22°- Não teve em consideração, o que já tinha sido provado pelas anteriores decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça de Lisboa.

23°- Neste último acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa não estudou e não cumpriu o que proferido nesta última decisão do Supremo Tribunal de Justiça.

24°- Nesse sentido que está a recorrer novamente para o Supremo Tribunal de Justiça de Lisboa, uma vez que, a aqui recorrente não poderá ser ficar lesada e incapaz para toda a sua vida, como já foi demonstrado ao longo do processo, bem como ao longo desta peça processual.

25°- Mais não resta e se continuar no tempo esta malfadada acção terá a aqui recorrente interpor junto do Tribunal Internacional dos Direitos do Homem a respectiva acção com todas as consequências daí advenientes para o Estado Português, com a respectiva indemnização.

26°- Para mais, e como se provou com documentos já juntos aos autos que a aqui Autora/recorrente ficou com incapacidade para a toda a sua vida, devido ao facto de ter sofrido aquela queda no estabelecimento comercial da aqui ré/recorrida.

27°- E, é nesse sentido que aqui recorrente quer ser indemnizada, quer por danos patrimoniais, no valor de Euros 11.11.159,21 Euros e Euros 58.000,00, quer por danos não patrimoniais, já que tem direito aos mesmos, de acordo com a sentença que foi proferida pelo Tribunal da Comarca de Cascais, quer pela própria legislação.

28°- Não pode é a ré/recorrida depois de uma sentença do Tribunal da Comarca, no fim do prazo para recorrer e a transitar em julgado, vir alegar factos que nunca foram provados e querer ter razão, para não pagar uma indemnização de um acidente sofrida nas suas instalações, como foi provado ao longo dos autos, nos termos do art°483° conj. com o art°487° n° 1 do C.C.

29°- Aqui Recorrente entrou com a neta e com o marido no estabelecimento comercial da Recorrida, com saúde, sem problemas de locomoção ou outros e sem depressão, por culpa exclusivamente da recorrida sofreu a queda, saiu das instalações para se dirigir ao hospital com o diagnóstico já relatado que se encontra nos autos, ficando incapaz para toda à vida.

30º- Logo, a aqui recorrida que tem de indemnizar a aqui recorrente pelo que aconteceu, tal como foi sentenciado pelo Tribunal da Comarca e pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2015.

31°- Tanto mais, que o Tribunal da Relação pela terceira vez, não fundamenta a sua decisão, aqui acórdão, limita-se mais uma vez, a absolver a aqui recorrida.

32º- Logo, não pode ser a aqui Recorrente ser sancionada pela negligência da Recorrida.


Por tudo o atrás exposto, não deverá ser dado qualquer provimento ao recurso e ser mantida a douta sentença proferida pelo Tribunal da Comarca (e de acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Lisboa do dia 30/01/2015).

V. Ex.ªs fazendo a sã, serena e costumada justiça, doutamente assim o entenderão.

JUSTIÇA!!!


A recorrida contra alegou, concluindo nos termos seguintes:

A. A Recorrente refere nas suas Alegações que "Cabia ao Tribunal da Relação de Lisboa e tendo em conta a decisão singular do Supremo Tribunal de Justiça de Lisboa, notificar a parte para ampliar a matéria de facto, a fim de constituir base bastante para uma correcta decisão do direito, nos termos do artº 5º nº 1 do CPC". Ora, salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à ora Recorrente.


B. Ao contrário do que alega a Autora ora Recorrente, no seguimento da Decisão Singular proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal da Relação de Lisboa não tinha, à luz da Lei, que notificar a Autora ora Recorrente para ampliar a matéria de facto.

C. Aliás, o facto de a própria Autora o requerer é porque reconhece, de forma expressa e clara, que a matéria de facto considerada como provada não é suficiente para imputar qualquer responsabilidade à Ré ora Recorrida.

