Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6500/07.4TBBRG.G2.S3
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
REGISTO PREDIAL
FORÇA PROBATÓRIA DO REGISTO
CONFRONTAÇÕES DOS PRÉDIOS
USUCAPIÃO
LIVRE APRECIAÇÃO DAS PROVAS
PRESUNÇÕES NATURAIS
Data do Acordão: 02/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS – POSSE / USUCAPIÃO /DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS / DIREITO DE DEMARCAÇÃO.
DIREITO DOS REGISTOS E NOTARIADO – REGISTO PREDIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( ELABORAÇÃO DA SENTENÇA ) / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1287.º E SS., 1311.º E SS., 1354.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 607.º, N.º4.
CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL (CRP): - ARTIGO 7.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 23/9/04, PROCESSO N.º 04B2324, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. Não pode atribuir-se aos elementos constantes da descrição predial a força da presunção legal de titularidade, prevista no art. 7º do CRP, já que a jurisprudência há muito vem entendendo, de forma reiterada, que a força probatória do registo não se estende à definição das confrontações ou limites dos prédios cuja propriedade está inscrita.

2. Porém, e como é evidente, nada obsta a que tais limites e confrontações constem da matéria de facto e sejam livremente valoradas pelo julgador , em articulação com as demais provas produzidas, ao dirimir o litígio acerca da exacta configuração física dos prédios em causa.

3. Incidindo a controvérsia, não sobre a titularidade dos prédios em confronto, mas, mais propriamente, sobre a sua precisa delimitação física, em consequência de ambas as partes se arrogarem a propriedade de determinada parcela de terreno situada na confluência dos lotes de que se reconhecem proprietários, a acção de reivindicação só poderá proceder na totalidade se puder considerar-se processualmente adquirido, como verdadeiro facto essencial, que o efectivo exercício de actos possessórios pelos AA e seus antecessores, susceptível de conduzir à usucapião, incidiu também sobre a parcela de terreno cuja titularidade é controvertida.

4. O quadro factual do litígio, relevante para operar a respectiva subsunção normativa, não se circunscreve apenas às respostas aos quesitos, complementadas e esclarecidas pela fundamentação ou motivação do julgador, já que incumbe às instâncias desenvolver e integrar toda a matéria factual relevante, complementando o quadro fáctico através da formulação de presunções judiciais ou naturais, assentes nas regras ou máximas de experiência, que permitem inferir factos que, constituindo lógico desenvolvimento dos que constam das respostas aos quesitos, contribuem para delinear de forma completa e integrada a matéria litigiosa.

5. Não competindo ao STJ sindicar a substância ou o mérito das presunções naturais que a Relação entendeu extrair da factualidade provada e por ela reapreciada, interpretar a matéria de facto apurada em acção de reivindicação, com vista a decidir se determinados actos possessórios dos demandantes, tidos por provados, abrangeram ou não determinada parcela de terreno do prédio reivindicado, é questão puramente factual, assente na livre valoração de provas desprovidas de valor legal ou tarifado, não incumbindo ao Supremo, no âmbito de um recurso de revista, sindicar o mérito de tal decisão das instâncias.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA e mulher, BB, intentaram acção de condenação, na forma ordinária, contra CC e mulher, DD, pedindo que os RR. sejam condenados a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o prédio que identificam e a restituírem-lhes determinada parcela de terreno – faixa horizontal, situada na parte sul do prédio reivindicado pelos AA., contígua à estrada nacional - que abusivamente ocuparam, bem como a absterem-se de perturbar novamente o seu invocado direito de propriedade e posse.

Citados, contestaram os RR, impugnando os factos alegados pelos AA., sustentando que a parcela de terreno em litígio faz parte do seu próprio prédio e defendendo a improcedência da acção.

Os AA replicaram, reiterando a sua inicial posição.

Após saneamento e instrução do processo, procedeu-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença a julgar a acção procedente - condenando os RR a reconhecerem o direito de propriedade dos AA sobre todo o prédio identificado na petição, incluindo a parcela de terreno que se desenvolve ao longo da sua confrontação com a via pública, situada a sul, e a restituírem-lhes essa parcela.

Inconformados, os RR apelaram, tendo a Relação julgado parcialmente procedente o recurso, alterando a resposta ao ponto 1º da base instrutória, dela expurgando matéria de facto não oportunamente alegada, nem processualmente adquirida de forma regular, - e determinando ainda a ampliação da base instrutória, mediante o aditamento de novos factos, referentes à inclusão da faixa de terreno referida no art- 7º da BI em algum dos prédios em litígio, com a consequente anulação da decisão sobre a matéria de facto e da sentença.

Efectuado o ordenado aditamento à base instrutória e realizado novo julgamento, foi proferida nova sentença, idêntica à primeira.

Novamente inconformados, apelaram os RR., impugnando, desde logo, o julgamento da matéria de facto, tendo a Relação negado provimento ao recurso, não determinando qualquer alteração quanto à matéria de facto - e considerando extemporânea a junção de determinado documento na fase da alegação.



De tal acórdão foi interposto recurso de revista para o STJ.

O STJ, em acórdão de 19.02.2013 (fls. 972/986), anulou o referido Acórdão da Relação, determinando que:

- após produção de prova sobre o invocado conhecimento tardio do documento de fls. 749, se decidisse admitir ou rejeitar esse documento; e, caso fosse admitida a respectiva junção, a Relação apreciasse livremente o seu conteúdo, em conjugação com a demais prova, no âmbito da reapreciação da matéria de facto impugnada.

