Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
32063/15.9T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: PROVA DE FACTOS SUJEITOS A REGISTO
ÓBITO DA USUFRUTUÁRIA
FALTA DE JUNÇÃO DA CERTIDÃO DE ÓBITO
JUNÇÃO COM AS CONTRA-ALEGAÇÕES
ATENDIBILIDADE DO DOCUMENTO
Data do Acordão: 03/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / PROVA POR DOCUMENTOS – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / GESTÃO INICIAL DO PROCESSO E AUDIÊNCIA PRÉVIA / RECURSOS / APELAÇÃO / INTERPOSIÇÃO E EFEITOS DO RECURSO / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / LOCAÇÃO / RESOLUÇÃO E CADUCIDADE DO CONTRATO / CADUCIDADE.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 411.º, 423.º, N.º 2, 436.º, 591.º, N.º 3, 651.º E 662.º, N.º 2, ALÍNEA B).
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1051.º, N.º 1, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 15-03-2005, IN CJSTJ, TOMO I, P. 132;
- DE 12-01-2006, PROCESSO N.º 05B3227, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-05-2013, PROCESSO N.º 3228/06.
Sumário :
1. Os documentos demonstrativos dos factos alegados devem ser juntos, em princípio, com os respetivos articulados, sendo ainda admitida a sua junção até 20 dias antes da audiência final (art. 423º, nº 2, do CPC).

2. Fora do condicionalismo previsto no art. 651º do CPC, a fase de recurso de apelação não é adequada à junção de documentos, sem embargo de a Relação, mesmo oficiosamente, ordenar a produção de novos meios de prova perante fundada dúvida sobre a prova produzida (art. 662º, nº 2, al. b)).

3. Em ações sustentadas na ocorrência de factos sujeitos a registo, como ocorre com a ação declarativa fundada na caducidade do arrendamento celebrado pelo usufrutuário entretanto falecido, a falta de junção do documento deve determinar a prolação de despacho de convite (art. 591º, nº 3, do CPC).

4. Não tendo sido proferido este despacho e mantendo-se a falta da certidão de óbito da usufrutuária, esta pode ser suprida mediante intervenção oficiosa do tribunal, ao abrigo do princípio do inquisitório (arts. 411º e 436º do CPC).

5. Julgada procedente a ação, apesar de não ter sido junta a certidão de óbito da usufrutuária, nem ter sido inserido na sentença esse facto, a Relação, no âmbito do recurso de apelação interposto pelo réu, deveria, em princípio, determinar a ampliação da matéria de facto (art. 662º, nº 2, al. c), do CPC).

6. Porém, tendo sido junta pelo A. a certidão de óbito, ainda que fora do condicionalismo previsto no art. 651º do CPC, nada obsta a que a Relação atenda desde logo ao facto que por essa via se encontra documentalmente demonstrado, tendo em conta quer os poderes que detém como tribunal de instância, quer o princípio da economia processual, assim obviando à desnecessária remessa dos autos à 1ª instância para o fim referido em 5.

A.G.

Decisão Texto Integral:

I - AA intentou ação de processo comum declarativo contra BB e contra a ASSOCIAÇÃO ... DE PROPRIETÁRIOS pedindo que se declare a cessação do arrendamento por caducidade, operada no dia 15-7-15 e se condene a 1ª R. a desocupar e restituir, livre de pessoas e bens, o prédio destinado à habitação e ao comércio, sito na R. ..., composto pelas frações autónomas designadas pelas letras "A", "B", "C" e "D", que correspondem à cave, r/c, 1º, 2º e 3º andares, respetivamente. Cumulativamente se condene a 1ª R. no pagamento de uma indemnização ao A. pelo montante de € 14.749,00 e a 2ª R. no pagamento de uma indemnização pelo montante de € 33.148,00.

Alegou ser proprietário do prédio identificado, de que era usufrutuária BB, entretanto falecida; que as frações do prédio em questão estavam arrendadas à 1ª R. por contratos de arrendamento celebrados com a falecida usufrutuária, representada, no ato, pela 2ª R.; que a 1ª R., apesar de instada pelo A. para o fazer até ao dia 15-7-15 e da caducidade dos contratos de arrendamento por efeito da morte da usufrutuária, não deixou as frações locadas, nem as entregou ao A., assim como nunca pagou as rendas dentro do prazo legal e em Julho não pagou a renda devida.

