Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
241/08.2TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: PRESUNÇÕES JUDICIAIS
TRABALHO SUPLEMENTAR
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 04/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 349.º, 351.º.
CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, N.º2, 712.º, N.º4, 722º, Nº 3 E 729º, Nº 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 3/2/2010, RECURSO Nº 304/07.1TTSNT.L1.S1 E DE 22/9/2010, RECURSO Nº 190/04.3TTLVCT.P1.S1.
Sumário :
I - As presunções são ilações que a lei ou o julgador tira dum facto conhecido para firmar um facto desconhecido, conforme estabelece o artigo 349º do Código Civil.

II – Tratando-se dum meio probatório que é admitido para prova de factos susceptíveis de serem provados por prova testemunhal, conforme determina o artigo 351º do CC, está por isso vedado ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o uso deste meio probatório pelas instâncias, visto a sua competência, afora as situações de controlo de prova tabelada, se restringir a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos fixados pelas instâncias, conforme resulta dos artigos 722º, nº 3 e 729º, nº 1, do CPC.

III- No entanto, já poderá o Supremo Tribunal de Justiça aferir se as presunções extraídas pelas instâncias violam os artigos 349º e 351º do CC, por se tratar duma questão de direito, podendo assim sindicar se as ilações foram inferidas de forma válida, designadamente se foram retiradas dum facto desconhecido por não ter sido dado como provado e bem assim se contrariam ou conflituam com a restante matéria de facto que tenha sido dada como provada, após ter sido submetida ao crivo probatório.

IV- O ónus da prova da prestação de trabalho suplementar impende sobre o trabalhador, por se tratar de facto constitutivo do direito reclamado, conforme prescreve o artigo 342º, nº 1 do CC.

V - Não tendo o A provado que efectuava 45 horas de trabalho por semana, improcede o pedido de pagamento de cinco horas semanais de trabalho suplementar.

Decisão Texto Integral:

   ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

1--

AA veio intentar uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra

 BB, LDA., com sede em Lisboa, pedindo que:

a) Seja declarada a ilicitude do despedimento do Autor.

b) Seja a Ré condenada a pagar-lhe uma indemnização de antiguidade, nos termos do art.º 439.º do Código do Trabalho, em montante não inferior a um vencimento por cada ano de duração do contrato.

c) Bem como as retribuições que se vencerem desde os trinta dias anteriores à propositura da presente acção e até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal.

d) E, ainda, o montante de 46.080,21 euros relativos ao pagamento das férias, subsídio de férias, feriado de 1 de Novembro de 2007, cinco dias de férias de 2007, e trabalho suplementar realizado.

e) Quantias estas acrescidas dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação e até integral pagamento.

Alegou para tanto que, sendo trabalhador subordinado da R desde 1 de Julho de 2002, a quem cabia exercer as funções de chefe de cozinha, acabou por ser despedido em Dezembro de 2007, na sequência dum processo disciplinar que lhe foi instaurado. No entanto, os factos que motivaram o seu despedimento são, na sua maioria, falsos e nunca poderão integrar justa causa de despedimento.

Alegou ainda que não lhe foram pagas as férias e respectivo subsídio e que prestou trabalho suplementar que não lhe foi pago, direitos que perfazem a quantia de 46.080,21 euros, que reclama também.



Veio entretanto o Autor, a fls. 53, reduzir o seu pedido, dado a Ré lhe ter pago a quantia de Euros 3.660,12, a título de subsídio de férias e proporcionais do subsídio de férias e férias, bem como férias não gozadas, redução essa que foi admitida por despacho de fls. 57.


E não tendo a audiência de partes derivado na sua conciliação, foi a Ré notificada para contestar, o que fez, vindo alegar que o processo disciplinar foi regularmente instruído, inexistindo irregularidades ou nulidades que o afectem, pelo que, sendo verdadeiros os factos nele descritos, a sanção de despedimento tem perfeito cabimento face à gravidade dos mesmos; alegou ainda que é falso que o Autor tenha prestado trabalho suplementar que esteja por remunerar.

Não tendo o Autor respondido à contestação, foi proferido despacho saneador, no qual se dispensou a fixação da matéria de facto assente e a elaboração da base instrutória.

E tendo-se procedido à realização da audiência de discussão e julgamento, foi posteriormente proferida sentença que, julgando a acção totalmente improcedente, absolveu a Ré do pedido.

Inconformado com esta sentença, veio o A apelar, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado procedente o recurso, vindo a condenar a R, BB, LDA, no pagamento da remuneração correspondente ao trabalho suplementar pelo mesmo efectivamente prestado entre 1/07/2002 e 06/12/2007, a quantificar em incidente de liquidação, nos termos dos artigos 661.º, número 2 e 378.º e seguintes do Código de Processo Civil, não podendo tal quantificação exceder as 5 horas semanais e ultrapassar, em termos globais, o montante aqui peticionado de Euros 39.600,00, mantendo-se, em tudo o demais, a sentença recorrida.

É agora a R que, inconformada, nos traz revista, tendo para tanto, apresentado as seguintes conclusões:

1º Tendo decidido que o recorrido prestara 5h semanais de trabalho suplementar, decisão suportada em matéria de facto insuficientemente alegada, e contraditória com o horário de 8h diárias, provado no n°6 da matéria factual, por não decidir a baixa dos autos à 1ª instância para nova decisão da matéria de facto reportada, cometeu um erro na apreciação da prova em violação do n°4 do art° 712 do CPC.

2º Tendo a Relação exonerado o recorrido de produzir prova por documento idóneo, reportada ao reclamado crédito por trabalho suplementar, decidiu em violação ao n°2 do art 381 do CT de 2003, por manifesto erro de julgamento traduzido na errada interpretação do referido normativo.

3º Tendo a Relação decidido que a alegação genérica da prestação de trabalho suplementar de 5h horas diárias, desconformada pela falta de alegação de factos constitutivos do direito a que o recorrido se arroga, designadamente, (i) de que o pretenso trabalho suplementar fora prestado com autorização ou pelo menos com a anuência da empregadora, ii) dos dias concretos e especificados e as concretas horas em que tal trabalho fora prestado e iii) bem assim dos concretos e especificados créditos por liquidar pela empregadora ora recorrente, violou o n°l do Art°342º do C.C. ao estatuir que quem invoca factos constitutivos do direito a que se arroga incumbe o encargo de fazer prova dos mesmos.

4º Ao considerar como idóneo e único o documento (cópia das folhas de ponto sem embargo da existência do livro de registos) junto pela recorrente para contraprova do genericamente alegado pelo recorrido, como facto constituído do respectivo direito, errou no julgamento, introduzindo não só uma regra de excepção no regime especial de repartição da prova, definido no já citado Art°381º, n°2 do CT como também profere decisão que afronta e viola o n°2 do já citado Artigo 342 do C.C, retirando à recorrente o direito que processualmente lhe assiste de oferecer contraprova pelos meios legítimos de prova, aos factos constitutivos do direito invocado pelo recorrido.

5º Tendo a Relação decidido através de uma operação de inversão do regime especial do ónus da prova em colisão com o estabelecido no Art°381º, n°2 do CT, recuperando matéria de facto que a 1º instancia teve de considerar como não escrita e como tal insusceptível de suporte da decisão proferida, violou ainda o disposto no n°4 do art° 646º do CPC.

6º Por último pugnando-se por manter o acerto da decisão da 1ª instância, revê-se a recorrente e acompanha a douta e sintética alegação do M.P. que considerando não claramente alegados os factos constitutivos do direito a que o recorrido se arroga, estando provado que o mesmo ora se ausentava do local de trabalho antes do horário de saída, ora aí permanecia até depois do horário desta, não logra que a referida decisão da 1ª instância mereça qualquer reparo.

7º Deve igualmente revogar-se o segmento da decisão que remete para incidente de liquidação o apuramento do montante da dívida por a mesma não ter sido provada, e da contraprova ter necessariamente resultado que todo o trabalho suplementar registado pelo recorrido lhe fora atempadamente pago.

Pede-se assim que se revogue o acórdão revidendo, mantendo-se a decisão da 1ª instância.

O A também alegou, formulando as seguintes conclusões:

1. O presente recurso deve ser rejeitado nos termos do n° 6, art. 712° do CPC.

2. A prova junta aos autos pela aqui Recorrente em sede de primeira instância constitui meio de prova legítimo para a alteração da decisão sobre matéria de facto decidida pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

            Pede-se assim que se julgue improcedente a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal e tendo-se dado cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 87º do CPT, veio a Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta emitir parecer no sentido da procedência da revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer reacção destas.


E mostrando-se colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2----


Para tanto, as instâncias fixaram os seguintes factos:

1. O Autor trabalhou ao serviço da Ré, sob suas ordens e direcção, desde 1 de Julho de 2002 até 6 de Dezembro de 2007.

2. Desempenhando as funções de Chefe de Cozinha, mediante a retribuição mensal de € 2.861,33.

3. À relação de trabalho aplica-se o CCT publicado no BTE, n.º 28, de 29/07/2004.

4. Por carta de 9 de Novembro de 2007, foi o Autor notificado do processo disciplinar que lhe foi movido pela Ré que culminou na decisão do seu despedimento, dando-se aqui o mesmo por integralmente reproduzido (fls. 87 a 114).

5. Entretanto, foi pela Ré paga ao Autor a quantia de € 3.660,12 a título de subsídio de férias, proporcionais de férias e subsídio de férias e férias não gozadas.

6. O Autor tinha um horário de trabalho com entrada às 17h30 e saída às 01h, com meia hora de intervalo para jantar.

7. O tamboril sempre fez parte da sopa de peixe.

8. Já anteriormente o Autor havia sido advertido pela Ré para se abster de práticas e comportamentos conflituosos com os colegas de trabalho.

9. Em Novembro de 2007, na presença de dois colegas, numa reunião para a qual tinha sido convocado, o Autor dirigiu-se à gerente da Ré chamando-lhe «ladra», dizendo que era uma «merda» e «incompetente», acusando-a ainda de «já uma vez o ter roubado mas que não o voltava a fazer».

10. Ao mesmo tempo que proferia estas expressões, avançou para a secretária atrás da qual a gerente se encontrava sentada, desferindo pelo menos um murro no tampo.

11. O Autor apresentou-se a trabalhar em dia não apurado mas posterior à ocorrência dos factos acima descritos, tendo sido impedido de o fazer por funcionários da Ré.

12. O Autor, por vezes, saía antes da hora de saída e, outras, para além desta.

13. Ao longo do contrato de trabalho, o Autor esteve diversos períodos sem trabalhar por motivo de baixa por doença.

14. Era o Autor quem registava os períodos de trabalho que efectuava e os entregava à Ré, bem como as horas extra e as compensações das folgas, liquidando a Ré a respectiva remuneração de acordo com aquele registo.

3----

            Tendo o recorrido sustentado que o presente recurso deve ser rejeitado, nos termos do n°6, art. 712° do CPC, foi esta questão liminarmente desatendida por despacho do relator, o qual não foi objecto de qualquer reclamação para a conferência.

Assim sendo, o que está em causa na revista é a questão do trabalho suplementar, matéria sobre a qual as instâncias divergiram.

            Efectivamente, a 1ª instância absolveu a R do seu pagamento, considerando que o A não provou a sua prestação, nem que o mesmo lhe fora, prévia e expressamente ordenado.

Divergindo desta posição, a Relação condenou a R no pagamento da remuneração correspondente ao trabalho suplementar pelo mesmo efectivamente prestado entre 1/07/2002 e 06/12/2007, a quantificar em incidente de liquidação, não podendo tal quantificação exceder as 5 horas semanais e ultrapassar, em termos globais, o montante peticionado de 39.600 euros.

Argumentou para tanto que o Autor, no sexto dia de cada semana de trabalho, prestava trabalho suplementar nas cinco últimas horas do seu período normal de trabalho, dado que trabalhando 7 horas e meia diárias, e seis dias por semana, fazia 45 horas, excedendo assim em cinco horas por semana as 40 horas semanais que a lei consagrava como jornada de trabalho.

É contra esta posição que reage a recorrente, argumentando, nomeadamente, que:

Errou a Relação ao não decidir pela baixa dos autos à 1ª instância para nova decisão da matéria de facto, violando o n°4 do artigo 712 do CPC;

Decidiu a Relação com falta de alegação de factos constitutivos do direito a que o recorrido se arroga, designadamente, de que o pretenso trabalho suplementar fora prestado com autorização ou pelo menos com a anuência da empregadora; dos dias concretos e especificados e as concretas horas em que tal trabalho fora prestado; e bem assim dos concretos e especificados créditos por liquidar pela empregadora ora recorrente, em violação do n°l do art°342º do C.C.

Tendo a Relação exonerado o recorrido de produzir prova por documento idóneo, reportada ao reclamado crédito por trabalho suplementar, decidiu em violação ao n°2 do artigo 381º do CT de 2003;

Face a esta argumentação, vejamos então se tem razão.

3.1---

Quanto à pretensa violação pela Relação do n°4 do artigo 712º do CPC, não podemos concordar com a recorrente.

Efectivamente, permite este preceito que a Relação proceda à anulação da decisão recorrida e ordene que os autos voltem à 1ª instância para nova decisão da matéria de facto, quando a considere deficiente, obscura ou contraditória. E pode também ordenar a ampliação da matéria de facto quando a considere indispensável para a decisão da causa.

Ora, se no caso presente a Relação considerou suficiente a matéria de facto apurada na sentença para decidir, a questão não é de violação do referido preceito, podendo quando muito tratar-se de eventual erro de julgamento.

Assim sendo, improcede esta questão.   

3.2---

A segunda questão que vem suscitada pela recorrente prende-se com a pretensa falta de prova dos factos constitutivos do direito ao pagamento do trabalho suplementar em que a Relação.

Sobre esta questão resulta da matéria de facto apurada que o Autor tinha um horário de trabalho com entrada às 17h30 e saída às 01h, com meia hora de intervalo para jantar, conforme se colhe do facto nº 6.

E mesmo sem o A ter alegado quantos dias trabalhava por semana, pois limitou-se a articular que, tendo o horário das 17h 30m até à 1 hora, perfazia 45 horas de trabalho por semana (artigo 45º da pi), concluiu a Relação que trabalhava seis dias por semana.

Para tanto, argumentou do seguinte modo:

“O Apelante reconduz a sua prestação de serviço diária e semanal entre as 17,30 horas e a 1,00 horas da manhã, em 45 horas semanais de trabalho efectivo (cf. artigo 45.º da Petição Inicial), realidade temporal que só é confirmada em parte pela Ré, dado referir no artigo 68.º da sua contestação que a prestação funcional e efectiva do Autor só se estendia por 39 horas semanais, dado ter uma hora diária para tomar a sua refeição.

O tribunal recorrido acabou por dar como provado o Ponto 6. (“O Autor tinha um horário de trabalho com entrada às 17h30 e saída às 01h, com meia hora de intervalo para jantar.”) que, embora não totalmente esclarecedor, por não especificar em quantos dias por semana tal acontecia, permite-nos presumir que tal ocorria em 6 dias por semana, quando confrontado e conjugado com a referida alegação do Autor e da Ré (45 horas e 39 horas semanais de trabalho, respectivamente, considerando o primeiro 7,5 horas x 6 dias e a segunda 6,5 horas x 6 dias, por retirar uma hora diária para a refeição e descanso daquele) e com os documentos juntos por esta última a fls. 209 e seguintes - onde  o trabalhador tem, em regra, um dia de descanso por semana, surgindo, o domingo como «dia de folga» com bastante frequência.

Colhe-se assim desta argumentação que a Relação recorreu a uma presunção para deduzir que o A trabalhava seis dias por semana, apesar de ter reconhecido que se trata dum facto não totalmente esclarecedor, por não se ter especificado em quantos dias por semana tal acontecia.

De qualquer maneira, partindo do pressuposto que o A trabalhava 6 dias por semana e 7h e 30 m de trabalho diário, considerou que fazia 45 horas semanais, ou seja 5 horas de trabalho suplementar por semana, face à jornada de 40 horas de trabalho por semana consagrada na Lei 21/96 de 23/7.

 

Não procedeu, no entanto, a qualquer alteração da matéria de facto que se deixou reproduzida no ponto 2.

Por outro lado, as presunções são ilações que a lei ou o julgador tira dum facto conhecido para firmar um facto desconhecido, conforme estabelece o artigo 349º do Código Civil

Assim, a partir dum facto conhecido (base da presunção) infere-se um facto desconhecido (objecto da presunção), desde que seja admissível a prova testemunhal para prova desse facto (artigo 351º do CC).

E sendo certo que as presunções judiciais se inserem no julgamento da matéria de facto, constituindo um meio de prova de livre apreciação do julgador, está por isso vedado ao Supremo proceder à sua avocação, visto a sua competência, afora as situações de controlo de prova tabelada, se restringir a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos fixados pelas instâncias, conforme resulta dos artigos 722º, nº 3 e 729º, nº 1, do CPC.

No entanto, e como acertadamente acentua a Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, é-lhe permitido sindicar se o facto conhecido tem a virtualidade (em termos de direito probatório material) de firmar o facto desconhecido, objecto dessa presunção.

Efectivamente, e conforme é jurisprudência firmada, apesar do Supremo Tribunal de Justiça não poder sindicar o uso deste meio probatório pelas instâncias, já poderá aferir se as presunções extraídas por estas violam os artigos 349º e 351º do CC, por se tratar duma questão de direito. E assim sendo, será possível ao Supremo sindicar se as ilações foram inferidas de forma válida, designadamente se foram retiradas dum facto desconhecido por não ter sido dado como provado e bem assim se contrariam ou conflituam com a restante matéria de facto que tenha sido dada como provada, após ter sido submetida ao crivo probatório[1].

Ora, no caso presente, a matéria de facto apurada nem sequer deu como certo que o A trabalhasse 45 horas por semana, conforme este alegara, pois apenas se apurou que tinha um horário de trabalho com entrada às 17h30 e saída às 01h, com meia hora de intervalo para jantar (facto nº 6), saindo, por vezes, antes da hora de saída e, outras, para além desta (facto nº 12).

Por isso e não se tendo apurado que trabalhava 45 horas semanais, faltou à Relação a base da presunção de que partiu para concluir que o recorrido trabalhava seis dias por semana.

 

Por outro lado, a ilação da Relação de que o A trabalhava seis dias por semana, com a consequente condenação até ao pagamento de cinco horas por semana, também entra em contradição com a matéria de facto apurada.  

Efectivamente, tendo-se provado que era o Autor quem registava os períodos de trabalho que efectuava e os entregava à Ré, bem como as horas extra e as compensações das folgas, liquidando esta a respectiva remuneração de acordo com aqueles registos, também não podia a Relação condená-la no pagamento de qualquer trabalho suplementar.

 

Na verdade, face a tal circunstancialismo, temos de concluir que vigorava entre as partes um sistema consensual de prestação de trabalho, com acerto do pagamento das horas efectivamente trabalhadas pelo recorrido em função dos registos por este apresentados (e que juntou aos autos), dado que tanto podia largar o serviço antes da hora estabelecida para a sua saída, como podia sair depois.

Por outro lado, se a R liquidava as horas extra e as compensações das folgas de acordo com esses registos, temos de concluir que nada lhe ficou em dívida, pois era pago de acordo com as indicações que o trabalhador deixava expressas nos documentos que a R juntou.

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Assim sendo, e procedendo a revista, temos de revogar o acórdão recorrido, pois não há matéria de facto que suporte a conclusão da Relação de que o A efectuou até cinco horas de trabalho suplementar por semana, prova que lhe competia, pois nos termos do artigo 342º, nº 1 do CC, trata-se dum facto constitutivo do direito reclamado.

E procedendo a revista pelas razões expostas, ficou prejudicado o conhecimento da última questão suscitada pela recorrente (ausência de documento idóneo para prova do trabalho suplementar vencido há mais de cinco anos), conforme estabelece o artigo 660º, nº 2 do CPC.

          

4----

Termos em que se acorda em conceder a revista, pelo que, e revogando-se o acórdão recorrido, repristina-se a decisão da 1ª instância.

As custas da revista, bem como nas instâncias, serão da responsabilidade do A.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 3 de Abril de 2013.

Gonçalves Rocha (Relator)

António Leones Dantas

Maria Clara Sottomayor

__________________
[1] Neste sentido podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 3/2/2010, recurso nº 304/07.1TTSNT.L1.S1 e de 22/9/2010, recurso nº 190/04.3TTLVCT.P1.S1.