Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
082151
Nº Convencional: JSTJ00015195
Relator: JOAQUIM DE CARVALHO
Descritores: CADUCIDADE
INTERRUPÇÃO
PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO
PROPOSITURA DA ACÇÃO
CITAÇÃO
Nº do Documento: SJ199206030821511
Data do Acordão: 06/03/1992
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N418 ANO1992 PAG687
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 267 N1.
Sumário : I - A caducidade não se suspende nem se interrompe, pelo que não lhe são aplicaveis as regras de suspensão e de interrupção da prescrição.
II - O acto impeditivo da caducidade e a propositura de acção e não a citação do Reu (artigo 267, n. 1, do Codigo de Processo Civil).
Decisão Texto Integral: Acordam em conferencia, neste Supremo:-
Por escritura publica, outorgada no Cartorio Notarial da Figueira da Foz em 17-1-64, A e mulher B adquiriram o predio rustico sito no lugar de Carro Queimado, freguesia de Samuel, concelho de Soure, e inscrito na matriz predial sob o artigo n. 5479 e descrito na Conservatoria de
Soure sob o n. 25888. Tal predio, composto de terra de semeadura, com algumas videiras e oliveiras, e com area de 2700 metros quadrados não tinha comunicação com a via publica.
Por escritura publica, outorgada no Cartorio Notarial de Soure em 23-1-69, os mesmos Marcial e mulher adquiriram o predio rustico inscrito na matriz sob o artigo 5478 e sito no mesmo lugar e freguesia do anterior. O qual e composto de terra de semeadura, com algumas oliveiras e arvores de fruto, e tem area de
1980 metros quadrados.
Estes dois predios são contiguos e o segundo confronta, a nascente, com a via publica, pelo que ambos passaram a ter acesso facil para esta via, fazendo-o o 1 atraves do 2.
Por escritura publica, outorgada no Cartorio Notarial de Soure em 13-3-86, aquele A e mulher B fizeram doação daquele segundo predio a sua filha C, que a aceitou; esta não era proprietaria de quaisquer terrenos contiguos ao predio doado, que não se destinou a fim diferente da exploração agricola.
Com o fundamento de que esta doação deu lugar a fraccionamento de terrenos contra o disposto no artigo
1376 do Codigo Civil, o Magistrado do Ministerio
Publico na comarca de Soure propos esta acção contra os doadores e a donataria e seu marido, D, pedindo, nos termos do artigo 1379 do mesmo
Codigo, a anulação da doação.
Contestaram os reus. E, alem de o fazerem por impugnação, excepcionaram ainda com a caducidade do direito de propor a acção.
Houve replica.
No saneador, foi julgada improcedente a referida excepção. E entrando logo na apreciação do merito, o
Senhor Juiz julgou procedente a acção declarando anulado o contrato de doação.
Recorreram os reus deste saneador-sentença. E a
Relação, no provimento do recurso, revogou-o julgando procedente a apontada excepção e prejudicada, por isso, a questão de fundo da anulabilidade da doação.
Do Acordão da Relação recorre agora o Ministerio
Publico (Autor) por, em sua opinião, nele se ter violado o disposto nos artigos 267 n. 2, 477 n. 2 e 476 n. 2, do Codigo de Processo Civil, e 327 n. 2, 332 n. 1 e 1379 n. 3, do Codigo Civil, porquanto:-
- O que suspende a caducidade e a propositura da acção e não a citação e isto não se altera por o autor ter sido convidado a corrigir a petição;
- O caso dos autos não se integra na previsão decorrente da interpretação "a contrario" do artigo 327 n. 3 do Codigo Civil porque não ha similitude ou equivalencia entre a absolvição da instancia e o despacho que convida o Autor a corrigir a petição inicial.
Os recorridos defendem a confirmação do Acordão.
Colhidos os vistos, vai decidir-se.
Trata-se de acção de anulação de acto de fracçionamento de terrenos que, na opinião do Autor, infrigira o disposto no artigo 1376 do Codigo Civil.
Mas, nos termos do n. 3 do artigo 1379 do mesmo Codigo, esta acção esta sujeita a caducidade no fim de tres anos a contar da celebração do acto.
E, como vimos, os reus invocaram esta mesma caducidade que, rejeitada na 1 Instancia, foi acolhida na Relação onde, por isso, não chegou a ser apreciada a questão de fundo da anulabilidade do acto. Assim, a unica questão que neste recurso se põe e a relacionada com a verificação, ou não, no caso, dessa caducidade.
O questionado acto de fracçionamento foi praticado, como vimos, em 13-3-86.
A petição da acção foi apresentada, e registada, na secretaria judicial em 28-2-89.
Mas, por despacho de 9-3-89 e nos termos do n. 1 do artigo
477 do Codigo de Processo Civil, foi o Autor convidado a corrigir essa petição de apontadas deficiencias quanto a indicações facticas.
Deste despacho foi o Autor notificado em 15-3-89; e em
03-4-89 pediu a prorrogação, por oito dias do prazo de dez dias que, para isso, lhe fora fixado naquele despacho, no que foi atendido. E, em 11-4-89 foi apresentada a petição corrigida, vindo os doadores a ser citados em 2-5-89 e a donataria e marido so em 27-4-89.
Notar-se-a, antes de mais, que no ano de 1989 as ferias judiciais de Pascoa decorreram entre 19 e 27 (inclusive) de Março, caindo, pois, em sabado o dia 18 desse mes. De onde ter de concluir-se que a prorrogação do prazo de 10 dias para apresentar petição corrigida, por mais 8, foi requerida no 7 dia desse prazo e a nova petição foi apresentada no 13 dia.
Ao contrario da 1 Instancia, a Relação julgou procedente a caducidade da acção de anulação.
A ideia base da argumentação que a isso conduziu foi a de que a caducidade da acção so e impedida pela citação do reu e não pela propositura da acção. E como aqui as citações dos reus so foram operadas, por culpa do Autor, depois de consumado o prazo de caducidade, esta procede. E, a força da referencia a citação e buscada no facto de no n. 3 daquele artigo 1379 se não falar na proposição da acção e de no artigo 267-2 do Codigo de Processo Civil se estabelecer que a proposição da acção em relação ao reu so produz efeitos a partir da citação.
Parece-nos que não pode acolher-se a solução adoptada pela Relação.
Trata-se de caducidade (não prescrição) referida ao direito de propor uma acção em juizo. E expressamente a lei proclama (artigo 328 do Codigo Civil) que, em principio, a caducidade não se suspende nem se interrompe, pelo que, a não ser quando isso seja ordenado, não lhe são aplicaveis as regras de suspensão e da interrupção da prescrição, o que aqui acontece.
Não se suspende, nem se interrompe; apenas se impede ou não impede. Como?
So a impede a pratica, dentro do prazo, do acto a que a lei atribua o efeito impeditivo (artigo 331 do Codigo
Civil). A partir dai o direito sera definido (pela positiva ou pela negativa), razão da inaplicabilidade da suspensão ou interrupção.
Reportada ao direito de propor a acção de anulação
(alusão clara daquele n. 3 do artigo 1379), parece indiscutivel que o acto a que tem de atribuir-se o efeito impeditivo dessa mesma caducidade e o da propositura dessa mesma acção. Temos como seguro, alias, que isso mesmo resulta bem claro da letra do artigo 332 do Codigo Civil, onde se fala na acção "......tempestivamente proposta (n. 1); e.....prazo decorrido entre a propositura da acção e......".
Aqui se revela, cremos que sem margem para duvidas, que o acto impeditivo da caducidade e o da propositura da acção, sem mais. O que importa para impedir a caducidade e a manifestação de vontade do titular do direito, exercendo-o, não a chegada dessa manifestação ao conhecimento da outra parte. Em parte nenhuma a lei faz depender, neste tipo de caducidade, o efeito impeditivo da propositura da acção de citação do reu, ao contrario do que se passa com a interrupção da prescrição (cfr. artigo 323-1 do Codigo Civil).
E a proposição da acção considera-se feita, consumada, com o recebimento da petição inicial na secretaria - n. 1 do artigo 267 do Codigo de Processo Civil. Pelo que vem de dizer-se não interessa o que se dispõe no n. 2 deste artigo, onde se apoiou, essencialmente, o Acordão recorrido.
Como se viu, a petição foi recebida na secretaria doze ou treze dias antes de se consumar o prazo da caducidade estabelecido no n. 3 do citado artigo 1379.
Se nada mais houver, concluiriamos, pois e ja, que a caducidade fora tempestivamente impedida.
Acontece, porem e como foi notado, que houve despacho considerando a correcção de deficiencias dessa petição no prazo de dez dias. E mais:- que foi pedida a prorrogação deste prazo, sendo a nova petição apresentada no periodo da prorrogação, embora antes de se atingir sequer o meio desta.
Isto levanta alguns problemas que tem de ser abordados, mas não os suscitados e solucionados no Acordão.
Efectivamente, e pelo que ja foi dito, não importa nada saber se a citação foi demorada por motivo imputavel ao Autor. O n. 2 do artigo 323 do Codigo Civil não pode ser para aqui chamado uma vez que respeita a interrupção da prescrição, o que na caducidade não existe. Não interessa a data da citação.
Por outro lado, e ao contrario do que se seguiu no Acordão tambem o disposto no n. 3 do artigo 327 do Codigo Civil não interessa nem pode ser aqui chamado mesmo so para uso do argumento "ao contrario".
E que, no caso, não houve, nem se trata, de absolvição da instancia por qualquer motivo nem da queda do efeito de algum compromisso arbitral - situações a que se aplica tal n. 3.
E nem sequer ha caso omisso a integrar.
Não. A situação concreta esta perfeita e integralmente regulada na 1 parte do n. 2 do artigo 477 do Codigo de Processo Civil. E e a partir daqui que ha-de solucionar-se este problema oriundo da repetição da petição com o circunstancialismo apontado.
Resulta desta ultima disposição legal que, sendo a nova petição apresentada dentro do prazo marcado, a acção se considera proposta na data em que a primeira petição tenha dado entrada na secretaria. Isto, claro, independentemente do motivo determinante do convite a correcção e sua imputabilidade.
Entendem os recorridos que isso não pode aplicar-se aqui porque a nova petição não foi apresentada dentro do prazo marcado, mas ja na prorrogação.
Pensamos que não tem razão. trata-se de prazo judicial, não marcado por lei, mas fixado por despacho do juiz, como tal, este prazo e prorrogavel - cfr. artigos 144-1 e 147, do Codigo de Processo Civil.
Desde que se trate de verdadeira prorrogação, o prazo inicialmente marcado e integrado por ela, constituindo-se um unico prazo simplesmente mais alongado.
E a prorrogação e real quando solicitada antes de terminado o prazo marcado por forma a não haver solução de continuidade no seu curso.
E foi, como se viu, o que aqui aconteceu.
Alias, mesmo o n. 2 daquele artigo 477 não elimina a possibilidade de prorrogação do prazo marcado para manter o efeito da apresentação atempada de nova petição.
Teremos, pois, de concluir que esta foi apresentada no prazo marcado, com o efeito, portanto, do n. 2 do artigo 476 do Codigo de Processo Civil.
Mas a isto apõem ainda os recorridos que tal efeito e afastado por a nova petição ser substancialmente diferente da primeira.
Tambem nisto não tem razão.
Sendo as duas petições logo se ve que a causa de pedir e o pedido são, em ambas, exactamente os mesmos. Apenas na segunda, e na correspondencia ao convite proposto, se articula mais completamente certos aspectos facticos integradores da causa de pedir.
Não cremos que isso justifique a acusação de diferença substancial, por forma a desconexionar inteiramente as duas petições. De resto e se assim fosse, certamente que o Senhor Juiz não deixaria de o apontar. E nada disse.
Procedem, pois, as conclusões da alegação do Recorrente. E ao julgar procedente a excepção peremptoria da caducidade da acção de anulação, ofende-se no Acordão em recurso o disposto nos artigos
1379- e 331-1, 332 e 327-3 (estes 2 ultimos por não serem aplicaveis), do Codigo Civil, e 477-2, do Codigo de Processo Civil.
Na improcedencia da excepção, os autos terão que voltar a Relação para ser apreciada a questão de fundo da anulabilidade de doação, que na 1 instancia foi apreciada e fazia parte do objecto da apelação, questão que ai foi considerada prejudicada pela solução adoptada quanto a caducidade.
Pelo exposto, concede-se a revista, revogando-se o
Acordão da Relação para ficar a subsistir a decisão da
1 Instancia quanto a improcedencia da excepção da caducidade; e, em consequencia, voltam os autos a Relação para, com os mesmos Senhores Desembargadores se possivel, ser completada a apreciação do objecto da apelação conforme ficou referido.
Custas pelos recorridos.
Lisboa, 3 de Junho de 1992
Joaquim de Carvalho,
Martins da Fonseca,
Beça Pereira.
Decisões Impugnadas:
I- Sentença de 90.01.04 do tribunal judicial de Soure;
II- Acordão de 91.06.18 da Relação de Coimbra.