Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17/20.9ZFPRT-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: SÉNIO ALVES
Descritores: HABEAS CORPUS
DETENÇÃO
ESTRANGEIRO
COLOCAÇÃO EM CENTRO DE INSTALAÇÃO TEMPORÁRIA
PRAZO
Data do Acordão: 12/02/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: DEFERIDO O PEDIDO DE HABEAS CORPUS
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I -  O prazo máximo de colocação em Centro de Instalação Temporária, de cidadão estrangeiro detido por ter entrado ou permanecido ilegalmente em território nacional não pode ultrapassar os 60 dias, se até esse momento não for proferida decisão no processo de afastamento coercivo – art. 146.º, n.º 3, da Lei 23/2007, de 4-7.

II -  O prazo de 30 dias, referido no art. 160.º, n.º 3, al. a) do mesmo diploma legal, que pode ser superior (embora não excedendo os 3 meses), verificados os pressupostos enunciados no n.º 6 desse preceito, tem em vista a execução de uma decisão de afastamento coercivo ou de expulsão judicial e, consequentemente, pressupõe essa prévia decisão.

Decisão Texto Integral:

A) AA, melhor identificado nos autos, requereu a presente providência de habeas corpus, extraindo da sua argumentação as seguintes conclusões:

“I) Primeiramente, diga-se que o Arguido é cidadão de nacionalidade … foi constituído nessa qualidade no âmbito do Proc. n.º 17/20…, referente a processo de detenção de cidadão estrangeiro em situação ilegal, o qual se encontra a correr termos pelo Juízo Local Criminal da …. - Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca ….

II) Por conseguinte, o Requerente foi detido por elementos do S.E.F. no Aeroporto ….., …, no passado dia 08/09/2020, e apresentado a Juiz de Instrução Criminal no dia 09/09/2020, tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção de colocação no Centro de Instalação Temporária, nos termos do disposto no artigo 146.º, n.ºs 1 e 2, da Lei dos Estrangeiros.

III) De facto, em sede de interrogatório de arguido detido, foi proferido despacho pela Mma Juiz de Instrução Criminal, que validou a detenção do Requerente e que determinou a sua condução ao Centro de Instalação Temporária pelo período máximo de 60 dias, encontrando-se o Requerente desde tal data a cumprir a medida de coacção acima indicada no Centro de Instalação Temporária - Unidade Habitacional …, no … .

IV) Ademais, foi proferido nos autos outro despacho, datado de 05/11/2020, que determinou a prorrogação para 90 (noventa) dias da permanência do Requerente no Centro de Instalação Temporária, indicando como fundamento as disposições conjugadas dos artigos 142.º, n.º 1 e 146.º, n.º 3, alínea a) e n.º 6, ambos da Lei dos Estrangeiros, o que não pode merecer qualquer aplauso por parte do Requerente.

V) Todavia, é de salientar que nenhum dos preceitos legais supra  referidos legitima e fundamenta a prorrogação por mais 30 dias do Requerente no Centro de Instalação Temporária, pelo que ao decidir pela determinação da prorrogação pelo período de 30 dias com base nesses preceitos legais, a Mma Juiz incorreu em erro de julgamento.

VI) Efectivamente, a possibilidade legal de ser requerida ao Juiz competente a prorrogação do prazo de colocação em centro de instalação temporária por período não superior a 30 dias, está prevista, não nos preceitos legais constantes do despacho sob censura, mas, outrossim, no artigo 160.º, n.º 3, alínea a) e 6, da Lei dos Estrangeiros, quando o processo de afastamento coercivo já se encontra em fase de execução, o que não tem correspondência com a situação sub judice.

VII) Sucede porém que o artigo 160.º, da lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, apenas passou a prever prazos específicos de duração da colocação em centro de instalação temporária para efeitos de execução coerciva da decisão de afastamento ou expulsão do território nacional, com as alterações decorrentes da lei n.º 29/2012, de 09 de Agosto, não sendo tal prerrogativa aplicável no presente caso face à fase processual em que os autos se encontram.

VIII) De qualquer jeito e sem conceder, dir-se-á ainda assim os requisitos legais previstos no n.º 6, do artigo 160.2, da lei dos Estrangeiros, não se encontram observados em qualquer medida.

IX) Em bom rigor, ainda que o Requerente tenha sido condenado pela prática de um crime de roubo, o mesmo beneficia da garantia constitucional de presunção de inocência, consagrada no artigo 32.º, n.º 2, da lei Fundamental e poderá ainda interpor recurso de tal decisão condenatória.

X) Ainda assim, sempre se dirá que a prática de tal roubo ocorreu no ano de 2010, pelo que as razões de prevenção geral e especial não se fazem sentir com a mesma acuidade, além de que tal crime sempre teria ocorrido num percurso distante e passado do Requerente com o qual já não se revê em qualquer medida.

XI) Por outra banda, não se verificam fortes indícios de o Requerente ter praticado ou tencionar praticar factos puníveis graves, encontrando-se o mesmo actualmente inserido a todos níveis, social, familiar e profissional, não podendo ainda o Requerente poder constituir, de qualquer modo, uma ameaça para a segurança nacional e ordem pública ou para as relações internacionais de qualquer Estado-membro da União Europeia.

XII) Assim sendo, além de os preceitos legais indicados no despacho judicial não constituírem fundamento para tal, os requisitos legais do artigo 160.º, n.º 6, do mesmo diploma legal, não se encontram observados, pelo que a Mma Juiz de Instrução Criminal violou de forma grosseira os preceitos legais supra  referidos.

XIII) Por seu turno, a decisão judicial de prorrogar a detenção do Requerente por mais 30 dias viola ainda os princípios da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, concretamente o disposto no n.º 2, do seu artigo 8.º, uma vez que tal decisão apenas teria razão de ser se fosse necessária nas situações aí elencadas.

XIV) Por sua vez, conforme tem entendido a jurisprudência desde Supremo Tribunal de Justiça, salientando-se neste sentido o Acórdão do S.T.J., de 23/05/2018, referente ao Proc. n.º 965/18.6T8FAR.S1, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes da Mota e o Acórdão do S.T.J., de 03/01/2019, referente ao Proc. n.º 148/18.5GBLGS-A, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Vinício Ribeiro, a detenção para afastamento de cidadão estrangeiro pode ser objecto da presente providência.

XV) Na realidade, o âmbito de protecção constitucional da liberdade por via da providência de habeas corpus e a coerência interna do sistema obrigam a uma assimilação de regimes, de modo a incluir-se a medida detentiva de colocação em centro de instalação temporária por ordem de juiz no conceito processual de "prisão", utilizado no artigo 222º, do C.P.P.

XVI) Com efeito, não tendo o Requerente sido ouvido quanto à prorrogação da sua detenção, o próprio artigo 148.º, do diploma legal em apreço, confere ao Requerente legitimidade e fundamento para apresentar a presente providência, de harmonia com o entendimento perfilhado por este Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 30/09/2015, referente ao Proc. n.º 8/15.1ZRCTB, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Raul Borges, onde se salienta no respectivo sumário:

«(…) Mais, o artigo 148º, nº 1, da Lei nº 23/2007 estabelece que durante a instrução do processo de expulsão é assegurada a audição da pessoa contra a qual o mesmo foi instaurado, gozando de todas as garantias de defesa, não podendo deixar de estar entre as mesmas, a providência de habeas corpus. ( ... )»

XVII) Nesta conformidade, a presente providência da qual o Requerente lança mão constitui um meio de defesa contra possíveis abusos de poder, em virtude de privação ilegal da liberdade mediante colocação em centro de instalação temporária, nomeadamente em caso de ultrapassagem dos respectivos prazos.

