Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B3891
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CUSTÓDIO MONTES
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
VENDA
INEFICÁCIA
REGISTO PREDIAL
Nº do Documento: SJ200412090038917
Data do Acordão: 12/09/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1305/04
Data: 03/25/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. A preferência tem a natureza de um direito real de aquisição e, pela procedência da acção de preferência, ocorre a substituição do adquirente pelo preferente "ab initio".
2. Sendo atribuído por lei, o direito de preferência, para ter efeitos em relação a terceiros, não carece de ser registado.
3. O art. 291.º do CC é uma norma de carácter excepcional, sendo apenas aplicável à nulidade ou anulabilidade que não aos casos de ineficácia.
4. O registo predial efectuado pelo comprador preterido pelo preferente não tem substracto por o adquirente do prédio ser o preferente e não o comprador preterido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Relatório

"A", B e marido C, D e marido E, F e mulher G, H e I, intentaram contra J, L, M, e N,

Acção com processo comum, sob a forma ordinária,

Pedindo

a. que os AA. sejam declarados únicos e universais herdeiros de O, devendo, ainda, a Autora A ser declarada meeira do casal que com ele formava;
b. que se declare que, em consequência da decisão proferida a fls. 166 a 170 da acção ordinária n.º 139/91, que correu termos no tribunal de círculo de Chaves, entrou na esfera patrimonial do referido casal o direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Valpaços, sob o art. 941 e descrito na conservatória competente sob o n.º 978 por lhes ter sido reconhecido o direito de preferência na venda lavrada no cartório notarial de Valpaços em 12.4.91, a fls. 58 a 62 do Livro 2-C;
c. que, consequentemente, em vez do Réu M e em substituição deste, figurem os AA., herdeiros de O, como adquirentes do direito de propriedade sobre o referido imóvel, em comum e na proporção de vinte e cinco/quarenta avos, para a viúva/meeira e herdeira A e três/vinte avos para cada um dos demais herdeiros, os aqui AA.;
d. que seja declarada a nulidade da escritura de constituição da propriedade horizontal sobre o imóvel em causa que o Réu M fez lavrar no cartório notarial de Valpaços em 13.4.91, exarada a fls. 85 do livro 132-B e da qual resultou a criação das três fracções autónomas referidas e identificadas no n.º 21 da P.I.;
e. que seja declaradas nulas e de nenhum efeito e ineficazes em relação aos AA. todos e quaisquer actos de alienação, onerosos ou gratuitos, que, posteriormente à data da venda do imóvel em questão, para o referido Réu M, o tenham tido por objecto ou que tenham tido por objecto as fracções autónomas sobre o mesmo constituídas em consequência da propriedade horizontal referida, designadamente, a venda destas fracções para a Réu N;
f. que se ordene a correcção e rectificação dos registos constantes da ficha respeitante ao prédio descrito na conservatória do registo predial de Valpaços sob o n.o 978 da freguesia de Valpaços, de modo a que aí passe a figurar tão só
- a descrição do imóvel, tal como se encontra,
- o registo da aquisição a favor do Réu M,
- o registo do cancelamento da aquisição do Réu M,
- o registo da aquisição desse imóvel a favor dos AA., em comum e na proporção referida em c) com base na sentença proferida a fls. 166 a 169 da acção ordinária 139/91 do tribunal de círculo de Chaves, e por dissolução, por morte da comunhão e sucessão hereditária de O;
g. por via do atrás pedido, que sejam mandados cancelar quer as descrições das fracções autónomas, resultantes da constituição da propriedade horizontal sobre tal prédio, quer o registo de eventuais aquisições do direito de propriedade sobre estas, designadamente, a favor da Ré N;
h. que sejam mandados cancelar todos e quaisquer registos de aquisição que contendam com a preferência que a O e mulher foi reconhecida na aludida sentença proferida na acção 139/91 do tribunal de círculo de Chaves.
Alegam que lhes foi reconhecido, na mencionada acção 139/91, o direito de preferência na compra e venda do imóvel que lhes estava arrendado, que não registaram a acção e que lhes foi recusado o registo predial por, entretanto, terem sido levadas ao registo as descrições prediais que mencionam.

