Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2683/18.3T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
Incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


  

I. Relatório

1. AA, BB, e CC intentaram, na qualidade de únicos e universais herdeiros de DD, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Banco BIC Português, S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhes a quantia de €50 000,00 a título de capital e a quantia de €7 424,66, a título de juros vencidos, desde 27 de outubro de 2014 até à data de entrada da petição, e ainda os juros vincendos desde a data da propositura da ação até efetivo e integral pagamento.

Alegaram, em síntese, que:

- são os únicos e universais herdeiros de DD, falecido a .../.../2005, o qual foi cliente da agência do BPN do ...;

- no ano de 2004, numa das várias visitas à agência bancária, foi aquele abordado para aplicar as suas poupanças num produto financeiro novo, com boa taxa de rentabilidade, com prazo de retorno de dez anos e sem risco, com capital garantido;

- referiram-lhe também que tal produto correspondia à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o Banco BPN a 100%, com a designação de SLN – Sociedade Lusa de Negócios;

- BB decidiu aceitar a proposta, subscrevendo uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor nominal de € 50.000,00, cujo prazo de vencimento era a 10 anos, com remuneração de juros semestrais, devendo o reembolso ocorrer em 27/10/2014;

- após o seu falecimento, os juros continuaram a ser creditados na conta do mesmo, mas na data do vencimento da obrigação, a Ré não devolveu o capital investido, nem em data posterior.

2. Citada, a Ré veio contestar, por impugnação e por exceção, impugnando os factos alegados pelos Autores e invocando a exceção de prescrição, pugnando pela absolvição do pedido.

3. Foi proferido despacho saneador, tendo-se relegado para final a apreciação da exceção perentória da prescrição, fixando-se o objeto do litígio e elaborados os temas da prova.

4. Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.

5. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação ....

6. O Tribunal da Relação ... julgou o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

7. Inconformados com tal decisão, os Autores vieram interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

I. O recurso interposto é de Revista Excepcional, a admitir nos termos disposto no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.

II. Ambas as decisões, de 1.ª Instância e Relação, acabam por absolver o Banco Réu, da condenação na restituição do capital investido, acrescido de juros vencidos e vincendos, em consequência da violação do dever de informação deste, enquanto intermediário financeiro.

III. O Recorrente pediu, em sede de 1.ª Instância a condenação do Réu no pagamento da quantia de 50.000,00 € a título de capital, acrescida de 7.424,66 € a título de juros vencidos, desde 27 de outubro de 2014 e ainda, juros vincendos desde a data da instauração da acção até efetivo e integral pagamento.

IV. Alegaram, em síntese, que são os únicos e universais herdeiros de DD, falecido a .../.../2005, o qual foi cliente da Agência do BPN do ..., que no ano de 2004, numa das suas visitas à Agência bancária, foi abordado para aplicar as suas poupanças num produto financeiro novo, com boa taxa de rentabilidade, com prazo de retorno de dez anos e sem risco, com capital garantido, tendo subscrito então uma obrigação “SLN Rendimento Mais 2004”, no valor nominal de 50.000,00 €, cujo prazo de vencimento era a 10 anos, com remuneração de juros semestrais, devendo o reembolso ocorrer em .../.../2014 e que após o seu falecimento, os juros continuaram a ser creditados na conta do mesmo, mas na data do vencimento da obrigação o Réu não devolveu o capital investido, nem em data posterior.

V. Alegaram, ainda e para além dos acima expostos, já em sede de recurso de apelação e em conformidade com os factos que entende como provados e decorrentes da audiência de julgamento:

1. A solução vertida na sentença recorrida não constitui uma solução justa para o presente caso, motivo pelo qual não se pode concordar com a mesma e se interpõe o presente recurso.

2. O aqui Autor habilitado BB esclareceu, em sede de declarações de parte, que trabalhou para o BPN desde 2004, depois transitou para o “...”, para quem trabalhou até Novembro de 2018, mais esclareceu que não cessou a sua relação laboral em litígio com a Ré.

3. Atestou ser quem vendeu o produto ao seu pai, pois solicitou-lhe auxílio para que pudesse cumprir os objetivos pessoais que lhe foram traçados pelo Réu.

