Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
110/08.6TTGDM.P2.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONCLUSÕES
ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO / ÓNUS DO RECORRENTE / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 127, 128, 629.
- Aníbal de Castro, Impugnação das decisões Judiciais, 2.ª ed., 111.
- Baptista Machado, Introdução ao direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, 105.
- Procuradoria Geral da República, Parecer n.º 33/2009, de 8/10/2009, in DR II série, de 22/03/2010.
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 639.º, N.º1, 640.º, 671.º, N.ºS 1 E 3.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT), APROVADO PELO D.L. N.º 480/99, DE 9-11, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO D.L. N.º 38/2003, DE 8-03: - ARTIGOS 81.º, N.º 5, 87.º, N.ºS 1 E 2
LEI N.º 41/2013, DE 26-06: - ARTIGO 7.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05/04/1989, IN B.M.J. 386/446, DE 23/03/1990, IN A.J., 7.º/90, 20, DE 12/12/1995, IN C.J., 1995, III/156, DE 18/06/1996, C.J., 1996, II/143, DE 31/01/1991, IN B.M.J. 403.º/382.
-DE 01/10/2015, PROC. N.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, DE 11.02.2016, PROC. N.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1, DE 22/09/2015, PROC. N.º 29/12.6TBFAF.G1.S1, DE 04/03/2015, PROC. N.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, DE 26/11/2015, PROC. N.º 291/12.4TTLRA.C1.S1, DE 03/12/2015, PROC. N.º 3217/12.1TTLSB.L1.S1.
-DE 03/03/2016, PROC. N.º 861/13.3TTVIS.C1.S1.

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JURISPRUDÊNCIA DAS RELAÇÕES:

-ACÓRDÃO DA R.E., DE 07/03/1985, IN B.M.J., 347º/477.
Sumário :
1 – Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração.

2 – Omitindo o recorrente a indicação referida no número anterior o recurso deve ser rejeitado nessa parte, não havendo lugar ao prévio convite ao aperfeiçoamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA, com o patrocínio do M.P., instaurou no Tribunal do Trabalho de … ação emergente de acidente de trabalho contra SEGURO BB S.A. e CC LDA., pedindo a condenação destas, na medida das respetivas responsabilidades, no pagamento:

a) Da pensão anual e vitalícia de € 15.330,11, devida desde 26.06.2008;

b) Do subsídio de elevada incapacidade no montante de € 4.836,00;

c) Da quantia de € 17.210,70, a título de diferença na indemnização por ITA, quantia a cargo da 2ª Ré;

d) Da quantia de € 12,80 gasta em transportes

e) Dos juros de mora.

f) Das fraldas e fármacos analgésicos ou no respetivo fornecimento.

Como fundamento alegou que foi admitido ao serviço da Ré CC em 8.01.2007 para exercer as funções de picheleiro numa obra que aquela detinha em França, mediante a remuneração mensal de € 1.900,00 e fornecimento de dormida. Acontece que no dia 2.03.2007, e quando se encontrava a trabalhar para a 2ª Ré naquela obra, sofreu um acidente, que descreve. Em consequência do evento sofreu lesões que lhe determinaram uma incapacidade permanente absoluta para o seu trabalho habitual e uma IPP de 38,16%. 

A Ré seguradora contestou alegando que a sua responsabilidade está limitada ao salário no montante mensal de € 506,00 x 14 acrescido de subsídio de alimentação de € 101,20 x 11.

A Ré CC contestou alegando que o vencimento do Autor, à data do acidente, era de € 506,00 mensais, a que acresciam € 210,00 mensais de subsídio de refeição e € 1.084,00, a título de ajudas de custo mas apenas, e no que respeita a esta última quantia, enquanto estivesse em obras no estrangeiro. Mais alegou que o Autor não sofreu qualquer acidente/queda na obra em que trabalhava e mesmo a admitir-se o contrário, do mesmo não resultaram quaisquer lesões, sendo que as que apresenta não estão relacionadas nem foram consequência do sinistro.

Concluiu pela improcedência da ação e, em sede de prova, requereu que o tribunal solicitasse diversas informações ao Centro Regional de Segurança Social, ao Centro de Saúde por onde se encontra inscrito o autor e aos Hospitais de … e de ….

O Autor respondeu à contestação da Ré CC alegando que, na tentativa de conciliação, a mesma aceitou expressamente a existência de um acidente de trabalho, concluindo, como na petição inicial.           

O processo foi saneado tendo o requerimento probatório da Ré CC sido indeferido.

A Ré CC recorreu de agravo do despacho que indeferiu o seu requerimento probatório, pedindo a sua revogação e a substituição por outro que ordene a realização das diligências requeridas ou a convide a suprir as deficiências.

Os autos prosseguiram e, realizado o julgamento, foi proferida sentença a condenar as Rés a pagarem ao Autor:

a) A pensão anual e vitalícia de € 14.452,26, atualizável, com efeitos desde 26.6.2008, sendo a quota-parte a cargo da seguradora de € 4.724,26 e a quota da empregadora de € 9.728,00;

b) O subsídio de elevada incapacidade no montante de € 3.938,83, sendo a quota-parte da seguradora de € 2.450,40 e a quota da empregadora de € 1.488,43.

Foi ainda a Ré seguradora condenada a pagar ao Autor a quantia de € 12,80 de despesas de deslocação e a fornecer ao Autor fraldas e fármacos analgésicos diariamente e a Ré CC a pagar ao Autor a quantia de € 15.640,85, a título de diferenças por incapacidades temporárias.

O Autor recorreu da sentença, na parte em que fixou o subsídio de elevada incapacidade no montante de € 3.938,83, pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que fixe tal subsídio em € 4.836,00.

Também a Ré CC apelou pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que julgue a ação improcedente.

Por acórdão datado de 24.01.2011 foi concedido provimento ao agravo da Ré CC, revogado o despacho recorrido e anulado todo o processado após o mesmo, incluindo o julgamento e a sentença, e determinado que o tribunal proferisse despacho no sentido da requisição das requeridas informações, e juntas as mesmas, ordenasse o normal prosseguimento dos autos até final.

Os autos prosseguiram com a realização das ordenadas diligências e outras que foram solicitadas e ordenadas, tendo o sinistrado constituído mandatária.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença com o seguinte dispositivo (depois da retificação dos lapsos):

«Nestes termos, e pelo exposto, julgo a ação procedente por provada e, consequentemente, condeno:

A) A RÉ SEGURO BB, S.A:

1. a pagar ao autor AA, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), as quantias de:

i. 12,80 € (doze euros e oitenta cêntimos) relativa a reembolso de despesas com deslocações obrigatórias a tribunal e ao INML;

ii. 1.613,29 € (mil seiscentos e treze euros e vinte e nove cêntimos) a título de subsídio de elevada incapacidade;

iii. a pensão anual e vitalícia devida desde 26/06/2008, nos seguintes valores:

iii.1. até 31/12/2008, 4.723,84 € (quatro mil, setecentos e vinte e três euros e oitenta e quatro cêntimos);

iii.2. desde 01/01/2009, 4.860,83 € (quatro mil, oitocentos e sessenta euros e oitenta e três cêntimos);

iii.3. desde 01/01/2010, 4.921,45 € (quatro mil novecentos e vinte e um euros e quarenta e cinco cêntimos);

iii.4. desde 01/01/2011, 4.980,51 €;

iii.5. desde 01/01/2012, 5.159,81 €;

iii.6. desde 01/01/2013, 5.309,44 €;

iii.7. desde 01/01/2014, 5.330,68 €;

descontando-se aos valores referidos as quantias que a ré seguradora já tenha pago ao autor a título de pensão provisória.

2. a fornecer diariamente ou pagar ao autor AA as fraldas e fármacos de que necessite;

B) A RÉ CC, LDA. a pagar ao autor AA, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), as quantias de:

i. 15.103,95 € (quinze mil, cento e três euros e noventa e cinco cêntimos) relativa a indemnizações por incapacidades temporárias;

ii. 3.222,71 € (três mil, duzentos e vinte e dois euros e setenta e um cêntimos) a título de subsídio de elevada incapacidade;

iii. a pensão anual e vitalícia devida desde 26/06/2008, nos seguintes valores:

iii.1. até 31/12/2008, 9.436,34 € (nove mil, quatrocentos e trinta e seis euros e trinta e quatro cêntimos);

iii.2. desde 01/01/2009, 9.710,00€ (nove mil, setecentos e dez euros);

iii.3. desde 01/01/2010, 9.831,38€ (nove mil, oitocentos e trinta e um euros e trinta e oito cêntimos);

iii4. desde 01/01/2011, 9.949,36 €;

iii.5. desde 01/01/2012, 10.307,54 €;

iii.6. desde 01/01/2013, 10.606,46 €;

iii.7. desde 01/01/2014, 10.648,89 €

Custas pelas rés, na proporção o respetivo decaimento.»

Inconformada, a Ré CC apelou impugnando, para além do mais, a decisão sobre a matéria de facto.

A Relação escusou-se de apreciar o recurso no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto por entender não terem sido cabalmente cumpridos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC, tendo, no mais, confirmado a sentença recorrida, proferindo a seguinte deliberação:

«Termos em que se julga a apelação improcedente e se confirma a decisão recorrida.

Custas da apelação a cargo da Ré/apelante.».

Desta deliberação recorre a Ré CC de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro “que determine a apreciação da apelação quanto à matéria de facto pelo Tribunal da Relação e que julgue não provado que as ajudas de custo que seriam pagas ao autor fizessem parte da retribuição e consequentemente que a retribuição do autor excedesse os 506, 00 € mensais, mais subsídio de refeição nos dias de trabalho”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-‑Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência da revista e consequente confirmação do acórdão recorrido, o qual, notificado às partes, não mereceu qualquer resposta.

Prevenindo a possibilidade deste Supremo Tribunal não poder conhecer do recurso relativamente à questão de saber se as ajudas de custo devem integrar a retribuição para efeitos de cálculo da pensão, indemnizações e demais prestações decorrentes do acidente, por se verificar uma situação de dupla conforme, foram as partes, nos termos do art. 3º, nº 3 do CPC, notificadas para se pronunciarem.

Apenas o A. recorrido se pronunciou e no sentido de estar efetivamente interdito a este tribunal o conhecimento de tal questão.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

1 - O Código do Processo Trabalho apenas absorveu as alterações ao CPCivil de 2007, após as alterações do DL 295/2009 de 13/10, aplicável apenas às acções posteriores à sua entrada em vigor conforme artigo 6º do DL 295/2009, pelo que não tem aplicação aos presentes autos a redacção do artigo 721º do CPCivil de 1961 dada pelo DL 303/2007 de 24/8.

II- Aplica-se aos presentes autos subsidiariamente o artigo 721º do CPcivil de 1961, na redacção anterior ao DL 303/2007, não obstante o NCPcivil em face da ressalva do artigo 7º da Lei 41/2013, que deve ser interpretada no sentido da ressalva das acções de trabalho intentadas antes de 01/01/2010, data a partir da qual as alterações de 2007 ao C. P. Civil, se passaram a aplicar para o futuro às acções de processo de trabalho.

III- Só assim se satisfaz o princípio de não rectroactividade da regra de exclusão do direito de recurso, ou princípio constitucional de não redução da garantia processual de recurso por lei posterior ao início do processo, que com o referido artigo 7º da lei 41/2013 se quis respeitar.

IV- A conclusão do recurso serve para identificar e delimitar o objecto do recurso, mas não pode nem deve compreender especificadamente toda a alegação.

v - A apreciação do recurso não tem que se cingir a conclusões específicas do recorrente, que sendo a síntese das suas alegações, apenas as podem balizar de forma abrangente e portanto pouco específica, de forma a não serem uma simples reprodução das alegações.

VI - A especificação do n.º 1 do artigo 640º do NCPCivil não se dirige à conclusão do recurso, tal como a ela não se dirigia o n.º 1 do artigo 690º A do CPCivil de 1961, na redacção anterior ao DL 303/2007.

VII- As conclusões I, X e XI, do recurso de apelação constituem uma síntese correcta do ponto de vista processual, no sentido de suficiente, do alegado nos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º das alegações de recurso.

VIII- De todo o modo não se entendendo assim e não é essa a nossa opinião, deveria o tribunal recorrido ter dado cumprimento ao disposto no artigo 639 n.º 3 do NCPCivil, convidando o recorrente a suprir a aludida insuficiência ou obscuridade na conclusão quanto à matéria de facto.

IX- Incumbe ao trabalhador e não à entidade patronal a prova do respectivo salário.

X - A qualificação e tratamento quer contabilístico quer em termos de segurança social e consequentemente em termos de cobertura de seguro, de parte dos pagamentos feitos a um trabalhador português no estrangeiro, com ajudas de custo, o antecedente histórico de indigência do autor, sem contribuições para a segurança social desde há mais de 20 anos, as tentativas de reforma do autor por invalidez em 2005 e o facto de pouco mais de um mês depois de ter entrado ao serviço da ré ter sofrido este estranho acidente, constituem um princípio de prova que o vencimento do autor, até por falta de carreira profissional era efectivamente o que constava da folha da segurança social e na seguradora, como vencimento.

XI - Esses indícios são suficientes para contrariar a prova de auferimento de salário acima do salário base declarado na seguradora e na segurança social, que de todo o modo não foi produzida e incumbia ao autor.

XII - Dizem as regras da experiência comum que mesmo quando são atribuídos aos trabalhadores determinados bónus a que se chamam ajudas de custo e mesmo que não se devam merecer esse tratamento, nunca tais bónus são contratados para serem pagos nas férias e nos subsídios de férias e de natal.

XIII - Violou a decisão recorrida o disposto no artigo 639º n.º 1 e 640º do NCPCivil, por erro de interpretação e em segunda linha o 639º n.º 3, ao rejeitar o recurso por alegada insuficiência das conclusões sem dar a oportunidade da rectificação do erro, a manter-se a tese do acórdão recorrido, que o referido comando impõe e o artigo 342º nº 1 e 3 do C. Civil ao considerar que incumbia à ré e não ao autor a prova que as ajudas de custo que seriam pagas ao autor integrariam a retribuição e que seriam pagas na mesma nas férias, subsídio de férias e de Natal.

XIV - Termos em que deve ser admitida a presente revista, e julgada procedente revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que determine a apreciação da apelação quanto à matéria de facto pelo Tribunal da Relação e que julgue não provado que as ajudas de custo que seriam pagas ao autor fizessem parte da retribuição e consequentemente que a retribuição do autor excedesse os 506,00 € mensais, mais subsídio de refeição nos dias de trabalho.”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Os presentes autos respeitam a ação emergente de acidente de trabalho.

O recebimento da participação do acidente de trabalho ocorreu em 4 de março de 2008.

O acórdão recorrido foi proferido em 18 de janeiro de 2016.

Nessa medida, são aplicáveis à revista:

         O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

         O Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão anterior àquela que resultou da revisão operada pelo DL n.º 295/2009, de 13 de outubro;

         A Lei n.º 100/97, de 13 de setembro;

         O Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se a Relação deveria ter conhecido da apelação no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto ou ter, pelo menos, convidado a recorrente a aperfeiçoar as suas alegações;

2 – Se as quantias pagas ao A. a título de ajudas de custo integram a retribuição para efeitos de cálculo da pensão e demais indemnizações decorrentes do acidente de trabalho.

4 – FUNDAMENTAÇÃO

4.1 – OS FACTOS

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

A) No dia 02.03.2007, o Autor encontrava-se em ROSPORDEN, em FRANÇA, a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré CC Lda., numa obra desta e, quando se encontrava num andaime, sofreu uma queda.

B) Nessas circunstâncias, o Autor auferia o vencimento base mensal de € 506,00 x 14 meses, acrescido do subsídio de alimentação no montante de € 101,20 x 11 meses.

C) Ao tempo, a referida empregadora tinha a sua responsabilidade infortunística laboral transferida para a Ré seguradora por contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, pela referida retribuição.

D) O Autor auferia ainda mensalmente as quantias de € 1.084,00 a título de ajudas de custo e € 108,80 de complemento de subsídio de refeição.

E) Na sequência do acidente, a Ré seguradora prestou ao Autor assistência médica e o perito médico do Tribunal atribuiu-lhe ITA desde 03.03.3007 a 25.06.2008, data em que lhe foi dada alta.

F) O Autor apresenta como sequelas «bexiga neurogénea com incontinência urinária; diminuição da libido e rigidez do ombro direito», a que corresponde uma IPP de 38,16% com IPATH.

G) Em deslocações a juízo e a exames médicos, no âmbito destes autos, o Autor despendeu € 12,80, que a Ré seguradora aceitou pagar.

H) Nas circunstâncias da queda referida em A), o Autor bateu com a cabeça.

I) Como consequência necessária e directa daquela queda, o Autor sofreu «traumatismo cerebral, lesão grave da bexiga e no ombro direito», que lhe determinaram, também como consequência necessária e directa, a referida ITA.

J) Após o acidente, o Autor apresentou «traumatismo cerebral, lesão grave da bexiga e no ombro direito».

K) O Autor foi admitido ao serviço da Ré patronal no dia 08.01.2007 para exercer as funções de picheleiro numa obra que esta tinha em ROSPORDEN, FRANÇA (aditado pela Relação por o considerar com interesse para a decisão e estar admitido por acordo do Autor e da Ré CC).

4.2 - O DIREITO

Vejamos então as referidas questões que constituem o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]).

4.2.1 - Se a Relação deveria ter conhecido da apelação no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto ou ter, pelo menos, convidado a recorrente a aperfeiçoar as suas alegações.

Estabelece o art. 640º do CPC:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Aplicando esta norma ao caso dos autos, referiu a Relação: «Desde já se adianta que a apelante não deu cumprimento ao disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 640º do CPC na medida em que nas conclusões do recurso – as quais limitam o seu objecto – omitiu, por completo, a indicação dos concretos factos que considera incorrectamente julgados. Na verdade, consta da sentença os factos dados como provados [alíneas A) a J)] e os dados como não provados [1 a 4], pelo que competia à apelante indicar, nas conclusões do recurso, quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que impugna, bem como a decisão, que no seu entender, deve ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada. Com efeito, a apelante não cumpre o determinado nas alíneas a) e c) do artigo 640º do CPC ao afirmar na conclusão 1ª do recurso – e única no que respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto – o seguinte: «pelo conjunto da prova e pelos esclarecimentos prestados em audiência pelo doutor Renato Pinho (dia 21.04.2015 das 14:40:44 às 14:59:07) impõe-se a alteração dos factos provados, afastando-se o acidente dos autos como sendo a causa adequada da IPP de que actualmente padece o Autor».

Deste modo, e ao abrigo do disposto nas alíneas a) e c) do nº1 do artigo 640º do CPC se rejeita a apreciação da decisão sobre a matéria de facto.»

A Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não pelo incumprimento pela recorrente, no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º, mas pelo facto de ter omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que impugna[va], bem como a decisão, que no seu entender, deve[ria] ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada.

Estabelece o art. 639º, nº 1, do CPC: “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação de decisão.”

As conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objeto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem. Por conseguinte, as conclusões terão que conter a indicação de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração, “ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto” ([5]).

Este Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.

Vejam-se, entre outros, os seguintes arestos deste Supremo Tribunal:

Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social (Ana Luísa Geraldes):

I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.

II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.

(…)

Ac. STJ de 11.02.2016, proc. 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Mário Belo Morgado):

I. Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna.

II. Se, para além disso, se retira das conclusões, inequivocamente, o sentido que a Recorrente entende dever retirar-se das provas invocadas e analisadas no corpo alegatório, não há fundamento para rejeição do recurso por parte da Relação.

(…)

Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1 (Pinto de Almeida):

(…)

II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação.

III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC).

IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada.

(…)

Ac. STJ de 4.03.2015, proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2 (Leones Dantas):

I- As exigências decorrentes dos nºs. 1 e 2 do artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil têm por objecto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objecto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 685.º-A do mesmo código.

II- Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado n fundamentação das alegações.

III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.

Ac. STJ de 26.11.2015, proc. 291/12.4TTLRA.C1.S1 (Leones Dantas):

(…)

III-         Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.

Ac. STJ de 3.12.2015, proc. 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Melo Lima):

(…)

 II- O art.º 640.º, do CPC exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.

III- Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.

IV- Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados.

Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes):

I.            No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.

II. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.

(…)

Debruçando-se sobre os requisitos das conclusões na perspetiva do cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, refere Abrantes Geraldes ([6]):

A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;

b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;

c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);

d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;

e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;

 f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.

Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-‑responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.

No caso dos autos e na fundamentação que aduziu nas alegações, a recorrente indicou os pontos da matéria de facto impugnados e a decisão pretendida, tendo ainda indicado os meios de prova em que funda a sua pretensão e que pretende ver reapreciados.

Todavia nas conclusões, relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, limita-se a consignar:

“I – Pelo conjunto da prova e pelos esclarecimentos prestados em audiência pelo Sr Dr Renato Pinho (dia 21/4/2015 das 14:40:44 às 14:59:07), impõe-se a alteração dos factos provados, afastando-se o acidente dos autos como sendo a causa adequada da IPP de que actualmente padece o autor”.

 É, assim, patente que, ao não indicar nas conclusões, os concretos pontos da matéria de facto cuja alteração pretende e a decisão alternativa que pretende quanto a cada um deles, a recorrente não cumpriu o ónus imposto pelo art. 640º, nº 1 do CPC, certo como é que, repete-se, são as conclusões que definem o objeto do recurso.

Alega também a recorrente que, perante a referida omissão, deveria a Relação, nos termos do art. 639º, nº 3 do CPC, tê-la convidado a aperfeiçoar as conclusões.

Mas tal pretensão não tem apoio na lei.

É certo que o art. 639º, nº 3, do CPC, dispõe que “quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior [invocando-se erro na determinação da norma aplicável, as conclusões devem indicar a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ser aplicada], o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetiza-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.”

No caso que nos ocupa, não se trata de qualquer deficiência das conclusões, mas de omissão de um requisito legal.

E se a deficiência conduz ao aperfeiçoamento, a omissão dos requisitos conduz à rejeição do recurso nessa parte, como se prescreve no art. 640º, nº 1 do CPC., certo como é, e consta da respetiva epígrafe, que este preceito regula, expressamente, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Sobre esta questão refere Abrantes Geraldes ([7]):

“A comparação que necessariamente tem que ser feita com o disposto no art 639º e, além disso, a observação dos antecedentes legislativos levam a concluir que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento.

 É verdade que, depois de no corpo do nº 1 se prever a “rejeição” do recurso se alude no nº 2, al, a), à “imediata rejeição”, o que poderia suscitar dúvidas sobre uma eventual duplicidade de situações que se pretenderam regular. Todavia, apesar da utilização de expressões não inteiramente coincidentes, as mesmas significam que o efeito de rejeição não é precedido de qualquer despacho de aperfeiçoamento.

 Esta solução é inteiramente compreensível e tem a sustentá-la a enorme pressão (geradora da correspondente responsabilidade) que durante décadas foi feita para que se modificasse o regime de impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliassem os poderes da Relação a esse respeito, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitiria corrigir. Além disso, pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. Enfim, a comparação com o disposto no art. 639º não deixa margem para dúvidas quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos da matéria de direito.

Em suma, perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, como decidido pela Relação.

Pelo referido não merece censura, nesta parte, o acórdão recorrido.

4.2.2 – Se as quantias pagas ao A. a título de ajudas de custo integram a retribuição para efeitos de cálculo da pensão e demais indemnizações decorrentes do acidente de trabalho.

Nos termos do art. 81º, nº 5 do CPT, aprovado pelo DL 480/99 de 9/11, com as alterações introduzidas pelo DL 38/2003 de 8/03, “à interposição do recurso de revista… aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil.”

E estabelece também o art. 87º, nºs 1 e 2:

“1 - O regime do julgamento dos recursos é o que resulta, com as necessárias adaptações, das disposições do Código de Processo Civil que regulamentam o julgamento do recurso de agravo, quer interposto na 1.ª instância, quer na 2.ª instância, conforme os casos.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, quando funcionar como tribunal de revista, o Supremo Tribunal de Justiça tem os poderes estabelecidos no Código de Processo Civil.”

Diz-se norma remissiva, aquela em que o legislador, «em vez de regular directamente a questão de direito em causa, lhe manda aplicar outras normas do seu sistema jurídico, contidas no mesmo ou noutro diploma legal» ([8]).

«A remissão diz-se estática ou material quando é feita para certa norma, em atenção ao seu conteúdo; diz-se dinâmica ou formal quando é feita para certa norma, em atenção apenas ao facto de ser aquela que, em certo momento, regula determinada matéria, aceitando-se o conteúdo, ainda que posteriormente alterado, da norma remitida» ([9]).

Como é sabido, a remissão da lei é, em regra, dinâmica ou formal.

Assim, sendo as transcritas normas do art. 81º, nº 5 e 87º, nºs 1 e 2 do CPT, inquestionavelmente dinâmicas ou formais, considerando a data da instauração da ação, da prolação do acórdão e o disposto no art. 7º nº 1 da Lei 41/2013 de 26/06, é aplicável à revista o Código de Processo Civil, aprovado por aquela Lei n.º 41/2013.

Estabelece o nº 1 do art. 671º do CPC: “Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.”

Todavia, o nº 3 do mesmo preceito restringe a admissibilidade do recurso nos seguintes termos: “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”

Não há a menor dúvida de que o acórdão recorrido confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença da 1ª instância, relativamente à epigrafada questão, ou seja, saber se as ajudas de custo devem integrar a retribuição para afeitos de cálculo da pensão, indemnizações e demais prestações decorrentes do acidente.

Estamos, por conseguinte, perante uma inequívoca situação de dupla conforme, impeditiva do respetivo conhecimento por este tribunal, para o que foram as partes tempestivamente advertidas.

Pelo referido, e sem necessidade de outras considerações, não se conhece desta questão.

DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2 – Condenar a recorrente nas custas da revista.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 27.10.2016

Ribeiro Cardoso - Relator

João Fernando Ferreira Pinto

Pinto Hespanhol




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[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2 e 679º do CPC.
[5] Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes).
[6] RECURSOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2013, pág. 128 e 629.
[7] In ob. cit. pág. 127 e 128.
[8] Baptista Machado, Introdução ao direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, pág. 105.
[9] Parecer da PGR nº 33/2009 de 8/10/2009, in DR IIª série de 22/03/2010.