Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99B447
Nº Convencional: JSTJ00037127
Relator: MIRANDA GUSMÃO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
PETIÇÃO INICIAL
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
Nº do Documento: SJ199905270004472
Data do Acordão: 05/27/1999
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Referência de Publicação: BMJ N486 ANO1999 PAG269
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 154/99
Data: 01/28/1999
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC95 ARTIGO 486 N2 ARTIGO 816 N1.
CPC61 ARTIGO 816.
CCIV66 ARTIGO 13.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL DE 1991/11/28 IN BMJ N411 PAG641.
ACÓRDÃO RL DE 1994/11/10 IN CJ ANO1994 TV PAG95.
ACÓRDÃO STJ DE 1945/05/27 IN BMJ N5 PAG330.
Sumário : I - É interpretativa a norma do n. 3 do artigo 816 do C.P.C., introduzida pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro.
II - A petição de embargos de executado, não beneficia do disposto no artigo 486, n. 2 daquele diploma adjectivo, ou, do aproveitamento da contestação apresentada por algum dos Réus, no caso de pluralidade dos mesmos, não lhe sendo, por isso, cominável.
III - A oposição de embargos tem a natureza e assemelha-se a uma acção e não a uma contestação e deve, portanto, ser deduzida no prazo previsto no artigo 816, n. 1, do C.P.C.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.
I
A, B e mulher deduziram embargos de executado à acção executiva para pagamento da quantia certa, com processo ordinário contra eles intentado pelo Banco C.
Por despacho proferido no dia 27 de Junho de 1997 foram rejeitados liminarmente os embargos deduzidos por A por intempestividade.
O embargante A agravou. A Relação de Lisboa, por acórdão de 28 de Janeiro de 1999, negou provimento ao recurso.
O embargante A agrava para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:
1) Apenas com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, com a redacção do DL 180/96, de 25 de Setembro, é que o artigo 816 do C.P.C. passou a prever, de forma expressa, não ser aplicável à dedução de embargos o disposto no n. 2 do artigo 486.
2) O n. 2 do artigo 486 do C.P.C., é o afloramento de uma regra geral que, em situações de parte plural, determina o aproveitamento de todos os litisconsortes dos prazos processuais ainda em curso para cada um deles.
3) Nos casos de contestação por uma pluralidade de pessoas, quando essa não é a regra, o legislador efectua a sua exclusão de forma expressa.
4) No caso de pluralidade de executados, se os respectivos prazos terminassem em dias diferentes, os embargos de qualquer deles podem ser oferecidos até ao dia em que acabar o último prazo, em conformidade com o artigo 486, n. 2, aplicável ao processo de execução por força do artigo 801.
5) São subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução as disposições que regulam o processo de declaração e, entre estas o disposto no artigo 486, n. 2, do C.P.C..
6) A aplicação subsidiária é a aplicação que tem lugar quando necessário e quando não contrarie o regime específico cujas lacunas vai suprir.
7) A douta decisão impugnada não pode manter-se pois preteriu o disposto no artigo 486 n. 2, 801 e 817 do C.P.C. e n. 2 do artigo 20 da Constituição da República Portuguesa (versão de 1982).
A agravada Banco C apresentou contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
Questões a apreciar no presente recurso.
A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa pela análise da questão de saber se o agravante apresentou (ou não) tempestivamente a petição de embargos.
Abordemos tal questão.
III
Se o agravante apresentou (ou não) tempestivamente a petição de embargos.
1. Elementos a tomar em conta.
1) O agravante foi citado para a acção executiva no dia 18 de Novembro de 1996, e os outros executados no dia 6 de Janeiro de 1997.
2) Apresentou a petição de embargos no dia 29 de Janeiro de 1997.
2. Posição da Relação e das partes.
2a) A Relação de Lisboa, decidiu que a dinâmica dos embargos de executado se não revela, pela sua função e estrutura, compaginável com a aplicação do disposto no n. 2 do artigo 486 do C.P.C., por não se verificarem os pertinentes pressupostos, porquanto:
- o n. 2 do artigo 486 do C.P.C. é motivado pelo facto de a todos os Réus poder aproveitar a contestação apresentada por qualquer um deles;
- é essa a modificação que justifica a especialidade consagrada no referido normativo em relação ao prescrito no artigo 147 do C.P.C., a par do facto de a omissão da contestação ou da resposta poder implicar o efeito cominatório;
- noutra perspectiva, importa considerar que a aplicação analógica de qualquer norma pressupõe, por um lado a existência de lacuna não intencional e, por outro, que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso legalmente previsto (artigo 10 ns. 1 e 2 do Código Civil);
- a aplicação do disposto no n. 2 do artigo 486 do C.P.C. ao procedimento de embargos implicaria o diferimento da prática de actos executivos, designadamente do acto de penhora, até ao termo do último prazo de contestação, em prejuízo do exequente e dos credores Reclamantes e em contradição com o carácter individualizado das providências executoras - Lebre de Freitas, a acção executiva à luz do Código Revisto, 165.
2b) O agravante A sustenta não haver qualquer extemporaneidade dos presentes embargos, porquanto:
- apenas com as alterações introduzidas pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, é que o artigo 816 do C.P.C. passou a prever, de forma expressa, não ser aplicável à dedução de embargos o disposto no n. 2 do artigo 486: o legislador sentisse necessidade de expressar a excepção à regra do n. 2 do artigo 486 do C.P.C.;
- ensinava Lopes Cardoso que no caso de pluralidade de executados, se os respectivos prazos terminassem em dias diferentes, os embargos de qualquer deles podem ser oferecidos até ao dia em que acabar o último prazo, em conformidade com o artigo 486, n. 2, aplicável ao processo de execução por força do artigo 801;
- no mesmo sentido A. dos Reis;
- a aplicação do artigo 486, n. 2, à acção executiva não se opõe a sua dinâmica, nem implica um diferimento da prática de actos executivos. é que havendo vários executados, citados em alturas diferentes, o exequente sempre terá de aguardar que decorra, quanto ao citado em último lugar, o prazo de dedução de embargos para que a acção contra este prossiga;
- considerar não ser de aplicar o artigo 486 n. 2 do C.P.C. aos embargos de executado será, desde logo, não só violar o artigo 801 do C.P.C., mas, igualmente, denegar a garantia da via judiciária, assegurada no n. 2 do artigo 20 da Constituição da República Portuguesa.
2c) O agravado Banco C sustenta dever manter-se a decisão proferida, indeferindo os embargos do ora recorrente por intempestividade, porquanto:
- a acção executiva visa dar prevalência aos interesses do exequente, não se compaginando, na questão específica do prazo de resposta, com a tramitação processual da acção declarativa cuja finalidade primária é a verificação da existência de um direito efectivo;
- acresce, que a oposição do citado, na primeira situação se assemelha a uma acção, enquanto que na segunda situação se está perante uma contestação;
- é pois, essa diferença na natureza da oposição, que justifica a inaplicabilidade do artigo 486 n. 2 por remissão do artigo 801 à execução.
Que dizer?
O artigo 816 do C.P.C. de 1961 prescrevia:
- os embargos devem ser deduzidos no prazo de dez dias, a contar da citação;
- se a matéria de oposição for superveniente, o prazo conta-se do dia em que ocorrer o respectivo facto ou dele tiver conhecimento o embargante.
O DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, veio dar nova redacção ao artigo 816 (introduzindo número, alterando o prazo de "10" para "20") e introduzindo o n. 3, com a seguinte redacção:
"Não é aplicável à dedução dos embargos o disposto no n. 2 do artigo 486".
A introdução de tal norma apresenta-se, quanto à sua qualificação, como interpretativa, por via resolver um conflito jurisprudencial sobre o campo de aplicação do artigo 486, n. 2, do C.P.C.: ser ou não aplicável aos embargos de executado.