4. Deste modo, temos que reconhecer a existência de uma profunda relação de confiança entre o falecido Sr. DD e os funcionários da instituição bancária, em particular, o seu filho, aqui Autor, BB, que reconheceu que o pai se limitou a acatar o que aquele lhe solicitou, até para que este, tendo recentemente integrado o BPN, pudesse cumprir com os objetivos que lhe foram propostos.

5. No que concerne à subscrição do produto pelo falecido DD, com o efetivo conhecimento de que se tratava de obrigações SLN, esclareça-se, que tal circunstância foi referida na petição inicial, porque o seu filho, aqui Autor é conhecedor e sabedor do produto que, na realidade foi subscrito, não que o Sr. DD tivesse capacidade para compreender que se tratava, não de um simples depósito a prazo, mas de obrigações subordinadas SLN, entidade esta que detinha o Banco a 100%.

6. Ora, sabendo-se disso mesmo, nos dias de hoje, crê-se que foi adotada a formulação correta, mas nunca com o intuito de criar no douto tribunal a convicção que, de facto, existia no Sr. DD a plena consciência de que se tratava de uma obrigação SLN, pois tal circunstância não corresponde à verdade.

7. Na verdade, nunca o falecido DD tinha ouvido falar na empresa SLN, porquanto o que lhe foi proposto foi a realização de um depósito a prazo no BPN, ao que acedeu, considerando a relação de confiança existente, sobretudo no seu filho.

8. As negociações foram integralmente feitas entre o Sr. BB (pai, falecido) e o Sr. DD (filho e aqui Autor, habilitado), gerente do balcão, que lhe assegurou que o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, sem risco de capital, com rentabilidade assegurada e juros semestrais.

9. No momento da subscrição, o Réu apenas entregou ao Sr. DD o referido boletim, com a aposição do logotipo do BPN, fazendo crer que se tratava de um produto do próprio banco, sem que lhe tivesse sido entregue qualquer nota informativa, como aliás, o Réu acaba por reconhecer nos artigos 57.º e 58.º da sua contestação, avançando apenas que tal nota poderia ser consultada no banco.

10. Assim, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado o seguinte facto: “c) As obrigações SLN rendimento Mais 2004 foram apresentadas a DD como um sucedâneo de um depósito a prazo, não lhe tendo sido dadas as explicações constantes da nota informativa referente ao produto”.

11. Quem estava obrigado a apresentar a nota informativa era o Banco Réu e não o Sr. DD a solicitá-la.

12. O reembolso deveria ter ocorrido 10 anos após a subscrição, porém nem naquela data, nem posteriormente, o Réu devolveu, depois já aos herdeiros do Sr. DD, o capital investido que ora se reclama.

13. Entretanto, tiveram os Autores conhecimento, no ano de 2015, que a sociedade GALILEU, SGPS, S.A., que havia sucedido à SLN, apresentou um Processo Especial e Revitalização (PER), que correu termos na ... Secção do Comércio, da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o n.º 22922/15...., no âmbito do qual apresentou reclamação de crédito (cfr. Doc. n.º ... junto com a petição inicial).

14. Apesar da reclamação apresentada, os Autores não obtiveram qualquer sucesso, permanecendo sem que fosse restituído o valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).

15. A explicitada atuação do Banco Réu é enquadrável na figura da intermediação financeira, funcionando, simultaneamente, como intermediário financeiro e como instituição de crédito.

16. O Réu é co-responsável com a referida sociedade pelo reembolso do valor que aqui se peticiona, isto porque, à data dos factos, entre as partes estabeleceu-se uma relação de intermediação financeira.

17. O Réu atuou como intermediário financeiro, nos termos do artigo 293.º do Código dos Valores Mobiliários (doravante CVM), sendo quem comercializou o produto, prestando as informações que, em última instância, levou o cliente a adquiri-lo.

18. Nessa qualidade, encontrava-se o Réu adstrito ao cumprimento de determinados deveres, designadamente à necessidade de orientação da sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, da atuação de boa fé, diligência, transparência e lealdade e, ainda de suma relevância, pelo rigoroso cumprimento do dever de informação, nos termos do artigo 304.º do CVM.

19. O referido dever de informação é passível de subdividir-se em três aspetos: a informação pré-contratual, contratual e pós-contratual, porquanto este dever é transversal, desde as negociações pré-contratuais, até ao fim do próprio contrato.

20. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo.

21. Ora, o incumprimento dos deveres de informação é sancionado no quadro da responsabilidade civil contratual, desde logo pelo artigo 798.º do Código Civil, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do mesmo Código. Porém, impõe lançar mão da presunção constante do n.º 2 do transcrito artigo 304.º - A do CVM.

22. Em boa verdade, o banco Réu, assegurou que o produto financeiro, Obrigação SLN2004, no qual o Sr. DD investiu era tão seguro como um depósito, com capital 100% garantido.

23. No presente caso, não foi ilidida pelo Réu a presunção de culpa que sobre si impende, como intermediário financeiro, nos termos do artigo 304.º, n.º 2, do CVM, pelo que se deveria ter concluído pela atuação culposa do Banco Réu.

24. No que respeita à prescrição, cumpre referir que o artigo 324.º, n.º 2 do CVM estabelece um prazo de prescrição de dois anos, porém aplicável somente nos casos de culpa leve ou levíssima como resulta da ressalva inicial, “salvo dolo ou culpa grave”.

25. Atento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua atuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, como referido, somos de crer que o Réu atuou com elevado grau de censura, isto é, com culpa grave.

26. Sendo então de aplicar-se, ao caso vertente, não o artigo 342.º, n.º 2 do CVM, mas o prazo geral do artigo 309.º Código Civil, de vinte anos.

VI. Pugnando-se pela admissibilidade do presente recurso, dir-se-á que os deveres de informação a que o intermediário financeiro está adstrito, têm sido objeto de variadíssima jurisprudência, infelizmente, distinta e contraditória.

VII. Face ao vasto leque de ações pendentes, nos vários Tribunais do país, verifica-se a necessidade premente de estabilização da aplicação do direito quanto à responsabilidade civil do intermediário financeiro por força da violação do dever de informação, qual o grau de informação necessário para combater o risco de incumprimento da obrigação de reembolso por oposição à menção de “capital garantido”, e não menos importante, como se preenchem os deveres de diligência e cuidado a ter por parte do cliente investidor, que de facto, e isso é ponto assente, figura como a parte mais “fraca” da relação material controvertida.

VIII. Pelo que é nosso entender, que o presente recurso de revista deve ser admissível nos moldes propugnados.

IX. Posto isto, relativamente à livre apreciação da prova, importa esclarecer que estamos perante a apreciação de uma questão de direito, que, enquanto tal, se integra plenamente, na nossa perspectiva e salvo melhor opinião, nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.

X. Denota-se, ao longo da leitura do acórdão proferido pelo douto Tribunal, que este, com o devido respeito, se limitou a ler a sentença e “assinar por baixo”.

XI. O que é grave é não se pode aceitar, uma vez que estamos do lado da parte “mais fraca” da relação contratual.

XII. O princípio da livre apreciação não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é discricionária, tem, evidentemente, esta discricionariedade os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados.

XIII. A consequência mais relevante da aceitação destes limites, à discricionariedade está em que, sempre que tais limites se mostrem violados, é a matéria suscetível de recurso ainda que o tribunal ad quem conheça, em princípio, apenas de matéria de direito.

XIV. Ora, embora tenha sido apresentado em sede de petição inicial que o, ora Recorrente, subscreveu um produto que correspondia a obrigações subordinadas, por realmente ser essa a realidade conhecida ao tempo da propositura da ação, tal não significa que este, não o tenha entendido como um “depósito a prazo por 10 anos com capital 100% garantido”, ainda para mais atenta a solicitação do seu filho, que recentemente ocupava o cargo de gerente do balcão e tinha objetivos para cumprir e contas a prestar aos seus superiores hierárquicos.

XV. De facto, o falecido BB não era cliente de longa data daquela instituição bancária, como refere o douto acórdão, porém, já anteriormente tinha depósitos a prazo (noutras instituições bancárias), poupanças essas que, em resposta à solicitação do seu filho, transferiu para o BPN, em 2004.

XVI. É alias somente isto o que decorre do depoimento do Sr. DD, que aqui se reproduz: “Isso foi lançado em outubro de 2004, portanto, na Agência, tínhamos para colocar 100.000,00€ e, portanto, eu pedi ao meu pai, pronto, que tinha um produto, um depósito com capital garantido a 10 anos e, se ele não se importava de me ajudar que era para eu cumprir os objetivos (…) O meu pai, logicamente, confiou naquilo que eu lhe estava a dizer e subscreveu esse produto” (4.44m –5.31m).