Mais alegou que a 2ª R. é responsável pela situação que se veio a criar, na medida em que negociou os contratos de arrendamento ocultando que a sua representada era apenas usufrutuária, fazendo com que a 1ª R. se sentisse enganada e se recuse a desocupar o locado, conduta que está a prejudicar o A., uma vez que já teve propostas para arrendar.

Com este fundamento pretende que a 2ª R. seja condenada a indemnizá-lo pelo montante correspondente à diferença da renda que receberia se a 1ª R. não se mantivesse no locado.

A 2ª R. contestou excecionando a sua ilegitimidade para os termos da ação e impugnando a versão dos factos apresentada pelo A.

A 1ª R. na sua contestação alegou ter celebrado os contratos de arrendamento na firme convicção de que a falecida BB era proprietária do imóvel, nunca lhe tendo sido referido que era apenas usufrutuária. Mais alegou que foi informada pela 2ª R. que o A. acompanhara os diversos contratos de arrendamento e sempre concordou com os respetivos termos.

Alegou ainda que a renda de Julho foi paga bem como as rendas subsequentes e a relativa a Dezembro foi compensada com o valor das obras de reparação da prumada de esgoto do prédio e desentupimento da caixa de esgoto, obras vistas pelo A. e à qual não se opôs. Referiu também que, como estava convencida que o contrato vigoraria pelo menos até ao termo do prazo que negociou e investiu muito na loja (fração "A"), despendeu em obras mais de € 250.000,00.

Respondeu o A., mantendo o alegado quanto à legitimidade da 2ª R. e quanto ao pagamento das rendas, reiterando que a 1ª R. não depositou a renda no mês de Julho e que as rendas relativas aos meses de Junho, Julho e Novembro foram depositadas fora de prazo e não pelo valor devido, requerendo a ampliação do pedido no montante de 50% do valor das rendas em causa.

Admitida a ampliação do pedido, no despacho saneador foi julgada improcedente a invocada exceção dilatória de ilegitimidade passiva da 2ª R.

Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, considerando cessado o contrato de arrendamento por caducidade operada em 15-7-15 (por óbito da usufrutuária), e condenou a 1ª R. a desocupar e restituir o prédio composto pelo conjunto das frações. Condenou ainda a 1ª R. a pagar ao A. as rendas de Maio e Junho de 2015 pelo valor devido, acrescido da indemnização de 50% referida no n° 1 do art. 1041° do CC e uma indemnização no valor do dobro das rendas devidas desde Agosto de 2015, a apurar em liquidação, deduzida das quantias já pagas pela 1ª R. A 2ª R. foi absolvida do pedido contra si formulado.

A 1ª R. apelou e a Relação, depois de modificar a decisão da matéria de facto, designadamente através do aditamento à matéria de facto provada do óbito da usufrutuária com base em documento que foi junto pelo A. nas contra-alegações do recurso, confirmou a sentença.

Interpôs a 1ª R. recurso de revista em que unicamente suscita a legitimidade da consideração do óbito da usufrutuária a partir da junção da respetiva certidão por parte do recorrido nas contra-alegações do recurso de apelação.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II - Factos provados:
1. O A. é proprietário do prédio destinado à habitação e ao comércio sito na R. ..., composto por quatro frações autónomas A. B, C e D) que se consubstanciam numa cave, r/c, 1º, 2º e 3º andares, cf. doc. fls. 7 vº e 13;
2. A falecida BB outorgou procuração à 2ª R. concedendo-lhe os mais amplos poderes de administração civil para administrar quaisquer prédios que possua, tudo como melhor consta do doc. fls. 38 e 39.
3. O A. recebeu uma missiva da 2ª R. a dar-lhe conta do óbito da Srª BB e da sua qualidade de antigos procuradores da mesma no que respeita à gestão do seu património imobiliário.
4. A 1ª R. celebrou os contratos de arrendamento que se encontram juntos a fls. 15 a 19, ou seja, arrendou a loja A, os 1º, 2º e 3º andares do prédio urbano sito na R. ..., tendo sido formalizados 4 contratos, e estava devidamente autorizada a ceder a sua posição jurídica ou a sublocar os arrendados.
5. Posteriormente, em 27-2-12, a 1ª R. celebrou com a legal representante da falecida um aditamento ao contrato de arrendamento relativo à fração A, sendo prorrogado o termo do arrendamento para 31-12-18, como consta do doc. fls. 19 vº e 20.
6. Após o óbito de CC, o A. enviou uma carta à 1ª R., comunicando-lhe que a morte da usufrutuária comina a caducidade do contrato de arrendamento.
7. A 1ª R. respondeu colocando dúvidas e obstáculos, nomeadamente no que diz respeito ao prazo legal que dispunha para sair do imóvel.
8. O A. voltou a responder à 1ª R. dando-lhe a conhecer que o prazo legal para desocupar o locado era de 6 meses após a morte da usufrutuária, pelo que tinha como limite até ao dia 15-7-15 para proceder à entrega do locado.
9. Informou também do NIB da conta bancária do A. para que a mesma pudesse efetuar a transferência das rendas que devidas até à desocupação.
10. Acontece que, no passado dia 15-7-15 a 1ª R. não entregou o imóvel.
11. As rendas de Fevereiro, Março e Abril foram pagas em conjunto em 22 de Abril.
12. A 1ª R. pagou ainda rendas em 13-5, 9-6, 10-8, 7-9 e 8-10-15.
13. Dos recibos de renda emitidos pela 2ª R., após o pagamento da renda pela 1ª R. consta:
"Propriedade:
BB 126919895-100” – cf. docs. fls. 174 a 178.
14. A 1ª R. não depositou a renda de Julho de 2015, correspondente ao mês de Agosto de 2015.
15. O A. enviou à 1ª R., em 10-11-15, carta registada com aviso de receção, no sentido de proceder à desocupação do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, carta a que não obteve resposta.
16. A 2ª R. negociou o contrato de arrendamento com a 1ª R., não fazendo constar daquele que a sua representada era simplesmente a usufrutuária do imóvel.
17. A 1ª R. invocou como razão para não desocupar o locado desconhecer que a senhoria era usufrutuária e que investiu dinheiro em obras contando ficar no locado até ao termo do contrato.
18. A 1ª R. não recebeu a carta referida em 15.