Os contestaram por excepção e por impugnação e a Réu N, invocando a sua posição de terceiro de boa fé à data em que adquiriu a fracção e que, por isso, lhe é inoponível a preferência reconhecida aos AA., tendo ainda deduzido pedido reconvencional para lhe ser reconhecido o direito de propriedade sobre a fracção A) cuja aquisição por compra está registada em seu nome e, desde então, usufrui como dona.

Os AA. responderam e contestaram por impugnação o pedido reconvencional formulado.

Após instrução e julgamento, foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, decidiu-se o seguinte:

"a. declaram-se os AA. únicos e universais herdeiros de O e a A meeira do casal que com ele formava;

b. declara-se que, em consequência da decisão proferida a fls. 166 a 170 da acção ordinária n.º 139/91, que correu termos no tribunal de círculo de Chaves, entrou na esfera patrimonial do referido casal o direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Valpaços, sob o art. 941 e descrito na conservatória competente sob o n.º 978, por lhes ter sido reconhecido o direito de preferência na venda lavrada no cartório notarial de Valpaços em 12.4.91, a fls. 58 a 62 do Livro 2-C, que os Réus. J, L, P e Q fizeram ao Réu M;

c. consequentemente, em vez do Réu M e em substituição deste, passam figurar os AA., como herdeiros de O, como adquirentes do direito de propriedade, sobre o referido imóvel, em comum e na proporção de vinte e cinco/quarenta avos, para a viúva/meeira e herdeira A e três/vinte avos para cada um dos demais herdeiros, os aqui AA.;

d. declara-se nula a escritura de constituição da propriedade horizontal sobre o imóvel em causa que o Réu M fez lavrar no cartório notarial de Valpaços em 13.4.91, exarada a fls. 85 do livro 132-B e da qual resultou a criação das três fracções autónomas referidas e identificadas no n.º 21 da P.I.;

e. declaram-se ineficazes em relação aos AA. todos e quaisquer actos de alienação, onerosos ou gratuitos, que, posteriormente à data da venda do imóvel em questão, para o referido Réu M, o tenham tido por objecto ou que tenham tido por objecto as fracções autónomas sobre o mesmo constituídas em consequência da propriedade horizontal referida, designadamente, a venda destas fracções para a Ré N;

f. determina-se a correcção e rectificação dos registos constantes da ficha respeitante ao prédio descrito na conservatória do registo predial de Valpaços sob o n.º 978 da freguesia de Valpaços, de modo a que aí passe a figurar tão só:

1. a descrição do imóvel, tal como se encontra,
2. o registo da aquisição a favor do Réu M,
3. o registo do cancelamento da aquisição do Réu M,
4. o registo da aquisição desse imóvel a favor dos AA., em comum e na proporção referida em c) com base na sentença proferida a fls. 166 a 169 da acção ordinária 139/91 do tribunal de círculo de Chaves, e por dissolução, por morte da comunhão e sucessão hereditária de O;
g. determina-se, por via do atrás decidido o cancelamento quer das descrições das fracções autónomas, resultantes da constituição da propriedade horizontal sobre tal prédio quer o registo de eventuais aquisições do direito de propriedade sobre estas, designadamente, a favor da R.. N;

h. determina-se o cancelamento de todos e quaisquer registos de aquisições que contendam com a preferência que a O e mulher foi reconhecida na aludida sentença proferida na acção 139/91 do tribunal de círculo de Chaves.

i. absolvem-se os RR. do que demais contra si é pedido.
Da reconvenção

Por tudo o exposto, julga-se a reconvenção improcedente , absolvendo-se os reconvindos dos pedido contra si formulados".

A R. N interpôs recurso de apelação (1) .

Na Relação, para além do mais decidido (2), foi a apelação julgada improcedente nos termos do art. 713.º, 5 do CPC, isto é, no Acórdão da Relação do Porto aderiu-se à decisão da 1.ª Instância e aos respectivos fundamentos.