Enquanto certa jurisprudência entendia que o artigo 486, n. 2 do C.P.C. não se aplicava à determinação do termo do prazo para embargos de executado (Acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Novembro de 1994 - Colectânea, 1994,5,95), outra entendia que o artigo 486 n. 2 do C.P.C. era aplicável aos embargos de executado (Acórdão da Relação de Lisboa, de 28 de Novembro de 1991 - BMJ n. 411, pág. 641; Acórdão do S.T.J. de 27 de Maio de 1945, no Boletim Oficial do Ministério da Justiça, V, 330).
Este conflito jurisprudencial reflectia - e reflecte a posição da doutrina sobre a aplicação (ou não) do artigo 482, n. 2, do C.P.C. anterior, aos embargos de executado: a favor estava A. dos REIS - Processo de Execução, Vol. II, 1985, pág. 46 - e LOPES CARDOSO - Manual da Acção Executiva, 1964, pág. 295 - e contra, estava ANSELMO de CASTRO - A acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1970, págs. 311/312 - e LEBRE FREITAS - A Acção Executiva, 1993, págs. 164/165.
A norma do n. 3 do artigo 816 introduzida pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, é tida como norma interpretativa tendo em conta a razão justificativa da retroactividade das Leis propriamente interpretativas, que nos é dada por BAPTISTA MACHADO ao dizer:
"Fundamentalmente a retroacção destas Leis justifica-se, além do mais, "por não envolver uma violação de quaisquer expectativas seguras e legítimas dos interessados". Estes podiam contar com a solução fixada pela LN interpretativa, visto ela corresponder a um dos vários sentidos atribuídos já pela doutrina e pela jurisprudência à LA. Esta justificação, porém, só colhe na hipótese de a Lei interpretativa consagrar, se não a corrente dominante, pelo menos uma corrente forte de interpretação relativa ao direito anterior - SOBRE a APLICAÇÃO no TEMPO do NOVO CÓDIGO CIVIL, págs.285.
O artigo 13 do Código Civil diz que a Lei interpretativa se integra na Lei interpretada, o que significa "que, em princípio, não há que aplicar em relação a certas leis o princípio da não-retroactividade consignado no artigo 12, mas, antes, se procederão como se a Lei interpretativa, no momento da verificação dos factos passados, tivesse já o alcance que lhe fixa a disposição interpretativa da LN" - BAPTISTA MACHADO, obra citada, págs. 285.
Aplicando-se as considerações expostas ao caso "sub judice", temos de precisar que, face à matéria fáctica fixada, o embargante A não apresentou tempestivamente a petição de embargos.
IV
Conclusão:
Do exposto, poderá extrair-se que:
"é interpretativa a norma do n. 3 do artigo 816 do C.P.C., introduzida pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro.
Face a tal conclusão, em conjugação com elementos reunidos nos autos, poderá precisar-se que:
1) O embargante A não apresentou tempestivamente a petição de embargos.
2) O acórdão recorrido não merece censura dado ter observado o afirmado em 1).
Termos em que se nega provimento ao recurso de agravo, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo agravante.
Lisboa, 27 de Maio de 1999.
Miranda Gusmão,
Nascimento Costa,
Sousa Inês. (Vencido nos termos da declaração que vai com escrito anexo).
DECLARAÇÃO DE VOTO:
Os embargos de executado são o meio normal de oposição à execução - artigo 812 do C.P.C. (quer o anterior, quer o actual).
Por isto, os embargos equivalem à contestação da acção declarativa.
Ora, no domínio do C.P.C. de 1961, por força do seu artigo 801, eram subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução as disposições reguladoras do processo de declaração.
Daí que, não existindo naquele Código a norma do actual artigo 816, n. 3, se devesse aplicar, subsidiariamente, o disposto no n. 2 do artigo 486 do C.P.C. de 1961.
O entendimento em que fico vencido sacrifica interesses protegidos pela lei ao simples jogo de armadilhas processuais.
Sousa Inês.