Factos aditados pela Relação (com base na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto):
19. A 1ª R. celebrou os contratos de arrendamento com a legal representante da senhoria BB na convicção de que esta era a proprietária do imóvel.
20. A 1ª R. só em 2012 teve conhecimento de que a senhoria BB não era proprietária mas apenas usufrutuária das frações arrendadas.
21. Existem interessados em arrendar a loja do A., pelo valor de € 1.500,00 mensais durante três anos, assim como existem interessados em arrendar, para fins habitacionais, os três apartamentos do A., pelo valor de € 500,00 mensais, cada um.

Facto aditado pela Relação com base na certidão de óbito apresentada pelo A. nas contra-alegações de recurso:
22. BB, usufrutuária do prédio descrito no art. 1º da petição inicial, faleceu em 15-1-15.

II – Decidindo:

1. Insurge-se a 1ª R. unicamente contra a opção da Relação de aditar à matéria de facto provada que “BB, usufrutuária do prédio descrito no art. 1º da petição inicial, faleceu em 15-1-15”, com base na certidão de óbito junta pelo A. com as contra-alegações do recurso de apelação. Considera que tal documento é intempestivo, nos termos do art. 651º do CPC, e que, por isso, não poderia ser considerado pela Relação para aquele efeito.

Contrapõe o A. que o óbito da usufrutuária do prédio não foi impugnado pela recorrente, a qual apenas discutiu a qualidade em que foram outorgados os contratos de arrendamento. Sendo tal facto essencial para a apreciação do mérito da ação e sendo a sua demonstração necessariamente por via documental, deveria a 1ª instância apurá-lo, mas nada obstava a que a Relação o fizesse também, aproveitando a junção documental feita pelo A. nas contra-alegações do recurso de apelação.

2. Começaremos por dizer que não é inteiramente líquido que, em situações como a presente, seja indispensável a junção de certidão de óbito para se considerar verificado o facto alegado.

Posto que o óbito, como facto sujeito a registo, careça, em regra, de prova documental, mediante junção da respetiva certidão (art. 364º do CC), a jurisprudência não deixa de fazer uma distinção consoante a natureza da ação em que factos de semelhante natureza são invocados.

Inequivocamente que a demonstração documental de factos sujeitos a registo, máxime ao registo civil, deve ocorrer em ações de estado, como sejam as relacionadas com a investigação da paternidade, adoção ou divórcio. Pela sua importância para a constituição da lide, assim deve ocorrer também com o óbito do de cujus em processo de inventário. Já quando o facto seja invocado em ações cujo objeto seja exclusivamente patrimonial, como ocorre com as ações de despejo, será possível distinguir os casos em que tal facto é questionado pela contraparte - caso em que a junção documental será imprescindível – dos demais em que tal facto nem sequer é questionado, ou seja, em que o litígio está centrado em facto diverso daquele que a lei sujeita a registo.

São estas as razões pelas quais em ações intentadas contra ambos os cônjuges, em que é pedida a sua condenação solidária no pagamento de dívida contraída apenas por um deles, se tem considerado demonstrado o casamento (factos sujeito a registo) independentemente da apresentação da respetiva certidão, nos casos em que nenhum dos RR. questione tal facto, como se decidiu, por exemplo, nos Acs. do STJ de 15-3-05, CJ, t. I, p. 132 e de 12-1-06, 05B3227, em www.dgsi.pt.

Em tais situações, bem pode afirmar-se que o cerne do litígio não será propriamente a existência ou não de casamento, fonte da responsabilidade solidária, mas os motivos que levam o credor a alegar a comunicabilidade da dívida.

Tal argumentação pode também ser transposta para ações, como aquele de que emerge este recurso de revista, em que o proprietário de prédio arrendado pela usufrutuária pretende efetivar o despejo do arrendatário com fundamento na caducidade do contrato de arrendamento por óbito do locatário que era usufrutuário.

Posto que tal pretensão seja sustentada na caducidade do contrato de arrendamento, nos termos do art. 1051º, nº 1, al. c), do CC, é legítimo distinguir os casos em que esse facto é questionado pelo R., a carecer de demonstração documental, dos casos, como o presente, em que tal facto não é posto em causa, discutindo-se simplesmente se deve ou não deve ocorrer a desocupação do prédio arrendado com alegação de factos diversos daquele.

Com efeito, no caso concreto, a recorrente jamais questionou o óbito da usufrutuária, facto que, aliás, lhe foi referido em comunicações que o A. lhe remeteu, aceitando-o inequivocamente, limitando-se a impugnar, por outros motivos, o pedido de desocupação do prédio.

Terá sido a convergência das partes a esse respeito que levou o Mº Juiz de 1ª instância a considerar desnecessária a junção de prova documental, questão que apenas veio a ser suscitada em sede do recurso de apelação.

3. De todo o modo, ainda que outra – mais formal – fosse a solução a dar a tal questão, sempre o resultado redundaria na improcedência da revista.

Observemos:

Os documentos devem ser apresentados, em princípio, com os articulados em que são alegados factos, embora ainda possam ser juntos, sem outros entraves, até 20 dias antes da audiência final, sujeitando-se a parte apenas ao pagamento de uma multa (art. 423º, nº 2, do CPC).

O recurso de apelação não é, por regra, propício à junção de documentos, como o prescreve o art. 651º, apenas se admitindo quando se revele necessária em função do julgamento proferido em 1ª instância ou por motivos de superveniência objetiva ou subjetiva (arts. 651º e 425º do CPC).

Estas regras visam disciplinar a prática dos atos processuais e atenuar os efeitos negativos decorrentes de atuações ao nível da celeridade processual, embora devam ser concatenadas com o que se dispõe no art. 662º, nº 2, al. b), do CPC, que prevê que a própria Relação possa ordenar a produção de meios de prova, designadamente de prova documental, “em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada”.

Esta opção da Relação não está circunscrita a depoimentos, podendo incidir sobre quaisquer meios de prova, desde que se confronte com uma fundada dúvida sobre a prova realizada que seja suscetível de sanação mediante a produção de novos meios de prova. Em tal preceito estão abarcados quaisquer meios de prova, designadamente a prova pericial ou testemunhal, mas será seguramente na prova documental (dotada de maior objetividade) que se encontrarão com mais frequência potencialidades para sanar aquelas fundadas dúvidas sobre factos essenciais, as quais poderão ser superadas em certos casos mediante a requisição de documentos na disponibilidade de alguma das partes ou de terceiros (v.g. entidades públicas).

Como critério orientador para a aplicação deste preceito, cremos que a Relação deverá colocar-se num plano semelhante àquele em que se encontrava o juiz de 1ª instância aquando da realização da audiência de julgamento que precede a sentença. Então, atento o disposto no art. 411º do CPC relativo aos poderes de averiguação oficiosa, poderá a Relação suprir a dúvida fundada sobre certo facto essencial através da requisição, mesmo oficiosa, de algum documento que seja relevante para o caso. Ou seja, a respeito da “produção de novos meios de prova” em sede de recurso de apelação, a Relação deverá confrontar-se com a prova que foi ou deveria ter sido produzida na 1ª instância, orientando-se por um critério objetivo para superação de dúvidas que deveriam ser resolvidas, e não foram, pelo juiz de 1ª instância.

