Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3411/19.4T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PODERES DA RELAÇÃO
DUPLA CONFORME
REVISTA EXCECIONAL
FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO LIMINAR
Data do Acordão: 07/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA; REMETIDOS OS AUTOS À FORMAÇÃO PARA VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DO DISPOSTO NO ARTº. 672º, Nº 3 CO CPCIVIL.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- tem sido entendimento deste STJ, que se deverá ter como cumprida a exigência formulada no artigo 640º, nº1, alíneas a) e b)  do CPCivil, quando a parte indica o depoimento, identifica a pessoa que o prestou e assinala os pontos de facto que se pretendem ver reapreciados, elementos estes que na espécie não foram observados, aliás como se analisou no Acórdão recorrido.

II- Afastada a dupla conformidade decisória através da reapreciação das provas e da materialidade factual, porquanto o Recorrente, ali Apelante, impugnou a matéria de facto nos termos do artigo 640º do CPCivil, sendo no âmbito da aplicação desse normativo que o segundo grau se moveu, isto é, no exercício de poderes próprios e privativos, actuando dentro das competências que aí lhe são deferidas, com a finalidade de assegurar um segundo grau de jurisdição.

III- Esses específicos poderes são diversos dos poderes que são cometidos ao primeiro grau, independentemente da apreciação conforme ou disforme dos vários pontos de facto questionados, como diversas são as disposições legais que regem a actuação dos respectivos julgadores.

IV- Deste modo, embora haja uma decisão sobre a matéria de facto e outra que «reaprecia» a bondade da impugnação daquela, mesmo em sede preliminar de cumprimento dos ónus, não se poderá concluir que esta decisão, incidente sobre a verificação dos items aludidos nas alíneas a) a c) do nº1 do artigo 640º do CPCivil, conjugados com o disposto no seu nº2, cuja violação foi arguida pelo Recorrente em sede de recurso de Revista e imputada ao Tribunal da Relação, seja uma questão comum a ambas as instâncias e sobre a qual hajam sido proferidas duas decisões conformes, pois só este Órgão jurisdicional poderia cometer a apontada irregularidade, inexistindo assim qualquer dupla conformidade decisória, quanto a esta questão, aliás em consonância com o que tem vindo a ser a posição da Formação a que alude o nº3 do artigo 672º daquele mesmo diploma legal.

V- Porque na espécie não se antolha qualquer violação por banda do segundo grau na apreciação efectuada quanto à falta de cumprimento por aquele dos ónus resultantes do disposto no artigo 640º do CPCivil, não havendo qualquer censura a fazer ao Aresto na parte em que rejeitada se mostra a reapreciação da matéria de facto impugnada, fica desta sorte prejudicada a reapreciação da bondade da decisão de direito, porquanto, mantendo-se o acervo factual, voltamos a cair na dupla conformidade decisória a que alude o normativo inserto no nº3 do artigo 671º do CPCivil, o que nos remete, agora, para a segunda pretensão do Recorrente, baseada na excepcionalidade da questão a resolver, cujo fundamento aquele faz radicar na alínea b) do artigo 672º, nº1 do CPCivil, sendo da Formação a que alude o nº3 desse mesmo normativo a competência para a sua aferição, para onde se remeterão os autos, após trânsito, para apreciação da bondade da sua admissão.

Decisão Texto Integral:


PROC 3411/19.4T8CSC.L1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I AA e BB intentaram contra CC e DD acção declarativa de condenação, com processo comum formulando os seguintes pedidos:

a) A declaração de resolução do contrato de arrendamento para habitação relativo à moradia de três pisos e logradouro, sito na Rua ..., ..., ..., com o despejo imediato do local arrendado;

b) A condenação dos réus na obrigação de entrega aos autores do arrendado, livre e devoluto de pessoas e bens e nas condições em que receberam o prédio no momento do arrendamento.