XVIII) Deste modo, a prorrogação por mais 30 dias da colocação do Requerente no Centro de Instalação Temporária não pode deixar de constituir uma privação ou limitação do seu direito à liberdade pessoal, na sua manifestação do ius ambulandi, o que constitui fundamento de habeas corpus, uma vez que configura uma situação de "prisão" e que é enquadrada na alínea c), do n.º 2, do artigo 222.º, do C.P.P.

XIX) Em bom rigor, como resulta dos autos, no despacho proferido no dia 09/09/2020, que aplicou ao Requerente a medida de coacção de colocação no Centro de Instalação Temporária, ficou consignado a “colocação do arguido no Centro de Instalação Temporária, sendo que a mesma não poderá exceder os 60 dias - art. 146º, nº 3, da lei nº 23/2007 (…)"

XX) De facto, não se pode descurar que a questão dos prazos de colocação de cidadãos estrangeiros em Centros de Instalação Temporária deve ser encarada com muito rigor, dado que está em causa, além do mais, a liberdade pessoal de pessoas.

XXI) Por conseguinte, saliente-se ainda que a Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, no sector do afastamento do território nacional de cidadãos estrangeiros, tem duas importantes balizas quanto aos prazos: o prazo de 60 dias (artigo 146.º, n.º 3) e 30 dias (artigo 160º, nº 3, alínea a), que podem estender-se até aos três meses ou 90 dias (apenas nos casos previstos no artigo 160º, n.º 6).

XXII) Não podendo o prazo do n.º 3, do artigo 146.º " ... em caso algum exceder a duração de 60 dias" (Cfr. SEF, Legispédia SEF, em anotação ao n.º 3, do artigo 146.º, do diploma legal em apreço, disponível em http:Usites.google.com/site/leximigratoria/lei-de-estrangeiros---indice).

XXIII) Em prol da verdade, diga-se que o prazo aplicado nos autos supra indicados, como resulta do Auto de Interrogatório de Arguido e do despacho proferido nessa sede pelo Juiz de Instrução Criminal, foi o previsto no artigo 146.º, n.º 3, da Lei dos Estrangeiros.

XXIV) Só posteriormente, por impulso pela Direcção Regional ... do S.E.F., é que foi requerido e aplicado o prazo previsto no n.º 6, do artigo 160.º, pela Mma Juiz, através do atrás citado despacho de 05/11/2020, ainda que a respectiva prorrogação tenha sido concedida sem respaldo no preceito legal supra referido, mas baseando-se (nas) disposições conjugadas dos artigos 142.º, n.º 1 e 146.º, n.º 3, alínea a) e n.º 6, ambos da Lei dos Estrangeiros.

XXV) Nesta medida, como ressalta do cabeçalho do Auto de Interrogatório de Arguido (onde é feita a referência ao artigo 146.º, n.º 1, da Lei dos Estrangeiros), bem como do despacho no mesmo exarado, estamos perante a fase do processo de afastamento coercivo determinado por autoridade administrativa, tendo o Requerente sido colocado em Centro de Instalação Temporária, a cargo do S.E.F., pelo tempo necessário ao desenrolar do processo de expulsão e da decisão que daí venha a ser proferida.

XXVI) De igual modo, no despacho proferido em sede de interrogatório de arguido detido e do mandado de condução emitido, consigna-se que o Requerente deve aguardar pelo período máximo de 60 dias, a contar da detenção ocorrida em 08/09/2020, à luz do disposto nas disposições conjuntas dos artigos 142.º, n.º 1, alínea c) e 146.º, n.ºs 1 a 3, da Lei dos Estrangeiros, findo ou decorrido o qual, deverá o Arguido ser colocado em liberdade.

XXVII) Nesta conformidade, veja-se como bem se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, datado de 03/01/2019, referente ao Proc. n.º 148/18.5GBlGS-A, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Vinício Ribeiro, onde se pode ler no respectivo sumário, disponível em www.dgsi.pt:

"I - O afastamento do território nacional de cidadãos estrangeiros encontra-se regulamentado no Capítulo VIII (arts. 134.º a 180-A) da Lei n.º 23/2007, de 4-07, que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.

II - O afastamento pode resultar de decisão da autoridade administrativa (arts. 145.º a 150.º) ou de decisão judicial (pena acessória de expulsão - art. 151.º; medida autónoma de expulsão judicial - arts. 152.º a 158.º). A execução de tais decisões encontra-se prevista nos arts. 159.º a 162.º da mesma Lei.

(…)

IV - O prazo do n.º 3 do art. 146.º, que foi aplicado nos autos, dado que o processo de afastamento ainda se está a desenrolar, não pode «em caso algum exceder a duração de 60 dias», nomeadamente através da invocação e aplicação do prazo (pode estender-se até 3 meses), prevista no n.º 6, do art. 160.º, que apenas rege os casos de execução da decisão.

V - Tendo o requerente sido detido em 23-10-2018 e colocado no Centro de Instalação Temporária no dia seguinte, é manifesto que o prazo de 60 dias previsto no n.º 3 do art. 146.º já se esgotou, pelo que aquele deve ser imediatamente colocado em liberdade." (Sublinhado nosso).

XXVIII) Ora, enquanto a fase da tramitação se encontra disciplinada, nomeadamente nos normativos aplicados nestes autos (artigos 142.º e 146.º da Lei dos Estrangeiros), o artigo 160.º, correspondente ao único preceito legal que permite a prorrogação do prazo por mais 30 dias verificados determinados requisitos, tem em vista a fase da execução da decisão de afastamento coercivo.

XXIX) Sendo também esta a interpretação do S.E.F. na acima citada Legispédia SEF, em anotação ao n.º 2, do artigo 160.º, do diploma legal em apreço, disponível em http://sites.google.com/site/!eximigratoria/lei-de-estrangeiros---indice), onde se escreve, a propósito do confronto da disciplina enunciada nos artigos 146.º e 147.º, que: «O abandono previsto no presente artigo, ao invés, é consequência de uma decisão concreta de expulsão aplicada contra o estrangeiro e verifica-se já na fase de execução.»

XXX) Em bom rigor, o artigo 160.º, da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, apenas passou a prever prazos específicos de duração da colocação em centro de instalação temporária para efeitos de execução coerciva da decisão de afastamento ou expulsão do território nacional, com as alterações decorrentes da Lei n.º 29/2012, de 09 de Agosto, os quais não (são) aplicáveis à fase de instrução do processo de afastamento.

XXXI) Nesta senda, encontrando-se os presentes autos ainda em fase do desenrolar do processo de afastamento coercivo, o prazo de colocação no Centro de Instalação Temporária não pode ultrapassar os 60 dias (prazo a que alude o n.º 3, do artigo 146.º da Lei dos Estrangeiros), sendo inaplicável aos presentes autos o regime do n.º 6, do artigo 160.º, do mesmo diploma legal, que rege apenas nos casos de execução da decisão de afastamento.

XXXII) Destarte, atenta a data em que o Requerente foi colocado no Centro de Instalação Temporária - Unidade Habitacional de … , no … , ou seja, dia 09/09/2020, é manifesto que o prazo máximo de 60 dias já se encontra há muito ultrapassado, concretamente desde o dia 08/11/2020.

XXXIII) Verificando, assim, uma violação dos princípios básicos incluídos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptados pela Resolução 217A (III), de 10/12/1948, bem como dos direitos constitucionalmente consagrados nos artigos 27.º e 32.º, ambos da Lei Fundamental.

XXXIV) Posto isto, verifica-se no caso concreto o fundamento de ilegalidade da prisão a que se refere a alínea c), do n.º 2, do artigo 222.º, do C.P.P., em virtude de já estar ultrapassado o termo do prazo máximo de 60 dias previsto pela Lei dos Estrangeiros para a fase em que o processo actualmente se encontra, sendo igualmente ilegal a colocação do Requerente nesse Centro de Instalação Temporária posteriormente a 08/11/2020, devendo ser ordenada a sua imediata libertação”.