A situação dos autos não preenche, contudo, os requisitos da aplicação deste preceito. Não nos situamos propriamente no plano da verificação de alguma dúvida fundada sobre certo facto essencial, mas simplesmente em face da falta de junção de um documento que, numa determinada perspetiva, seria necessário para a prova de um facto singelo e ainda na falta de integração no leque dos factos provados da verificação do óbito da usufrutuária que o A. alegou.

O que se mostra verdadeiramente decisivo para rejeitar a argumentação da recorrente nesta revista encontra-se noutra área que nem sequer foi substancialmente afetada pela referida reforma do processo civil. Ainda assim, a alusão ao mecanismo que, ex novo, consta do art. 662º, nº 2, al. b), do CPC, em resultado da última reforma processual, serve, no entanto, para alertar para a amplificação dos poderes da Relação em sede de matéria de facto, reforçando a sua intervenção no que concerne ao apuramento da matéria de facto que melhor corresponda à verdade material.

4. Desde sempre se entendeu – vide Alberto dos Reis, Castro Mendes, etc. – que uma petição inicial desacompanhada de determinados documentos demonstrativos de factos relevantes deveria ser objeto de despacho de aperfeiçoamento.

Assim era quando vigorava o art. 477º do CPC de 1961. Já então se previa que perante a falta de junção com a petição de documento imprescindível, o juiz deveria proferir despacho de aperfeiçoamento, a que se seguiria, em caso de manutenção da falta, o despacho de indeferimento liminar mediato.

Com a revisão de 1995/96, tal solução foi transferida para o art. 508º do CPC de 1961 e obteve um reforço, na medida em que passou a abarcar todos os articulados e não apenas a petição inicial. Foi assim que transitou para o art. 590º do atual CPC, do qual decorre que o juiz deve convidar a parte a juntar o documento que se mostre necessário para a apreciação imediata do mérito da causa ou cuja junção seja necessária para permitir o prosseguimento da ação.

Importa ainda notar que, sem prejudicar o ónus da parte de instruir o processo com prova documental, o art. 411º confere ao juiz um amplo dever inquisitorial que é concretizado pelo art. 436º no que concerne à prova documental.

Ora, sendo o Tribunal da Relação um tribunal de instância, com amplitude de poderes no que concerne à apreciação da matéria de facto, não está afastada a possibilidade de integrar nos poderes do relator o de requisitar ou solicitar documentos que sejam necessários, nos termos do art. 652º, nº 1, al. d).

Assim se decidiu, aliás, no Ac. do STJ de 30-5-13, 3228/06, numa situação em que se considerou que violava o princípio da confiança e do direito a um processo equitativo a inatendibilidade de um certo facto com fundamento na ausência de documento com valor probatório pleno cuja junção, no entanto, não fora ordenada.

5. Cotejando os preceitos referidos com os princípios que lhes subjazem, com destaque para o da prevalência de razões de mérito e para o princípio da economia processual, fica mais clara a legitimidade que esteve subjacente à consideração pela Relação do óbito da usufrutuária a partir da certidão que, ainda que fora de tempo, foi junta pelo A. com as contra-alegações do precedente recurso de apelação.

Afinal, a alternativa que se colocava à Relação, em face da não integração no leque de factos provados do óbito da usufrutuária do prédio arrendado, passaria pela anulação da sentença para efeitos de se proceder à ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 662º, nº 2, al. c), do CPC.

Seguindo um tal percurso sinuoso, atingir-se-ia, afinal, o mesmo resultado que, de forma direta e imediata, foi alcançado pela Relação, com poupança de tempo e de meios.

A opção da Relação de aproveitar o documento extemporaneamente junto pelo A. com as suas contra-alegações de recurso traduziu, na realidade, a assunção dos poderes que detém como tribunal de instância, fazendo jus à ideia cada vez mais presente de que os argumentos formais devem ceder perante os resultados que melhor conjuguem a verdade formal com a verdade material e que, além disso, aportem ao processo mais-valias no campo da celeridade e economia processual.

Era tudo isso que estava em causa quando a Relação, obviando à anulação da sentença, estabeleceu o imediato confronto com um documento que se revelava essencial para a decisão de mérito e que, afinal, já estava acessível, sem necessidade de intermediação do tribunal de 1ª instância.

Uma vez que a Relação, a partir de tal documento autêntico, aditou aos factos provados o óbito da usufrutuária que considerou imprescindível para a apreciação do litígio e que resultava de prova documental que já se mostrava acessível, não existe motivo algum para desconsiderar esse facto nem para modificar o resultado que foi declarado.

IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas a cargo da 1ª R.

Notifique.

Lisboa, 7-3-19

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo