Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A391
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DE MATÉRIA
RELAÇÃO JURÍDICO-ADMINISTRATIVA
EXTENSÃO DE COMPETÊNCIA
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
Nº do Documento: SJ20080313003911
Data do Acordão: 03/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
1) Para decidir a matéria da excepção de incompetência material há que considerar a factualidade emergente dos articulados, isto é, a “causa petendi” e, também o pedido nos precisos termos afirmados pelo demandante.

2) Na vigência do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro, os tribunais administrativos são os competentes para as acções destinadas a efectivar a responsabilidade civil extra contratual de uma freguesia, “ex vi” da alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º.

3) Irreleva para a determinação de competência que os actos praticados sejam qualificados como de gestão pública ou de gestão privada, apenas bastando estar-se em presença de uma relação jurídico administrativa.

4) A relação jurídico administrativa é aquela em que pelo menos um dos sujeitos é a Administração, estando em causa um litígio regulado por normas de direito administrativo.

5) Os tribunais judiciais – jurisdição comum ou residual – são os competentes para conhecer uma acção de reivindicação de um terreno privado intentada contra um Município, fundada em violação do direito de propriedade sem que esteja em causa a aplicação de qualquer norma ou principio de direito administrativo.

6) E esse é o litígio principal irrelevando o ter sido cumulado um pedido de indemnização, fundado em responsabilidade aquiliana, não consistindo o ilícito na violação de acto ou norma de direito administrativo.

7) A expressão “incidentes” do n.º1 do artigo 96.º do Código de Processo Civil deve ser tomada em sentido amplo, englobando os pedidos acessórios ou dependentes formulados em acumulação real (como acontece no pedido de indemnização em acção de reivindicação), na extensão de competência ou competência conexa.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

AA, seu marido BB e CC intentaram acção, com processo ordinário, contra DD, EE e Município de Oleiros.

Na Comarca de Oleiros os Réus DD e EE foram absolvidos da instância por ilegitimidade.

Procedeu a excepção de incompetência em razão da matéria suscitada pelo Município de Oleiros, assim como a ilegitimidade da chamada “Fábrica da Igreja Paroquial de Oleiros” que também foram absolvidos da instância.

Agravaram os Autores tendo a Relação de Coimbra mantido a decisão quanto à ilegitimidade dos Réus DD e EE e revogado o recorrido julgando a chamada parte legítima e competente o tribunal comum.

Agrava, agora, o Município de Oleiros, assim concluindo, nuclearmente:

– O acórdão recorrido violou os artigos. 209° n.° 1 al. d) e 212° da C.R.P., artigos. 1° n.° 1 e 4° n.° 1 al. g) do ETAF, artigo 2° n.° 2 als. e) e f) do CPTA e artigos. 18° da LOTJ e 66° do Código de Processo Civil;

– Considera o recorrente que a jurisdição competente para julgar o presente pleito é a jurisdição administrativa;

– Vieram os autores instaurar acção em que, entre o mais, pedem que o ora recorrente seja condenado a repor o prédio em causa “na situação em que se encontrava” e a indemnizá-los por danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente sofridos;

– O caso dos autos trata pois, sem margem para dúvidas, de averiguar da responsabilidade civil extracontratual do ora recorrente, que é pessoa colectiva de direito público;

– O douto acórdão recorrido revogou a sentença proferida em primeira instância (considerando que a jurisdição comum era a competente para dirimir o presente pleito), com fundamento no facto da pretensão dos autores emergir da alegada responsabilidade de um ente público decorrente de actos de gestão privada, considerando que a delimitação do âmbito da jurisdição comum e administrativa está na diferença entre actos de gestão privada e actos de gestão pública

– O critério distintivo seria o correcto e a decisão por ventura não mereceria qualquer censura se tomada na vigência do ETAF aprovado pelo Decreto-Lei n.° 129/84 de 27 de Abril, que assentou a sua lógica precisamente no facto das questões relativas à actividade de gestão privada da administração estarem excluídas da jurisdição administrativa;

– A reforma operada pela Lei n.° 13/2002 de 19 de Fevereiro gerou um imenso alargamento do âmbito da jurisdição administrativa que é profundamente inovador em várias matérias, sendo que os litígios emergentes da tradicionalmente denominada actividade de gestão privada da administração deixaram de estar excluídos da jurisdição administrativa;

– A al. g) do n.° 1 do artigo 4.º do ETAF consagra, de forma inequívoca, a competência da jurisdição administrativa para «apreciar todas as questões de responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública, independentemente da questão de saber se essa responsabilidade emerge de uma actuação de gestão pública ou de uma actuação de gestão privada: a distinção deixa de ser relevante, para o efeito de determinar a jurisdição competente, que passa a ser, em qualquer caso, a jurisdição administrativa» – FREITAS DO AMARAL e M. AROSO DE ALMEIDA in “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 3.ª edição, Almedina, pág. 36;

– Aliás, um dos objectivos expressos da reforma do contencioso administrativo, operada pela Lei n.° 13/2002 de 19 de Fevereiro, foi o de fazer cair sob a alçada dos Tribunais Administrativos a competência para dirimir todos os litígios sobre responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público;

Toda a Doutrina e Jurisprudência citadas; no acórdão recorrido foram proferidas ao abrigo do anterior ETAF;

– Refira-se finalmente que também deixaram de estar excluídos da jurisdição administrativa os litígios referentes à «qualificação de bens como pertencentes ao domínio público e a actos de delimitação destes com bens de outra natureza» (cf. artigo 4.º n.º 1 al. e) do anterior ETAF e n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º do actual ETAF);

Contra alegaram os recorridos concluindo:

– O direito de propriedade, respeita a uma questão de direito privado que o artigo 4°, n°1, f) do ETAF, em sintonia com o artigo 501° do Código Civil, excluiu da jurisdição administrativa e seria assim uma violação a estas disposições.

– Aliás, a acção de reivindicação é direito privado, apesar dos seus intervenientes poderem ser pessoas de direito público, não se tratando de nenhum acto de gestão pública.

– Ademais, não existe neste caso qualquer acto de natureza administrativa, dado que a Câmara Municipal de Oleiros com a sua actuação não realizou qualquer interesse público legalmente definido, mas antes um interesse de terceiro, Fábrica da Igreja Paroquial de Oleiros.

– A acção de indemnização decorrente directamente do direito de propriedade, e em obediência ao princípio da conexão, será também da competência dos tribunais judiciais e não dos tribunais administrativos.

– E não se levanta sequer a questão da incompetência material do Tribunal em causa, dado que a outra R., além da Câmara Municipal de Oleiros é pessoa jurídica de direito privado, pois a Fábrica da Igreja Paroquial de Oleiros, na Ordem Jurídica Civil tem a natureza de Instituição Particular integrante da Ordem Jurídica Canónica, que é reconduzida ao Direito Civil e nunca ao Direito Administrativo.

– Assim, o Acórdão não violou os artigos 209°, n.°1, d) e 212° ambos da Constituição da República Portuguesa, e os artigos 1°, n.°1 e 4°, n.°1, g) do ETAF e ainda o artigo 2°, n.°2, e) e f) do CPTA.

O Digno Magistrado do Ministério Público, em douto parecer, defendeu a competência do foro administrativo.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo:
1- Competência.
2- Conclusões.


1- Competência
1.1- A ponderação do pedido e da causa de pedir é essencial para a determinação da competência nos termos do n.º 1 do artigo 107.º do Código de Processo Civil.

Julgou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 2006 – 06 A3637 – desta mesma conferência:

“A competência material afere-se pela relação litigiosa submetida à apreciação do tribunal nos precisos termos unilateralmente afirmados pelo Autor da pretensão.

Para conhecer da excepção o juiz deve atentar, como factos a ponderar, a materialidade que integra a causa de pedir, atentando, outrossim, no pedido formulado.

Assim é, tanto mais que, na primeira aproximação à lide, o juiz tem de ater-se na relação jurídica litigiosa nos termos afirmados unilateralmente pelo Autor na petição inicial.

Refere o Prof. Manuel de Andrade (apud “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, 91) que a competência ‘afere-se pelo “quid disputatum” (“quid decidendum”, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor’. (cf. ainda, o Prof. A. Dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, 1ª, 110).

O Acórdão do STJ de 13 de Maio de 2004 – 04B875 – decidiu ser ‘a petição inicial que nos dá a pedra de toque que permite decifrar a competência; tal o modo como o pedido nos aparece concretamente delineado, assim se fixa qual o tribunal competente para o conhecer.

No fundo, o que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma de processo), ou seja, é a instância – no seu primeiro segmento consubstanciado no articulado inicial do demandante – que determina a resolução desses pressupostos. ‘.” (cf. ainda os Acórdãos de 27 de Maio de 2003 – 03 A1376 – de 12 de Fevereiro de 2007 – 07B238 – e do Tribunal de Conflitos de 17 de Maio de 2007 – P.º 5/07).

Os autores – alegando aquisição originária – afirmam-se donos de um prédio rústico; referem que esse prédio é atravessado por uma estrada municipal que liga Oleiros à povoação da Panasqueira; que o prédio foi ocupado por despojos resultantes de uma terraplanagem efectuada pelo Réu Município para alargamento de um caminho que atravessa transversalmente aquela estrada; que esse alargamento terraplanou 300 metros de área do prédio dos Autores, causando-lhes danos.

Pedem em conclusão que:

– Se reconheça que os AA. adquiriram a propriedade por usucapião;

– Os RR. sejam condenados a reconhecer os AA. como donos e legítimos possuidores de um prédio rústico, sito em Meio Cão, freguesia de Oleiros, melhor identificado no artigo 1.º;

– Os RR. sejam condenados a repor o dito prédio rústico dos AA. na sua situação primitiva, ou seja, sejam condenados a efectuar no prédio dos AA. e à custa dos RR.: reflorestação da parte destruída, colocação do marco que foi arrancado, vedação do terreno com rede, para delimitar o prédio rústico dos AA. que agora se confunde com o caminho;

– Enquanto não for colocada a vedação, os RR. não deixem terceiros ocupar o prédio devassado dos ora AA.;

– Os RR. devem abster-se de não mais praticar actos que estorvem a posse dos AA.;

– Os RR. sejam condenados a indemnizar os AA. por perdas e danos patrimoniais, referidos nos artigos 59.º a 64°, em montante não inferior a 15.000,00 €;

– Os RR. sejam condenados a indemnizar os AA. por danos morais, em montante não inferior a 2.500,00 €, para os 1° AA. e de igual forma para a 2.ª A.;
1.2- Resulta dos autos que a acção deu entrada no dia 29 de Setembro de 2004 o que releva em termos de aplicação do actual ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2004.

De acordo com a alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º desse diploma compete à jurisdição administrativa o julgamento das “questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante da função jurisdicional e da função legislativa.”

Procurou-se pôr termo ao, tantas vezes difícil, “distinguo” entre actos de gestão pública e de gestão privada e conceder à Administração uma espécie de “foro especial” em todos os casos de responsabilidade aquiliana. (cf. Prof. João Caupers, in “Introdução ao Direito Administrativo”, 7.ª ed, 2003, 265; Cons. Santos Serra, in “A Nova Justiça Administrativa e Fiscal Portuguesa”, no Congresso Nacional e Internacional de Magistrados na VI Assembleia da Associação Ibero Americana dos Tribunais de Justiça Fiscal e Administrativa, 2006; Dr.s Mário Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira, “Código do Processo nos Tribunais Administrativos e ETAF Anotado”, I, 59 e Dr. Mário Aroso de Almeida, in “Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª ed, 99).

E dizemos “foro especial” por, de acordo com o artigo 66.º do Código de Processo Civil (e sabido que a competência em razão da matéria é distribuída por várias categorias de tribunais “que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia – de subordinação ou dependência – entre eles.” – Prof. A. Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª ed., 207) a regra é ser competente o tribunal judicial (ou jurisdição comum), que detém a competência residual.

Mas o citado artigo 4.º, n.º1, alínea g) do ETAF tem de ser interpretado à luz do n.º3 do artigo 212.º da Constituição da República.

Diz este preceito (e, afinal, o n.º 1 do artigo 1.º do ETAF) que os Tribunais Administrativos e Fiscais são os competentes para acções “que tenham por objecto dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”

Este conceito não se confunde com acto de gestão pública, sendo antes, um conceito quadro muito mais amplo.

Assim será, sob pena do ETAF de 2002 nada ter inovado, frustrando-se a intenção do legislador.

Precisemos então o conceito.

1.3- Crê-se que na base estará uma perspectiva jurídico material, tendo de existir uma controvérsia resultante de relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo.

É que podem assim existir relações jurídicas materialmente administrativas sem que tenham como titulares órgãos da administração.

Na opinião dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (“Constituição da República Portuguesa – Anotada”, 3ª ed, 815) “Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico administrativas (ou fiscais) (nº 3 in fine). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: 1- as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); 2- as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico civil”. Em termos positivos, um litigio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal.”

O Cons. Fernandes Cadilha (no seu recente “Dicionário de Contencioso Administrativo”, 2007, p. 117/118) refere: “Por relação jurídico administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intradministrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem. Por outro lado as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica (quanto às características de uma relação jurídica deste tipo, Gomes Canotilho, “Relações jurídicas poligonais, ponderação ecológica de bens e controlo judicial preventivo”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, nº1, Junho 1994, pags. 55 e ss.)

Em consequência, e ainda com este autor, o artigo 4º nº 1 alínea g) abrange todos os casos de responsabilidade civil extra contratual da Administração “independentemente de se tratar de danos resultantes de actos de gestão pública ou de gestão privada (neste sentido, avulta não apenas o elemento histórico de interpretação, visto que essa possibilidade é expressamente mencionada na exposição de motivos, como o elemento literal, dado que a alínea g) do nº 1 deixou de fazer qualquer distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada.” e ainda, “as acções de responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime especifico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas” (ob. cit. 115).

Como julgou o Acórdão desta conferência de 8 de Maio de 2007 – 07 A1004: “Aceita-se, sem quaisquer reservas que assim seja, mas só por ter sido propósito do legislador confiar à jurisdição administrativa os litígios emergentes da responsabilidade extra contratual da Administração (quiçá por os tribunais administrativos estarem mais vocacionados, e até tenham maior sensibilidade, para lidar com questões que envolvam aplicação do direito público e com a Administração pública) mas também por querer arredar de vez a velha dicotomia gestão pública – gestão privada, tantas vezes de difícil caracterização e com linhas de demarcação muito ténues, e fonte de conflitos doutrinários entre administrativos e civilistas.”
1.3- Chegados a este ponto, resta verificar se a actuação do Município de Oleiros o foi ao abrigo, ou aplicando, normas de direito administrativo.

E nada, da factualidade, resultante dos articulados, aponta nesse sentido.

A questão a dirimir traduz-se em mera reivindicação de propriedade privada, não obstante uma das partes ser um Município e ter sido cumulado um pedido de indemnização (inserível nos artigos 1305.º, 483.º e 501.º do Código Civil).

A acção tem a natureza reivindicatória. Neste tipo de acções o demandante afirma o seu domínio, tendo de articular factos que o permitam induzir, caracterizados pelo facto jurídico que deu origem ao direito de propriedade cujo reconhecimento pede, o que é essencial. (cf. vg Acórdãos do STJ de 17 de Maio de 1968- BMJ 177-247 e de 19 de Julho de 1968 - BMJ 179-170).

E pode cumular, o que aqui fez em acumulação real (veja se o Prof. Paulo Cunha in “Processo Comum de Declaração” I, 208) um pedido de indemnização.

É, de facto, um caso de acumulação real (cf. o Acórdão do STJ de 30 de Novembro de 1956 - BMJ 61-480).

Se a acção é possessória e nela se pede além da restituição da coisa, a condenação do Réu a indemnizar, a acumulação é aparente, por haver, apenas, uma pretensão – a entrega da coisa – de cuja procedência resulta necessariamente o direito à indemnização, de acordo com o disposto no artigo 1284° do Código Civil. Trata-se, pois, de um único pedido, embora complexo.

Assim, não é na acção de reivindicação onde o pedido de indemnização assume natureza autónoma.

Aqui a restituição, só por si, não origina a obrigação de indemnizar; como não se pressupõe um esbulho há que provar um ilícito. É que a coisa reivindicada pode estar a ser detida por um possuidor de boa fé e até a título legítimo (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Abril de 2006 – 06 A846 – desta conferência).

A responsabilidade extra contratual que se pretende apurar não surge conectada com qualquer relação jurídica administrativa mas antes com uma relação de direito privado – existência de um direito de propriedade, pedido do seu reconhecimento, condenação à abstenção de quaisquer actos que obstem ao seu exercício e, finalmente, condenação a indemnizar pelos danos causados.

Nada aponta para normas de direito público (ou exercício de uma função pública para fins de direito ou interesse público) que atribuem poderes de autoridade para tal escopo. (cf. v.g., o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 20 de Junho de 2007 – P.º 3/07).

E se a questão dirimenda principal é uma relação jurídica de direito privado deve, como tal, ser regulada pelas normas e princípios do direito civil, independentemente da parte ser pessoa colectiva pública.

O pedido de indemnização é meramente dependente ou consequente dos de reconhecimento de domínio e restituição da coisa, perdendo a autonomia em termos de competência, figurando-se uma situação de extensão de competência ou de competência por conexão do tribunal comum, nos termos do n.º 1 do artigo 96.º do Código de Processo Civil, onde o conceito de “incidentes” deve ser interpretado no sentido mais amplo.

2- Conclusões.

Pode, assim, concluir-se que:
a) Para decidir a matéria da excepção de incompetência material há que considerar a factualidade emergente dos articulados, isto é, a “causa petendi” e, também o pedido nos precisos termos afirmados pelo demandante.
b) Na vigência do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro, os tribunais administrativos são os competentes para as acções destinadas a efectivar a responsabilidade civil extra contratual de uma freguesia, “ex vi” da alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º.
c) Irreleva para a determinação de competência que os actos praticados sejam qualificados como de gestão pública ou de gestão privada, apenas bastando estar-se em presença de uma relação jurídico administrativa.
d) A relação jurídico administrativa é aquela em que pelo menos um dos sujeitos é a Administração, estando em causa um litígio regulado por normas de direito administrativo.
e) Os tribunais judiciais – jurisdição comum ou residual – são os competentes para conhecer uma acção de reivindicação de um terreno privado intentada contra um Município, fundada em violação do direito de propriedade sem que esteja em causa a aplicação de qualquer norma ou principio de direito administrativo.
f) E esse é o litígio principal irrelevando o ter sido cumulado um pedido de indemnização, fundado em responsabilidade aquiliana, não consistindo o ilícito na violação de acto ou norma de direito administrativo.
g) A expressão “incidentes” do n.º1 do artigo 96.º do Código de Processo Civil deve ser tomada em sentido amplo, englobando os pedidos acessórios ou dependentes formulados em acumulação real (como acontece no pedido de indemnização em acção de reivindicação), na extensão de competência ou competência conexa.

Nos termos expostos, acordam negar provimento ao recurso, mantendo o Acórdão recorrido.

Custas a cargo do Recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Março de 2008

Sebastião Póvoas (Relator)
Moreira Alves
Alves Velho