D. Certo é que o Tribunal da Relação de Lisboa, ao contrário do que sugere a Autora ora Recorrente, cumpriu com o ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça, isto é, procedeu à ampliação da matéria de facto considerada provada, constituindo assim a base bastante para uma correcta decisão de direito.

E. Ora, nos termos dos artigos 635º nº 4 e 639 nº 1 do CPC o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões da Recorrente.

F. Logo, tendo em consideração que a Recorrente fundamentou o seu recurso na suposta ilegalidade do Acórdão do Tribunal "a quo" por não ter notificado a Recorrente para apresentar provas e outros elementos e para esta ampliar a matéria de facto, e carecendo este fundamento de legalidade manifesta, deve o presente recurso improceder de imediato, absolvendo-se a Recorrida, mantendo-se o Acórdão do tribunal "a quo".

G. Acontece que, não obstante a ampliação da matéria de facto considerada provada constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, não decorre matéria de facto provada existente nos autos que permita alterar o sentido da decisão do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa:

Ainda que tal afirmação se não ache cabalmente demonstrada, resulta da análise da petição inicial que (para além da confusa referência constante do seu art Io) se não mostra sequer alegado seja a apelante (nem, aliás, pessoa diversa) a entidade que explora o estabelecimento comercial onde ocorreu o dito acidente.

Muito menos directamente se lhe imputando qualquer conduta susceptível de, por acção ou omissão, sobre ela fazer recaíra responsabilidade relativa aos danos sofridos pela apelada.

Sendo que as referências, constantes da petição, à CC e seus funcionários, claramente se reportam ao aludido estabelecimento - aí confundido, como se dessa entidade ou de uma sua filial se tratasse, com a sociedade CC Modas, ora apelante.

Pese embora a ausência de contestação, e a consequente confissão da matéria alegada, não pode, assim, ter-se por provada, mesmo através do recurso a presunção judicial, a factualidade a tal atinente.


H. Em nenhum lugar na Petição Inicial da Autora se alega e, por seu turno, em nenhum lugar vem confessado pela Ré, que o referido estabelecimento comercial é da Ré ou por si seja explorado.

I. A acrescer, não é imputável à Ré, nem isso mesmo resulta da Petição Inicial, qualquer conduta susceptível de, por acção ou omissão, sobre ela fazer recair a responsabilidade, relativa aos danos sofridos pela Autora, nem podia pois a Ré não é e não era exploradora do estabelecimento "CC" sito no Cascaisshopping.

J. Com efeito a Recorrida, não tem qualquer relação com o litígio objecto dos presentes autos, já que é uma sociedade de direito espanhol, com sede em Alcobendas, Madrid, em Espanha, sendo certo que a loja onde alegadamente ocorreu a queda sofrida pela Autora se encontra arrendada à empresa CC Modas, Unipessoal, Lda., que é uma sociedade por quotas de direito português, com o NIPC …, com sede no Cascaisshoping.

K. Nesta medida se evidenciando e demonstrando que a Recorrida não tem qualquer relação com a pretensão da Autora.

L. Além de que não foi sequer alegado pela Autora que a Ré tivesse qualquer relação, jurídica ou de facto, com a loja onde terá sucedido a queda que motivou os presentes autos.

M. O mesmo se diga no que diz respeito à alegação e prova do nexo causal, como um dos pressupostos da obrigação de indemnizar e medida da mesma, que incumbia à Autora, independentemente da respectiva fonte ser de natureza contratual ou extracontratual, factualidade que igualmente não foi oferecida pela Autora, e que seria necessária ao pretendido ressarcimento, nos termos dos artigos 563º e 342º, nº 1 do Código Civil.

N. Também não se encontra na factualidade alegada a relação de causa/efeito entre o antes e o depois da queda sofrida pela Autora e a generalidade dos danos alegados.

O. Na verdade, no elenco dos factos provados só constam factos relativos à própria Autora e aos seus familiares, inexistindo matéria provada relativa à Ré ou relativamente a qualquer outra entidade.

P. Assim, com a ampliação da matéria de facto considerada como provada e, ainda que com o eventual recurso à prova por presunção judicial, não pode o Supremo Tribunal de Justiça retirar que a Ré ora Recorrida era a entidade exploradora do estabelecimento comercial em causa, isto porque o não era!

Q. Aliás, a Ré é uma sociedade de direito espanhol e nem sequer poderia ser a exploradora do estabelecimento comercial, nem sequer tal se encontra alegado pela Autora.

R. Face ao exposto, não merece censura o Tribunal da Relação de Lisboa, não devendo proceder a intenção da Autora ora Recorrente em ser notificada para esta ampliar a matéria de facto, devendo manter-se a decisão constante do Acórdão recorrido.

S. Uma decisão diferente seria totalmente contrária à ordem pública, que resultaria na condenação de uma pessoa colectiva que não é a exploradora ou responsável pelo estabelecimento sito no Cascaishopping e não foi causadora dos danos reclamados pela Autora ora Recorrente.

T. Nos termos do artigo 636º nº 1 do CPC, o objecto do recurso deve ser ampliado às questões prejudicadas que ficaram por conhecer.

U. A Ré levantou nas suas alegações de recurso de apelação a questão do não cumprimento do dever de fundamentar a decisão da sentença de 1ª instância, nos termos dos artigos 158º e 668º nº 1 al. b) do CPC na redacção anterior à ora vigente (artigos 154º e 615º do Novo CPC, respectivamente), exige a especificação dos fundamentos de facto e de direito que, justificam a decisão.

V. A sentença do Tribunal de 1ª instância não esboça sequer a fundamentação do suposto entendimento de que a resolução da causa se revestiria de manifesta simplicidade, limitando-se, na verdade, a aderir totalmente e de modo acrítico ao pedido formulado pela Autora.

W. Como resulta do artigo 659º nº 2 do CPC, o juiz deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

X. Também o artigo 484º nº 2 determina que a causa seja julgada conforme for de direito.

Y. Assim, a justificação da questão de direito por simples adesão aos fundamentos jurídicos alegados pelas partes traduz violação do artigo 158º nº 2 e acarreta o regime de nulidade da sentença prevista na alínea b) do 668º nº 1 do CPC e não o da nulidade dos actos processuais do artigo 201º do CPC (cfr. Ac. STJ, de 19.1.1984:BMJ, 333º-380).

Z. A acrescer, considerando-se a admissão do pedido como válido, a cominação prevista no artigo 484º nº 1 do CPC antigo é uma cominação semi-plena, pelo que o Tribunal de 1ª instância ao proferir sentença deve julgar a causa conforme for de direito.

AA. Assim, não poderia o Tribunal de 1ª instância limitar-se a aderir sem mais ao pedido formulado pela Autora, prescindindo da devida análise crítica e da necessária interpretação e aplicação das normas jurídicas relevantes aos factos considerados provados.

BB. A Recorrida não pode deixar de afirmar que a indemnização fixada na sentença, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais é completamente injustificada, quer por não atender ao critério do nexo de causalidade entre facto e dano, que é fundamental no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, quer por não proceder a qualquer análise, fundamentação ou avaliação da relevância e gravidade dos danos não patrimoniais e à sua ponderação à EE da equidade, como se impõe, em aplicação dos artigos 496º e 563º do Código Civil.

CC. Salvo o devido respeito, a sentença proferida não efectuou tal ponderação, tendo-se limitado a "fechar os olhos" e a aderir totalmente e sem reservas ao pedido formulado pela Autora, em violação das citadas disposições do Código Civil e excedendo manifestamente os termos da cominação semi-plena resultante do artigo 484º nº 1 do CPC antigo.

DD. De facto, podemos afirmar que o Tribunal de 1ª instância fez errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 563º do Código Civil, à matéria provada.