Novamente inconformada, a Ré N interpôs recurso de revista, terminando as suas alegações com as seguintes

Conclusões

1. Nos termos do art. 660.º, 2 do CPC, o juiz deve apreciar todas as questões suscitadas pelas partes;
2. Não se pronunciando sobre elas, o Tribunal incorre em omissão de pronúncia, o que consubstancia uma causa de nulidade da sentença, nos termos do art. 668° 0.0 1 al. d) do c PC;
3. O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre as questões que o recorrente mencionou nas suas alegações e levou às conclusões, pelo que deve ser declarado nulo por carência de pronúncia;
4. O direito legal de preferência tem a natureza de um direito real de aquisição, qualificado como um direito cujo exercício redunda na aquisição de um direito real, seja ele de gozo ou de garantia;
5. Da procedência da acção de preferência intentada pelos arrendatários resulta uma modificação subjectiva do negócio de alienação, que consiste na substituição do adquirente pelo preferente "ab initio ";
6. Estas duas premissas não afastam a conclusão que se pretende extrair do Acórdão "a que ", no sentido de a ora recorrente ver protegida a sua aquisição, na qualidade de terceiro de boa fé;
7. Sendo o direito de preferência reconhecido aos preferentes, o adquirente preterido nunca chegou a ser proprietário do direito, por a sentença retroagir os seus efeitos ao momento da alienação;
8. O adquirente preterido não podia transmitir o direito de propriedade à ora recorrente, por para tal carecer de legitimidade;
9. O contrato de compra e venda celebrado entre M e N é ineficaz e inoponível em relação aos ora recorridos;
10. A ineficácia verifica-se, apenas, em relação aos titulares do direito legal de preferência, que passaram a constituir os verdadeiros proprietários do prédio urbano em causa;
11. O contrato de compra e venda celebrado entre os Réus J (e outros) e o Réu M, em si, é nulo por violação de uma disposição legal - o art. 47° do RAU -, por força do n.º1 do art. 280° do Código Civil;
12. A escritura de constituição da propriedade horizontal, em si, é nula, sendo também ineficaz em relação aos preferentes legais, ora proprietários;
13. O negócio nulo não produz quaisquer efeitos "ab initio ", pelo que nunca operou a transmissão da propriedade a favor de M;
14. Sendo a compra e venda uma aquisição derivada translativa, o princípio basilar é o de que ninguém pode transmitir mais direitos do que aqueles que tem -"nemoplus iuris in alium transferrepotest quam ipse habet";
15. Este princípio sofre uma excepção quando estão em causa terceiros para efeitos de registo e terceiros de boa fé;
16. São terceiros de boa fé aqueles que, integrando-se numa mesma cadeia de transmissões, vêem a sua posição afectada por uma ou várias causas de invalidade anteriores ao acto em que foram intervenientes, na medida em que adquirem de quem não tem legitimidade para transmitir;
17. A ora recorrente adquiriu ., a non domino " a propriedade do prédio urbano em causa por estarem preenchidos todos os requisitos do art. 291°;
18. Pelo que, é terceira de boa fé para efeitos de aplicação deste preceito legal;
19. Do depoimento de parte da ora apelante retira-se a sua boa fé, no sentido de que desconhecia sem culpa a desconformidade entre a situação registal e a situação substantiva;
20. A ora recorrente registou a sua aquisição em 14 de Junho de 1992;
21. Esse registo foi anterior ao registo da acção de preferência, que nunca chegou a ter lugar;
22. Embora o registo tenha um efeito meramente declarativo, tem uma função informativa que justifica que se confie e se faça fé no que nele está inscrito;
23. O registo definitivo faz presumir que "o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, conforme preceituado no art. 7.º do Código de Registo Predial;
24. Enquanto o registo não for cancelado, caducar, ou os seus efeitos transferidos, publicada "erga omnes" o que contém, e esse conteúdo é tido como demonstrativo da situação jurídica concreta;
25. A presunção de verdade emergente do registo inverte o ónus da prova, nos termos do n.º 1 do art. 350° CC;
26. A recorrente beneficia ainda da presunção do art. 291° n.º 3, pois que desconhecia sem culpa o vício do negócio anterior àquele em que interveio como parte;
27. A boa fé do terceiro presume-se, cabendo aos ora recorridos fazer a prova da má fé da recorrente;
28. Ao subverter todas as regras do ónus da prova, ignorando a circunstância da inversão do ónus probatório, por força das presunções legais de que beneficia a ora recorrente, o Acórdão recorrido, tal como a sentença da 1.ª instância, incorreram em flagrante ilegalidade (art. 70° e 71.º da Lei do Tribunal Constitucional);
29. A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo for anterior ao da acção de nulidade - art. 17° n.o 2 CRP;
30. De qualquer forma, sempre será de defender que o art. 291 ° CC também se aplica às situações de ineficácia;
31. A ineficácia pode ser entendida como uma das formas de invalidade "lato sensu ";
32. Interpretando a teleologia do art. 291°, O que está em causa é a protecção de uma aquisição por terceiro, atendendo à sua boa fé, e não propriamente uma distinção entre os vícios de que padece um negócio jurídico;
33. A necessidade de boa fé justifica-se da mesma forma em caso de nulidade, anulabilidade ou ineficácia;
34. Atendendo ao disposto do n.o 1 do art. 9° CC, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas antes tentar reconstituir o espírito que subjaz à norma consagrada;
35. O Acórdão recorrido violou as normas das disposições referidas nestas alegações e nas respectivas conclusões.
Termina, pedindo se dê provimento ao recurso esse declare a nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, e sendo a Ré N absolvida do pedido, reconhecendo-se-lhe a propriedade por ela adquirida, tal como pedido formulado em reconvenção.

Os AA. contra alegaram, pugnado pela manutenção do decidido.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

Porque não vem impugnada nem há lugar a qualquer alteração, remete-se, nos termos do art. 713.º, 6 do CPC, para a matéria de facto dada como provada na sentença da 1.ª instância.

O Direito

Nas suas conclusões (3) suscita a recorrente, no essencial, apenas duas questões: a nulidade do Acórdão da Relação por omissão de pronúncia e a questão de saber se, apesar do reconhecimento do direito de preferência aos AA., o art. 291.º do CC é aplicável ao caso dos autos.

1.ª questão

O art. 668.º, 1, d) fulmina de nula a sentença que se não pronuncie sobre as questões que deva apreciar.

A recorrente diz que o mencionado Acórdão se não pronunciou sobre as questões suscitadas mas não as identifica no presente recurso.

De qualquer forma, deve dizer-se que a mesma carece totalmente de razão porque o Acórdão em causa confirmou sem qualquer declaração de voto o julgado da 1.ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos fundamentos e, como lho permitia a lei (4), limitou-se a negar provimento ao recurso e remeter para os termos da fundamentação impugnada.

Por isso, os fundamentos do Acórdão são os que constam da decisão da 1.ª instância, não havendo, por isso, omissão de pronúncia sobre quaisquer questões nem a recorrente as identifica neste recurso.

Assim, nesta parte, não assiste qualquer razão à recorrente.

2.ª questão

A recorrente reconhece, como dito na sentença da 1.ª instância, que a preferência tem a natureza de um direito real de aquisição e que pela procedência da acção de preferência ocorre a "substituição do adquirente pelo preferente "ab inicio".

Reconhece ainda que o contrato de compra e venda celebrado entre o M e a Ré N é ineficaz em relação aos AA.

Porém, defende que tal ineficácia só a eles diz respeito que não a si, porque é terceiro de boa fé, estando abrangida pela protecção do art.291.º, 1 do CC. (5) .

E, além disso, goza da presunção derivada do registo (6), anterior ao registo da acção de preferência que, aliás, nunca chegou a ser efectuado, havendo inversão do onus de prova.

Refere também que se presume a sua boa fé de terceiro, pelo que eram os recorridos a ter que provar a sua má fé para que o art. 291.º do CC se não aplicasse ao caso dos autos.

Vejamos.

Parece aqui haver muita confusão da recorrente porque a presente acção não é uma acção a pedir a declaração da nulidade da venda que o M fez à R., questão que apenas diz respeita a ambos.

Explica-se até à exaustão e de forma muito certeira na sentença que, sendo o direito de preferência um direito real de aquisição e que opera ex tunc, retroagindo (7) os seus efeitos ao momento da alienação, não necessita de ser registado para produzir efeitos em relação a terceiros, sendo dotada de eficácia erga omnes.

É o que nos ensinam P. L. e A. Varela: (8) "tratando-se de um direito atribuído por lei, não precisa de ser registado para produzir efeitos em relação a terceiro." Especificam, logo de seguida, os mesmos AA. que "sempre que se verifiquem, os pressupostos referidos na lei (9) o titular do direito de preferência poderá exercê-la, não apenas contra o primitivo adquirente da coisa a ela sujeita, mas igualmente contra qualquer terceiro (subadquirente) que sobre a mesma coisa venha a adquirir posteriormente um direito conflituante (v. g., um direito de propriedade, um direito real de garantia, etc.)."

Ora, atribuindo o art. 47.º do RAU direito de preferência ao arrendatário de prédio urbano, (10) a acção de preferência não precisa de ser registada para que o preferente, com ganho de acção, possa opor o seu direito a terceiros.

E se, como acontece nos autos, o comprador - M - constituiu a propriedade horizontal e vendeu uma das fracções - a fracção A - à R., esses actos são ineficazes em relação aos AA., podendo tal ineficácia ser por eles invocada erga omnes. (11)

E sendo esses actos ineficazes em relação aos AA., o caso não é de nulidade, pressuposto do art. 291.º, citado; nem, por outro lado, tal norma pode aplicar-se analogicamente à figura da inexistência, por a mesma ser excepcional, como nos ensina H. E. Hörster(12) .

É excepcional por constituir uma excepção ao princípio "nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habet" e constitui também excepção ao princípio da retroactividade do art. 289.º do CC porque a regra é a de que o direito do adquirente depende da existência do direito do transmitente e a regra da nulidade comporta efeito retroactivo, devendo ser "restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente".

Não é, pois, aplicável ao caso dos autos o art. 291.º do CC. (13)

Doutro modo, estaria sempre descoberto o processo para inutilizar o direito que a lei concede ao arrendatário de poder preferir na venda do bem arrendado.

E as regras do registo também não valem no caso porque o registo é meramente declarativo e não constitutivo, não tendo os registos substracto por o adquirente do prédio ser o arrendatário e não o M, substituído na compra e venda ex tunc, por efeito da procedência da acção de preferência.

"Não é terceiro para efeitos de registo quem "adquire" ou "deduz" um direito de quem nunca foi titular de um direito registado e depois transmitido"; (14) se o art. 7.º do C R Predial actuasse dessa forma, acrescenta o A. citado, "estabeleceria não presunções mas ficções e então o registo teria efeitos constitutivos, independentemente das normas de direito material".

Não há, pois, que considerar as presunções derivadas do registo nem a inversão do onus de prova cuja alegada omissão (15) de apreciação a recorrente brande de inconstitucional, por ilegal, o que não se verifica.

Decisão

Pelo exposto, nega-se a revista, mantendo-se o decidido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2004

Custódio Montes

Neves Ribeiro

Araújo Barros

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(1) Foi também interposto recurso de agravo do despacho saneador que foi julgado não provido.

(2)O agravo referido na nota anterior.
(3)Que delimitam o objecto do recurso - arts. 684º, 3 e 690º 1 do CPC ex vi art. 726.º do mesmo Diploma Legal, como todos os que doravante se citarem sem menção especial de origem.
(4) Art. 713.º, 5.
(5) "A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação....", sendo terceiro de boa fé - n.º 3 "o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável".
(6) Art. 7.º do CRPredial.
(7) Art. 1410.º, 1 do CC.
(8) CC Anot., Vol. III, pág. 340, anotação ao art. 1410.º.
(9) O que, no caso, acontece.
(10)O falecido marido e pai dos AA.
(11) Mota Pinto Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., pág. 606.
(12) RDE, VII, N.º 1, pág. 139.
(13) Ver, a propósito, o Ac. da RE, de 8.12.90, CJ 1990, T5, pág. 269: "I. a letra do art. 291.º do CC não abrange, por inconciliável com a sua finalidade, a hipótese de o negócio jurídico ser declarado ineficaz. II É ineficaz e oponível ao preferente o direito do novo adquirente de uma fracção indivisa de um prédio se, na transmissão anterior para o vendedor, não foi oferecida a preferência ao comproprietário, e se este a vier a exercer oportunamente. III. Não é o terceiro de boa fé qualquer adquirente de uma fracção indivisa de um prédio que o adquira sem se certificar de que os comproprietários não alienantes não pretendem exercer o seu direito de preferência. IV. O direito de preferência na transmissão de fracções indivisas de um prédio é oponível a qualquer pessoa, independentemente de registo, ou do registo da respectiva acção ou do da sentença desta"- Jurisprudência mais elucidativa do que esta sobre a questão não pode haver, bastando reportar o caso ao arrendatário, em vez de "comproprietários não alienantes".
(14) Hörster, ob. cit., pág. 131.
(15) O que não é verdade quer na sentença da 1.ª instância quer no Acórdão da RP que remeteu para a fundamentação daquela.