- se eliminasse, nos termos do nº4 do art. 646º do CPC, a matéria constante dos quesitos 14º e 15º (em que se perguntava se a parcela de terreno em litígio fazia parte do prédio dos AA. ou dos RR.), por considerar o seu conteúdo manifesta e claramente conclusivo.


2. Remetidos os autos à Relação, começou esta por enunciar a matéria de facto que a decisão de 1ª instância considerara provada, notando ainda que, por força do decidido pelo STJ, tinha de considerar-se inexistente o segmento do ponto 10 da matéria de facto, atinente à inclusão da faixa de terreno em litígio no prédio reivindicado pelos AA., fazendo-o nos seguintes termos:

“1 - Em 17 de Abril de 2001, foi adjudicado à firma "EE, Lda", no âmbito do processo de execução que sob o n.º 18/98 correu termos pelo 3º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Braga, o prédio rústico denominado "FF", a confrontar do norte com GG, do sul com caminho municipal n.º 13…, do nascente com HH e do poente com II, situado na freguesia de Aveleda, neste concelho e comarca de Braga, inscrito na matriz sob o artigo 426º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4....

2 - Essa aquisição mostra-se definitivamente registada a favor da "EE, Lda", por apresentação datada de 8 de Março de 2002.

3 - O prédio transmitido fora arrestado em Fevereiro de 1998, no âmbito de uma providência cautelar intentada pela "EE, Lda", como preliminar da citada execução, arresto esse que foi posteriormente convertido em penhora.

4 - Por escritura pública outorgada no dia 22 de Novembro de 2006, JJ e KK, agindo na qualidade de sócios gerentes e em representação da "EE, Lda", declararam vender ao A., que por sua vez declarou comprar à representada daqueles, o referido prédio, mediante uma contrapartida pecuniária de € 25.000,00.

5 - No decurso de uma assembleia geral realizada no dia 28 de Dezembro de 2006, foi aprovada por unanimidade a proposta de dissolução da "EE, Lda", bem como a declaração de encerramento da liquidação, por inexistência de activo e passivo.

6 - Por escritura pública outorgada no dia 12 de Abril de 2001, no 2° Cartório Notarial de Braga, LL declarou vender aos RR, os quais, por sua vez, declararam comprar àquela, o prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão e andar, com logradouro, situado no lugar do Monte, FF ou MM, freguesia de Aveleda, neste concelho e comarca de Braga, inscrito na matriz sob o artigo 436° e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., mediante uma contrapartida pecuniária de 18.500 contos.

7 - Desde há mais de 20 anos que os AA, por si e antecessores, usufruem o prédio referido na alínea A), venerando-o e suportando os inerentes encargos, o que sempre fizeram ininterruptamente, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de dele serem donos.

8 - Esse prédio confronta do lado nascente com o prédio referido na alínea F) da matéria de facto assente.

9 - Em 2002, aquando de uma visita ao prédio por parte do legal representante da firma “EE, Lda”, o Réu marido, arrogando-se dono de uma parcela de terreno que dele fazia parte, correspondente a uma faixa horizontal contígua à estrada que o delimita pelo lado sul, impediu aquele de o vedar.

10 - Há mais de 30 anos que o prédio referido na alínea A) da matéria de facto assente apresenta as confrontações aí indicadas.

11 - Em Março de 2006, o Réu marido impediu um topógrafo recrutado pelo legal representante da "EE, Lda" de fazer o levantamento do prédio referido em A).


3. De seguida, e após enunciar as questões que constituíam objecto do recurso de apelação, em que se incluía a impugnação deduzida contra o julgamento da matéria de facto em 1ª instância – suscitou a Relação a questão prévia de ineptidão da petição inicial, já que, na sua óptica, integraria tal nulidade principal a falta de alegação de factos que permitissem a sustentação do direito reivindicado, fazendo-o nos seguintes termos:

A causa de pedir é constituída pelo facto ou factos de onde emerge o direito que o A pretende fazer valer. Nas acções reais (como é o caso), a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real. (artº 498º, nº 4 do CPC)

Pede-se, na petição inicial, o reconhecimento da posse e do direito de propriedade sobre determinado prédio e ainda a restituição ao A de “toda e qualquer parcela” daquele prédio, nomeadamente “a referida em 27º”.

No artº 27º da petição inicial “identifica-se” tal “parcela” como “uma faixa horizontal, na parte sul do prédio id. Em 3º, contígua à estrada nacional”. Em nenhum outro local da petição inicial se descreve com um mínimo de rigor tal parcela.

Entendemos que, pura e simplesmente, não é alegado (de forma minimamente inequívoca / concretizada) o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade que se pretende fazer valer, ou seja, especificamente, o direito de propriedade sobre a referida parcela (imprecisão que, evidentemente, se estende à integralidade do prédio): com efeito, sem a necessária descrição da parcela (desde logo, a respectiva área e contornos concretos), como é possível que o tribunal aprecie com exactidão a sua pretensão e, mais grave, como pode concretizar-se a decisão, se é desconhecido o concreto objecto a executar – em caso de procedência da acção, qual é a parcela que se restitui aos AA? Qual é a sua área? Qual é a sua concreta implantação no local?

