Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B1094
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA GIRÃO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
DOCUMENTO PARTICULAR
FORÇA PROBATÓRIA
Nº do Documento: SJ200505310010942
Data do Acordão: 05/31/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 804/04
Data: 10/28/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I - A junção de documentos ao abrigo da 2ª parte do nº1 do artigo 706 do Código de Processo Civil só pode ter lugar se a decisão recorrida criar pela primeira vez a necessidade dessa junção, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.
II - Só gozam da força probatória que lhes confere o nº2 do artigo 376 do Código Civil os documentos particulares (não impugnados) cuja letra ou cuja assinatura, ou ambas em conjunto, sejam atribuídas a uma das partes pela outra;
III - Os documentos particulares escritos ou assinados por terceiros não têm essa força probatória, sendo de apreciação livre pelo tribunal (artigo 366 do Código Civil).
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" pede, nesta acção ordinária, que os réus B e C sejam condenados a mandar fazer as necessárias obras de reparação das canalizações de esgoto da fracção, de que são co-proprietários, de modo a eliminar as infiltrações de água na fracção de que o autor é proprietário e a pagar-lhe a quantia de 480.000$00, a título de indemnização pelos patrimoniais e não patrimoniais a que deram causa.
Os réus contestaram por impugnação, concluindo pela improcedência da acção.
Realizado o julgamento foi proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu os réus do pedido.
Apelou o autor, mas a Relação de Évora confirmou a sentença, negando provimento ao recurso.
Insiste agora o autor com o presente recurso - interposto e recebido como revista, mas corrigido para agravo já neste Tribunal --, formulando, no final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1. O tribunal de 1ª instância fez errónea interpretação / valoração da prova produzida;
2. Não conferindo qualquer força probatória aos documentos formais carreados para os autos;
3. Atribuindo ao relatório resultante da peritagem efectuada de nulo valor;
4. Fazendo extrapolações e tirando ilações que a lei não permite sobre a prova produzida;
5. A livre apreciação das provas consignado no artigo 655 do CPC não permite valorações discricionárias e contrárias às regras comuns da lógica, da experiência e dos conhecimentos científicos;
6. A sentença da 1ª instância fez errónea aplicação do direito aos factos;
7. É arbitrária e por isso nula;
8. O acórdão recorrido tinha a possibilidade de reapreciar a matéria de facto porquanto:
9. Do processo constam os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa - artigo 712, nº1, al. b) do CPC;
10. que constituem prova formal documental;
11. E dos elementos fornecidos pelo processo impunha-se decisão diversa - al. c) do supra citado artigo;
12. Não tendo o acórdão recorrido procedido à correcção da matéria de facto e não tendo admitido o documento apresentado violou expressamente as als. a), b) e c) do nº1 do artigo 712 do CPC.
13. O acórdão recorrido enferma de nulidade devendo ser substituído por outro que, nos termos acima fundamentados, corrija a matéria de facto, considerando provado a origem dos danos e condenando os réus no pedido.

Os recorridos contra-alegaram no sentido da improcedência do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

Conforme decorre do teor das conclusões acima transcritas, o recurso incide exclusivamente sobre nulidades que o recorrente assaca quer à sentença da 1ª instância, quer ao acórdão, ora sob recurso, por não terem valorado correctamente a prova, designadamente a pericial e a documental, tendo ainda o acórdão recorrido alegadamente violado o disposto nas alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 712 do Código de Processo Civil (CPC) por não ter reapreciado a matéria de facto e não ter admitido o documento que o recorrente apresentou com a sua alegação apelatória.

Esquece, porém, o recorrente que:
-- a decisão de que é alvo o presente recurso é o acórdão da Relação e não a sentença da 1ª Instância, tal como esta foi já alvo daquele;
-- as nulidades de sentença (in casu do acórdão) devem ser expressa e especificamente arguidas com referência a qualquer das alíneas do nº1 do artigo 668 do CPC, onde estão taxativamente previstas - nº3 do mesmo artigo;
-- o erro na apreciação das provas e a fixação da matéria de facto, fora das situações excepcionais previstas no nº2 do artigo 722 do CPC, exorbitam os poderes do Supremo, cuja função privilegiada é aplicar o direito aos factos fixados pela Relação - nºs 1 e 2 do artigo 729 do mesmo Código;
-- o não uso pela Relação da faculdade de alterar, ao abrigo das três alíneas do nº1 do artigo 712 do CPC, a decisão de facto proferida pela 1ª Instância, sempre foi considerado, na linha de jurisprudência firme e uniforme, insindicável pelo Supremo, estando hoje a irrecorribilidade de tal decisão - bem como a do uso da referida faculdade e ainda das que tenham sido proferidas ao abrigo de qualquer outro dos números do mesmo artigo 712 - expressamente consagrada no seu nº6, acrescentado pelo DL 375-A/99, de 20 de Setembro.

Vejamos agora a questão do documento referenciado nas conclusões do agravante, apresentado por este com a sua alegação do recurso de apelação e cuja junção não foi admitida pelo acórdão recorrido.

O documento em causa é o de fls. 362-363, datado de 12 de Janeiro de 2004 e subscrito por um engenheiro civil, que declara ter visitado, a solicitação do autor, o apartamento deste, onde detectou várias anomalias nas respectivas instalações sanitárias, para as quais propõe as medidas que considera adequadas.

A fundamentação do acórdão recorrido para rejeitar a admissão do documento é a seguinte:
«Com efeito, não só a elaboração do documento é posterior ao julgamento em 1ª instância, como também a necessidade da sua junção não resulta daquele julgamento, sendo certo que nem sequer o apelante justifica a sua apresentação neste momento.

Como esclarecidamente se refere no ac do STJ de 12/1/94, BMJ 433 - 467, o legislador, na última parte do artigo 706 do CPC, ao permitir às partes juntar documentos às alegações «no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância» quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, significando o advérbio «apenas», inserto no segmento normativo em causa, que a junção só é possível se a necessidade era imprevisível antes de proferida a decisão em 1ª instância. Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela 1ª vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.
O que manifestamente não é o caso dos autos...».

Esta decisão merece o nosso inteiro acolhimento, pois que assenta na interpretação correcta do artigo 706 do CPC.

De qualquer forma, ainda que se decidisse admitir a junção do documento, ele não tem a força probatória que o recorrente lhe imputa (e que a Relação tenha indevidamente desprezado), de modo a que, só por si, destrua a prova já produzida e em que a decisão assentou.

E isto porque estamos perante um documento particular assinado por terceiro.

Ora, como é sabido, só gozam da força probatória que lhes confere o nº2 do artigo 376 do Código Civil, os documentos particulares (não impugnados), cuja letra ou cuja assinatura, ou ambas em conjunto, sejam atribuídas a uma das partes pela outra.

Os documentos particulares escritos ou assinados por terceiros, como é o caso, não têm essa força probatória, sendo de apreciação livre pelo tribunal, conforme prevê o artigo 366 do Código Civil.

DECISÃO
Pelo exposto nega-se provimento ao recurso, com custas pelo recorrente.

Lisboa, 31 de Maio de 2005
Ferreira Girão,
Luís Fonseca,
Lucas Coelho.