Alegam para tanto e em síntese, o seguinte:

Por contrato de arrendamento urbano para fim habitacional com prazo certo celebrado por documento particular no dia 10 de Setembro de 2013, os autores deram de arrendamento aos réus, que assim o tomaram, o prédio urbano para habitação, correspondente a uma moradia de três pisos e logradouro, sito na Rua ..., ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...90, pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de Outubro de 2013, mediante o pagamento da renda de 1 060,00 € (mil e sessenta euros) mensais;

De acordo com o clausulado, os Réus apenas podem realizar obras de pintura, alterações de natureza estética, pequenas obras destinadas a aumentar o conforto do locado ou a adaptá-lo ao seu gosto, mas sempre com prévia autorização dos autores;

Em Setembro de 2019, os réus abriram dois vãos de janela na fachada tardoz da moradia para colocação de duas janelas em material de alumínio e vidro, uma com cerca de 1,05 m largura x 0,70 m altura e outra janela com cerca de 0,60m largura x 0,60 altura, sem autorização dos autores e sem a autorização camarária, o que determinou o aumento da área útil da fracção, com consequências a nível do Imposto Municipal sobre Imóveis;

A obra realizada altera a fachada e utilização das divisões interiores do locado, o que constituiu um prejuízo para os autores e lhes confere o direito a resolver o contrato de arrendamento.

O Réu contestou excepcionando a ilegitimidade dos Autores por não terem interesse na demanda, dado que nunca interpelaram os Réus pela não autorização da abertura das janelas, tanto mais que se trata de uma benfeitoria e, bem assim, o erro na forma do processo por não se ter recorrido ao procedimento especial para despejo; suscitou ainda a caducidade do direito de resolução por parte dos Autores, com fundamento na circunstância de terem conhecimento dos factos muito antes de Setembro de 2019, ou seja, desde 2013, mais referindo não ter sido efectuada a comunicação da resolução, devendo a acção ser intentada no prazo de três meses a contar do conhecimento do facto.

Por requerimento de 4 de Março de 2020 os Autores pronunciaram-se sobre as excepções pugnando pela sua improcedência e, bem assim, pela sua condenação por litigância de má fé.

Foi proferido despacho saneador, onde além do mais se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade activa deduzida atento o manifesto interesse dos Autores em demandar, face à utilidade que para eles deriva da eventual procedência da acção.

Em 12 de Maio de 2021 a Ré juntou procuração forense aos autos e em 21 de Maio de 2021 apresentou um requerimento a dar conta da instauração de acção de divórcio para separação do casal Réu, no âmbito da qual a casa de morada de família, instalada no local arrendado, foi atribuída ao Réu, pelo que apenas este tem interesse em contradizer, devendo aquela ser absolvida da instância.

Os Autores responderam por requerimento de 22 de Maio de 2021, pugnando pela extemporaneidade da oposição aduzida.

Realizada a audiência de julgamento, no decurso da qual foi indeferido o requerimento da Ré, veio a ser, subsequentemente, proferida sentença que julgou a excepção de caducidade improcedente e procedente a acção, nos seguintes termos:

declaro resolvido o contrato de arrendamento em causa nestes autos, decreto o despejo do imóvel correspondente a moradia de três pisos e logradouro, sito na Rua ..., ... - ... e condeno os RR. a entregarem aos AA. o referido imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens e nas condições em que o receberam aquando do arrendamento.”

Inconformado com esta decisão, o Réu interpôs recurso de Apelação, o qual a final veio a ser julgado improcedente com a manutenção da sentença proferida.

De novo irresignado recorre agora o Réu de Revista normal, por se tratar de uma acção de despejo e excepcional nos termos do artigo 672º, nº1, alínea b) do CPCivil, apresentando as seguintes conclusões:

«[II-] DAS CONCLUSOES

114. O exponente usou, usa e usará no âmbito do seu quotidiano com a boa fé, o mesmo tendo em consideração no presente pleito, pelo que é da mais elementar injustiça o Acórdão ora aduzido, o qual desvirtua, por completo, a realidade.

115. Acresce ao exposto, face à especificidade do tipo de processo em causa (Despejo de Casa de Morada de Família de um agregado familiar de elevada dimensão) dever ser atribuído a tal Recurso e ao presente efeito suspensivo, com subida imediata.