   B) O Mº juiz de instrução prestou a informação a que alude o artº 223º, nº 1 do CPP, nos seguintes termos:

«1) O arguido foi detido pelo SEF no Posto de Fronteira PF00…. no dia 08.09.2020, em virtude de estar em situação irregular no território nacional;

2) Estava na posse de um título de viagem em nome de BB, com a fotografia do aqui requerente, documento esse emitido pelo Consulado Geral … .

3) O requerente tinha também na sua posse 2 cartões de cidadão em nome de BB, tendo o SEF apurado junto da Policia Judiciária que o cidadão com esse nome se encontra detido, pelo que não podia tratar-se da mesma pessoa;

4) Arrogando como AA, o aqui requerente não tinha na sua posse qualquer documento que comprovasse a sua verdadeira identidade.

5) Consultada a base de dados do SEF através da fotografia do requerente e de informações complementares nomeadamente a altura (1,90) e uma cicatriz do lado esquerdo do pescoço, apurou-se a verdadeira identidade do aqui requerente, que este admitiu posteriormente;

6) O requerente foi presente a juiz, para interrogatório judicial de cidadão estrangeiro, em 09.09.2020, tendo sido decidido que ficasse colocado em Centro de Instalação Temporária, a cargo do SEF, pelo tempo estritamente necessário ao desenrolar do processo de expulsão e da decisão que daí venha a ser proferida.

7) Nessa mesma data, foram emitidos mandados de condução ao respectivo Centro de Instalação Temporária, onde ficaria a aguardar pelo período máximo de sessenta dias a conclusão do processo de expulsão;

8) Nos mandados mencionados, ficou a constar que o requerente foi detido no dia 09.09.2020, e que deveria ser colocado em liberdade:

- No fim do período acima indicado, sem necessidade de mandados de libertação;

- Ou antes desse período, se o respectivo processo de expulsão for entretanto concluído e determinar a sua readmissão ou expulsão, o que, neste caso deverá ser comunicado ao Tribunal.

9) Em cumprimento do ordenado, o requerente foi conduzido no dia 09.09.2020 ao Centro de Instalação Temporária Unidade Habitacional …. no …, onde foi entregue nesse mesmo dia.

10) No dia 03.11.2020 o SEF veio requerer a manutenção por mais 30 dias do requerente AA em Centro de Instalação Temporária, informando que o processo de afastamento coercivo (PAC) instaurado ao arguido com o nº ….. que se encontra em curso na Direcção Regional … do SEF – DRIF Afastamentos não tem ainda decisão final devido aos incidentes processuais levantados, estando a aguardar que seja proferida decisão pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do …. e que o requerente foi notificado do acórdão proferido no processo nº 364/10… no qual foi condenado a pena de prisão de dois anos e nove meses, suspensa na sua execução com regime de prova pela prática de um crime de roubo.

11) Na sequência de tal requerimento, o tribunal decidiu, por despacho de 05.11.2020, pela prorrogação (manutenção) da medida de colocação do requerente em centro de instalação temporária pelo período máximo de 30 (trinta) dias, para tanto fundamentando que se mantinham os pressupostos que estiveram na base da aplicação ao arguido da medida de coação de colocação em Centro de Instalação Temporária, designadamente o perigo de fuga que impeça o SEF de proceder ao seu afastamento do território nacional para o seu país de origem, e dado que o referido artigo 160º, nº 3, permite expressamente que seja requerido ao juiz competente, enquanto não for executada a decisão de afastamento coercivo ou de expulsão judicial, e não expirar o prazo referido no nº 1, que o cidadão estrangeiro fique sujeito ao regime de colocação em centro de instalação temporária ou espaço equiparado, por período não superior a 30 dias, e o nº 6 do referido artigo esclarece que tal prazo pode ser superior, desde que não exceda os 3 meses.

12) O requerente actualmente permanece no Centro de Instalação Temporária desde 09.09.2020, sendo que foi detido para interrogatório em 08.09.2020, pelo que ainda não foi ultrapassado o prazo máximo de 3 meses a que alude o art. 160º, nº 6, da Lei nº 23/2007, de 04 Julho».


   C) Convocada a Secção Criminal deste Supremo Tribunal e efectuadas as devidas notificações, realizou-se a audiência pública, nos termos legais.

  A Secção Criminal reuniu seguidamente para deliberação, a qual imediatamente se torna pública.

 “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente”, assim se dispõe no artº 31º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

 E, nos termos do estatuído no artº 222º, nº 1 do CPP, “a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus”.

A petição, como se prescreve no nº 3 do mesmo dispositivo, deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

  “a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

  b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

  c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”.

Como já se sublinhou no Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido no Proc. 48/08.7P6PRT-J.S1, da 3ª secção, o habeas corpus é uma providência “destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação”.

 Temos por adquirida a admissibilidade da presente providência, como reacção a uma ilegal colocação (ou manutenção dessa colocação) em centro de instalação temporária, de estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente em território nacional.

 Como justamente se afirma no Ac. deste STJ de 3/12/2009, Proc. 76/09.5ZRLRA-A.S1, 5ª sec., «não há que procurar eventuais diferenças de regime para justificar a não aplicação pelo Supremo desta providência quando se trate duma situação de detenção para expulsão de cidadão estrangeiro. Desde logo porque “quanto ao âmbito subjectivo de protecção desta garantia específica do direito à liberdade, trata-se dum direito universal, como sucede com a generalidade dos direitos, liberdades e garantias de natureza pessoal, pelo que não há lugar para a reservar para as pessoas de nacionalidade portuguesa, excluindo os estrangeiros. Todas as pessoas, pelo facto de o serem, gozam desta garantia” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, op.cit, I, pág. 510). E também porque (…) a privação da liberdade (…) existe quando alguém contra a sua vontade é confinado, coactivamente, através do poder público, a um local delimitado, de modo que a liberdade corporal-espacial de movimento lhe é subtraída. Local delimitado (…) pode ser o espaço de um edifício ou um acampamento. (…)».


    Posto isto:


  O factualismo relevante, com interesse para a apreciação do pedido formulado, está, na sua essência, descrito na informação prestada ao abrigo do disposto no artº 223º, nº 1 do CPP, pouco restando acrescentar:

 1. O requerente foi detido pelo SEF no dia 08.09.2020, em virtude de estar em situação irregular no território nacional;

 2. Foi apresentado a juiz em 09.09.2020, tendo sido decidido que ficasse colocado em Centro de Instalação Temporária, a cargo do SEF, pelo tempo estritamente necessário ao desenrolar do processo de expulsão e da decisão que aí viesse a ser proferida sendo que, nessa mesma data, foram emitidos mandados de condução ao respectivo CIT, onde ficaria a aguardar pelo período máximo de sessenta dias a conclusão do processo de expulsão;

 3. Nos mandados mencionados, ficou a constar que o requerente foi detido no dia 09.09.2020, e que deveria ser colocado em liberdade:

- No fim do período acima indicado, sem necessidade de mandados de libertação;

- Ou antes desse período, se o respectivo processo de expulsão for entretanto concluído e determinar a sua readmissão ou expulsão, o que, neste caso deverá ser comunicado ao Tribunal.

 4. Em 22/9/2020, o SEF deu conhecimento de que “o processo de afastamento coercivo resultante da detenção do cidadão … (…) AA (…), por uma questão de economia processual, seguirá termos junto do Processo de Expulsão Judicial já concluído e se encontra registado com o NUIPC 115/11…”.

 5. Em 28/9/2011 foi proferida, no …º Juízo de Pequena Instância Criminal …, Proc. 115/11…, decisão determinando a expulsão do arguido e a sua proibição de entrada no território português pelo período de 5 anos. O requerente foi notificado do teor dessa decisão em 9/9/2020.

6. Em cumprimento do ordenado no despacho referido em 2 supra, no Proc. 17/20…. do Juízo local criminal da …, J…, o requerente foi conduzido no dia 09.09.2020 ao Centro de Instalação Temporária Unidade Habitacional …. no …, onde foi entregue nesse mesmo dia.

 7. No dia 03.11.2020 o SEF veio requerer a manutenção do requerente AA, por mais 30 dias, em Centro de Instalação Temporária, informando que o processo de afastamento coercivo (PAC) instaurado ao arguido com o nº …. que se encontra em curso na Direcção Regional do … do SEF – DRIF Afastamentos, não tem ainda decisão final devido aos incidentes processuais levantados, estando a aguardar que seja proferida decisão pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do … e que o requerente foi notificado em 2/11/2020 do acórdão proferido no processo nº 364/10… no qual foi condenado na pena de prisão de dois anos e nove meses, suspensa na sua execução com regime de prova pela prática de um crime de roubo, cabendo recurso do mesmo.

 8) Na sequência de tal requerimento e sob promoção do magistrado do MºPº, o tribunal decidiu, por despacho de 05.11.2020, pela prorrogação (manutenção) da medida de colocação do requerente em centro de instalação temporária pelo período máximo de 30 (trinta) dias, para tanto fundamentando que se mantinham os pressupostos que estiveram na base da aplicação ao arguido da medida de coação de colocação em Centro de Instalação Temporária, designadamente o perigo de fuga que impeça o SEF de proceder ao seu afastamento do território nacional para o seu país de origem, e dado que o referido artigo 160º, nº 3, permite expressamente que seja requerido ao juiz competente, enquanto não for executada a decisão de afastamento coercivo ou de expulsão judicial, e não expirar o prazo referido no nº 1, que o cidadão estrangeiro fique sujeito ao regime de colocação em centro de instalação temporária ou espaço equiparado, por período não superior a 30 dias, e o nº 6 do referido artigo esclarece que tal prazo pode ser superior, desde que não exceda os 3 meses.


   Aqui chegados:

  O requerente está colocado em centro de instalação temporária desde 9/9/2020 (havia sido detido no dia anterior), à ordem do Proc. 17/20… do Juízo local criminal da …., J…., em cumprimento de medida de coacção aí decretada. Dito de outro modo: Apesar de em 28/9/2011, 9 anos antes, ter sido determinada a sua expulsão judicial do território nacional pelo Juízo de pequena instância criminal de …., não é à ordem deste último processo que ele se encontra colocado no CIT: é à ordem do referido Proc. 17/20…, aguardando decisão no processo de afastamento coercivo que corre termos na Direcção Regional … do SEF, que o arguido se encontra colocado, desde 9/9/2020, num centro de instalação temporária. E foi a este Proc. 17/20……. que foi formulada, pela DR… do SEF, a sugestão de prorrogação por mais 30 dias da medida de coacção aplicada ao requerente.

  O Mº juiz titular do referido Proc. 17/20…, na sequência de promoção nesse sentido do magistrado do MºPº, determinou “a prorrogação pelo período máximo de 30 (trinta) dias da colocação do arguido AA no Centro de Instalação Temporário – Unidade Habitacional …”, estribando-se nos artºs “142º, nº 1, 146º, nº 3, al. a) e nº 6 da Lei nº 23/2007”.

  A referência ao artº 146º, nºs 3, al. a) e 6) da Lei 23/2007 resulta, como nos parece claro, de mero lapso (o nº 3 nem sequer comporta qualquer alínea), querendo o Mº juiz referir-se naturalmente ao artº 160º do mesmo diploma, aliás por ele transcrito no seu despacho.

  Mas, salvo o devido respeito, não era aqui aplicável este último preceito.

   Como claramente se estatui no artº 146º, nº 3 da citada Lei 23/2007, a colocação prevista no número anterior, isto é, a colocação em CIT, aguardando que o SEF promova o competente processo visando o afastamento do cidadão estrangeiro do território nacional, não pode exceder 60 dias.

   Este artº 146º, nº 3 está incluído na secção II (“Afastamento coercivo determinado por autoridade administrativa”) do capítulo VIII. O artº 160º integra já a secção IV do mesmo capítulo e tem por epígrafe “Cumprimento da decisão”. Aí se diz, no mencionado nº 3 al. a), que “pode ser requerido ao juiz competente, enquanto não for executada a decisão de afastamento coercivo ou de expulsão judicial e não expirar o prazo referido no n.º 1, que o cidadão estrangeiro fique sujeito ao regime: a) de colocação em centro de instalação temporária ou espaço equiparado, por período não superior a 30 dias”, podendo esse prazo ser dilatado, nos termos e verificadas as condições enunciadas no nº 6 do mesmo preceito.

  Ora, no caso em apreço ainda não foi proferida decisão administrativa de afastamento coercivo, que cumpra executar. Em rigor, nem se sabe se a decisão a proferir será nesse sentido.

   Não existe, por isso, qualquer decisão a executar. E, por isso, não havia fundamento legal para lançar mão do estatuído no artº 160º, nº 3, al. a) da Lei 23/2007.

   Como já se decidiu neste Supremo Tribunal (Ac. de 3/1/2019, Proc. 148/18.5GBLGS-A, da 3ª sec., numa situação em tudo similar à dos presentes autos), “encontrando-se os autos ainda em fase do desenrolar do processo de afastamento, o prazo de colocação no CIT não pode ultrapassar os 60 dias (prazo do n.º 3 do art. 146.º da L 23/2007), sendo inaplicável o regime do n.º 6 do art. 160.º, que rege apenas nos casos de execução de decisão”.


      Em suma:

  1. O prazo máximo de colocação em Centro de Instalação Temporária, de cidadão estrangeiro detido por ter entrado ou permanecido ilegalmente em território nacional, não pode ultrapassar os 60 dias, se até esse momento não for proferida decisão no processo de afastamento coercivo – artº 146º, nº 3 da Lei 23/2007, de 4/7.

  2. O prazo de 30 dias, referido no artº 160º, nº 3, al. a) do mesmo diploma legal, que pode ser superior (embora não excedendo os 3 meses), verificados os pressupostos enunciados no nº 6 desse preceito, tem em vista a execução de uma decisão de afastamento coercivo ou de expulsão judicial e, consequentemente, pressupõe essa prévia decisão.


 Atenta a data da colocação do requerente no CIT (9/9/2020; detido pelo SEF no dia anterior) é manifesto que o prazo de 60 dias referido no artº 146º, nº 3 da Lei 23/2007, de 4/7, já se esgotou.

  A detenção é assim ilegal, pelo que deve ser deferida a presente petição.


São termos em que acordam os juízes deste Supremo Tribunal em deferir o pedido de habeas corpus, apresentado por AA, com fundamento na violação da alínea c) do n.º 2 do artº 222º do CPP, declarando ilegal a sua colocação no Centro de Instalação Temporária e ordenando, em consequência, a imediata libertação do requerente.


  Cumpram-se as diligências necessárias à imediata libertação do requerente, emitindo-se os competentes mandados e dando-se conhecimento ao Juízo local criminal da …, J…., Proc. nº 17/20.9ZFPRT.

 Sem custas.


  Lisboa, 2 de Dezembro de 2020 (processado e revisto pelo relator – artº 94º, n.º 2 do CPP)


Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator)

Atesto o voto de conformidade do Exmº Sr. Juiz Conselheiro Manuel Matos – artº 15º do DL 10-A/2020, de 13/3

Pires da Graça (Juiz Conselheiro Presidente da Secção)