Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A3437
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
CAUSA DE PEDIR
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONTRATO DE EMPREITADA
DEVER DE INDEMNIZAR
Nº do Documento: SJ200710300034376
Data do Acordão: 10/30/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I) - Invocando o Autor empreiteiro, como fundamento da sua pretensão indemnizatória o incumprimento do contrato de empreitada, consubstanciado no facto da Ré (não empreiteira mas dona do imóvel onde decorriam as obras não lhe permitir o acesso à obra que trazia de empreitada), por isso resolvendo o contrato, e considerando o Tribunal a acção procedente, não por esse facto, mas por considerar que houve tácita desistência do contrato de empreitada por parte do dono da obra, a decisão é nula por ter considerado causa de pedir não invocada, pelo que, nessa parte, o Acórdão confirmatório da apelação enferma de nulidade.

II – Em função da declaração de nulidade com o referido fundamento compete ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer do mérito da pretensão – sistema de substituição – art. 731º, nº1, do Código de Processo Civil.


II) Tendo a Ré – que impediu o acesso do empreiteiro à obra – obtido decisão judicial, ainda que cautelar, que impunha ao Réu seu marido e signatário do contrato de empreitada, em representação legal da Ré dona da obra, a proibição de, a qualquer título, entrar, circular, possuir, deter, ou por qualquer forma, perturbar o direito de propriedade e a administração sobre imóvel onde funcionam as instalações Ré (dona da obra), sendo o imóvel propriedade da recorrente, nenhuma ilicitude existe no facto desta vedar o acesso ao prédio, já que actuou no exercício de um direito judicialmente reconhecido, pelo que sobre se si não impende o dever de indemnizar.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


... - Construções, Ldª., intentou, em 28.2.1997, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Loures – 3º Juízo – acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, contra:

1- ...-Investimentos Hoteleiros, Ldª.

2- AA [e marido].

3 - BB.

Pedindo que sejam os Réus, solidariamente, condenados a pagarem-lhe quantias seguintes:

a) - 9.961.833$00, correspondente ao valor dos trabalhos executados e materiais adquiridos e encomendados a terceiros, em 08.10.1996, data da interrupção das obras, acrescida de juros vencidos, na importância de 387.556$00, e vincendos, até integral e efectivo pagamento;

b) - 28.063.167$00, a título de indemnização por violação das regras da boa fé e violação das expectativas negociais, acrescida de juros de mora, até integral e efectivo pagamento, contados desde a citação dos Réus.

A Autora alega, em substância, que no dia 8.10.1996, após ter iniciado a execução de uma empreitada de construção civil ajustada com a 1ª Ré pelo valor de 32.500.000$00, acrescido de IVA, seguranças a mando da 2ª Ré impediram, pela força, o acesso dos seus trabalhadores ao local da obra, e que após várias tentativas infrutíferas de resolver a situação criada, a Autora não teve outra alternativa senão resolver o contrato com fundamento no incumprimento contratual por parte da Ré sociedade.

Os prejuízos sofridos pela Autora em virtude da interrupção da obra e interdição de a continuar foram computados em 9.961.833$00, conforme auto de medição que foi comunicado à 1ª Ré.

A estes prejuízos acrescem os decorrentes da violação da expectativa negocial, estimados em valor correspondente ao remanescente pela execução do contrato de empreitada, ou seja, em 28.063.167$00, acrescido de IVA.

A 2ª e o 3º Réus são solidariamente responsáveis com a 1ª Ré pelos danos causados, uma vez que a interrupção da empreitada decorreu de uma intervenção pessoal destes sócios-gerentes.

Apenas a Ré AAcontestou, por excepção e por impugnação.

Por excepção, invocou a sua ilegitimidade, alegando que não teve qualquer intervenção no contrato de empreitada ajuizado como sócia ou gerente da 1ª Ré, bem como a ineficácia do contrato de empreitada por não observar as formalidades legais; o contrato não se encontra selado; e a assinatura do sócio-gerente (3° Réu) que o assinou não está reconhecida por notário, nem a contratação foi precedida de deliberação dos sócios, como se impunha por se tratar de um acto de administração extraordinária.

Por impugnação, veio dizer que em virtude de desavenças conjugais entre a 2ª Ré e o 3° Réu e na pendência do processo de divórcio litigioso foi instaurada uma providência cautelar que culminou com a proibição do 3° Réu entrar ou de qualquer forma perturbar o direito de propriedade sobre vários imóveis da 2ª Ré, de entre os quais o imóvel onde a sociedade 1ª Ré tinha sede, que sempre foi pertença única e exclusiva daquela.

Nunca os trabalhadores da Autora foram proibidos de aceder ao local da obra ou a 2ª Ré, quer em nome individual quer como gerente da 1ª Ré, impediu ou de qualquer forma perturbou a execução normal das obras.

Contudo, e após ter conseguido reaver a propriedade dos seus imóveis e regressar à gestão da sociedade, ora 1ª Ré, foi a Autora que não aceitou continuar as obras, tendo como dona da obra a Ré, pelo que rescindiu o contrato.

As obras foram concluídas por outra sociedade construtora.

A Autora respondeu às excepções, alegando, além do mais, que a 2ª Ré sempre estaria obrigada a indemnizar a Autora, subsidiária e solidariamente com os outros Réus, ao abrigo das regras do enriquecimento sem causa.

Em tréplica, a 2ª Ré manteve que deveria ser absolvida da instância, por ilegitimidade.

Foi proferido despacho saneador, que relegou para a decisão final o conhecimento da excepção da ilegitimidade e julgou improcedentes as demais excepções invocadas pela 2ª Ré, e organizada a especificação e o questionário.
***

A final foi proferida sentença:

Por tudo o exposto, julga-se parcialmente procedente e provada a acção e, consequentemente, decide-se:

a) A improcedência da excepção de ilegitimidade invocada pela 2ª Ré;

b) Absolver do pedido o Réu BB;

c) Condenar as Rés ...- Investimentos Hoteleiros, Ldª e AA, solidariamente, a pagarem à Autora:

c. 1) a quantia de € 29.081,90 (vinte e nove mil e oitenta e um euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa aplicável às empresas comerciais taxa de juros aplicável às dívidas comerciais, (Portarias n.°s 262/99, de 12 de Abril e 1.105/2004, de 31 de Agosto, e pelos Avisos do Banco de Portugal), desde 08.10.1996 até integral e efectivo pagamento;
c. 2) a quantia de € 25.025,30 (vinte e cinco mil e vinte e cinco euros e trinta cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa aplicável às dívidas comerciais (Portarias nºs 262/99, de 12 de Abril e 1.105/2004, de 31 de Agosto, e pelos Avisos do Banco de Portugal), desde 11.04.2006 até integral e efectivo pagamento.

d) Absolver a 1ª e 2ª Rés do restante pedido”.

***

Inconformada, a Ré AA apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 24.4.2007 – fls. 447 a 461 – julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença recorrida.

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De novo inconformada, recorre a Ré AApara este Supremo Tribunal e, nas alegações apresentadas, formula as seguintes conclusões:

1. O douto Tribunal de 1ª Instância, que foi nesta matéria acompanhado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, não aceitou a validade da invocada resolução contratual pela Recorrida, considerando que a mora no cumprimento por parte da 1ª Ré existiu por período de tempo insuficiente para fundamentar a perda do interesse no cumprimento do contrato e a resolução do contrato.

II. Entenderam ambos os Tribunais que a cessação do contrato de empreitada se deveu à desistência tácita por parte da 1ª Ré, facto este que não consta da causa de pedir da Recorrida.

III. Nenhum dos factos sobre os quais o Venerando Tribunal deduz a desistência tácita se relaciona com a vontade negocial da 1ª Ré, donde deveria emanar a declaração, ou, sendo tácita, os factos que a revelam.

IV. Ora, se houvesse factos que, com uma tal probabilidade, revelassem a desistência tácita da 1ª Ré quanto à realização da obra, era notório que a aqui Recorrida seria a primeira a tal se desse conta, atendendo ao disposto nos artigos 217° e 224° do Código Civil.

V. Por isso, a declaração tácita é um facto próprio do seu receptor, ou seja, neste caso, da Recorrida, devendo ser pela própria alegada, o que não aconteceu.

VI. Não cabe ao Tribunal deduzir a existência de declaração negocial se não houve a necessária “impressão no destinatário” para que a declaração possa ter valor negocial, sob pena de, ao fazê-lo, estar a substituir-se à Recorrida na alegação de um facto que lhe é próprio e favorável, violando o princípio do dispositivo, previsto no artigo 264°, nºl, e o art. 664°, ambos do Código de Processo Civil.

VII. Assim, ao tomar em consideração o suposto facto da desistência tácita, o Tribunal “a quo” está a pronunciar-se sobre questões sobre as quais não podia ter conhecimento e a condenar a aqui Recorrente em objecto diverso do pedido, verificando-se as nulidades previstas no artigo 668°, nº1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil.

VIII. Quanto à responsabilidade civil extracontratual da Recorrente, não há qualquer suporte fáctico para realizar tal responsabilização, já que não ficaram distintamente provados o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade, necessários nos termos do artigo 483° do Código Civil.

IX. O facto praticado pela Recorrente não ficou suficientemente delimitado, porque não tendo ficado provado que houve perda de interesse da Recorrida no cumprimento do contrato, era sempre passível o contrato de ser cumprido e se o contrato se extinguiu por desistência da 1ª Ré, tal facto emanou da vontade desta e não da ora Recorrente, que são pessoas jurídicas distintas.

X. O Tribunal “a quo” considerou que a extinção da empreitada é de imputar à Recorrente em termos de censura ético-jurídica, mas não explica, em concreto, em que modo é que tal se articula com a referida desistência, nem em que momento ou modo é que é imputável à Recorrente aquela extinção.

XI. Não ficou provado o modo como se deu a extinção do contrato de empreitada, nem, por isso, a extensão do “contributo” da Recorrente para tal quebra da relação contratual, não se conhecendo a extensão em que a actuação da Recorrente possa ter “contribuído” para a quebra da relação contratual entre a Recorrida e a 1ªRé, nem, consequentemente a que direitos daqueles foram violados e em que extensão, pelo que nunca a Recorrente poderia ser condenada ao pagamento de qualquer quantia indemnizatória.

XII. A interdição de continuação das obras por parte da Recorrente, foi feita sob a égide da providência cautelar que foi decretada em 3.10.96, segunda a qual o 3° Réu ficou proibido de perturbar o direito de propriedade sobre vários imóveis da 2ª Ré, de entre os quais, o imóvel em causa nas obras, o qual foi sempre pertença única e exclusiva da Recorrente.

XIII. A proibição abrangia a perturbação “a qualquer título” do referido direito de propriedade da ora Recorrente, incluindo a situação dos autos.

XIV. Por via da providência cautelar a ora Recorrente tinha autorização para que, em desconsideração da personalidade colectiva da 1ª Ré, impedir a realização das obras contratadas entre esta e a Recorrida, por ser aquela gerida pelo 3º Réu e porque a obra claramente perturbava o direito de propriedade da Recorrente.

XV. Quem havia contratado a empreitada tinha sido o 3° Réu, actuando a título de representante da 1ª Ré, ficando por isso os empreiteiros, por maioria de razão, sujeitos às eventuais inibições que impendessem sobre o “dono da obra” quanto à sua disposição do imóvel sobre o qual se realizariam as obras.

XVI. Não estava em causa, apenas, o acesso dos trabalhadores da Recorrida ao imóvel em questão, mas a realização de obras profundas sobre aquele, o que, por se configurar como acto de administração extraordinária, deveria ter tido a autorização expressa da proprietária, ora Recorrente, ou pelo menos que se provasse, por qualquer meio, que aquela intervenção era legítima.

XVII. Assiste ao possuidor-proprietário o direito de defender, pelos seus próprios meios ou recorrendo à via judicial, a sua posse de qualquer exercício abusivo de terceiros, nos termos dos artigos 1277.° e 1278.° do Código Civil.

XVIII. Os trabalhadores da Recorrida não foram, após a interrupção das obras, impedidos de aceder ao local da obra para levantarem os materiais de construção utilizados na obra e propriedade da Recorrida, que é o significado da resposta ao quesito 20.

XIX. Os restantes pressupostos da responsabilidade civil, previstos no artigo 483.° do Código Civil, nomeadamente, imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade, não foram alegadas pela Recorrida como lhe seria imposto atendendo às regras gerais do ónus da prova, sendo tais factos constitutivos do direitos de que se arroga.

XX. Não ficaram devidamente comprovados os contornos da eventual culpa da Recorrente, sendo certo a sua acção não teve como o objectivo de interrupção da obra mas sim o exercício do seu direito de propriedade e a salvaguarda da integridade do seu património, direito de propriedade que está constitucionalmente previsto e consagrado.

XXI. E estando a Recorrente legitimada por decisão judicial, exclui-se tanto o dolo como a mera culpa.

XXII. E não se conhecendo a extensão da perturbação provocada pela Recorrente no contrato de empreitada, nunca se poderá concluir ao certo os contornos do nexo de causalidade nem a extensão dos danos imputáveis à Recorrente.

XXIII. Por outro lado, os danos eventualmente provocados pela Recorrente não são os mesmos que os eventualmente imputáveis à 1ª Ré, nem se alcança qualquer fundamento nas decisões ora recorridas para afirmar que os danos a indemnizar pelos Réus são os mesmos para efeitos da aplicação do artigo 497° do Código Civil,

XXIV. As responsabilidades têm origens, naturezas e extensões diferentes e os danos não são idênticos, não se coadunando com a aplicação do artigo 497°, nº1, do Código Civil, que pressupõe tratar da aplicação do instituto da responsabilidade civil extracontratual, sendo ilegal que seja a Recorrente condenada solidariamente pelo mesmo dano e no mesmo montante que a 1ª Ré.

XXV. E pelas mesmas razões o montante das condenações não pode ser, à partida, idêntico, até porque a Recorrente não é comerciante, não pode ser responsável por juros calculados às taxas comerciais.

Normas jurídicas violadas: artigos 217°, 224°, 483°, 497°, 1229° do Código Civil; artigos 264°, 664°, do Código de Processo Civil.

A Autora contra-alegou, pugnando pela confirmação do Julgado.
***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que as Instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1) A Autora é uma empresa que se dedica à construção civil de obras, contratando com diversas entidades e empresas, mediante contrato de empreitada (A) - Especificação.).

2) No âmbito da actividade da Autora, foi esta contactada pela 1ª Ré, para proceder à execução de uma obra nas instalações da Ré, tendo a Autora aceite a execução dessas obras (B) - Esp.).

3) Assim, os termos dessa execução foram estipulados pelo contrato de empreitada celebrado em 23.09.1996, entre a Autora, representada pelo seu sócio-gerente, Eng. L... e o Sr. J. M... R..., e a Primeira Ré, representada pelo seu sócio-gerente Sr. J...T..., ora terceiro Réu, sendo que a obra se referia ao imóvel da Residencial Vieira, explorada pela 1ª Ré — cfr. documentos de fls. 22 e Anexo de fls. 27, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. (C) - Esp.)

4) O valor da empreitada era de 32.500.000$00, acrescidos de IVA (D) - Esp.).

5) No seu artigo 4°, o contrato prevê o pagamento de 13,5% do valor total, como pagamento inicial da adjudicação deste contrato, sendo que os restantes pagamentos seriam efectuados faseadamente (E)- Esp.).

6) Após aquele pagamento, deu a Autora início à execução do contrato mencionado (F) - Esp.).

7) Para o efeito, adquiriu e encomendou o material necessário à execução da obra a terceiros, e contratou pessoal para a mesma execução (G) - Esp.).

8) A Autora executava o contrato com normalidade e conforme o previsto e acordado quando, subitamente, foi surpreendida no local das obras, sede da 1a Ré, na manhã do dia 08.10.1996, quando toda a equipa chegava para dar início a mais um dia de trabalho, por uma imposta interdição de acesso ao local da obra (H) - Esp.)

9) A sociedade com a qual a Autora contratou e é Ré nestes autos obriga-se, apenas, com uma assinatura, conforme teve a Autora a cautela de averiguar através da certidão de teor e das inscrições emitidas pela Conservatória do Registo Comercial de Loures – doc. de fls. 28 a 30 (I) - Esp.).

10) Após várias tentativas extrajudiciais no sentido de resolver este problema da melhor maneira, e perante uma total indiferença perante os danos que a Autora vinha sofrendo, esta resolveu o contrato, com fundamento em incumprimento contratual por parte da Ré sociedade, resolução que foi comunicada aos Advogados da 1ª Ré, 2ª Ré e 3° Réu, em 15.11.1996 — cfr. documentos de fls. 31, 32 e 33 cujo teor se dá por reproduzido (J) Esp.).

11) Aquando da interrupção da obra por iniciativa da Autora, a ora Ré adjudicou as obras a outra empresa (L) - Esp.).

12) Na data da outorga do contrato de empreitada, o 3º Réu, na qualidade de gerente da 1ª Ré e em representação desta, entregou à Autora, para pagamento do valor ajustado no art. 4° do contrato de empreitada, um cheque no valor 5.133.375$00, referente a uma conta bancária de que era titular a 1ª Ré, apenas assinado pelo 3° Réu, bastando a sua assinatura para movimentar a referida conta (M) - Esp.).

13) A interdição de acesso ao local da obra imposta aos trabalhadores da Autora e aos subempreiteiros por esta contratados foi levada a cabo por seguranças privados que actuaram a mando da RéAA, e que na ocasião foi alegado que tal interdição tinha por base uma desavença entre esta e o marido, o Réu BB (resposta aos quesitos 1º e 2º).

14) O Engenheiro Técnico Civil J...A... acompanhou a celebração do contrato de empreitada, como consultor da Ré ..., e foi o responsável pela fiscalização da obra, por parte desta sociedade, até ao dia 8 de Outubro de 1996 (3° - Qt.).

15) Até à presente data, a Ré ... não fez qualquer outro pagamento à Autora, para além do mencionado em m) (4º - Qt.).

16) Até ao dia 8 de Outubro de 1996 a Autora tinha efectuado as despesas e executado os trabalhos incluídos no orçamento inicial e os trabalhos extra contrato discriminados (qualidade, quantidades e preços), no Auto de Medição nº1, constante a fls. 34-35 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (5º, 6º, 20º, 21º, 23° e 24º - Qt.).

17) Ao ser impedida de concluir a empreitada, a Autora viu frustradas a expectativa negocial, uma vez que não se envolveu em outros projectos, e a expectativa de ganhos que nunca seriam inferiores a 20% do custo total da obra contratada e dos trabalhos a mais que viessem a ser realizados (7º - Qt.).

18) Em virtude de desavenças conjugais a Ré AA requereu e viu judicialmente decretada, em 03/10/1996, providência cautelar que impôs ao Réu BB, além do mais, a proibição de, a qualquer título, entrar, circular, possuir, deter, ou por qualquer forma, perturbar o direito de propriedade e a administração da Ré AA sobre imóvel onde funcionam as instalações da Ré ..., onde decorriam as obras em causa, e sobre os demais imóveis de sua propriedade exclusiva (8º e 9º-Qt.).

19) Pelo que, em virtude do decretamento da providência supra referida teve o 3º Réu que se abster de entrar no imóvel (10° - Qt.).

20) Nunca em virtude dessa providência foram os trabalhadores da Autora impedidos de aceder ao local da obra (11° - Qt.).

21) A Autora, por carta datada de 15/11/1996 e constante a fls. 31 dos autos, comunicou à Ré ... que em virtude do incumprimento contratual desta sociedade, do contrato de empreitada entre ambas celebrado, e por ter perdido o interesse na sua continuação, resolvia aquele contrato (15° - Qt.).

22) As obras foram concluídas por outra sociedade, a mando da Ré AA (16° - Qt.).

23) O valor da empreitada foi de 32.500.000$00, acrescido de IVA, o que perfaz o total de 38.025.000$00 (17° - Qt.).

24) A Autora e os subempreiteiros por si contratados, em consequência de lhes ter sido vedado o acesso ao local da obra, deixaram neste (estaleiro) e não recuperaram, ferro, areias, britas, cimento e tintas, bem como diverso equipamento e máquinas (poleias completas de andaimes e respectivas cruzetas; tábuas de andaime e de cofragem; martelos; extensores; berbequins; rebarbadoras e caixas de ferramentas), necessários à conclusão da empreitada, em quantidades e valores que não foi possível apurar (25° - Qt.).


Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se o Acórdão é nulo por ter condenado em objecto diverso do pedido e por se ter pronunciado sobre questão não suscitada;

- a manter-se a decisão, saber se a recorrente deveria ter sido condenada a indemnizar a recorrida.

Vejamos:

Entre a Autora e a 1ª Ré foi celebrado um contrato de empreitada – art. 1207º do Código Civil – questão sobre a qual não há qualquer divergência.

A Autora alegou que resolveu o contrato pelo facto de, quando as obras de execução da empreitada decorriam normalmente, ter sido impedida de aceder ao local, pelo facto de pessoas a mando da 2ª Ré a terem impedido, o que se deveu a divergências entre a 2ª Ré e o 3º Réu seu marido.

Gorada a possibilidade de solução do conflito “não restou qualquer alternativa senão a resolução do contrato com fundamento no incumprimento contratual por parte da Ré sociedade” – cfr. art. 16º da petição inicial e carta da Autora, de 15.11.1996, a fls. 31, onde se lê:

“Em virtude do incumprimento contratual da ..., Ldª do contrato de empreitada celebrado entre essa sociedade e a J.L.N Construções, Ldª e por termos perdido interesse na sua continuação, vimos resolver o contrato, com fundamento em incumprimento da vossa parte…”.

Temos assim que a causa de pedir invocada pelo Autora foi o incumprimento contratual da empreitada pela Ré, invocando a Autora perda do interesse na continuação da execução da obra.

O pedido é formulado contra os RR. por ter entendido que a 2ª Ré foi quem deu causa ao incumprimento, com a sua ordem de proibição de acesso ao local da obra, sendo que ela era sócia-gerente da 1ª Ré, tal como o 3º Réu, que, em nome da sociedade, contratou com a Autora.

O pedido condenatório refere-se a prejuízos directos e indirectos pela ruptura contratual.

Como se sabe a causa de pedir — “É o acto ou facto jurídico simples ou complexo, mas sempre concreto, donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer.
Esse direito não pode ter existência — e por vezes nem pode identificar-se — sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir” – Manuel de Andrade, “Noções Elementares Processo Civil”, 1979-111.

Nos termos do art. 660º, nº2, do Código de Processo Civil:

“O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Dispõe o art. 668° daquele diploma, aplicável por força do art. 726º do Código de Processo Civil:

1. É nula a sentença… d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem excepções na exclusiva disponibilidade das partes (art. 660-2), é nula a sentença em que o faça”. –“Código de Processo Civil Anotado” – Lebre de Freitas – Montalvão Machado – Rui Pinto, vol.2º, pág.670.

Ao Autor cabe o ónus da prova dos factos que integram a causa de pedir, sob pena de improcedência do pedido.

No Tribunal de 1ª Instância foi decidido que a resolução do contrato não foi válida por parte da Autora e que a 1ª Ré desistiu tacitamente da obra o que não impediu aquela decisão de condenar as 1ª e 2ª Ré a indemnizarem a Autora.

O Tribunal considerou que:

“Quando a Autora declarou que considerava resolvido o contrato de empreitada celebrado com a 1ª Ré, o impasse criado com a interdição de acesso ao local da obra durava há pouco mais de 30 dias, tempo insuficiente, segundo critérios de normalidade e razoabilidade, para que a dona da obra adoptasse as providências necessárias à manutenção do contrato.
A mora por tão curto período de tempo e os prejuízos daí pudessem advir para a Autora não justificam, do ponto de vista objectivo, a perda de interesse na prestação suficiente para fundamentar a resolução do contrato de empreitada.
Aliás, a própria Autora limita-se a afirmar genericamente a perda de interesse na realização da prestação, sem aduzir factos concretos de onde a mesma se possa concluir”.

O que vale por dizer que a Autora nem sequer fez prova de factos concretos que, implicando a perda de interesse na prestação, constituíssem válido fundamento para a resolução do contrato – art. 808º, nº1, 1ª parte do Código Civil.

Em suma, a causa de pedir invocada pela Autora não foi considerada, sequer para a procedência ainda que parcial da acção.

Considerou o Tribunal que a 1ª Ré, dona da obra, tacitamente desistiu da empreitada e foi com esse fundamento que a condenou: a ora recorrente foi condenada por se ter entendido que foi ela que, com o seu comportamento, deu causa à não execução do contrato.

A fls. 289 a sentença expressa:

Em suma, consideramos que não se operou válida e eficaz resolução do contrato de empreitada ajuizado.
Sem embargo, consideramos que a 1ª Ré (dona da obra) desistiu, tacitamente, da empreitada, sendo essa a interpretação que fazemos da sua inércia perante a conduta da 2ª Ré que conduziu à interrupção dos trabalhos e, posteriormente, em face da declaração de resolução unilateral do contrato que lhe dirigiu a Autora.
Nesse sentido aponta, ainda, a factualidade de onde se retira que após a interrupção das obras a 2ª Ré adjudicou a sua conclusão a outra empresa (nºs 11 e 22).
Uma vez mais, tudo foi feito à revelia e no silêncio da 1ª Ré.
A 1ª Ré desistiu, tacitamente, do negócio e foi a 2ª Ré quem, manifestamente, assumiu as suas rédeas.”.

Sendo a causa de pedir o concreto (s) facto (s) invocado (s) como fundamento da pretensão do demandante, é manifesto que a Autora invocou como causa de pedir o incumprimento do contrato pela 1ª Ré dona da obra, ainda que por actuação provocada pela 2ª Ré, mas a que naturalmente ela empreiteira foi alheia.

Operou o Tribunal de 1ª Instância com essa causa de pedir, com esse invocado fundamento?

A resposta é negativa.

O Tribunal de 1ª Instância não considerou validamente resolvido o contrato pelas razões que sumariamente enunciámos.

Poderia o Tribunal considerar que o contrato não foi executado pelo facto da dona da obra ter desistido da empreitada?

Respondemos negativamente.

Com efeito, este facto, a desistência por parte do dono da obra – art. 1229º do Código Civil – constitui um direito seu, mas que implica, se verificados os requisitos legais, o dever de indemnizar o dono da obra pelos prejuízos causados.

Mesmo que a Autora pudesse invocar esse fundamentado não o fez, ou seja, não invocou como causa de pedir a desistência do dono da obra para pedir indemnização, invocou sim a resolução do contrato da sua iniciativa, alegando incumprimento da 1ª Ré e perda de interesse na execução da obra, no que não teve êxito.

O Tribunal considerou de motu proprio que houve desistência tácita, por parte da dona da obra.

O Código de Processo Civil consagra o princípio do dispositivo ao estabelecer no nº1 do art. 264º:

“Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções”.

Na pureza deste princípio e segundo a lição de Manuel de Andrade:

As partes dispõem do processo, como da relação jurídica material.
O processo é coisa ou negócio das partes. É uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas.
O juiz arbitra a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado.
Donde a inércia, inactividade ou passividade do juiz, em contraste com a actividade das partes. Donde também a verdade material (extraprocessual)” – Noções…2ª ed.-347; ed. 1979-373).

Esta concepção duelar do processo, decorrendo perante um julgador distante e majestático, não é a que vigora no processo civil actual, mormente depois da Reforma de 1995/96.
Todavia, a mitigação do princípio do dispositivo não foi tão latamente querida ao ponto de permitir que o Tribunal decida com fundamento em causa de pedir que não foi invocada.

“Com a actual reforma do processo civil, por um lado, as partes perderam o quase monopólio que detinham sobre a lide, e, por outro, o tribunal passa a assumir uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material, ou seja, a alcançar a justa composição do litígio, que é, em derradeira análise, o fim último de todo o processo.
Assim, às partes cabe, em exclusivo, definir o objecto do litígio através da dedução das suas pretensões — ou seja, enunciar o pedido ou pedidos formulados por via da acção ou da reconvenção — e da correlativa alegação dos factos que integram a causa de pedir ou que sirvam de fundamento a eventuais excepções, de tal modo que, em princípio o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes.
Todavia, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova (art. 514°) e do dever de obstar ao uso anormal do processo (art. 665.°), reconhece-se, agora, ao juiz a “possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, os factos meramente instrumentais” e de os utilizar “quando resultem da instrução e julgamento da causa”. – “Código de Processo Civil Anotado” - Abílio Neto, em nota ao art.264º.

Havendo violação do princípio do dispositivo consagrado no art. 264, nº1, do Código de Processo Civil a decisão é nula, nos termos do art. 668º, nº1, d), parte final, do Código de Processo Civil.

Invocando o Autor como fundamento da sua pretensão indemnizatória o incumprimento pela Ré, consubstanciado no facto de não lhe permitir o acesso à obra que trazia de empreitada, por isso resolvendo o contrato, e considerando o Tribunal a acção procedente, não por esse facto, mas por considerar que houve tácita desistência da empreitada por parte do dono da obra, a decisão é nula por ter considerado causa de pedir não invocada.

Vaz Serra, in RLJ 105°-233-234, ensina:

“É certo não ser permitido ao Tribunal alterar ou substituir a causa de pedir, isto é o facto jurídico que o Autor invoca como base da sua pretensão, de modo a decidir a questão suscitada do veredicto judicial, com fundamento numa causa que o Autor não põe à sua consideração e deveria”

O Tribunal de 1ª instância lançou mão de uma diversa causa de pedir para condenar as 1ª e 2ª Rés.

O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou – pari passu – esta argumentação e manteve a decisão recorrida, sendo certo que a 1ª questão sobre a qual se pronunciou, em sede de recurso, foi a de saber se – “a sentença alterou indevidamente a causa de pedir e, em consequência, conheceu para lá do pedido – violação dos arts. 661º e 668º, nºl, e) do Código de Processo Civil”.

Temos, assim, que não podendo o Tribunal considerar causa de pedir diversa da invocada e não se tratando de qualificar diversamente os factos articulados pela Autora – apesar do julgador não estar sujeito à qualificação jurídica invocada pelas partes – art. 664º do Código de Processo Civil – o Tribunal sentenciou com fundamento em causa de pedir não invocada pela demandante, pronunciando-se sobre questão que não foi, sequer, chamado a dirimir.

Concluímos que o Tribunal de 1ª Instância decidiu com fundamento em causa de pedir não invocada pelo que, nessa parte, o Acórdão confirmatório da decisão enferma de nulidade.

Conheceu de questão que não podia conhecer.

Dispõe o art. 731º do Código de Processo Civil:

“1. Quando for julgada procedente alguma das nulidades previstas nas alíneas c) e e) e na segunda parte da alínea d) do artigo 668º ou quando o acórdão se mostre lavrado contra o vencido, o Supremo suprirá a nulidade, declarará em que sentido a decisão deve considerar-se modificada e conhecerá dos outros fundamentos do recurso”.

Como ensina Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª edição, págs. 259/260:

“O tribunal condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido?
O Supremo faz coincidir a decisão com o pedido.
O tribunal conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento?
O Supremo declara sem efeito a decisão proferida sobre a matéria indevidamente apreciada [...].Suprindo o Supremo a nulidade da decisão recorrida, deve, de seguida e no mesmo acórdão, apreciar o fundamento principal do recurso, ou seja, apurar se houve violação da regra de direito substantivo invocada pelo recorrente (art. 731º, nºl, in fine), cumprindo o determinado no art. 729º, nºl, em implementação do sistema de substituição”.

Importa, então, declarar como se declara, a nulidade do Acórdão, no que respeita à condenação solidária da recorrente com a 1ªRé a indemnizar a Autora.

A recorrente foi condenada por se ter entendido que incorreu em responsabilidade extracontratual ao ordenar a pessoas da sua confiança que impedissem a Autora de entrar no prédio onde decorria a empreitada.

Na decisão da 1ª Instância, a fls. 290, pode ler-se:

“No limite dos factos provados, a referida extinção do contrato de empreitada é de imputar à 1ª Ré, por desistência, e à 2ª Ré, em termos de censura ético-jurídica (foi um acto ilícito da 2ª Ré que impediu a Autora de prosseguir os trabalhos; foi a 2ª Ré quem se ingeriu no decurso da empreitada, adjudicando a terceiro a conclusão dos trabalhos)”.

Importa então saber, desde logo, face ao preceituado no art. 483º, nº1, do Código Civil se a Ré-recorrente agiu com culpa ao impedir a Autora de prosseguir os trabalhos.

A culpa exprime uma censura ético-jurídica, face a um comportamento que se revela violador do direito de outrem, ou viola norma destinada a proteger interesses alheios.

Atentemos nos factos provados nos itens 18), 19) e 20):

“Em virtude de desavenças conjugais a Ré AA requereu e viu judicialmente decretada, em 3.10.1996, providência cautelar que impôs ao Réu BB, além do mais, a proibição de, a qualquer título, entrar, circular, possuir, deter, ou por qualquer forma, perturbar o direito de propriedade e a administração da Ré AA sobre imóvel onde funcionam as instalações da Ré ..., onde decorriam as obras em causa, e sobre os demais imóveis de sua propriedade exclusiva (respostas aos quesitos 8° e 9°-).
Pelo que, em virtude do decretamento da providência supra referida teve o 3º Réu que se abster de entrar no imóvel (10°).
Nunca em virtude dessa providência foram os trabalhadores da Autora impedidos de aceder ao local da obra (11°)”. (sublinhámos).

Ora, tendo a Ré AA obtido decisão judicial, ainda que cautelar, que impunha ao 3º Réu seu marido e signatário do contrato de empreitada em representação legal da 1ª Ré da qual era sócio-gerente, a proibição de, a qualquer título, entrar, circular, possuir, deter, ou por qualquer forma, perturbar o direito de propriedade e a administração sobre imóvel onde funcionam as instalações da Ré ... (propriedade da Ré-recorrente) nenhuma ilicitude existe no facto desta vedar o acesso do requerido seu marido ao prédio, já que a Recorrente actuou no exercício de um direito judicialmente reconhecido.

No que respeita às consequências dessa decisão judicial para a Autora, o certo é que se provou que, no dia 8.10.1996, quando toda a equipa chegava para dar início a mais um dia de trabalho, houve interdição de acesso ao local da obra. Tal interdição foi levada a cabo por seguranças privados que actuaram a mando da recorrente tendo na ocasião sido alegado que tal interdição tinha por base uma desavença entre a recorrente o seu marido – 3º Réu.

Se a decisão cautelar tinha como destinatário o 3º Réu e a proibição dele entrar no local da obra, isso pode ter acarretado a impossibilidade de actuação da Autora-empreiteira.

Mas o certo é que na resolução do contrato esta não imputa à conduta da recorrente a perda de interesse em continuar a executar a obra, mas sim ao incumprimento contratual da ....

Como vimos a Autora resolveu o contrato sem fundamento legal como as Instâncias consideraram e se tem por adquirido em virtude da Autora, dona da obra não ter recorrido.

Assim, não se pode considerar sequer em termos de nexo de causalidade que tenha sido pela conduta da recorrente que o contrato foi resolvido pela Autora, estando fora de questão considerar que houve desistência tácita da empreitada por banda a 1ª Ré, pelas razões que antes afirmamos.

Em consonância, haverá que concluir-se que a recorrente não pode ser co-responsabilizada pela atitude tomada pela recorrida, pelo que não pode manter-se a sua condenação solidária com a dona da obra.

Finalmente, ainda que com pouca clareza, diga-se, a Autora alude na réplica à existência de enriquecimento sem causa por parte da recorrente.

Mesmo apesar de não ter alterado o pedido e, por cautela, sempre se dirá que não existe qualquer enriquecimento da recorrente à custa da recorrida.

Quem era parte no contrato não era a recorrente, mas a sociedade ..., pelo que a haver enriquecimento ele só poderia projectar-se na esfera jurídica desta e não dos seus sócios-gerentes, ao menos de modo directo.

Decorre do art. 473º do Código Civil:

1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa tem por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.
O nº2 daquele normativo integra três situações:

- o que foi indevidamente recebido (condictio indebiti);
- o que foi recebido em virtude de causa que deixou de existir (condictio ob causam finitam);
- o que foi recebido com base em efeito que não se verificou (condictio causa data causa non secuta, também chamada condictio ob rem).

Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, págs. 454 a 456, ensinam:

A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento.
Em segundo lugar, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa — ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido.
Finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição”.

Como ensina Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código Civil” – vol. II – pág. 268.

“Integram o enriquecimento sem causa:

a) uma vantagem patrimonial, isto é, susceptível de avaliação económica, para uma pessoa;
b) um empobrecimento, correlativo ao enriquecimento, que incida sobre o património de outra pessoa;
c) a falta de uma justa causa do enriquecimento do primeiro e do correlativo empobrecimento do segundo […].
[…] Para que o enriquecimento dê origem a um direito de restituição é preciso que ocorra à custa do património de outra pessoa e que, além disso, não haja razão legal que o justifique.
Esse enriquecimento pode ter resultado do aumento verificado no património do enriquecido (aumento quantitativo ou qualitativo dos valores do activo, ou diminuição do passivo patrimonial), ou desse património não ter diminuído quando tal diminuição deveria, em condições normais, ter ocorrido.
A correlação entre o enriquecimento e o empobrecimento devem derivar de um único facto produtivo”.

“O enriquecimento sem causa depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: existência de um enriquecimento; que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique; que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição; que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído” – Acs. deste S.T.J., de 23.4.1998, in BMJ, 476-370 e de 14.5.1996, CJST, 1996, II, 71.

Dos factos provados não decorre que tenha havido alguma deslocação patrimonial em favor da recorrente, conexa com o empobrecimento da Autora; as vantagens patrimoniais a terem existido, em virtude do alegado incumprimento do contrato motivador da sua resolução pela Autora, repercutiram-se no património da Ré sociedade, sendo até discutível que assim se possa considerar uma vez que não se provou que a Autora tivesse fundamento para a resolução do contrato sub judice.

Importa, assim, concluir que não existe enriquecimento da recorrente à custa da Autora.

Ademais, face ao carácter subsidiário do instituto do enriquecimento sem causa – art. 474º do Código Civil – mesmo a haver enriquecimento, ele só poderia ser invocado se a lei não facultasse ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.

Sempre se dirá que, no caso, a própria Autora demandou a recorrente com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, pelo que tinha ao seu alcance outro meio de ser indemnizada, o que não logrou, por se considerar que no caso não pode ser imputada à actuação da recorrente a resolução do contrato, da iniciativa da recorrida.

A pretensão recursiva merece acolhimento.

Decisão:

Nestes termos, declara-se a nulidade do Acórdão recorrido, quanto à condenação da Ré AAe, apreciando o mérito do recurso, concede-se a revista absolvendo-se a recorrente do pedido.

Custas pela recorrida.


Supremo Tribunal de Justiça, 30 de Outubro de 2007

Fonseca Ramos (Relator)
Rui Maurício
Azevedo Ramos