116. É pacificamente aceite e entendido quer pela Doutrina, quer pela Lei quer, ainda, pela Jurisprudência que Recurso traduz-se num meio de impugnação processual que tem por fim sujeitar uma decisão judicial a uma nova apreciação jurisdicional,

117. Encontrando-se garantido, no nº 4 do artº 20º da Const. da Rep. Port., a vigência e consequente aplicação de um processo equitativo, permitindo às partes a obtenção de uma

reapreciação da decisão judicial susceptível de ofender os seus direitos, conforme a seguir se aduzirá. Na verdade, é inequívoco que uma decisão judicial pode se encontrar eivada de vícios, como o Mau procedimento, error in procedendo, violação de regras processuais, Má decisão, vício do conteúdo da própria decisão, Má apreciação da realidade, Má aplicação do direito e error in judicando, podendo, os mesmos, serem alvo de apreciação pelo Douto Tribunal do 2º grau de jurisdição.

118. Conforme, de uma forma inquestionável, se comprovará, a Douta Decisão proferida pelo Tribunal da Relação, ora recorrida, ao manter a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instancia, enferma de bastos vícios, em claro prejuízo do ora recorrente, o que, de per si, legitima a instauração do presente Recurso e a dedução das competentes Alegações, uma vez que não pode o exponente concordar com a decisão tomada que, consequentemente, conforme supra, manteve o decidido pelo Tribunal de 1ª instancia e, em consequência, declarou resolvido o contrato de arrendamento em causa nestes autos, Decretou o despejo do imóvel correspondente a moradia de três pisos e logradouro, sito na Rua ..., ... – ... e condenou os RR. A entregarem aos AA. o referido imóvel, que constitui a sua Casa de Morada de Família, livre e devoluto de pessoas e bens e nas condições em que o receberam aquando do arrendamento.

119. Foi uma má e errada decisão mantida pelo Tribunal da Relação.

120. Felizmente é passível de Recurso nos termos do artº 671º e seguintes dos CPC.

121. É que está em causa, reitera-se, o despejo da casa de morada de família, o que se impõe que a sua decisão seja especialmente tomada com mais cuidados que os usuais.

122. Ora como é consabido, cabe Recurso de Revista, nos termos do artº 671º do CPC, para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa.

É o caso dos autos.

123. Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, como ocorre com as acções de despejo e casos de Revista exceptional, também enquadrável no caso vertente.

124. Dai que ao ser, o R, notificado de Acórdão no qual foi aposto o Relatório, delimitado o objecto do recurso, aposta a fundamentação de facto, realizada a apreciação de mérito do recurso (com retificação de lapso) e decisão e vem, do mesmo, interpor Recurso.

125. Certo é que a decisão em apreço, apesar de mantida, foi objecto de rectificação.

126. Por outro lado há que ter em atenção à matéria reportada à verificação dos pressupostos da resolução do contrato de arrendamento, que constitui matéria de relevância jurídica nos termos e para os efeitos do disposto no artº 672º do CPC, o que se invoca com as demais consequências legais.

127. Tudo, obviamente, sem prejuízo da relevância social estatuída no artº 672º nrº1 b) do mesmo diploma legal.

128. Só há relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito quando se trate de questão manifestamente complexa, de difícil resolução, cuja subsunção jurídica imponha um importante e detalhado exercício de exegese, um largo debate pela doutrina e jurisprudência com o objectivo de se obter um consenso em termos de servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação com que poderão contar das normas aplicáveis, quer para as instâncias, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito.

129. Tal implica que a resolução da questão referida seja susceptível de causar, em geral fortes dúvidas e probabilidade de decisões jurisprudenciais divergentes em diversos processos de natureza cível presentes nos tribunais ou ainda que suscite forte controvérsia, seja por ser objecto de debates doutrinários ou jurisprudenciais, como ocorre quanto à aposto no ponto 3.2.4 do Acordao que se quer em crise e nas decisões jurisdisprudenciais invocadas.

Vejamos em concreto o que está de errado:

130. Vieram os AA interpor acçao contra os RR por os mesmos terem efectuado, sem a sua autorização, e sem licença camarária, obras que alteraram a fachada e contribuíram para o aumento de IMI.

Foi em síntese a sua petição.

131. Os RR foram citados e contestaram, foi realizado julgamento e obtida uma decisão, que se recorreu.

132. Apreciado o recurso entendeu o Tribunal da Relação manter a decisão.

133. Sendo uma acção de despejo e estando em causa a Casa de Morada de Família, recorre-se.

Dito isto, vejamos:

134. Em primeiro lugar os RR não deviam ser condenados, pois não foi feita prova dos factos alegados, por um lado, e por outro nem alegação houve.