EE. Mas, não se pode encontrar na factualidade apurada uma relação de causa/efeito entre o antes e o depois da queda sofrida pela Autora e a generalidade dos danos alegados.

FF. Não se podendo, assim, e sem mais, concluir que as eventuais despesas efectuadas pela Autora se ficaram a dever à queda de que foi vítima.

GG. É um "salto" que o Tribunal não pode dar.

HH. É exactamente o que sucedeu nos autos. Uma queda como a descrita nos autos não é adequada de acordo com a sua natureza e com o curso normal das coisas, a produzir danos não patrimoniais, e muito menos da magnitude que indevidamente foram aceites e fixados na sentença do Tribunal de 1ª instância, nem se encontra demonstrada a relação de causalidade com as despesas incorridas pela Autora.

II. Debruçar-nos-emos, ainda, sobre o montante fixado pela sentença a título de indemnização por danos não patrimoniais, o qual a Recorrida, mais uma vez, considera, além de completamente injustificado, exorbitante e desproporcionado, em violação do disposto no artigo 496º do Código Civil.

JJ. A quantia de € 58.000,00 a título de danos não patrimoniais fixada na sentença, não tem correspondência com a tradição jurisprudencial nacional, considerando a frequente fixação de valores indemnizatórios desta ordem de grandeza para a reparação, a título de indemnização por danos não patrimoniais, pela perda do bem jurídico fundamental que é a vida humana.

KK. O valor traduzido em dinheiro da vida e da integridade física e mental das pessoas, deve ser aferido pelas condições de vida médias das pessoas que integram a Comunidade de que todos os fazemos parte integrante.

LL. E, no presente caso, salvo melhor opinião, tal não acontece, merecendo também censura nesta matéria a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, por violação do artigo 496º do Código Civil, e, nesta conformidade, deverá ser revogada.

MM. A Recorrida não tem qualquer relação com o litígio objecto dos presentes autos, já que é uma sociedade de direito espanhol, com sede em Alcobendas, Madrid, em Espanha, sendo certo que a loja onde alegadamente ocorreu a queda sofrida pela Autora se encontra arrendada à empresa CC Modas, Unipessoal, Lda., que é uma sociedade por quotas de direito português, com o NIPC …, com sede no Cascaisshoping, Estrada Nacional 9, Km 6,8, em Alcabideche, concelho de Cascais (cf. certidão permanente junta sob doc. nº 2, bem como os contratos de arrendamento celebrados em 30 de Novembro de 1999, relativos à loja em causa, juntos sob. doc. nº 3 e nº 4, e respectiva alteração contratual de 2004, junta sob doc. nº 5 às Alegações do Recurso de Apelação, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais). A junção destes documentos não foi recusada pelo Tribunal da Relação, pelo que deverão os mesmos ser considerados admitidos.

NN. Por não ter qualquer relação com o litígio objecto dos presentes autos e por ser uma excepção de conhecimento oficioso, deve a Recorrida ser considerada parte ilegítima nos termos e para os efeitos dos artigos 30º, 577º e 578º do CPC.

Face ao exposto, deve ser negado provimento ao Recurso de Revista por carecer de fundamentação jurídico-legal, confirmando-se integralmente o douto Acórdão recorrido e absolvendo-se a Recorrida em conformidade.

Sem prejuízo do supra exposto e sem conceder, deve o presente Tribunal conhecer das questões prejudicadas no Recurso de Apelação da Recorrida, determinando-se a ampliação do objecto de recurso, absolvendo-se, a final, a Recorrida do pedido, por violação do dever de fundamentação da decisão da sentença de 1ª instância, nos termos dos artigos 154º e 615º do CPC e por violação do artigo 496º e 563º do Código Civil.

 

Por fim, e sem conceder, deve a Recorrida ser considerada parte ilegítima por não ter qualquer relação com o litígio objecto dos presentes autos, absolvendo-se a Recorrida nos presentes autos, assim se fazendo JUSTIÇA!

 

4. A presente acção tem como objecto pretensão indemnizatória, deduzida pela A., na qualidade de lesada, contra a R., aparentemente na qualidade de detentora e responsável pela exploração do estabelecimento comercial onde ocorreu o acidente (queda motivada por deficiente limpeza do piso) gerador das lesões e dos danos patrimoniais e não patrimoniais invocados, decorrentes da violação culposa pelos funcionários da empresa de um dever lateral de prevenção e protecção da integridade pessoal dos utentes/consumidores, acautelando perigos específicos das instalações ou locais por aqueles frequentados.

Ora, perante a peculiar fisionomia da causa petendi, é manifesto que se integra no núcleo essencial desta a factualidade atinente à titularidade do estabelecimento em causa por parte da sociedade demandada, já que a violação do referido dever de protecção da integridade física dos utentes/consumidores contra os riscos de exploração da empresa e a consequente obrigação de indemnizar os danos situados no perímetro de uma responsabilidade civil pela exploração do estabelecimento comercial só podem naturalmente incidir sobre a entidade que detiver a efectiva titularidade e o domínio do estabelecimento comercial onde ocorreu o sinistro.

Como está amplamente documentado ao longo do processado anterior - transparecendo, aliás, com total clareza da decisão anulatória já proferida por este Supremo - enferma a petição inicial apresentada pela A. de uma deficiência relevante no que toca à caracterização desse núcleo factual essencial, integrador dos pressupostos da responsabilidade civil imputada à R.: na verdade, percorrido o articulado apresentado, dele não resulta a alegação dessa realidade fáctica – ou seja de que era efectivamente a empresa de direito espanhol, com sede em Madrid , demandada na acção, a efectiva e real titular do estabelecimento , sito em centro comercial de Cascais, onde se verificou o acidente.

Na realidade, a A. parece supor que a empresa mãe, detentora de certa marca, é automática e necessariamente a titular de todos os estabelecimentos cujo nome incorpora referência à marca de artigos em causa, comercializando, em qualquer país, esses produtos. É, porém, manifesto que não é assim, sendo, aliás, extremamente frequentes as situações em que a comercialização de tais artigos é feita por pessoa jurídica perfeitamente diversa e autónoma, em estabelecimento a esta pertencente e por ela gerido, ao abrigo das múltiplas relações comerciais que, no âmbito da distribuição dos produtos de certa marca, é possível perspectivar : é isto que permite compreender que a A. não tenha curado de invocar e caracterizar minimamente o referido facto essencial, alegando na petição, ao especificar os pressupostos da responsabilidade civil invocada, que a sociedade concretamente identificada como R. e demandada na acção era a efectiva titular do estabelecimento comercial onde ocorreu o acidente gerador dos danos peticionados – sobre ela recaindo, deste modo, o referido dever lateral de prevenção e protecção da integridade física dos consumidores contra possíveis riscos das instalações que lhe pertenciam e eram por ela dominadas e geridas  - e estando, por isso,  obrigada a suportar a responsabilidade civil decorrentes dos riscos de exploração do estabelecimento.

    Quais as consequências desta deficiente e insuficiente alegação de um núcleo factual fundamental, integrador de um pressuposto básico da responsabilidade civil invocada no âmbito da causa de pedir complexa em que assenta a pretensão indemnizatória – num caso em que, por via da falta de contestação da R., foi actuado o efeito cominatório semi-pleno, seguindo o processo a tramitação simplificada prevista actualmente no art. 567º do CPC?

  Como é evidente, a cominação estabelecida para a falta de contestação do R. – num sistema que há muito abandonou a figura do efeito cominatório pleno, previsto anteriormente para determinadas formas menos solenes de tramitação processual – não supre a falta de alegação por parte do A. de um facto essencial, indispensável à procedência da acção: a revelia operante do R. apenas determina que se devam ter por confessados os - precisos - factos articulados pelo demandante, cabendo naturalmente ao juiz sindicar da suficiência e concludência da matéria de facto assente, cumprindo obviamente julgar a acção improcedente quando, apesar da situação de revelia, os factos confessados forem insuficientes para alcançar ou suportar o efeito jurídico pretendido.

Note-se que, seguindo-se esta forma abreviada e simplificada de tramitação da causa, consequente à revelia operante do R., não se alcançam sequer as fases processuais a propósito das quais a lei de processo prevê e institui mecanismos ou remédios destinados a possibilitar a aquisição processual de factos substantivamente relevantes que as partes omitiram (ou não densificaram adequadamente) na fase dos articulados: o convite ao aperfeiçoamento de insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, formulado no despacho pré-saneador, com que se inicia a fase de gestão inicial do processo e da audiência prévia (art. 590º do CPC) e a possibilidade de se terem por adquiridos factos complementares ou concretizadores, não oportunamente alegados, mas revelados pela instrução da causa, nos termos previstos no art. 5º do CPC.

Na verdade, não alcançando o processo, tramitado nos termos abreviados previstos no citado art. 567º, as fases de audiência prévia e, muito menos, de instrução e discussão da causa, não se vê que haja sequer oportunidade – seguindo a tramitação tipo legalmente prevista - para corrigir ou suprir um deficiente ou insuficiente cumprimento do ónus de alegação por parte do A. – restando, assim, julgar a acção procedente quando os factos alegados e confessados forem suficientes para suportar o efeito jurídico pretendido; ou julgá-la, sem mais, improcedente quando o acervo factual, sedimentado em consequência da actuação do efeito cominatório semi-pleno, não for bastante para preencher a fattispecie normativa subjacente ao pedido deduzido…

Em suma: o efeito cominatório semi-pleno, decorrente da situação de revelia operante da demandada, apenas determina que se devam ter por confessados os factos efectivamente alegados pelo demandante – cabendo ao juiz sindicar da suficiência e concludência jurídica da factualidade assente por confissão ficta, em termos do preenchimento ou não da fattispecie subjacente ao pedido deduzido. E, nesta perspectiva, é evidente que nada obsta a que, apesar de não contestada, a acção possa soçobrar, sempre que os factos confessados forem insuficientes para suportar o efeito jurídico pretendido pelo demandante.

5. Sucede, porém, que em decisão anteriormente proferida pelo STJ, a fls. 604 e segs., determinou este Tribunal a ampliação da matéria de facto, de modo a constituir base suficiente para a adequada decisão de direito, nos termos previstos no nº3 do art. 682º do CPC: e, como decorre da anterior transcrição dos fundamentos dessa decisão, tal ampliação reporta-se precisamente ao tema essencial que nos ocupa da titularidade efectiva do estabelecimento onde ocorreu o sinistro.

O argumento fundamental, agora esgrimido pela recorrente, consiste em sustentar que o acórdão recorrido não teria cumprido o determinado pelo STJ: na sua óptica, o cumprimento adequado da decisão proferida pelo STJ acerca da ampliação da matéria de facto implicaria que a Relação tivesse notificado a recorrente para apresentar provas, de modo a cumprir o ónus da prova, requisitando informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objectos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.

Será assim?



Como é evidente a resposta a esta questão implica que se analise o regime constante do referido nº 3 do art. 682º do CPC, determinando em que consiste, afinal, a ampliação da matéria de facto, decretada pelo STJ no exercício dos seus poderes próprios sobre a matéria de facto fixada pelas instâncias, orientados para possibilitar o correcto e adequado julgamento das questões de direito colocadas à sua apreciação num recurso de revista .

Em primeiro lugar, importa realçar que a recorrente confunde injustificadamente os planos referentes ao ónus de alegação de factos substantivamente relevantes e ao ónus de prova desses factos, ou seja, da possibilidade de requerer novas diligências de prova, em requerimentos probatórios supervenientes, para demonstração dos factos processualmente adquiridos: estando em causa no caso dos autos, como se referiu, um deficiente cumprimento do ónus de alegação da matéria de facto constitutiva aquando da formulação da petição inicial, é evidente que tal insuficiência só poderia ser suprida mediante a alegação de novos factos – e não mediante o simples requerimento de diligências instrutórias ainda não realizadas no decurso do processo.

Como é manifesto e incontroverso, o plano da alegação dos factos funciona previamente ao da realização de diligências probatórias, pelo que uma insuficiente alegação de factos essenciais nunca poderia ser suprida ou ultrapassada pela mera realização de diligências instrutórias adicionais…

Ora, deverá interpretar-se o decidido pelo STJ, a fls. 618, como implicando a possibilidade de uma espécie de reabertura da fase dos articulados, facultando-se à A. a apresentação de uma nova petição inicial devidamente corrigida, de modo a nela se alegar efectivamente que o estabelecimento comercial onde ocorreu o sinistro pertencia efectivamente e era gerido pela sociedade de direito espanhol demandada como R., respondendo, consequentemente, esta pelos riscos de exploração e pela omissão culposa do dever lateral de protecção da integridade física dos consumidores que permanecessem no seu estabelecimento – indicando ainda provas adicionais para demonstração desta nova factualidade?

A resposta a esta questão é claramente negativa. Na verdade, está há muito assente que a ampliação da matéria de facto, determinada com base naquele preceito legal, se reporta necessariamente a factos oportunamente alegados pela parte, mas que as instâncias indevidamente não hajam tomado em consideração – determinando o STJ às instâncias que os considerem e abranjam no momento do julgamento do pleito. Mas já não é obviamente possível que, a coberto de tal norma, as partes venham intempestivamente pretender incorporar no processo factos novos que não curaram de alegar no momento apropriado e que não devam ter-se por adquiridos para o processo através, por exemplo, do mecanismo actualmente previsto no art. 5º, nº2, alínea b), do CPC; a faculdade conferida por aquela disposição legal só deve ser exercitada quando as instâncias tiverem seleccionado imperfeitamente a matéria da prova, amputando-a, assim, de elementos que consideraram dispensáveis, mas que se verifica serem, afinal, indispensáveis para o Supremo definir o direito – tendo, deste modo, tal poder o seu âmbito definido pelos factos articulados pelas partes ( cfr. vg, entre muitos outros,  os Acs. do STJ de 4/10/07 _P-07B2739 e de 12/3/08 – P. 07S3380, onde se afirma: segundo a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal o poder de ordenar a ampliação da decisão da matéria de facto, a que se refere o artigo 729.º, n.º 3, do CPC, tem o seu âmbito delimitado pelos factos articulados pelas partes).

É naturalmente dentro deste entendimento, reiterado e uniforme, que terá de interpretar-se o determinado na decisão sumária, proferida nos autos na precedente revista, não legitimando a ampliação da matéria de facto, ali decretada, a apresentação pela A. que, no momento processualmente adequado, omitiu a alegação de factos substantivamente relevantes, a produção de uma espécie de articulado superveniente em que – manifestamente fora dos momentos próprios e eximindo-se a preclusões há muito consolidadas – viria introduzir, pela primeira vez, no processo factos essenciais que não curou de alegar no momento próprio (e que manifestamente, numa acção que não alcançou a fase de julgamento, não podem sequer ter emergido da instrução da causa, ao abrigo do regime possibilitado pelo art. 5º, nº2, do CPC).

