Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8713/12.8TBVNG-C.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
RECURSO DE APELAÇÃO
CONTRADIÇÃO DE JULGADOS
REQUISITOS
IDENTIDADE DE FACTOS
ACÓRDÃO RECORRIDO
ACORDÃO FUNDAMENTO
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário :
I. O Acórdão da Relação proferido em conferência, que confirme o despacho do relator, que rejeitou o recurso de apelação, não admite, em princípio, recurso de revista, não se subsumindo a qualquer das situações previstas no artigo 671.º, n.º 1e, no nº2, ou, no artigo 673º do CPC.

II. Corolário aplicável seja em sede de reclamação nos termos do artigo 643º do CPC, ou por idêntica razão na hipótese de rejeição liminar da apelação pelo Relator.

III. Em aproximação do caso espécie à previsão do artigo 629º, nº2, al) d) do CPC- não se verifica identidade entre as situações apreciadas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento.

IV. A admissão da revista excepcional supõe o preenchimento prévio dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista, pelo que não estando verificado o requisito geral de admissibilidade da revista, que diz respeito ao conteúdo da decisão, é de rejeitar logo o recurso, sem necessidade de apreciação do(s) requisito(s) específicos(s) previsto na alínea a) do nº1 do 672ºdo CPC. reclamantes.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça


1. Da instância executiva

No decurso dos autos de execução para pagamento da quantia de Euros 258,286,52, que herança de BB, devidamente representada, move a CC, em apreciação do requerido pelos herdeiros habilitados, AA e marido, foi proferido despacho em 8.07.2022, cujo teor decisório, se transcreve «Da Reclamação do Ato - No dia 23.06.2022 realizou-se a diligencia designada por “abertura de propostas em carta fechada”. (…) Decidindo da extemporaneidade da reclamação -A propósito da abertura de propostas de carta fechada dispõe o art 820º do CPC o seguinte: 1. As propostas são entregues na secretaria do tribunal e abertas na presença do juiz, devendo assistir à abertura o agente de execução e podendo a ela assistir o executado, o exequente, os reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender e os proponentes. 2. Se o preço mais elevado for oferecido por mais de um proponente, abre-se logo licitação entre eles, salvo se declararem que pretendem adquirir os bens em compropriedade. 3. Estando presente só um dos proponentes do maior preço, pode esse cobrir a proposta dos outros; se nenhum deles estiver presente ou nenhum quiser cobrir a proposta dos outros, procede-se a sorteio para determinar a proposta que deve prevalecer.4. As propostas, uma vez apresentadas, só podem ser retiradas se a sua abertura for adiada por mais de 90 dias depois do primeiro designado. 5. O exequente, se estiver presente no ato de abertura das propostas, pode manifestar vontade de adquirir os bens a vender, abrindo-se logo licitação entre si e proponente do maior preço; se o proponente do maior preço não estiver presente, o exequente pode cobrir a proposta daquele. 6. No caso previsto no número anterior, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 824.º, sem prejuízo do estabelecido no artigo 815.º E o art. 821º do CPC, diz o seguinte: (..)E quanto às irregularidades ou frustração da venda por meio de propostas, dispõe o art. 822º do CPC que:

(…). As questões suscitadas pelo executado têm a ver com a regularidade da aceitação da proposta, pelo que é nosso entendimento que é de aplicar precisamente o art. 822ºdo CPC. Pelo que, não tendo sido suscitada qualquer irregularidade no momento da apreciação da proposta, a reclamação agora apresentada é claramente extemporânea. Mas mesmo que assim não se entendesse, a decisão não seria diversa. Na verdade, estando em causa a prática de um ato processual a sua invalidade teria, então, que ser vista à luz do art. 199º do CPC que dispõe o seguinte: (…) No caso, a parte este presente no ato, daí que qualquer nulidade devesse ser invocada até ao ato terminar, o que não aconteceu, porque o executado perante a proposta e perante a decisão onde aceitação de proposta não arguiu qualquer invalidade/nulidade. Face ao exposto a reclamação é claramente extemporânea e daí que se indefira. Sem prejuízo importa esclarecer que a aceitação da proposta é um ato da Sra. AE e não do Juiz, motivo pelo qual não existe qualquer despacho judicial a aceitar a proposta. Custas pelo executado, fixando-se em 3 U.Cs. Notifique.»