135. Não se provou quanto a licença camarária nem quanto ao IMI, sendo clara a prova

testemunhal alegando não saber o destino do processo camarário e o seu final, ou seja não houve prova sobre tal matéria.

136. Nesta vertente igualmente não houve qualquer prova documental.

137. Não pode, assim, o R, ora recorrente, aceitar o vertido quanto ao facto provado com os números 5, 6, 7, 8, 9 e 10.

138. Igualmente contestou-se, e consequentemente não se aceitou, o decidido quanto a factos não provados com os números 1 a 4 dos Factos dados como não provados.

139. Não só porque a prova testemunhal não corroborou tal matéria como havia, documentos nos autos que deviam ter sido considerados.

140. Assim sendo não deveria ter ocorrido uma rejeição da impugnação da matéria de facto, mas ao invés uma apreciação do requerido, foi a base legal e ónus de impugnação foi plenamente cumprida.

141. Por outro lado ocorreu a invocação de nulidades da Sentença que deveria ter sido deferida pelo Tribunal da Relação.

142. Certo é que a Sentença elencou os factos provados, os não provados e Fundamentação de tal decisão.

143. Mas a realidade é que tal decisão, proferida e mantida, é manifestamente infundada ou pelo menos insuficientemente fundamentada,

144. A decisão também não especifica as razoes de direito nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 615º do CPC e o Douto Tribunal, igualmente, não respondeu, ou deu resposta, aos argumentos esgrimidos em sede de Contestação, o que configura uma nulidade nos termos da alia d) do mesmo normativo.

145. Certo é que o exponente não se conforma com a Sentença em apreço nem com o Acórdão que se quer em crise.

146. Sem prescindir e sem prejuízo destas questões de natureza prévia, é inquestionável que o exponente não pode conformar-se com a injusta decisão proferida.

147. Há erro na aplicação de direito nos termos do artº 674º nº1 a) do CPC,

148. Há ambiguidade na decisão nos termos do artº 615º nº1 c) face aos documentos anexos ao presente pleito e o decidido.

149. Há questões que o Juiz se devia pronunciar e não o fez, conforme questões levantadas em sede de Contestação, com influencia nos autos, nos termos do artº 615º nr 1 e) do CPC.

150. É que por um lado nada existe quanto ao licenciamento da obra,

151. Por outro lado, como resulta dos documentos junto aos autos e da prova testemunhal, há mais de um ano antes da entrada de acçao que os RR conheciam a obra, pelo que caducou o seu direito

152. Acresce, ainda, que nada foi dito quanto à relevância factual e jurídica de manutenção do arrendamento nos termos e para os efeitos do nrº2 do artº 1083º do CC

153. Não há uma palavra quanto a essa matéria, embora consta o nrº1 de tal normativo legal.

154. O Tribunal fundou a sua convicção não se sabe em quê quanto à licença e ao IMI, pois tal deveria ocorrer por prova documental e não ocorreu.

155. Por outro lado nada disse quanto, ainda que se admitisse a realização de obras, a eventual fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.

156. Nada foi, por um lado, sequer, alegado e, por outro, indicado na sentença.

157. Face ao exposto, não podia ser julgada improcedente a excepção de caducidade do direito de acção invocada pelos RR. e procedente por provada a acção e, em consequência, não podia ser declarado resolvido o contrato de arrendamento em causa nestes autos, bem como decretado o despejo do imóvel correspondente a moradia de três pisos e logradouro, sito na Rua ..., ... - ... e condeno os RR, e muito menos os RR condenados a entregarem aos AA. O referido imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens e nas condições em que o receberam aquando do arrendamento.

158. Assim sendo o Acórdão é recorrível nos termos dos artº 671º, 672º ambos do CPC

159. Igualmente existe errónea aplicação da lei processual

160. Sem prejuízo da errónea aplicação da norma aplicável.

161. Por todas estas razoes e o demais legal deveria a Decisão produzida ser revogada e os RR serem absolvidos, com as demais consequências legais.».

Nas contra alegações os Autores concluem do seguinte modo:

«[a)] O recurso de revista não pode ser admitido, nos termos do n.º 3 do art.