XVII. No que concerne à subscrição do produto pelo falecido BB, com o efetivo conhecimento de que se tratava de obrigações SLN, esclareça-se que tal circunstância foi referida na petição inicial, porque o seu filho, aqui Autor era conhecedor e sabedor do produto que, na realidade foi subscrito, embora a ele lhe tenha também sido apresentado como um sucedâneo de um depósito a prazo, com “capital 100% garantido”, o que decorria da ficha informativa difundida entre os funcionários do banco.

XVIII. Não querendo significar que o Sr. DD tivesse capacidade para compreender que se tratava, não de um simples depósito a prazo, mas de obrigações subordinadas SLN, entidade esta que detinha o Banco a 100%.

XIX. Concluiu o douto Acórdão, na esteira da 1.ª Instância e com base no entendimento desta perante esses meios de prova “que o marido e pai dos AA. foi informado que o produto em causa «corresponsi à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que tinha o BPN a 100%”, quando o próprio nem sequer detinha conhecimentos para compreender o conteúdo de tal informação.

XX. Efetivamente o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório. E não pode, essa livre apreciação da prova, ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova.

XXI. Ao absolver o Réu, o Tribunal de 1.ª instância procedeu a uma apreciação arbitrária da prova, assente num puro subjectivismo, proibido por lei. E na sua senda continuou o Tribunal da Relação ....

XXII. Não pode a livre convição confundir-se com a íntima convição do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido de responsabilidade e bom senso, de acordo com um dever – o dever de perseguir a verdade material – recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo.

XXIII. Pelo que, face ao exposto, o Tribunal, perante a produção de prova realizada, não poderia nem deveria ter decidido no sentido em que fez.

XXIV. O artigo 7.º do CVM, prevê que a informação fornecida, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita. Prestada de uma forma não exaustiva mas acessível, explicitando-se tudo o que semostre necessário ao indicado fim, numa linguagem em que o cliente consiga entender e de extensão variável, conforme a maior ou menor complexidade do produto financeiro subscrito.

XXV. Provado se mostra que o Banco, no momento da subscrição, não cumpriu com profundidade, o dever de informação legalmente exigível, isto é, não explicou de forma clara e inequívoca o produto financeiro que o cliente-investidor estava a subscrever, a sua natureza, e mais importante, a certeza ou incerteza do reeembolso do capital versus a possibilidade de perda total ou parcial, assim concretamente o risco aplicável àquele produto financeiro. Mantendo o douto aresto como não provado que “As obrigações SLN rendimento Mais 2004 foram apresentadas a DD como um sucedâneo de um depósito a prazo, não lhe tendo sido dadas as explicações constantes da nota informativa referente ao produto”.

XXVI. O dever de informação violado é um dever “cirúrgico” que impende sobre o intermediário financeiro. Assim, resulta para nós e à luz da lei atualmente em vigor, aplicada ao caso concreto, que houve violação, clara e manifesta, do dever de informação quanto ao risco do instrumento financeiro pelo Banco Réu. Isto é, face as exigências legais e que se faziam sentir no caso concreto, não foi cabalmente cumprido

XXVII. Face a tudo o que vem sendo exposto, é clara a errada apreciação da prova.

E conclui “deve ser dado provimento ao presente recurso, com todas as consequências legais, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta”.

8. A Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

9. A instância veio a ser suspensa até ao julgamento para uniformização de jurisprudência.

10. Foi proferido Acórdão pelo Pleno das Secções Cíveis no processo n.º1479/16...., que transitou em julgado.

11. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- a impugnação da matéria de facto;

- saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.


III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. DD faleceu no dia .../.../2005.

1.2. Os autores foram habilitados como únicos e universais herdeiros de DD, por escritura de habilitação de herdeiros outorgada no dia 25 de Agosto de 2005.

1.3. No dia 12 de Novembro de 2008 foram nacionalizadas todas as acções representativas do capital social do BPN e aprovado o regime da sua apropriação pública por via de nacionalização. Os Autores eram clientes do BPN – Banco Português de Negócios, S.A., ora Réu, na sua agência de ..., com a conta número ...01, onde movimentavam parte do dinheiro, realizavam alguns pagamentos e efectuavam as suas poupanças;

1.4. Até essa data, o capital social do BPN era detido, na sua totalidade, pela sociedade SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., actualmente denominada Galilei, SGPS, S.A.

1.5. No ano de 2012, o BPN e Banco BIC Português SA fundiram-se, passando este a ser detentor de todo o património de ambos os bancos, bem como de todos os respectivos direitos e obrigações.

1.6. DD era cliente da agência do BPN do ..., onde o seu filho era gerente, sendo titular de uma conta com o nº ...01.

1.7. No dia 11 de Outubro de 2004, DD subscreveu uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor nominal de € 50.000,00.

1.8. Na data referida em 7 foi informado que tal produto correspondia à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o banco BPN a 100% com a designação de SLN – Sociedade Lusa de Negócios, o prazo de vencimento era de 10 anos, com remuneração de juros semestrais, à taxa de 4,5% nos primeiros 10 semestres e à taxa de 1,75% + Euribor a 6 meses nos restantes 10 semestres, devendo o reembolso ocorrer a 27 de Outubro de 2014.

1.9. A subscrição referida em 7 implicou o débito na conta referida em 6 de € 50.000,00.

1.10. Desde a data da subscrição referida em 7, a remuneração de juros foi sendo feita nas respectivas datas de vencimento, creditados na conta bancária referida em 6.

1.11. Na data do vencimento da obrigação, o réu não devolveu o capital investido.

1.12. Os réus apresentaram reclamação de créditos no processo especial de revitalização que a sociedade Galileu SGPS apresentou e que correu termos sob o nº 22922/15.....

1.13. À data referida em 7 não havia qualquer indicação de que o capital investido nos termos referidos em 7 não viesse a ser pago, designadamente por insolvência da sociedade emitente.

2. E deram como não provado:

2.a. Entre DD e os funcionários da agência referida em 6 existia uma relação de confiança e proximidade um meio pequeno onde todos se conhecem, de largos anos de convivência;

2.b. Antes da subscrição referida em 7, DD foi abordado para aplicar as suas poupanças num produto financeiro novo, com boa taxa de rentabilidade, com prazo de retorno de 10 anos, sem risco, com capital garantido;

2.c. As obrigações SLN rendimento Mais 2004 foram apresentadas a DD como um sucedâneo de um depósito a prazo, não lhe tendo sido dadas as explicações constantes da nota informativa referente ao produto;

2.d. O banco réu, através dos seus funcionários superiores, deu indicações aos funcionários das suas agências para convencerem os clientes a adquirir aqueles produtos como sendo um sucedâneo de um depósito a prazo;

2.e. DD sempre foi pessoa aforrada e conservadora, avesso a investimentos que pudessem acarretar qualquer risco para as suas poupanças;

2.f. No mês seguinte à subscrição referida em 7, DD recebeu por correio, não só o aviso de débito correspondente à mesma, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros;

2.g. Desde a data da subscrição referida em 7, nos extractos periódicos que recebia, aparecia a obrigação como integrando a sua carteira de títulos de forma separada de um simples depósito a prazo;

2.h. O produto sempre foi apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora;

2.i. DD sempre foi uma pessoa informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património e que aplicava o seu dinheiro em produtos diferentes do simples depósito a prazo;

2.j. Na ocasião referida em 7, DD foi informado que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN, a partir do 5º ano consecutivo e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal;

2.l. Na ocasião referida em 7, DD foi informado de que a única forma de o investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso, o que na altura era comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade.

3. Da impugnação da matéria de facto

Os Recorrentes referem que o Acórdão recorrido violou o princípio da livre apreciação no que concerne à matéria de facto, violando o disposto no n.º5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.

Ora, o Supremo Tribunal de Justiça, não "julga de facto" mas tão-só "de direito". Ou seja: por regra, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (cf. artigo 46.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, LOSJ, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 24 de outubro).

Nessa conformidade:

- Em regra, ao Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, compete somente a aplicação, em definitivo, do regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (cf. n.º 1 do artigo 682.º do Código de Processo Civil);

- À Relação comete-se o dever de modificar a decisão sobre a matéria de facto, sempre que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil.

- Assim, em caso de recurso com impugnação da decisão relativa à matéria de facto (nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil), em decorrência do que dispõe este n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, a Relação pode e deve formar e formular a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.

Ou seja, face a esta autonomia decisória, a Relação há-de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação de provas, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida.

Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo 662.º do Código de Processo Civil impõe o dever à Relação de, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

Todavia, excecionalmente, no recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça:

 i) Pode corrigir qualquer "erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais da causa" se houver ofensa pelo tribunal recorrido de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova (prova tarifada ou legal), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 682.º, n.º 2, e 674.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil;

ii) Intervém na decisão sobre a matéria de facto, quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos do n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil;

 iii) Tem intervenção na decisão sobre a matéria de facto se considerar que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, nos termos do referido n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil.

Em síntese:

- Às instâncias compete apurar a factualidade relevante;

- Com carácter residual, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça destina-se a averiguar da observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes.


Contudo, o STJ pode censurar o mau uso que o Tribunal da Relação tenha eventualmente feito dos seus poderes sobre a modificação da matéria de facto, bem como pode verificar se foi violada ou feita aplicação errada da lei de processo (alínea b) do n.º1 do artigo 674.º do Código de Processo Civil.

Ora, no caso dos autos, os Recorrentes imputam ao Acórdão recorrido a violação do princípio da livre apreciação da prova.

Analisando o Acórdão recorrido, verifica-se que o Tribunal da Relação ... reapreciou a matéria de facto impugnada pelos Recorrentes, confirmando a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

E, nessa reapreciação da matéria de facto, o Tribunal da Relação reanalisou o depoimento de parte e pronunciou-se sobre a matéria de facto impugnada, sendo essa a pretensão dos Recorrentes, isto é, os Recorrentes pretendiam que a matéria de facto dada como não provada sob o ponto c) (“As obrigações SLN rendimento Mais 2004 foram apresentadas a DD como um sucedâneo de um depósito a prazo, não lhe tendo sido dadas as explicações constantes da nota informativa referente ao produto”) fosse declarada como provada em face do depoimento de parte prestado pelo Autor.

Perante essa pretensão dos Autores, o Tribunal da Relação reanalisou a prova produzida, criando a sua própria convicção, e conclui que a decisão da 1.ª instância não merecia censura, como resulta desta passagem do Acórdão recorrido:

“O tribunal a quo deu como não provado nessa al c), que, “As obrigações SLN rendimento Mais 2004 foram apresentadas a DD como um sucedâneo de um depósito a prazo, não lhe tendo sido dadas as explicações constantes da nota informativa referente ao produto”.

Pretendem os apelantes que seja dado como provado tal facto, e que a a prova do mesmo adveio do depoimento do A. BB - filho do referido DD – que, à época em que o pai subscreveu o produto em causa nos autos, era gerente da agência do R. no ..., única prova produzida na audiência (com a duração de 1144 KB), pois que o banco R. prescindiu da inquirição das suas testemunhas.

Ora, o A., naquele seu depoimento, explicou o contexto em que o pai subscreveu o produto em causa nos autos, do seguinte modo: “O meu pai, quando eu saí da C..., eu pedi-lhe, e ele, todo o património que tinha na Caixa passou para o BPN, na altura”. Mencionando ainda: “Isso foi lançado em Outubro de 2004, portanto, na Agência, tínhamos para colocar 100.000,00 € e, portanto, eu pedi ao meu pai, pronto, que tinha um produto, um depósito com capital garantido a 10 anos e, se ele não se importava de me ajudar que era para eu cumprir os objetivos e subscreveu aquele produto. O meu pai, logicamente, confiou naquilo que eu lhe estava a dizer e subscreveu esse produto.”

Nada mais de útil referiu, limitando-se a salientar que o pai tinha confiança nele e não a tinha com os outros funcionários, com quem era “bom dia”, “boa tarde”. 

Podendo desde logo extrair-se deste seu depoimento que o marido e pai dos AA. não seria cliente do BPN de longa data, pelo menos não tinha anteriormente depósitos a prazo nessa entidade bancária - «todo o património que tinha na Caixa passou para o BPN».

Evidentemente que destas breves e sucintas considerações não podia senão julgar-se não provado o ponto fáctico em referência, quando, o que não será despiciendo - o A. alegara na petição (arts 6 º e  7º), apenas que, «No ano de 2004, numa das suas várias visitas à Agência bancária, foi

abordado para aplicar as suas poupanças num produto financeiro novo, com boa taxa de rentabilidade, com prazo de retorno de dez anos e sem risco, com capital garantido, tendo-lhe sido referido  também que tal produto correspondia à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o Banco (BPN na altura) a 100%, com a designação de SLN- Sociedade Lusa de Negócios, SGPS SA (posteriormente Galilei, SGPS, SA», acrescentando no art 8º, que, «após ponderação», «veio a aceitar a proposta».