2.A Apelação

Inconformados, os requerentes interpuseram recurso de apelação, admitido pelo tribunal a quo., “(.-.) a subir imediatamente, em separado, para o Venerando Tribunal da Relação do Porto e com efeito meramente devolutivo – arts. 644º, n. 2, alínea h), 645º, n. 2, e 647º, n. 1 e 853º, n.ºs 1, 2, alínea b) e 4 do Código de Processo Civil.

Por decisão da Senhora Desembargadora Relatora, foi rejeitado o recurso com fundamento no disposto nos artigos, n.º 2, al. a) e 652º, n.º 1 al. b), ambos do CPC.

Os Recorrentes requereram que sobre a matéria recaísse acórdão, vindo a Conferência a indeferir a reclamação, confirmando a não admissão do recurso de apelação, conforme acórdão que se transcreve, no essencial «(…) o despacho sob recurso não se subsume a nenhum dos referidos nº 2 e 3 do art. 853º do CPC, porquanto a decisão recorrida não cabe, manifestamente, nas situações previstas no nº 3 (indeferimento liminar do requerimento executivo, ou despacho de rejeição do requerimento executivo), nem nas alíneas h) e) do nº 2 invocadas pelos recorrentes. Senão vejamos. O referido art. 644º nº 2 al. h) do CPC pressupõe, necessariamente, que a decisão do tribunal de 1ª instância admita recurso de apelação e, admitindo-a, o que permite é antecipar o seu conhecimento sem que a parte tenha de aguardar pelo recurso da decisão final para a ver conhecida, o que não é manifestamente o caso- a decisão recorrida, por disposição legal expressa, não admite recurso. Também não está em causa a al. e) do nº 2 do art. 644º do CPC, pois que a decisão recorrida não condenou em multa ou cominou outra sanção processual, apenas indeferiu a reclamação por extemporaneidade e condenou em custas quem a elas deu causa- não se confundindo a condenação em custas com a prevista condenação em multa ou outra sanção processual. Pelas razões acima expostas, não admitindo recurso a decisão recorrida, quer por se subsumir ao art. 723º nº 1 al. c) do CPC, quer por não se integrar no art. 853º nº 2 e 3 do CPC, não se conhece do objecto deste recurso, ficando prejudicado o seu conhecimento de mérito. Decisão: Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em não conhecer do recurso interposto pelos Recorrentes, por a decisão recorrida não admitir recurso.

Custas pelos Recorrentes, pois que nele ficaram vencidos – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.»

3. A Revista

Mantendo-se inconformados, pedem revista, invocando a oposição de julgados entre o acórdão recorrido e. o decidido em Acórdão da Relação do Tribunal de Coimbra, que juntam; subsidiariamente, por via de revista excecional, estando em causa questão jurídica, cuja apreciação pelo Supremo Tribunal Justiça, afirmam, pertinente.

A terminar a motivação do recurso, concluíram:

«i.O douto acórdão recorrido declarou que a decisão de 1ª instância, que recaiu sobre um acto da Srª AE é irrecorrível, numa parte, por lhe ser aplicável a disposição do artº 723 nº 1 alª c) e noutra parte por não lhe ser aplicável o artº 853 nº 2 e 3 do CPC;

ii. Por outro lado, o acórdão fundamento conclui pela recorribilidade da decisão proferida nas mesmas condições, ou seja, desde que a decisão do AE seja tomada em domínio vinculado, o que sucedeu quando aceitou uma proposta que contrariava a norma do artº 824 CPC;

iii. Ora, o objecto da reclamação dos recorrentes consistiu também na ilegalidade da aceitação de uma proposta de licitação feita por quem não tinha legitimidade para a apresentar em tribunal, e portanto, ser dever do tribunal apreciá-la, sendo certo que estando o vício na formação do acto da proposta, a mesma não cai na previsão dos actos previstos no artº 822 CPC; e assim sendo, é óbvio que estamos em domínio vinculado, e mesmo do conhecimento oficioso do tribunal (questão de ilegitimidade de ordem substantiva);

iv. Sendo contraditórias cada uma das decisões tomadas nos acórdãos, e sendo igual o quadro legislativo em que foram tomadas (ambas no âmbito do CPC vigente), deve o recurso pedido ser aceite com este fundamento.

v. A não ser aceite com este fundamento, é entendimento dos recorrentes, salvo outro, que a questão ventilada não encontra jurisprudência superior (para além do acórdão fundamento) que dê resposta ao problema já ventilado pela doutrina;

vi. E o problema é que a inadmissibilidade ad liminem de recurso (admitindo que o não é a decisão da reclamação do acto do AE) da decisão de 1ª instância, pode contender e contenderá com direitos fundamentais, designadamente do acesso à justiça.

vii. Salvo todo o respeito, entende-se que houve erro de interpretação e aplicação dos preceitos invocados, pelo que nos termos expostos, e nos mais doutamente supridos, deve ser prolatado douto acórdão (admitindo-se a admissibilidade deste recurso), segundo o qual deve ser aceite o recurso interposto pelos recorrentes no tribunal da Relação do Porto, para seguir os seus termos, assim se fazendo a esperada JUSTIÇA.»


*


A recorrida contra-alegou em defesa da improcedência do recurso.

Prefigurando-se a rejeição do recurso, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 655º, do CPC; os recorrentes mantiverem a admissibilidade da revista, e a recorrida, a respectiva rejeição.

A aqui relatora proferiu decisão com referência ao disposto no artigo 652º, nº1, al) b) ex vi artigo 679º do CPC, cujo teor se transcreve:

«Em suporte da admissão da revista, os recorrentes invocam que o acórdão recorrido se encontra em oposição, com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 26.10-2021, já transitado em julgado; e, caso assim não se entenda, sustentam a revista excecional, dada a relevância jurídica da questão a justificar a apreciação pelo Supremo.

Situamo-nos em sede de processo executivo (e apensos declarativos), pelo que, no âmbito do recurso de revista vigora o regime próprio de admissão que está confinado às situações previstas no artigo 854º do CPC, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na 1.ª parte, em conjugação com a regra geral do artigo 671.º, n.º 1 e nº2, do CPC.

Em concreto, deparamos com o recurso de revista interposto de acórdão da Relação que, em Conferência, confirmou o despacho da Desembargadora Relatora que não admitiu o recurso de apelação, incidente sobre a decisão de primeiro grau, que indeferiu a reclamação apresentada pelos ora pelos recorrentes, ao acto de venda de bens por propostas em carta fechada. 1

O objecto da revista não é, por conseguinte, decisão que tenha conhecido do mérito da causa, nem que tenha posto termo ao processo, e de igual modo, não é uma decisão que tenha apreciado decisão interlocutória da 1.ª instância, relativa unicamente à relação processual, não se subsumindo a qualquer das situações de admissão de revista previstas no artigo 671.º, n.º 1, ou no nº2 do CPC, como seja a alínea al) b)- oposição do acórdão da Relação recorrido com outro acórdão proferido pelo Supremo Tribunal, não reconduzível à situação recursiva, sendo alegada contradição de julgados com acórdão de Tribunal da Relação.

Em outra perspectiva.

Vem divergindo o Supremo Tribunal quanto a saber, se no âmbito da revista em processo executivo, a “salvaguarda” contida na primeira parte do artigo 854º do CPC, autoriza incluir também as hipóteses identificadas na disposição geral do artigo 629º, nº2, do CPC( em que é, sempre admissível recurso,) em especial, para o que importa no caso em apreciação, a sua alínea d) “divergência essencial relativa a acórdão da Relação, em casos em que o acesso ao Supremo esteja impedido por motivos relacionados com a alçada. “2

Na nossa adesão, por ora, à tese restritiva na interpretação do artigo 854º do CPC, não há lugar à cumulação dos fundamentos de revista previstos no artigo 629º, nº2, alínea d), e 671º, nº2 b) do CPC, não pode, pois, fundar a admissão de revista no caso em juízo, a invocada contradição jurisprudencial com acórdão proferido por outro Tribunal da Relação. 3

Finalmente, no que se prende com a requerida revista excecional, a título subsidiário, nos termos do artigo 672, nº1, al) a do CPC, apenas referir que, desde logo, inexistindo possibilidade de “revista normal”, nos termos conjugados dos artigos 854º, 671º nº 1 e 672º, nº2, do CPC, também, inexiste possibilidade de interpor recurso de revista excepcional.

De notar ainda que, a revista por via excecional começa quando se interpõe à revista o obstáculo da “dupla conforme entre as instâncias” – nº3, do artigo 671 º do CPC.

Existe dupla conforme quando a Relação confirma, sem voto de vencido e com base em fundamentação substancialmente idêntica a decisão da 1ª instância, exigindo, assim, que a questão crucial para o resultado declarado tenha sido objecto de duas decisões “conformes”. 4

No caso versado, estamos perante uma decisão do primeiro grau que julgou improcedente a reclamação de acto, e o acórdão da Relação que confirmou a decisão singular da relatora de não admitir o recurso de apelação sobre aquele interposto.

De qualquer modo, obiter dictum, a nosso ver, o recurso de revista também não seria de admitir, tratando-se de acórdão proferidos pelo Tribunal da Relação, ao abrigo do artigo 652º, nº3 e artigo 643º, nº3, do CPC, que em regra, não admite recurso de revista, uma vez que o seu objecto não se reconduz às hipóteses tipificadas no artigo 671º, nº1 e nº2 do CPC. 5

Nestes termos e fundamentos, não se admite o recurso de revista.»

4. Mantendo-se discordantes, os recorrentes dirigiram reclamação à Conferência, alegando em conclusão:

“a) A proponente da venda judicial designada de herança aberta por óbito de BB, representada pela cabeça de casal DD, exequente - nº 6 do Relatório de 26-01-2022 do TRP, apresentou uma proposta de adjudicação dos prédios em execução. b) Nesse processo executivo eram exequentes habilitados DD, EE e FF – nº 1 e 2 do citado relatório. c) Os ora reclamantes apresentaram também uma proposta judicial concorrente com a da recorrida (apenas numa verba). d) Entendendo os reclamantes que a proposta apresentada era inválida por ter sido apresentada por quem não tinha legitimidade (acto de disposição e não de mera administração e sem a vontade manifestada por todos os representantes da herança – artº 2091 CC) reclamaram no prazo legal dessa invalidade (ilegitimidade substantiva) e logo que tiveram conhecimento efectivo dos factos. e) A 1ª instância entendeu que a reclamação tinha de ser feita no acto de abertura das propostas, e era, portanto, extemporânea (artº 822 CPC), acarretando nesse caso a irrecorribilidade do douto despacho (artº 723 nº 1 alª c)).f) Sobre a questão da ilegitimidade de quem apresentou a proposta, e assim da sua invalidade, omitiu qualquer pronúncia o douto despacho, bem como o douto acórdão recorrido; continua assim em aberto a mesma questão neste supremo tribunal, sendo certo que se entende que a mesma é de conhecimento oficioso e pode ser apreciada ou mandada apreciar a todo o tempo) Por outro lado, em nome da herança, sem a representação necessária de todos os herdeiros (artº 2091 nº 1 CC), nunca podia a cabeça de casal por si só dispor de todo o crédito exequendo (€ 378153,00), na medida em que os demais herdeiros quinhoavam desse direito de crédito.h) Do que decorre a falta de capacidade da herança, representada pela cabeça de casal, para o acto de apresentação da proposta em causa, e ainda a ilegitimidade substantiva da proponente relativamente ao objecto da proposta.i) Donde a sua irremediável invalidade.j) Os reclamantes, com fundamento na oposição de julgados, mesmo supondo-se que a decisão da aceitação da proposta era da competência da srª AE (o que custa a admitir), consideram que a natureza do acto em discussão é do domínio vinculativo, não devendo ficar acantonado no espaço do artº 723 nº 1 alª c).k) A título subsidiário, entende-se que esta questão posta no recurso merece apreciação.

Pelo exposto, deve ser apreciada a questão da ilegitimidade substantiva, em aberto desde a sua reclamação, e não se entendendo assim, pede-se a apreciação do objecto do recurso com fundamento na oposição de julgados.”

5. Corridos os Vistos, cumpre apreciar.

5.1. Os reclamantes destacam, agora, em favor da sua posição, a omissão de pronúncia do despacho recorrido, quanto à invocada ilegitimidade do proponente aceite no acto da venda judicial - questão, que no seu entender, seria prévia e do conhecimento oficioso por este tribunal.

À margem da inoportunidade e ausência de suporte legal para tal intervenção ex officio por parte do Supremo Tribunal, no quadro processual descrito, a admissão do recurso representa, conditio sine qua non, para que à apreciação da matéria submetida ao juízo do tribunal ad quem.

De todo o modo, a arguição de nulidades da decisão, ao abrigo dos artigos 615.º, n.º 1, alíneas b) a e), e 666.º, n.º 1, do CPC, só é dedutível por via recursória quando aquela decisão admita recurso ordinário, nos termos conjugados dos artigos 615.º, n.º 4, 2.ª parte, e 674.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código, e, portanto, enquanto fundamento acessório desse recurso. 6

5.2. Reiterando a não admissão do recurso

O acórdão recorrido que confirmou em conferência no Tribunal da Relação o despacho do relator, o qual rejeitou o recurso de apelação interposto pelos ora reclamantes, não configura uma decisão final de mérito, não põe termo ao processo, não absolve da instância, portanto, não é passível de revista, segundo o disposto no artigo 671º, nº1, do CPC.

Não se trata, ao que se entende por decisão interlocutória não final, que reporte à Instância subjacente, mas recursiva, e nessa medida, também não é passível de revista sob a previsão dos artigos 671.º, n.º 2 e 673.º do CPC.

Como referimos, a situação em análise convoca a premissa, segundo a qual, de ordinário, o acórdão da Relação que não admite o recurso de apelação, não comporta revista, na decorrência do preceituado no artigo 671º, nº1, do CPC.

Abrantes Geraldes expõe com clareza esse indicador do legislador - «Já o acórdão da Relação, proferido em conferência, que confirme o despacho de rejeição do recurso de apelação não admite, em regra, recurso de revista, a não ser nos casos previstos no artigo 629º, nº2. (..) » 7

Neste Supremo Tribunal, também, sucessivos arestos vêm reconhecendo a aplicação daquele corolário.

Assim, o Acórdão do STJ de 19 de fevereiro de 2015, em cujo sumário se lê: «(..). IV - Não cabe recurso de revista de um acórdão da Relação que, por sua vez, indeferiu uma reclamação apresentada contra um despacho de não admissão do recurso de apelação (n.º 1 do art. 671.º do NCPC (2013).»8

O Acórdão do STJ de 3 de novembro de 2020, releva no sumário: «(…)2. Não admite recurso de revista o acórdão da Relação que confirme o despacho do relator que rejeite o recurso de apelação, por ilegitimidade do apelante, terceiro num procedimento cautelar.»9

Nesta 2ª secção, o Acórdão do S.T.J. de 09-12-2021, em cujo sumário consta, além do mais: «(…) II. Do Acórdão proferido pela conferência que confirma a decisão de não admissão do recurso de apelação não cabe, porém, nem reclamação nem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, excepto nos casos em que o recurso é sempre admissível.»10

O recente Acórdão do STJ de 5 de maio de 2022 aprecia, justamente, a inadmissibilidade da revista do acórdão que confirme o despacho do relator de rejeição da apelação (no caso extemporâneo), cujo sumário pontifica: «Em regra, não é admissível recurso de revista de acórdão da Relação que não admita o recurso de apelação».

Sublinhamos do seu texto expositivo, o passo com paralelismo à situação dos autos : «27. O caso típico é o do recurso de revista contra um acórdão da Relação que confirme o despacho proferido pelo Relator de não admissão do recurso de apelação: em primeiro lugar, o acórdão da Relação que indefere uma reclamação contra um despacho do relator que não admite o recurso de apelação não é um acórdão que conheça do mérito da causa e, em segundo lugar, não é um acórdão que ponha termo ao processo, “absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos. (…) 29. O raciocínio procede a pari para os acórdãos da Relação que não admitem o recurso de apelação, ainda que não tenham sido “despoletados” a partir da reclamação contra o despacho de não admissão do recurso de apelação proferido pelo relator na Relação — o facto de não ter sido proferido um despacho pelo Relator não faz com que o acórdão da Relação que não admite o recurso de apelação conheça do mérito da causa ou ponha termo ao processo, “absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.» 11

Donde se extrai que a sindicância do Supremo Tribunal de Justiça nos casos dos acórdãos da Relação proferidos nas circunstâncias processuais descritas apenas se poderá admitir em casos excecionais, reconduzíveis ao disposto no artigo 629º, nº2, do CPC.

5.3. Os recorrentes invocaram oposição de julgado com outro Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que admitiu o recurso de apelação, incidente sobre despacho que conheceu de reclamação de acto de Agente de Execução, em acto de venda judicial por propostas em carta fechada. 12

Conforme referido na decisão singular, a propósito da eventual admissibilidade de revista sob o artigo 629º, nº2, al d) do CPC, o espectro de aplicação deste preceito, em sede de revista, vem suscitando divergência acentuada na doutrina e jurisprudência deste tribunal.

Como quer que seja, aderindo à tese que cauciona a admissão de revista de decisão da Relação com o fundamento da contradição de jurisprudência oriunda de Tribunais da Relação, à luz da previsão daquela norma, também, em concreto, nos parece, não confluem os parâmetros legais para reconhecer oposição de julgados.

Vejamos.

O Senhor Juiz indeferiu por extemporânea a reclamação do(s) executado(s) invocando irregularidade da aceitação pelo AE da proposta de compra em acto de venda no qual o executado esteve presente (cfr. Artigo 822º do CPC e o art. 199º do CPC).

O Acórdão da Relação do Porto rejeitou a apelação interposta daquela decisão pelo(s) executado(s), por se subsumir ao art. 723º nº 1 al. c) do CPC, e não se integrar no art. 853º nº 2 e 3 do CPC.”

O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, sinalizado pelos recorrentes, avaliou, a título de questão prévia, da recorribilidade do despacho de 1º grau impugnado, relativo a reclamação de acto de AE, que dispensou o depósito (preliminar) da caução ao proponente aceite no acto de venda, e concluiu pela afirmativa, compreendendo violação de norma processual, actividade vinculada do AE.13

Independente do juízo crítico que a temática suscita, à margem da questão que nos ocupa, não se divisa a identidade dos julgados, consistente com contradição jurisprudencial operante.

Em observação comparativa, são distintos os fundamentos que conduziram ao indeferimento da reclamação do acto do AE e, respetivamente alicerçam cada um dos despachos de 1ºgrau impugnados e objecto de apelação.

O Despacho recorrido rejeitou, por extemporânea, a reclamação dos executados da aceitação da proposta pelo AE; na situação contemplada no Acórdão do Tribunal de Coimbra, o Senhor Juiz conheceu do mérito- motivo da reclamação, concluindo que a invocada falta de determinada notificação acessória ao proponente constitua mera irregularidade, sanada.

Afigura-se, pois, diverso o quadro factual e de normativo processual que ditaram os acórdãos em confronto, e, em consequência, não reconhecível a contradição jurisprudencial que viabilize a admissão da revista, na situação dos autos, sob o disposto no artigo 629º, nº2, al) do CPC.

6. Em conclusão, não se admite o recurso interposto, conforme se sintetiza:

• O Acórdão da Relação, proferido em conferência, que confirme o despacho do relator que rejeitou o recurso de apelação, não admite, em princípio, recurso de revista;

• Isto porque, o objecto da revista não configura decisão que tenha conhecido do mérito da causa, que tenha posto termo ao processo, ou absolva da instância; não é uma decisão que tenha apreciado decisão interlocutória da 1.ª instância, relativa unicamente à relação processual, e não se subsumindo a qualquer das situações de admissão de revista previstas no artigo 671.º, n.º 1, ou no nº2 e 673º do CPC;

• Aproximando o caso concreto à previsão do artigo 629º, nº2, al) d) do CPC- em que é sempre admissível revista, não se verifica identidade das situações apreciadas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento;

• Sobre o requerimento subsidiário de revista excepcional, a sua admissão pressupõe o preenchimento prévio dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista, designadamente dos requisitos relacionados com o conteúdo da decisão recorrida, com a alçada, com a tempestividade do recurso, com a sucumbência e a legitimidade dos recorrentes (art. 629.º, nº1, art. 631. art. 638.º e art. 671.º, n.º 1, do CPC); no caso concreto, não estando preenchido o requisito geral de admissibilidade da revista que diz respeito ao conteúdo da decisão, é de rejeitar logo o recurso, sem necessidade de apreciação do requisito específico previsto na alínea a) do nº1 do 672ºdo CPC, invocado pelos reclamantes.

7. Decisão

Pelas razões expostas, acorda-se em indeferir a reclamação, confirmando-se a decisão reclamada de rejeição do recurso de revista.

Custas do incidente a cargo dos recorrentes e reclamantes.

Lisboa, 14. 03.2024

Isabel Salgado (relatora)

Maria da Graça Trigo

Catarina Serra

_____


1. Acto que teve lugar no dia 23.06.2022; despacho judicial sob a Ref. Citius .......82.

2. Sobre a divergência de interpretação a propósito da conjugação do artigo 629º, nº2, al d) e 672º, nº2, al) b, do CPC, neste Supremo Tribunal, com indicação dos arestos, v. Abrantes Geraldes in Recursos Processo Civil, 7ª, pág. 606/7.