671.º do CPC;

b) Assim não se entendendo, deve ser rejeitado nos termos do n.º 2 do art. 672.º CPC.

c) O acórdão da Relação é claro e explicito sobre o incumprimento por parte do Réu do ónus de impugnação da matéria de facto, fundamentação a que se adere.

d) O tribunal da Relação fez uma acertada interpretação dos factos e correcta aplicação do direito.».

II As instâncias declararam como assentes os seguintes factos:

1. Por documento escrito que denominaram de contrato de arrendamento urbano para fim habitacional com prazo certo, celebrado por documento particular no dia 10 de Setembro de 2013 os Autores deram de arrendamento aos Réus, que assim o tomaram, o prédio urbano para habitação, correspondente a uma moradia de três pisos e logradouro, sito na Rua ..., ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...... documento referido em 1. supra foi celebrado pelo prazo de cinco anos, teve o seu início

em 01 de Outubro de 2013 e encontra-se em vigor.

3. A renda actual em vigor é de 1 060,00 € (mil e sessenta euros) mensais.

4. Nos termos da cláusula Nona do contrato de arrendamento referido em 1. consta o seguinte:

“1. As obras de conservação extraordinária ficam a cargo dos Senhorios.

2. Quaisquer obras do exclusivo interesse dos Arrendatários, nomeadamente e sem pretender limitar, pintura do locado, alterações de natureza estética, pequenas obras destinadas a aumentar o conforto do locado ou a adaptá-lo ao gosto dos Arrendatários, serão executadas e custeadas por estes.

3. Os Arrendatários apenas poderão executar quaisquer obras, designadamente, as referidas no número anterior, quando forem previamente autorizados, por escrito, pelos Senhorios.

4. Desde já os Arrendatários ficam autorizados a colocar um pavimento em deck nas traseiras do locado, respeitando a estética e os materiais existentes na frente do locado.

5. Todas e quaisquer obras realizadas pelos Arrendatários, ainda que sejam de beneficiação ou quando consideradas benfeitorias, ficam a fazer parte integrante do arrendado, sem que aos Arrendatários seja reconhecido qualquer direito a retenção ou a indemnização, seja a que título for.

6. Sem prejuízo do estipulado no número anterior, no termo do arrendamento os Senhorios poderão exigir aos Arrendatários que reponham o locado no estado em que o receberam.”

5. Os Réus, em Setembro de 2019, abriram dois vãos de janela na fachada tardoz da moradia para colocação de duas janelas em material de alumínio e vidro, uma com cerca de 1,05 m largura x 0,70 m altura e outra janela com cerca de 0,60 m largura x 0,60 altura.

6. Facto verificado em 09 de Setembro de 2019, pelas 11 horas, pela Fiscalização Municipal da Câmara ....

7. Obra que foi realizada sem autorização dos autores e sem a autorização camarária.

8. Durante a referida fiscalização, apurou-se que “a operação urbanística em causa viola o disposto no Artigo 4º, n.º 4, alíneas c) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, republicado pelos Decreto-Lei n.º 136/2014, de 09 de Setembro por tido sido realizada sem os necessários actos administrativos de controlo prévio (Art. 102º, nº 1, al. a) do RJUE).

9. A abertura das duas janelas em paredes do locado da cave (os respectivos interiores não têm janelas) tem como efeito o aumento da área útil da fracção, com consequências a nível do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), que aumenta.

10. A obra realizada pelos Réus não só altera a fachada e utilização das divisões interiores do locado como é causador de prejuízos aos Autores via IMI.

E consideraram como não provados:

1 - A obra em causa nos autos (abertura de janelas) constitua uma Benfeitoria.

2 – Os AA. tenham tido conhecimento da obra antes de Setembro de 2019.

3 - Os RR tenham solicitado ao A. Fernando a abertura da janela, nem que este tenha aceitado tal obra, nem que tal tenha ocorrido desde o início do contrato (...13).

4 – Necessidades familiares dos AA., existentes desde 2013, tenham sido comunicadas aos AA e motivado o pedido de abertura de uma janela e pedido de legalização da mesma em processo existente na Camara Municipal de legalização da janela desde 15 de Janeiro de 2019.

Vejamos.

O Réu na sua impugnação recursiva, faz o ensaio de entrar em contramão com o Acórdão da Relação na parte em que este rejeitou a apreciação da matéria de facto por si impugnada em sede de recurso de Apelação, nos termos do artigo 640º do CPCivil, uma vez que, na sua tese, terá ocorrido o seguinte circunstancialismo:

«132. Apreciado o recurso entendeu o Tribunal da Relação manter a decisão.

133. Sendo uma acção de despejo e estando em causa a Casa de Morada de Família, recorre-se.

Dito isto, vejamos:

134. Em primeiro lugar os RR não deviam ser condenados, pois não foi feita prova dos factos alegados, por um lado, e por outro nem alegação houve.

135. Não se provou quanto a licença camarária nem quanto ao IMI, sendo clara a prova

testemunhal alegando não saber o destino do processo camarário e o seu final, ou seja não houve prova sobre tal matéria.

136. Nesta vertente igualmente não houve qualquer prova documental.

137. Não pode, assim, o R, ora recorrente, aceitar o vertido quanto ao facto provado com os números 5, 6, 7, 8, 9 e 10.

138. Igualmente contestou-se, e consequentemente não se aceitou, o decidido quanto a factos não provados com os números 1 a 4 dos Factos dados como não provados.

139. Não só porque a prova testemunhal não corroborou tal matéria como havia, documentos nos autos que deviam ter sido considerados.

140. Assim sendo não deveria ter ocorrido uma rejeição da impugnação da matéria de facto, mas ao invés uma apreciação do requerido, foi a base legal e ónus de impugnação foi plenamente cumprida.».

Não podemos aceitar a tese do Réu, porquanto.

Quer na motivação oferecida em sede de recurso de Apelação, quer nas conclusões que ali apresentou, refereriu o Réu o seguinte (sic):

«142. Nada se provou quanto a licença camarária nem quanto ao IMI, sendo clara a prova testemunhal alegando não saber o destino do processo camarário e o seu final, ou seja não houve prova sobre tal matéria.

143. Nesta vertente igualmente não houve qualquer prova documental.

144. Não pode, assim, o R, ora recorrente, aceitar o vertido quanto ao facto provado com os números 5, 6, 7, 8, 9 e 10.

145. Igualmente contesta-se, e consequentemente não se aceita, o decidido quanto a factos não provados com os números 1 a 4 dos Factos dados como não provados.

146. Não só porque a prova testemunhal não corroborou tal matéria como havia, documentos nos autos que deviam ter sido considerados.

147. Certo é que a Sentença elencou os factos provados, os não provados e Fundamentação de tal decisão.

148. Mas a realidade é que tal decisão, agora proferida, é manifestamente          infundada ou pelo menos insuficientemente fundamentada,».

Tendo em atenção este acervo conclusivo, pronunciou-se o Tribunal da Relação sobre o mesmo, dizendo que:

«[3.2.3.] Da Rejeição da Impugnação da Matéria de Facto

Estabelece o art.º 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.

Ao assim dispor, pretendeu o legislador que a Relação fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-12-2016, processo n.º 437/11.0TBBGC.G1.S1.

Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do CPC:

“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

À luz do normativo transcrito, afere-se que em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.

Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escritos – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.

O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, pela sua percepção, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que é exigido no contexto do ónus de alegação, de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.

De notar que a exigência de síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 142, nota 228.

António Abrantes Geraldes pugna no sentido de que “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes  situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, n.º 4, e 641º, n.º 2, al. B));

b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a));

c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v. g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);

d)Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;

e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.” – cf. op. cit., pág. 142.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2015, processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, após se proceder a uma análise dos regimes processuais que têm vigorado quanto a este tema, aduz-se o seguinte:

“[…] é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação []; e um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes.

Ora, se é certo que – relativamente ao cumprimento de tais ónus, primário e secundário – não se permite a formulação de um sistemático convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, não poderá deixar de ser avaliada diferentemente a falha da parte consoante ocorra num ou noutro âmbito: como é óbvio, a ausência de objecto delimitado e de fundamentação minimamente concludente da impugnação deduzida deverá ditar, de forma inevitável e em termos proporcionais,a liminar rejeição do recurso quanto à matéria de facto.

Pelo contrário, o incumprimento do referido ónus secundário, tendente apenas a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, deverá ser avaliado com muito maior cautela: é que, por um lado, o conceito usado pela lei de processo (exacta indicação das passagens da gravação) é, até certo ponto, equívoco, pressupondo a necessidade de distinguir entre a (insuficiente) mera indicação e a indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados; por outro lado, por força do princípio da proporcionalidade, não parece justificável a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa - não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado […].”

Para além disto, importa realçar a distinção que se impõe efectuar entre aquilo que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objecto do recurso e o que se encontra já abrangido pelo âmbito da reapreciação da decisão de facto, devidamente impugnada, mediante a reavaliação da prova convocada e tida por relevante. Ora, como se retira do acima expendido, os requisitos do ónus impugnatório cingem-se à especificação dos pontos de facto impugnados, dos concretos meios de prova convocados e da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, com expressa indicação das passagens dos depoimentos gravados em que se funda o recurso (cf. alínea a) do n.º 2 do art. 640º do CPC).

Acresce que, não obstante as exigências inerentes à impugnação da matéria de facto deverem ser apreciadas “à luz de um critério de rigor”, enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, não se deve interpretá-las a um nível de exigência tal que seja violado o princípio da proporcionalidade, com a consequente denegação de reapreciação da decisão da matéria de facto – cf. neste sentido, A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 143.

Além disso, deve considerar-se que “a insuficiência ou a mediocridade da fundamentação probatória aduzida pelo recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou  consistência daquela fundamentação.” – cf. acórdãos Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, processo n.º299/05.6TBMGD.P2.S1 acima referido e de 8-02-2018, processo n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1.

Quanto ao ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados, este “deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exata e precisa -, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento […]” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-06-2018, , processo n.º 1474/16.3T8CLD.C1.S1, onde se convoca o conteúdo do acórdão desse mesmo Tribunal de 29-10-2015, processo n.º 233/09.4TVNG.G1.S1.

Analisando as alegações apresentadas pelo réu/apelante, verifica-se que este indica efectivamente os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados – pontos 5., 6., 7., 8., 9. e 10. dos factos provados e pontos 1., 2., 3. e 4. dos factos não provados -, cumprindo, desse modo, o ónus constante da alínea a) do n.º 1 do mencionado art. 640º do CPC.

No que aos meios probatórios que, relativamente a cada um dos factos impugnados, entende imporem decisão diversa, poderia aceitar-se, apenas com alguma/muita benevolência, que o ónus estabelecido na alínea b) daquele n.º 1 se teria por suficientemente cumprido, pois que neste aspecto, o recorrente não concretizou, relativamente a cada um dos pontos impugnados, quais os meios de prova que serviriam para sustentar decisão diversa, invocando o depoimento do fiscal, EE, para dizer que dele não se pode se retirar quando é que a obra foi realizada, sem que, porém, indique que pontos da matéria de facto pretende alterar e em que sentido; invoca também o depoimento da testemunha FF, sem indicação de qualquer passagem em concreto ou localização específica do depoimento, remetendo apenas para a sua globalidade, para sustentar que as obras foram feitas e que o senhorio sabia, mas sem referir a que ponto dos factos impugnados se deve reportar a invocação desse depoimento, o que sucede também com a referência à testemunha GG.

O recorrente prossegue invocando as declarações do autor, quando é evidente que o autor não prestou depoimento de parte ou declarações de parte, sendo que quem o fez foi o réu (cf. acta de 24 de Maio de 2021 com a Ref. Elect. ...18), numa mescla de afirmações que refutam o que consta da sentença, mas sem referir o que pretende em concreto que seja decidido.

Com efeito, é manifesto que o apelante não cumpriu o ónus de impugnação da matéria de facto que consiste na indicação da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto  impugnadas – cf. alínea c) do n.º 1 do art.º 640º do CPC -, o que se traduz no incumprimento de um ónus primário que deverá conduzir à rejeição da impugnação da matéria de facto.».

Daqui resulta que o que o Réu, aqui Recorrente, aponta como omissão do integrante do preceituado no artigo 640º, nº1, alíneas a) e b) do CPCivil, por forma a por em causa a reanálise efectuada pelo Tribunal recorrido, mostra-se dissonante com os requisitos objectivados por aquele normativo, pois tem sido entendimento deste STJ, neste preciso conspectu, que se deverá ter como cumprida a exigência ali formulada, quando a parte indica o depoimento, identifica a pessoa que o prestou e assinala os pontos de facto que se pretendem ver reapreciados, elementos estes que na espécie não foram observados, aliás como se analisou no Acórdão recorrido, cfr neste sentido os Ac STJ de 22 de Fevereiro de 2010 (Relator Fonseca Ramos), de 29 de Novembro de 2011 (Relator Alves Velho), de 4 de Abril de 2013 (Relator Moreira Alves), de 2 de Dezembro de 2013 e de 7 de Junho de 2016 e de 8 de Janeiro de 2019  da aqui Relatora, in www.dgsi.pt; de 9 Julho de 2015 (Relator Júlio Gomes), de 10 de Dezembro de 2015 (Relator José Rainho aqui primeiro Adjunto), de 19 de Janeiro de 2016 (Relator Pinto de Almeida) e de 17 de Novembro de 2021, da aqui Relatora, in SASTJ, site do STJ.

Afastada a dupla conformidade decisória através da reapreciação das provas e da materialidade factual, porquanto o Recorrente, ali Apelante, impugnou a matéria de facto nos termos do artigo 640º do CPCivil, sendo no âmbito da aplicação desse normativo que o segundo grau se moveu, isto é, no exercício de poderes próprios e privativos, actuando dentro das competências que aí lhe são deferidas, com a finalidade de assegurar um segundo grau de jurisdição.

Esses específicos poderes são diversos dos poderes que são cometidos ao primeiro grau, independentemente da apreciação conforme ou disforme dos vários pontos de facto questionados, como diversas são as disposições legais que regem a actuação dos respectivos julgadores.

Deste modo, embora haja uma decisão sobre a matéria de facto e outra que «reaprecia» a bondade da impugnação daquela, mesmo em sede preliminar de cumprimento dos ónus, não se poderá concluir que esta decisão, incidente sobre a verificação dos items aludidos nas alíneas a) a c) do nº1 do artigo 640º do CPCivil, conjugados com o disposto no seu nº2, cuja violação foi arguida pelo Recorrente em sede de recurso de Revista e imputada ao Tribunal da Relação, seja uma questão comum a ambas as instâncias e sobre a qual hajam sido proferidas duas decisões conformes, pois só este Órgão jurisdicional poderia cometer a apontada irregularidade.

Inexiste assim qualquer dupla conformidade decisória, quanto a esta questão, aliás em consonância com o que tem vindo a ser a posição da Formação, cfr inter alia os Ac de 28 de Outubro de 2014 (Relator Moreira Alves), 14 de Maio de 2015 (Relator Alves Velho), 21 de Janeiro de 2016 (Relator Bettencourt de Faria) e de 20 de Abril de 2017 (Relator Paulo Sá), in SASTJ, site do STJ. 

Todavia, no que tange a este ponto específico da impugnação recursória do Réu, aqui Recorrente, não se antolha, como já se deixou acentuado supra, qualquer violação por banda do segundo grau na apreciação efectuada quanto à falta de cumprimento por aquele dos ónus resultantes do disposto no artigo 640º do CPCivil, não havendo qualquer censura a fazer ao Aresto na parte em que rejeitada se mostra a reapreciação da matéria de facto impugnada, ficando desta sorte e para já prejudicada a reapreciação da bondade da decisão de direito, porquanto, mantendo-se o acervo factual, voltamos a cair na dupla conformidade decisória a que alude o normativo inserto no nº3 do artigo 671º do CPCivil, o que nos remete, agora, para a segunda pretensão do Recorrente, baseada na excepcionalidade da questão a resolver, cujo fundamento aquele faz radicar na alínea b) do artigo 672º, nº1 do CPCivil, sendo da Formação a que alude o nº3 desse mesmo normativo a competência para a sua aferição

Soçobram, assim, as conclusões no que se refere à Revista regra.

III Destarte, nega-se a Revista normal interposta, mantendo-se a decisão recorrida no que tange à rejeição da impugnação da matéria de facto.

Notifique e transitado em julgado este Acórdão, remetam-se os autos à Formação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 672º, nº3 do CPCivil, em cumprimento do Provimento 23/2019.

Custas da Revista, por ora, pelo Réu.

Lisboa, 5 de Julho de 2022

Ana Paula Boularot (Relatora)

José Rainho

Graça Amaral

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).