E, assim sendo, o que se pretendeu com a referida decisão de ampliação da base factual do litígio não foi obviamente um retorno do processo à fase dos articulados e da apresentação de provas, há muito exaurida, mas a determinação de que, ao apreciar a matéria litigiosa, não devia a Relação fazer exclusivo apelo às preclusões decorrentes da deficiente articulação na petição de matéria de facto essencial, cumprindo-lhe antes valorar globalmente todos os factos e provas que devessem ter-se por processualmente adquiridos ao longo da controvérsia que partes vêm mantendo, recorrendo ainda às presunções judiciais ou naturais que tivesse por pertinentes.

Ora, considera-se que foi, no essencial, esta tarefa que a Relação – embora de forma muito sintética - acabou por realizar no acórdão recorrido, concluindo que os elementos, revelados pelo processo, eram insuficientes para suportar a conclusão de que, afinal, a sociedade/R. seria a entidade que detinha e explorava o estabelecimento comercial onde se verificou o sinistro; e, para tal conclusão, não pesou apenas a preclusão decorrente da deficiente articulação da matéria de facto na petição inicial, mas uma avaliação global dos elementos constantes dos autos – não podendo obviamente, quanto a este ponto, deixar de se conferir o devido relevo a toda a documentação junta com o primeiro recurso de apelação, a fls. 158 e segs., que a A. teve plena oportunidade de contraditar, pronunciando-se, aliás, nos termos que constam do requerimento de fls.284 e segs.

Saliente-se que tais documentos se destinavam precisamente a fazer prova da tese, sempre sustentada pela entidade recorrente, de que a sociedade demandada não tinha qualquer relação com o estabelecimento onde ocorreu o acidente, não o detendo ou explorando por qualquer forma – o que naturalmente inviabilizaria `a partida a possibilidade de lhe ser imputada qualquer responsabilidade pelos riscos próprios de exploração do mesmo: na verdade, a loja onde teria ocorrido o sinistro estaria arrendada à empresa CC Modas Unipessoal, Lda, sociedade por quotas de direito português com o NIPC …, com sede precisamente no Cascaisshoping – que constituiria obviamente pessoa colectiva totalmente diversa da sociedade de direito espanhol efectivamente demandada e citada nos autos.

Ora, dos referidos documentos parece resultar que a arrendatária do estabelecimento onde se verificou o acidente será efectivamente a dita sociedade portuguesa – o que naturalmente não pode deixar de pôr em crise a forma como a A./lesada construiu a acção, dirigindo-a logo contra a R., sem curar de verificar se a sociedade demandada era efectivamente, por alguma via juridicamente relevante, detentora do estabelecimento comercial onde ocorreu o acidente. E, notificada para se pronunciar sobre o conteúdo de tais documentos, nada de consistente veio alegar sobre esta matéria de fulcral relevo para a sorte da pretensão indemnizatória – quando era este o momento adequado para, contraditando a tese sustentada pela R., procurar demonstrar que – apesar do conteúdo do dito contrato de arrendamento comercial e da identidade da arrendatária – era a R. que demandou efectivamente a detentora e exploradora do estabelecimento onde ocorreu o sinistro, requerendo nesse momento as provas necessárias para abalar aquilo que parecia efectivamente decorrer do conteúdo dos documentos juntos.

E é por esta razão que tem de se concordar com o decidido pela Relação no acórdão recorrido, quando refere que nada emerge do processo que permita concluir , ainda que por recurso a presunções naturais, que a detentora e responsável pela exploração do estabelecimento comercial onde ocorreu o acidente fosse a sociedade de direito espanhol demandada como R. na presente acção.

Deste modo, não tendo a A. alegado na petição inicial um elemento essencial da causa de pedir complexa em que se estribava a pretensão indemnizatória que deduziu e não podendo tal factualidade essencial ter-se (apesar da deficiência da petição) por processualmente adquirida, não poderá deixar de improceder a acção.


6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando a decisão que absolveu do pedido a sociedade efectivamente demandada pela A.

Custas pela A./recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.


Lisboa, 26 de Novembro de 2015


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor