Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | CUSTÓDIO MONTES | ||
Descritores: | DIREITO DE PREFERÊNCIA VENDA INEFICÁCIA REGISTO PREDIAL | ||
Nº do Documento: | SJ200412090038917 | ||
Data do Acordão: | 12/09/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1305/04 | ||
Data: | 03/25/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Sumário : | 1. A preferência tem a natureza de um direito real de aquisição e, pela procedência da acção de preferência, ocorre a substituição do adquirente pelo preferente "ab initio". 2. Sendo atribuído por lei, o direito de preferência, para ter efeitos em relação a terceiros, não carece de ser registado. 3. O art. 291.º do CC é uma norma de carácter excepcional, sendo apenas aplicável à nulidade ou anulabilidade que não aos casos de ineficácia. 4. O registo predial efectuado pelo comprador preterido pelo preferente não tem substracto por o adquirente do prédio ser o preferente e não o comprador preterido. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório "A", B e marido C, D e marido E, F e mulher G, H e I, intentaram contra J, L, M, e N, Acção com processo comum, sob a forma ordinária, Pedindo a. que os AA. sejam declarados únicos e universais herdeiros de O, devendo, ainda, a Autora A ser declarada meeira do casal que com ele formava; Os contestaram por excepção e por impugnação e a Réu N, invocando a sua posição de terceiro de boa fé à data em que adquiriu a fracção e que, por isso, lhe é inoponível a preferência reconhecida aos AA., tendo ainda deduzido pedido reconvencional para lhe ser reconhecido o direito de propriedade sobre a fracção A) cuja aquisição por compra está registada em seu nome e, desde então, usufrui como dona. Os AA. responderam e contestaram por impugnação o pedido reconvencional formulado. Após instrução e julgamento, foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, decidiu-se o seguinte: "a. declaram-se os AA. únicos e universais herdeiros de O e a A meeira do casal que com ele formava; b. declara-se que, em consequência da decisão proferida a fls. 166 a 170 da acção ordinária n.º 139/91, que correu termos no tribunal de círculo de Chaves, entrou na esfera patrimonial do referido casal o direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Valpaços, sob o art. 941 e descrito na conservatória competente sob o n.º 978, por lhes ter sido reconhecido o direito de preferência na venda lavrada no cartório notarial de Valpaços em 12.4.91, a fls. 58 a 62 do Livro 2-C, que os Réus. J, L, P e Q fizeram ao Réu M; c. consequentemente, em vez do Réu M e em substituição deste, passam figurar os AA., como herdeiros de O, como adquirentes do direito de propriedade, sobre o referido imóvel, em comum e na proporção de vinte e cinco/quarenta avos, para a viúva/meeira e herdeira A e três/vinte avos para cada um dos demais herdeiros, os aqui AA.; d. declara-se nula a escritura de constituição da propriedade horizontal sobre o imóvel em causa que o Réu M fez lavrar no cartório notarial de Valpaços em 13.4.91, exarada a fls. 85 do livro 132-B e da qual resultou a criação das três fracções autónomas referidas e identificadas no n.º 21 da P.I.; e. declaram-se ineficazes em relação aos AA. todos e quaisquer actos de alienação, onerosos ou gratuitos, que, posteriormente à data da venda do imóvel em questão, para o referido Réu M, o tenham tido por objecto ou que tenham tido por objecto as fracções autónomas sobre o mesmo constituídas em consequência da propriedade horizontal referida, designadamente, a venda destas fracções para a Ré N; f. determina-se a correcção e rectificação dos registos constantes da ficha respeitante ao prédio descrito na conservatória do registo predial de Valpaços sob o n.º 978 da freguesia de Valpaços, de modo a que aí passe a figurar tão só: 1. a descrição do imóvel, tal como se encontra, h. determina-se o cancelamento de todos e quaisquer registos de aquisições que contendam com a preferência que a O e mulher foi reconhecida na aludida sentença proferida na acção 139/91 do tribunal de círculo de Chaves. i. absolvem-se os RR. do que demais contra si é pedido. Por tudo o exposto, julga-se a reconvenção improcedente , absolvendo-se os reconvindos dos pedido contra si formulados". A R. N interpôs recurso de apelação (1) . Na Relação, para além do mais decidido (2), foi a apelação julgada improcedente nos termos do art. 713.º, 5 do CPC, isto é, no Acórdão da Relação do Porto aderiu-se à decisão da 1.ª Instância e aos respectivos fundamentos. Novamente inconformada, a Ré N interpôs recurso de revista, terminando as suas alegações com as seguintes Conclusões 1. Nos termos do art. 660.º, 2 do CPC, o juiz deve apreciar todas as questões suscitadas pelas partes; Os AA. contra alegaram, pugnado pela manutenção do decidido. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. FUNDAMENTAÇÃO Porque não vem impugnada nem há lugar a qualquer alteração, remete-se, nos termos do art. 713.º, 6 do CPC, para a matéria de facto dada como provada na sentença da 1.ª instância. O Direito Nas suas conclusões (3) suscita a recorrente, no essencial, apenas duas questões: a nulidade do Acórdão da Relação por omissão de pronúncia e a questão de saber se, apesar do reconhecimento do direito de preferência aos AA., o art. 291.º do CC é aplicável ao caso dos autos. 1.ª questão O art. 668.º, 1, d) fulmina de nula a sentença que se não pronuncie sobre as questões que deva apreciar. A recorrente diz que o mencionado Acórdão se não pronunciou sobre as questões suscitadas mas não as identifica no presente recurso. De qualquer forma, deve dizer-se que a mesma carece totalmente de razão porque o Acórdão em causa confirmou sem qualquer declaração de voto o julgado da 1.ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos fundamentos e, como lho permitia a lei (4), limitou-se a negar provimento ao recurso e remeter para os termos da fundamentação impugnada. Por isso, os fundamentos do Acórdão são os que constam da decisão da 1.ª instância, não havendo, por isso, omissão de pronúncia sobre quaisquer questões nem a recorrente as identifica neste recurso. Assim, nesta parte, não assiste qualquer razão à recorrente. 2.ª questão A recorrente reconhece, como dito na sentença da 1.ª instância, que a preferência tem a natureza de um direito real de aquisição e que pela procedência da acção de preferência ocorre a "substituição do adquirente pelo preferente "ab inicio". Reconhece ainda que o contrato de compra e venda celebrado entre o M e a Ré N é ineficaz em relação aos AA. Porém, defende que tal ineficácia só a eles diz respeito que não a si, porque é terceiro de boa fé, estando abrangida pela protecção do art.291.º, 1 do CC. (5) . E, além disso, goza da presunção derivada do registo (6), anterior ao registo da acção de preferência que, aliás, nunca chegou a ser efectuado, havendo inversão do onus de prova. Refere também que se presume a sua boa fé de terceiro, pelo que eram os recorridos a ter que provar a sua má fé para que o art. 291.º do CC se não aplicasse ao caso dos autos. Vejamos. Parece aqui haver muita confusão da recorrente porque a presente acção não é uma acção a pedir a declaração da nulidade da venda que o M fez à R., questão que apenas diz respeita a ambos. Explica-se até à exaustão e de forma muito certeira na sentença que, sendo o direito de preferência um direito real de aquisição e que opera ex tunc, retroagindo (7) os seus efeitos ao momento da alienação, não necessita de ser registado para produzir efeitos em relação a terceiros, sendo dotada de eficácia erga omnes. É o que nos ensinam P. L. e A. Varela: (8) "tratando-se de um direito atribuído por lei, não precisa de ser registado para produzir efeitos em relação a terceiro." Especificam, logo de seguida, os mesmos AA. que "sempre que se verifiquem, os pressupostos referidos na lei (9) o titular do direito de preferência poderá exercê-la, não apenas contra o primitivo adquirente da coisa a ela sujeita, mas igualmente contra qualquer terceiro (subadquirente) que sobre a mesma coisa venha a adquirir posteriormente um direito conflituante (v. g., um direito de propriedade, um direito real de garantia, etc.)." Ora, atribuindo o art. 47.º do RAU direito de preferência ao arrendatário de prédio urbano, (10) a acção de preferência não precisa de ser registada para que o preferente, com ganho de acção, possa opor o seu direito a terceiros. E se, como acontece nos autos, o comprador - M - constituiu a propriedade horizontal e vendeu uma das fracções - a fracção A - à R., esses actos são ineficazes em relação aos AA., podendo tal ineficácia ser por eles invocada erga omnes. (11) E sendo esses actos ineficazes em relação aos AA., o caso não é de nulidade, pressuposto do art. 291.º, citado; nem, por outro lado, tal norma pode aplicar-se analogicamente à figura da inexistência, por a mesma ser excepcional, como nos ensina H. E. Hörster(12) . É excepcional por constituir uma excepção ao princípio "nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habet" e constitui também excepção ao princípio da retroactividade do art. 289.º do CC porque a regra é a de que o direito do adquirente depende da existência do direito do transmitente e a regra da nulidade comporta efeito retroactivo, devendo ser "restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente". Não é, pois, aplicável ao caso dos autos o art. 291.º do CC. (13) Doutro modo, estaria sempre descoberto o processo para inutilizar o direito que a lei concede ao arrendatário de poder preferir na venda do bem arrendado. E as regras do registo também não valem no caso porque o registo é meramente declarativo e não constitutivo, não tendo os registos substracto por o adquirente do prédio ser o arrendatário e não o M, substituído na compra e venda ex tunc, por efeito da procedência da acção de preferência. "Não é terceiro para efeitos de registo quem "adquire" ou "deduz" um direito de quem nunca foi titular de um direito registado e depois transmitido"; (14) se o art. 7.º do C R Predial actuasse dessa forma, acrescenta o A. citado, "estabeleceria não presunções mas ficções e então o registo teria efeitos constitutivos, independentemente das normas de direito material". Não há, pois, que considerar as presunções derivadas do registo nem a inversão do onus de prova cuja alegada omissão (15) de apreciação a recorrente brande de inconstitucional, por ilegal, o que não se verifica. Decisão Pelo exposto, nega-se a revista, mantendo-se o decidido. Custas pela recorrente. Lisboa, 9 de Dezembro de 2004 Custódio Montes Neves Ribeiro Araújo Barros ------------------------------------- (1) Foi também interposto recurso de agravo do despacho saneador que foi julgado não provido. (2)O agravo referido na nota anterior. |