Note-se ainda que os apelantes não se insurgem relativamente à demais matéria de facto não provada nos autos, máxime à da al d) dessa matéria - que “o banco R., através dos seus funcionários superiores, deu indicações aos funcionários das suas agências para convencerem os clientes a adquirir aquele produto como sendo um sucedâneo de um depósito a prazo”.

Por outro lado, não pode deixar de se evidenciar que os apelantes, não obstante o muito limitado âmbito da impugnação da matéria de facto – que restringiram à matéria da referida al c) dos factos não provados- nas suas alegações, e com correspondente expressão nas respectivas conclusões, vão referindo factos que concorreriam para a alteração que pretendem, como se os mesmos se tivessem provado, sendo certo que tal não sucedeu.

Assim referem “a existência de  uma profunda relação de confiança entre o falecido Sr. DD e os funcionários da instituição bancária” (conclusão 4ª ), quando, ao contrário, e como acima se mencionou, o A. no seu (curto) depoimento excluiu essa confiança do pai com os funcionários da agência (era “bom dia”, “boa tarde”), acrescendo que tudo indica que seria um cliente novo no BPI; referem também que “o Sr. DD não tinha  capacidade para compreender que se tratava, não de um simples depósito a prazo, mas de obrigações subordinadas SLN, entidade esta que detinha o Banco a 100%” (conclusão

5ª); que “nunca o falecido DD tinha ouvido falar na empresa SLN, porquanto o que lhe foi proposto foi a realização de um depósito a prazo no BPN, ao que acedeu”, (conclusão 7ª); que e o Sr. DD (filho e aqui Autor, habilitado), gerente do balcão, lhe assegurou que o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, sem risco de capital, com rentabilidade assegurada e juros semestrais”– conclusão 8ª; que no momento da subscrição, o Réu apenas entregou ao Sr. DD o referido boletim, com a aposição do logotipo do BPN, fazendo crer que se tratava de um produto do próprio banco, sem que lhe tivesse sido entregue qualquer nota informativa» (conclusão 9ª); que, «Em boa verdade, o banco Réu, assegurou que o produto financeiro, Obrigação SLN 2004, no qual o Sr. DD investiu era tão seguro como um depósito, com capital 100% garantido (conclusão 22ª).

Ora nenhum destes factos se provou, bem pelo contrário, e muitos deles, não tendo sido alegados nos autos, não foram sequer referidos na audiência de julgamento.

O  que se provou, em função da sua directa e clara afirmação na petição e da não impugnação por parte do R. na contestação, foi que, como acima se mencionou, no ano de 2004 , numa das suas várias visitas à Agência bancária, o marido e pai dos AA. foi abordado para aplicar as suas poupanças num produto financeiro novo, tendo-lhe sido referido que tal produto correspondia à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o Banco (BPN na altura) a 100%, com a designação de SLN- Sociedade Lusa de Negócios, SGPS AS (posteriormente Galilei , SGPS, SA, e que, após ponderação, veio a aceitar a proposta.

Do que se veio de referir resulta que não pode deixar de se ter como improcedente a pretendida a impugnação da matéria de facto, mantendo-se como não provado que, “As obrigações SLN rendimento Mais 2004 foram apresentadas a DD como um sucedâneo de um

depósito a prazo, não lhe tendo sido dadas as explicações constantes da nota informativa referente ao produto”.


Improcedendo a impugnação da matéria de facto e, consequentemente, mantendo-se como não provado que, “As obrigações SLN rendimento Mais 2004 foram apresentadas a DD como um sucedâneo de um depósito a prazo, não lhe tendo sido dadas as explicações constantes da nota informativa referente ao produto”, tem que se manter a improcedência da acção, tal como foi decidido na 1ª instância.”


Tenha-se presente que em termos de depoimentos, somente foi prestado o depoimento de parte do Autor, como havia sido requerido pelos próprios Autores.

Daí que, no essencial, os factos provados resultaram do facto de a Ré não ter impugnada esses factos na sua contestação, de serem “factos públicos e notórios” e do boletim de subscrição.