3. Na mesma linha de entendimento, inter alia, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2019, proc. n.º 1101/15.6T8PVZ.1. G1-A. S1; de 19 de setembro de 2019, proc. n.º 2878/09.3TBBRG-C. G1-A. S1; de 29 de outubro de 2019, proc. n.º 23647/09.5T2SNT-B. L1.S2, de7.06.2022, proc. nº 2749/15.4 e de 26.11.2022, no proc. nº27149/15.4.; em sentido diverso, entre outros, o Acórdão do STJ de 18.01.2022, no proc., nº 9317/18.

4. No mesmo sentido, inter alia, os Acórdãos do STJ de 17-10-2023 (proc. n.º 18124/20.6T8SNT.L1. S1), de 12-10-2023 (proc. n.º 1341/14.5T8VNF.G1-A. S1), de 06-09-2022 (proc. n.º 213/22.4T8BRR.L1. S1), de 23-09-2021 (proc. n.º 309/19.0TBALM-B. L1.S1) e de 09-03-2021 (proc. n.º 720/06.TBFIG-E.C2. S1), in www.dgsi.pt.

5. Neste sentido, a título exemplificativo, o Acórdão do STJ de 19/2/2015 (proc. nº 3175/07), disponível em ww dgsi.pt ( “Não cabe recurso de revista de um acórdão da Relação que, por sua vez, indeferiu uma reclamação apresentada contra um despacho de não admissão do recurso de apelação (n.º1 do art. 671.º do NCPC (2013)”; Ac STJ de 19/12/2021 ( proc. nº 2290/09 ), em ww dgsi.pt (“Da decisão de não admissão do recurso de apelação proferida no Tribunal de 1.ª instância cabe reclamação para o Tribunal da Relação, ao abrigo do artigo 643.º do CPC, e, depois, da decisão sobre esta reclamação cabe reclamação para a conferência, ao abrigo do artigo 652.º, n.º 3, do CPC. Do Acórdão proferido pela conferência que confirma a decisão de não admissão do recurso de apelação não cabe, porém, nem reclamação nem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, exceto nos casos em que o recurso é sempre admissível”).

6. Cfr. Acórdão o STJ. acórdão do STJ de 22 de fevereiro de 2018, no proc n.º 2219/13.5T2SVR.P1. S1; e Acórdão do STJ de 18 de janeiro de 2022, no proc n.º 6798/16.7T8LSB-A. L2.S1 —, “Não há lugar a recurso de revista para análise exclusiva de eventuais nulidades. As nulidades só são arguíveis por via do recurso de revista quando da decisão reclamada caiba também recurso ordinário, conforme nº 4 do art. 615º do CPC”., in www.dgsi.pt

7. In Recursos em Processo Civil, 7ªedição atualizada, pág.230 a 233,

8. No proc. nº 3175/07.4TBVCT- B.G1-A. S1, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, disponível in www.dgsi.pt.

9. No proc.º n. º1560/13. ITBVRLN.GI.SI, relatado por Fernando Samões., in www.dgsi.pt.

10. Relatado por Catarina Serra, membro deste Colectivo, no proc nº 2290/09.4TJPRT-B. P, S1, in www.dgsi.pt.

11. No proc. nº 932/17.7T8LSB.L1. S1, relatado por Nuno Pinto de Oliveira, no qual se recolhem e analisam os diversos arestos que citámos, todos disponíveis em www.dgi.pt.

12. Certamente, por lapso de escrita no s/requerimento de interposição de revista, indicaram a al) c) do nº2, do artigo 629º, do CPC, pretendendo indicar a alínea d); Acórdão do TRC de 26.10.2021, proferido no proc. nº1064/08.4TBMGR.C1, disponível in www.dgsi.pt.

13. Na esteira da interpretação restritiva da previsão de irrecorribilidade dos despachos que incida sobre actos do AE, prevista no artigo 723º, nº1, al) c), prosseguida na doutrina, inter alia, por Rui Pinto, CPC Anotado, vol. II, Coimbra Editora, p. 493 e Abrantes Geraldes, Pimenta e Luís de Sousa, CPC anotado, II, em anotação ao artigo 723º do CPC.