Da análise das alegações dos Recorrentes, o que resulta é a evidente discordância dos Recorrentes da decisão sobre a matéria de facto.


Deste modo, não se verifica qualquer das situações em que o STJ possa ou deve intervir, pelo que, nesta parte, a pretensão dos Recorrentes tem de improceder.


4. Da verificação da responsabilidade civil da Ré

No Acórdão recorrido entendeu-se que não estavam demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade civil da Ré, desde logo, a ilicitude.


Os Autores insurgem-se contra o assim decidido, colocando em causa, essencialmente, a verificação da ilicitude (por, no seu entendimento, se ter verificada a violação dos deveres de informação), não se preocupando com demonstrar os demais pressupostos da responsabilidade civil, referindo-se somente o pressuposto da culpa, nada tendo referido quanto ao dano e ao   nexo de causalidade (que, nas suas contra-alegações a Ré refere que não se verifica).

Vejamos.

No caso presente, pretende-se apurar da responsabilidade civil da Ré, como intermediário financeiro: o BPN comercializou junto dos seus clientes obrigações em que foi emitente a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (SLN Rendimento Mais 2004: obrigações subordinadas, no valor de €50 000,00 cada uma)

 - cf. artigos 289.º, n.º1, alínea a), 293.º, n.º1, alínea a) e 290.º, n.º1, alíneas a) e b), do Código dos Valores Mobiliários –


Assim, no caso presente, está em questão a responsabilidade civil da Ré, como intermediária financeira (artigos 312.º e 314.º, do CMV).


Ora, foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A) que apresenta os seguintes segmentos uniformizadores:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.  


No caso dos autos, atenta a data em que foram celebrados os contratos (1 de outubro de 2004), são aplicáveis as disposições do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.

O intermediário financeiro encontrava-se obrigado ao cumprimento dos princípios e regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.


Deveres de informação. Ilicitude.

Como se referiu no citado Acórdão: “a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.”

E, mais à frente, refere-se: “Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.

Retomando a linha de pensamento já afirmada, compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).

Por outro lado, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.

Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.

Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.

Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.

Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.

Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação”.


No caso presente, e perante a factualidade provada, temos de concluir, como o fez o Tribunal da Relação ..., que não se provou que a Ré tivesse violado os seus deveres de informação, sendo que competia aos Autores fazer essa prova nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil.

Apenas se encontra provado que: em 11 de outubro de 2004, o investidor foi informado que tal produto correspondia à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o banco BPN a 100% com a designação de SLN – Sociedade Lusa de Negócios, o prazo de vencimento era de 10 anos, com remuneração de juros semestrais, à taxa de 4,5% nos primeiros 10 semestres e à taxa de 1,75% + Euribor a 6 meses nos restantes 10 semestres, devendo o reembolso ocorrer a 27 de Outubro de 2014.


Toda a restante matéria que os Autores alegaram:

De que foi proposto ao investidor a realização de um depósito a prazo;

Que era um produto idêntico a um depósito a prazo, sem risco de capital;

De que era um produto do próprio banco;

Que era de capital garantido,

não ficou provada, como competia aos Autores fazerem.

Daqui que se conclua pela não verificação da ilicitude por parte da Ré.

Mas, mesmo que se tivesse concluído pela ilicitude, sempre se poderia dizer que:

Quanto à culpa, a mesma presume-se nos termos do disposto nos artigos 304.º, n.º2, do CVM e 799.º do Código Civil.


Quanto ao nexo de causalidade:

Como se afirmou no Acórdão Uniformizador, “incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil.”

Ora, no caso presente, e perante a factualidade dada como provada, temos de concluir que o nexo de causalidade  entre a violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro e o dano consubstanciado na não devolução do valor investido pelo marido e pai dos Autores (€50 000,00) – uma obrigação subordinada, no valor de €50 000,00 (SLN Rendimento Mais 2004), enquanto investidor não qualificado, não se encontra demonstrado, como refere a Ré nas suas contra-alegações porquanto nada se mostra.

E como atrás se referiu, essa prova competia ser feita pelos Autores (artigo 342.º, n.º1, do Código Civil).

Daí que também por não se ter provado este pressuposto, a ação teria de improceder.


Deste modo, o recurso terá de improceder.


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.


Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 14 de fevereiro de 2023


Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Maria João Vaz Tomé

António Magalhães