Entendemos, pois, que a petição inicial é notoriamente inepta. (artº 193º, nº 2, alínea a) do CPC)

A ineptidão da petição inicial dá lugar à absolvição da instância, uma vez que, tratando-se de um vício processual que gera a nulidade de todo o processo (artº 193º, nº 1), é-lhe aplicável o disposto nos artigos 288º, nº 1, alínea b) e 494º, alínea b), ambos do CPC. 

Decidir-se-á em conformidade, ficado prejudicado o conhecimento das demais questões.


4. Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA. revista, a que foi concedido provimento pelo acórdão de fls. 1228 e segs., por se haver considerado, desde logo, que não era possível suscitar oficiosamente , na fase de recurso, a nulidade decorrente da invocada ineptidão da petição inicial, determinando-se a remessa dos autos à Relação para apreciação das questões suscitadas pelo recorrente no âmbito da apelação interposta.

Por outro lado, notou-se no referido aresto que a referida nulidade principal supõe que o A. não haja definido factualmente o núcleo essencial da causa de pedir invocada como base da pretensão que formula, obstando tal deficiência a que a acção tenha um objecto inteligível: ora, a mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida (implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, omite a densificação, ao nível tido por adequado à fisionomia do litígio, de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial) não gera o vício de ineptidão, apenas podendo implicar a improcedência, no plano do mérito, se o A. não tiver aproveitado as oportunidade de que beneficia para fazer adquirir processualmente os factos substantivamente relevantes, complementares ou concretizadores dos alegados, que originariamente não curou de densificar em termos bastantes.


5. Remetidos os autos à Relação, julgou esta improcedente a impugnação deduzida contra a matéria de facto – o que ditou a estabilização do quadro factual atrás descrito.

E, passando a pronunciar-se sobre o enquadramento jurídico de tal factualidade, considerou o acórdão ora recorrido que improcedia a apelação, confirmando a sentença que havia julgado procedente a acção, com fundameno na aquisição por usucapião, nos seguintes termos:

Afirmam os recorrentes que houve erro de julgamento, quanto à questão de direito, no sentido de que a acção deve improceder por falta de alegação e de prova de matéria que permita a sustentação do direito reivindicado.

Começamos por realçar que os recorrentes nas suas alegações (conclusão 6ª supra) afirmam que “os próprios RR reconhecem o direito de propriedade dos AA sobre o prédio da al. A)”.

Escudam-se depois na pretensa circunstância de que não ter sido alegada e apurada a delimitação física do mesmo para concluírem que não se verificam os pressupostos da reivindicação do prédio, cujo reconhecimento se pede, com base na usucapião.

Discorda-se de tal.

Os pontos de facto provados nºs 1 a 4 devidamente conjugados e interligados com a materialidade fáctica provada nos pontos nºs 7 a 11 permitem concluir que a faixa de terreno em litígio, ou seja, a dita faixa horizontal constitui parte integrante, está englobada no prédio reivindicado pelos AA., a que se reporta o facto provado nº1 e cujos elementos da posse (corpus e animus) se mostram evidenciados no factualismo apurado no ponto nº 7.

Acresce dizer que, muito embora as confrontações de um prédio não demonstrem ou façam presumir a propriedade sobre o mesmo e nesses moldes, não deixam de constituir um elemento de identificação do mesmo.

Ora, no caso sub judice, em que está em causa a propriedade (e não a demarcação) sobre o terreno, tal como o configuram os AA (aliás, tendo em conta todo o historial do prédio associado à aquisição do mesmo pelos antecessores dos AA. e reportado ao momento em que o pai dos aludidos HH e NN lhes “ofereceu” dois lotes contíguos, um a cada um), a circunstância de se ter provado que, i) pelo lado sul, tal prédio, confina com o caminho/estrada municipal (ponto de facto nº1), ii) que o mesmo, pelos AA e antecessores, há mais de 20 anos, é usufruído, venerado, suportados os encargos, de forma ininterrupta, à vista de todos, sem oposição e na convicção de serem donos (ponto de facto provado nº 7, iii) que há mais de 30 anos apresenta aquelas confrontações (ou seja abrangendo a dita faixa horizontal que delimita pelo lado sul o prédio referido no ponto de facto provado nº 7) (ponto de facto provado nº 10), não pode deixar de se concluir que está demonstrada a propriedade dos AA sobre o prédio por si reclamado.

Aliás, da própria factualidade provada e descrita no ponto 9 é possível extrair que o direito de propriedade reclamado pelos AA não pode deixar de abarcar a dita faixa de terreno, na medida em que a oposição dos RR, respeitava à parcela que delimitava pelo lado sul o prédio.

No que concerne à alegada falta do elemento psicológico da posse – animus – por parte da sociedade “EE Ldª”, acolhem-se os seguintes argumentos aduzidos pelo tribunal recorrido, na decisão de 21.01.2010 (fls. 211-212): ”É certo que a firma "EE, Lda" e os próprios AA - que o adquiriram àquela após o decretamento da providência cautelar intentada como preliminar destes autos - nunca praticaram quaisquer actos materiais de posse sobre o prédio reivindicado, mercê da resistência que entretanto lhes foi oposta pelos RR.

Todavia, tendo-se demonstrado que o direito de propriedade sobre esse prédio, incluindo a parcela de terreno em litígio, já existia no património do transmitente (considerando-se, como tal, o executado NN) e que a firma "EE, Lda" o adquiriu regularmente, é forçoso concluir que esta podia invocar em seu abono a posse exercida por aquele e o direito de propriedade que a mesma lhe conferia e, consequentemente, transmiti-lo, como fez, aos AA.”.

Ainda assim, todo o factualismo apurado no ponto nº 7 da decisão de facto integra ambos os elementos – corpus e animus – por banda dos AA e seus antecessores.


6. Inconformados, interpuseram os RR. nova revista, que encerram com as seguintes conclusões:

1ª - No lugar de FF ou MM, freguesia de Aveleda, concelho de Braga, os AA/Recorridos são donos e legítimos possuidores reconhecidos (inclusive pelos RR/Recorrentes) de um prédio rústico que, em 2006-11-22, compraram a EE, Lda, (FP 1 a 4 e 7) e os RR/Recorrentes são donos e legítimos possuidores reconhecidos (inclusive pelos AA/Recorridos) de uma moradia com logradouro que, em 2001-04-12, compraram a LL (FP 6), prédios contíguos,

-01.3, a fls. 23 e 24 supra

2ª - Conforme o apenso, em 2006-09-21, portanto 2 meses antes de vender o prédio dos FP 1 aos AA, EE, Lda, requereu contra os aqui RR Providência Cautelar de Restituição Provisória da Posse de uma parcela de terreno situada entre os perímetros indiscutidos daqueles 2 prédios (a norte e ao longo do caminho/estrada municipal n° 1316, a sul do perímetro do prédio do FP 1 reconhecido pelos RR e a poente do perímetro do prédio do FP 6 reconhecido pelos AA) a qual foi decretada, em 2006-12-14, mas veio a ser revogada pelo Tribunal da Relação, por Ac. de 2008-04-17, que julgou não resultar "dos factos alegados e provados que a requerente da providência haja adquirido a posse sobre a parcela de terreno em causa".

-A.1, a fls. 1 e 2 supra

3ª - Os AA/Recorridos instauraram a presente acção, em 2007-09-13, para que nela se decida a disputa que travam com os RR/Recorrentes sobre a propriedade daquela parcela da conclusão que antecede.

-A.2.1 a fls. 2 e 3 supra

4ª - Após contestação, réplica e saneador, em 2008-04-02 foi elaborada a seleção da "Matéria de Facto Assente" (MFA) e da Base Instrutória (BI), cuja reclamação dos RR foi desatendida, com o teor constante de fls. 3 a 5 supra.

- A.2.2 a fls. 3 a 5 supra

5ª - Em fase de discussão e julgamento realizou-se Inspeção Judicial ao local, registada na ata da sessão de 2008-12-12, na qual se descreveu a parcela, ainda que de forma algo imprecisa e conclusiva (pois, ao descrever o prédio dos RR como "vedado em todo o seu perímetro, designadamente na estrema em que confronta com a aludida parcela" em litígio, o Mmo Juiz expressou já ter concluído, que esta parcela em litígio não integrava o prédio dos RR).

- A 2.3, a fls. 5 supra

6ª - Em 2009-01-14 foi proferida decisão do que o Mmo juiz entendeu ser a matéria de facto litigiosa, no termos de fls. 5 e 6 supra, e em 2009-01-21 foi proferida sentença, que julgou parcialmente procedente a ação, condenando "os RR a reconhecerem o direito de propriedade dos AA sobre o prédio identificado no artigo 3° da petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido, incluindo a parcela de terreno que se desenvolve ao longo da sua confrontação com a via pública situada a sul".

- A.2.4 a fls. 5 e 6 supra

7ª - Em 2009-10-20, a Relação anulou a decisão da "matéria de facto" e a sentença, reduzindo a resposta à base 1ª, na parte em que o Mmo Juiz a quo julgara provado que os antecessores dos AA visitavam o prédio do FP 1, limpando, por si e por intermédio de terceiros o mato que nele crescia e autorizando os antecessores dos RR na titularidade do prédio do FP 6 a cultivarem uma parte dele, por isso não constituir matéria fáctica alegada pelas partes; e, para realização de 2º julgamento, aditou à BI os quesitos 13° a 19°, com o teor constante de fls. 6 e 7 supra.

- A.2.5 a fls. 6 e 7 supra

8ª - Antes de iniciado o 2º julgamento, a fls. 668/671 dos autos, os ora recorrentes reclamaram por manifesta contradição entre:

• por um lado, os novos quesitos 15° a 19°, onde se indagava se os RR e seus  antecessores na titularidade do prédio da al F) dos "Factos" Assentes, vinham a exercer, há mais de 25 anos, atos materiais de posse sobre a parcela em litígio (aludida no art° 7° da BI),

• e, por outro lado, a matéria que o Mmo Juiz decidiu manter como já provada: (i) a da da al. A) da MFA/FP 1, em conjugação com a da resposta ao art° 6° da BI/FP 8, que já tinha como provado que o prédio adjudicado aos AA se estendia para sul até à estrada (logo abarcando a parcela em litígio), (ii) e a resposta, não alterada, ao próprio artº 7º, conjuntamente com o art° 8° da BI/ FP 9, pela qual também se julgava provado que a parcela em litígio fazia parte daquele mesmo prédio da al. A) (o adjudicado aos AA).

Indeferida a reclamação, resulta óbvio que, por ter de respeitar toda a vasta matéria da al. A) da MFA e das respostas aos quesitos 6°, 7° e 8º, o 2° julgamento violou o princípio do contraditório consagrado no artº 3º do CPC, por manifesta inutilidade de instrução e discussão sobre matéria contraditória com a já decidida e a manter, por si bastante para ter determinado - como veio a verificar-se - o Mmo Juiz a responder negativamente aos quesitos 15° a 19° e afirmativamente aos quesitos 13° e 14°, do seguinte teor: Bases 13°e 14° - Provado que há mais de 30 anos, o prédio referido na al. A) da matéria de facto assente apresenta as confrontações aí indicadas, dele fazendo parte a faixa de terreno referida na base 7ª";

E tudo isso determinou a também óbvia consequência de a 2ª sentença, de 2011-06-09, ter concluído nos exatos termos da de 2009.

- A.2.6-a) e b) a fls. 7 e 8 supra

9ª - ASSIM, se houvesse de julgar-se existir nos autos alegação de factos essenciais nucleares necessários à procedência da ação, sempre haveria de ser repetido o 2º julgamento referido nas duas conclusões que antecedem para apreciação da matéria não conclusiva contida nas bases 6ª a 8ª, 13° e 16° a 19° (14° e 15°, entretanto, eliminados em 2013-02-18, por conclusivos), eliminando-se as respostas dadas, anteriormente, a esses quesitos, por ter violação do disposto no art° 3°.3 dos CPC então e agora em vigor.

- A.2.6-c), a fls. 8 supra

10ª - Após nova Apelação dos RR (apresentada, em versão definitiva, em 2011-1124), com 10 das 19 Conclusões dedicadas ao expurgo da matéria conclusiva e de direito da sentença e à demonstração da falta de matéria restante suficiente para a procedência da ação, a Relação, por acórdão de 2012-07-11, confirmou a rejeição da apreciação da superveniência de um documento que instruiu as Alegações e confirmou a sentença.

-A 2.7, a fls. 8 supra

11ª - Em Revista de 2013-02-19, este Mui Venerando Tribunal concluiu pela procedência da questão prévia, da apreciação pela Relação da superveniência do documento, em prejuízo do conhecimento das demais questões, que, sendo aquele admitido e tendo em conta a sua livre apreciação, deveriam voltar a ser apreciadas na 2ª instância. Mas, desde logo, por manifestamente conclusivos, atalhou por eliminar os quesitos 14º e 15° e respetivas respostas, justificando que “perguntar se determinada faixa de terreno faz parte dos prédios identificados nos autos, não passa de mera conclusão, não alicerçada em qualquer facto material."

- A.2.8 a fls. 8 e 9 supra

12ª - Por acórdão de 2014-09-15, a Relação admitiu o documento cuja superveniência antes recusara apreciar e, depois de enunciar a posição dos RR nas conclusões de 2011-11-24, no sentido de que "o tribunal não dispõe de factos alegados nos articulados ou adquiridos ao abrigo do disposto no art° 264° do CPC suficientes para a demonstração da posse e do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em litígio, o que, no seu entendimento, conduz à improcedência da ação" (antepenúltimo parágrafo de fls. 28), no início do 3º parágrafo de fls. 29 perfilhou-a, escrevendo: "Entendemos que, pura e simplesmente, não é alegado (de forma minimamente inequívoca/concretizada) o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade.. sobre a referida parcela".

- A.2.9- a) a c), a fls. 9 supra

13ª - Mas, ainda a fls. 29, aquele acórdão de 2014-09-15 cometeu 2 erros:

 • Em vez de seguir a falta de alegação dos factos materiais essenciais consubstanciadores da atuação possuidora sobre a parcela, divergiu para a deficiente identificação da própria parcela objeto do litígio - questão relativamente à qual nem havia verdadeira falta de factos;

• E, em vez de concluir pela improcedência da ação, julgou inepta a petição inicial e, assim, decretando a absolvição da instância.

- A.2.9- d), a fls. 9 supra, e C.1.2.2- e), a fls. 20 supra

14ª - Em nova Revista, de 2015-03-26, este STJ, reportando a decisão de absolvição de instância por deficiente alegação da identificação da parcela, concluiu que a mera insuficiência na densificação ou concretização não gera o vício de ineptidão, mas pode implicar a improcedência, no plano do mérito, se o A. não tiver aproveitado a oportunidade de que beneficia para fazer adquirir processualmente os factos substantivamente relevantes, complementares ou concretizadores dos alegados.

-A.2.10, a fls. 9 e 10 supra

15ª - Na sequência daquela última Revista, o acórdão recorrido, de 2015-06-25, este 4º acórdão a Relação decidiu confirmar a sentença recorrida, de 2011-06-09, com base no que esta mesma julgara ser a "factualidade" provada, apenas com a correção do acórdão da Revista de 2013-02-19, julgando, pois, que são "Factos Provados":

FP 1 - Em 17 de Abril de 2001 foi adjudicado à firma "EE, Lda", no âmbito do processo de execução que sob o n.° 18/98 correu termos pelo 3º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Braga, o prédio rústico denominado "FF", a confrontar do norte com GG, do sul com caminho municipal n.° 1316, do nascente com HH e do poente com II, situado na freguesia de Aveleda, neste concelho e comarca de Braga, inscrito na matriz sob o artigo 426° e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 414 - alínea A) da matéria de facto assente;

FP 2 - Essa aquisição mostra-se definitivamente registada a favor da "EE, Lda" por apresentação datada de 8 de Março de 2002 - alínea B) da matéria de facto assente;

FP 3 - O prédio transmitido fora arrestado em Fevereiro de 1998 no âmbito de uma providência cautelar intentada pela "EE, Lda" como preliminar da citada execução, arresto esse que foi posteriormente convertido em penhora - alínea C) da matéria de facto assente;

FP 4 - Por escritura pública outorgada no dia 22 de Novembro de 2006, JJ e KK, agindo na qualidade de sócios gerentes e em representação da "EE, Lda", declararam vender ao A., que por sua vez, declarou comprar à representada daqueles, o referido prédio, mediante uma contrapartida pecuniária de €25.000,00 - alínea D) da matéria de facto assente;

FP 5 - No decurso de uma assembleia-geral realizada no dia 28 de Dezembro de 2006, foi aprovada por unanimidade a proposta de dissolução da "EE, Lda", bem como a declaração de encerramento da liquidação, por inexistência de activo e passivo - alínea E) da matéria de facto assente;

FP 6 - Por escritura pública outorgada no dia 12 de Abril de 2001 no 2º Cartório Notarial de Braga, LL declarou vender aos RR, os quais, por sua vez, declararam comprar àquela, o prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão e andar, com logradouro, situado no lugar do Monte, FF ou MM, freguesia de Aveleda, neste concelho e comarca de Braga, inscrito na matriz sob o artigo 436° e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 416°, mediante uma contrapartida pecuniária de 18.500 contos - alínea F) da matéria de facto assente;

FP 7 - Desde há mais de 20 anos que os autores, por si e antecessores, usufruem o prédio refendo na alínea A), venerando-o e suportando os inerentes encargos, o que sempre fizeram ininterruptamente, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de dele serem donos - resp. às bases 1ª a 5ª (provindas dos art°s 10 e 11 da PI);

FP 8 - Esse prédio confronta do lado nascente com o prédio referido na alínea F) da matéria de facto assente - resp. à base 6ª (provinda do art° 3 da PI;

FP 9 - Em 2002, aquando de uma visita ao prédio por parte do legal representante da "EE, Lda", o Réu marido, arrogando-se dono de uma parcela de terreno que dele fazia parte, correspondente a uma faixa horizontal contigua à estrada que o delimita pelo lado sul, procurou impedir aquele de o vedar - resp. às bases 7ª e 8ª (provindas dos art°s 26 e 27 da PI);

FP 10 - Há mais de 30 anos que o prédio referido na alínea A) da matéria de facto assente apresenta as confrontações aí indicadas - resp. à base 13ª (provinda do art° 7 da PI);

FP 11 - Em Março de 2006 o Réu marido impediu um topógrafo recrutado pelo legal representante da "EE, Lda." de fazer o levantamento do prédio referido em A) - resp. à base 9ª (e provinda do art° 31 da PI)

-B.1 e B2, de fls. 10 a 13 supra

16ª - O art° 1316° do CCivil dispõe que o direito de propriedade se adquire, além do mais, por contrato e por usucapião (que remete para os art°s 1287° e 1251 do CCivil), e o art° 1311° do mesmo diploma supõe o reconhecimento do direito de propriedade da coisa reivindicada como pressuposto do direito à restituição.

Assim, face ao teor dos art°s 1287° e 1251 do CCivil do CCivil, a quem reivindica a aquisição originária do direito de propriedade de uma parcela de terreno entre um prédio seu e um prédio contíguo de outrem, o art° 342° do CCivil impõe-lhe o ónus de alegar e provar os FACTOS constitutivos (não, obviamente, conclusões) do direito de propriedade sobre a parcela reivindicada, deverá alegar e provar a atuação ou prática de actos materiais, acontecimentos ou factos concretos que consubstanciem a posse sobre a parcela objecto da disputa, com as características capazes de transformá-la em direito de propriedade (adquirido por usucapião).

E o CPC de 1961, em vigor até ao encerramento da instrução e discussão da causa, prescrevia, no art° 264° [que se conjugava com o art° 650°.1-f)] que às partes cabia alegar os factos que integram a causa de pedir (n°1), só podendo o Juiz aditar-lhes os notórios e os instrumentais (se resultarem da instrução e discussão) e ainda os essenciais à procedência das pretensões formuladas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes houvessem oportunamente alegado e resultassem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada tivesse manifestado vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.

-C.1.1, a fls. 14 supra

17ª - Não cumpre o ónus do art° 342° do CCivil a alegação de matéria que, pressupondo, sem alegar nem demonstrar, aquele exercício da posse, logo conclui que a parcela pertence ao ou faz parte do prédio do reivindicante ou, por outra forma, mas com os mesmos pressuposto e carga conclusiva, a alegação de confrontações prédio do reivindicante por forma a abarcar neste a parcela objeto do litígio.

A essa matéria conclusiva ou de direito, o 646°.4 do CPC de 1961 mandava considerá-la não escrita. Mas o art° 607°.3 e 4. do atual CPC também não permite aproveitá-la, pois obriga a discriminar e declarar quais "os factos" provados, só deles podendo extrair as conclusões, seja, "presunções impostas pela lei e pelas regras da experiência”. A afirmação de tais conclusões - que já encerram em si (sem mais) a solução jurídica do pleito, do thema decidendum - há de relegar-se para a fase de aplicação do direito, extraindo-as, então, dos factos, por via das presunções e das regras da experiência.

-idem

17ª - A interpretação da lei expressa nas duas conclusões que antecedem encontra suporte na jurisprudência encabeçada pelo Ac. da Relação do Porto de 2009-10-20, publicado em dgsi. pt., como Doc. RP200910201403/07.5TJVNF.P1, por sua vez estribado em MANUEL DE ANDRADE [in "Noções Elementares de Processo Civil", pg. 187], ANSELMO DE CASTRO [in "Direito Processual Civil Declaratório", vol. III, 1982, pgs. 268 e 269], e ABRANTES GERALDES [in "Temas da Reforma do Processo Civil', II vol., 1997, pg. 138], que, eliminando do elenco dos pretensos "Factos" as respostas falaciosas que vincum a parcela em disputa a um ou a outro dos prédios contíguos, por afirmação direta ou por indicação da configuração das estremas de tais prédios, sumariou o seguinte juízo:

"/ - Numa acção de reivindicação em que está em causa o direito de propriedade sobre uma determinada parcela de terreno e se esta faz parte integrante do prédio x ou do prédio y, têm de considerar-se não escritas, nos termos do n° 4 do art. 646° do CPC, as respostas dadas aos quesitos da BI que contêm as expressões "fazendo parte desse mesmo prédio...", "FAZ PARTE do prédio..." e "como seus donos e legítimos proprietários", por estas não serem «factos», mas meras conclusões e conceitos jurídicos."

- C.1.1, de fls. 15 a 17 supra

18ª - Aliás, com apoio em M. TEIXEIRA DE SOUSA, in Estudos sobre o novo Processo Civil, aquele entendimento já havia sido adotado na mesma Relação, pelo Ac. de 2009-01-27, publicado em dgsi.pt, como Doc. RP200901270827885 assim sumariado:

"I - Em todos os casos em que as partes disputam a propriedade de pequenas parcelas nas confrontações de prédios de donos diferentes, optando-se pela acção de reivindicação (art. 1311° do CC), sempre os reivindicantes terão de provar a sua posse sobre o objecto da disputa, com as características capazes de transformá-la em direito de propriedade (Usucapião), não bastando fazer apelo à presunção registral.

II - A questão jurídica não pode nunca ser resolvida por um quesito em que se pergunte se a parcela em discussão pertence ao prédio A ou B."

E foi reiterado, Ainda na RP, pelo acórdão de 25-03-2010, no Proc. 3941/06.8TBSTS.P1, assim sumariado: "Em todos os casos (e são muitos) em que as partes disputam, por razões de má vizinhança, a propriedade de pequenas parcelas nas confrontações de prédios de donos diferentes, optando-se pela acção de reivindicação (art. 1311° do CC), sempre os reivindicantes terão de provar a sua posse sobre o objecto da disputa, com as características capazes de transformá-la em direito de propriedade (Usucapião), não bastando fazer apelo à presunção registral."


E, seguindo a onda uniformizadora, mais recentemente, o Ac. da Relação de Lisboa, de 09-07- 2014, Processo 2300/11.5TBFUN.L1-7, citou concordantemente aquele Ac. da RP de 20.10.2009, mas já apelo ao regime, mais oficioso, do artº 5º do NCPC, concluindo, num caso em que se apresentava como "facto" a verificação de um juízo conclusivo sobre a configuração ou CONFRONTAÇÃO que resolvia o thema decidendum, assim julgando:

"II- Estão necessariamente arredados da noção de facto os conceitos ou conclusões jurídicas que respeitem directamente à decisão a proferir, ou seja, que envolvam a valoração jurídica própria da aplicação do direito; assim, a decisão a proferir em acção de reivindicação de certa parcela de terreno tem de assentar em factos demonstrativos do direito de propriedade que se reclama, não cabendo à fundamentação de facto integrar a conclusão jurídica correspondente, mormente a de que o prédio da autora integra a parcela em discussão;" e

"Assim sendo, afigura-se-nos que não podia o Tribunal a quo, tendo em conta o disposto do art. 5, n° 2, do C.P.C, (com a epígrafe "Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal"), responder à matéria do artigo 1° da base instrutória, oportunamente elaborada (ainda no domínio do C.P.C, de 1961), com a formulação conclusiva final de que "na CONFRONTAÇÃO a Este o logradouro se estende até à zona do muro da escadaria que dá acesso à casa dos réus", "incluindo" logo a dita parcela no prédio inscrito a favor da A. na Conservatória do Registo Predial e dando, dessa forma, inevitável e directa solução jurídica ao pleito."

- C.1.1, de fls. 17 a 19 supra

19ª - Os AA não alegaram nos articulados (vide art°s 3 e 10 a 13, 17 e 18 da PI) quaisquer outros factos materiais consubstanciadores do reivindicado direito de propriedade sobre a parcela em disputa para além dos contidos FP1 a FP11 da Conclusão 15ª supra; e é manifesto que, nesse elenco, os poucos - mas essenciais nucleares - factos materiais alegados como atuados/praticados pelos AA e seus antecessores, consubstanciadores de um direito de propriedade constam do FP 7, que se refere ao prédio do FP 1 (entendido este sem definição de confrontações) e não à parcela em disputa, pois, quanto a esta, nem factos essenciais nucleares foram alegados.

-C.1.2.1, a fls. 19 supra

20ª - Essa falta/insuficiência de alegação dos AA já foi apreciada nos acórdãos dos tribunais superiores proferidos nestes autos, até ao acórdão recorrido, e apenso, e não se verificou o aproveitamento de oportunidades conferidas pelo artº 264° do CPC, na instrução e discussão, apesar da advertência:

• O acórdão da Relação de 2008-04-18, no processo cautelar apenso, perante alegação semelhante, aliás, entretanto copiada, em 2007-09-13, para estes autos principais, concluiu que faltara a alegação e prova de factos materiais de consubstanciação da posse e, com esse fundamento, revogou a "restituição judicial da posse" antes decretada [A.1-e) supra];

• Nestes autos principais, logo o 1º acórdão da Relação, de 2009-10-20, o 3º parágrafo de fls. 12, apontou o caminho do artº 264°.3 do CPC como expediente para suprimento da insuficiência da alegação da prática/atuação de factos materiais consubstanciadores da posse [A.2.5 supra];

• O acórdão da Relação de 2014-09-15, no 3º parágrafo de fls. 29, concluiu: "pura e simplesmente, não é alegado (de forma minimamente inequívoca/concretizada) o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade que se pretende fazer valer, ou seja, especificamente, o direito de propriedade sobre a referida parcela" [A.2.9-c) supra];

• No seu acórdão de 2015-03-26, este STJ avisou que a insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida "pode implicar a improcedência, no plano do mérito, se o A. não tiver aproveitado as oportunidade de que beneficia para fazer adquirir processualmente os factos substantivamente relevantes, complementares ou concretizadores." [A.2.10.2 supra]

- C. 1.2.2, a fls. 19 e 20 supra

21ª - A falta de alegação e prova, que neste caso se verifica, de FACTOS ESSENCIAIS NUCLEARES imprescindíveis na reivindicação de parcela de terreno disputada entre os AA e os RR, proprietários dos prédios contíguos dos FP 1/FP 7, os AA, e do FP 6, os RR, não é compensada pela alegação de MATÉRIA CONCLUSIVA como aquela, já sinalizada, que consta dos FP 1, e 8 a 10, a qual, por não consistir em factos materiais de prática/atuação consubstanciadora da posse e do direito de propriedade sobre a dita parcela em litígio, deverá eliminar-se.

É thema decidendum julgar se a parcela em disputa, entre os 2 prédios contíguos (o dos FP 1/7, adquirido pelos AA, e o do FP 6, adquirido pelos RR), é propriedade dos AA, por possuída por estes e antecessores nos títulos translativos pelo exercício de atos materiais consubstanciadores desse direito de propriedade, ou se, pelo contrário, (a parcela) é propriedade dos RR, por possuída por estes e antecessores pelo exercício de atos consubstanciadores desse mesmo direito. Por isso, a questão não pode ser resolvida pela resposta positiva a um quesito em que se pergunta se a parcela em discussão pertence ao prédio dos AA ou ao dos RR.

-C.1.2.2, a fls. 21 supra

22ª - Na verdade, não cumpre o ónus do art° 342° do CCivil de alegação de factos concretos consubstanciadores do exercício da posse e da aquisição do direito de propriedade:

I - a alegação de matéria que, pressupondo, sem alegar nem demonstrar, aquele exercício da posse, logo conclui que a parcela pertence ao ou FAZ PARTE do prédio do reivindicante; ou por outra forma, mas com os mesmos pressuposto e carga conclusiva,

II - a alegação de confrontações prédio do reivindicante por forma a abarcar neste a parcela objeto do litígio.

E ESTÃO NESSAS CONDIÇÕES

Na de I, no FP 9, provindo da base 7ª, a afirmação "uma parcela de terreno que dele FAZIA PARTE, com o sentido de que a parcela em litígio fazia parte do prédio dos FP 1/FP 7. Aliás, trata-se de afirmação exatamente igual à à das bases 14° e 15ª, que, por isso mesmo, este STJ eliminou (Conclusão 11 supra).

Na de II, nos FP 8, provindo da base 6ª, e no do FP 10, provindo da base 13ª, em conjugação com o FP 1, provindo de A) da MFA, as afirmações de que o prédio dos AA (dos FP 1/FP 7) CONFRONTA [do nascente com o prédio do FP 6 (ou, por ser o mesmo, com o antecessor dos RR HH) e do sul com o caminho/estrada municipal] por forma que nele se abarca a parcela em litígio.

É que a mesma conclusão de que a parcela em litígio faz parte do prédio do FP 1 está pressuposta no (também conclusivo) FP 8: se o prédio do FP 1/FP 7 (o adquirido pelos AA) confronta a nascente com o do FP 6 [F) da MFA] é porque a parcela em litígio faz parte daquele. E por esta mesma razão, o FP 10 contém igual conclusão do thema decidendum: se o prédio do FP 1/FP 7 [al. A) da MFA], CONFRONTA a nascente com o prédio do FP 6 (o que foi de "HH") e a sul com "caminho municipal" (atualmente também designado estrada) é porque a parcela em litígio faz parte daquele (FP 1/FP 7).

- C1.2.3, a fls. 21 e 22 supra

23ª - A erradicação das conclusões levadas aos FP pode e deve ser objeto da presente Revista. O Ac. deste STJ de 2013-02-19 não se debruçou sobre os vários pedidos de expurgo da matéria conclusiva contido na Revista que lhe foi dirigida. Pretendendo, apenas, conhecer a questão prévia de ser devida a apreciação da superveniência do documento junto à Apelação, este STJ apercebeu-se, tangencialmente, da existência dos pedidos de expurgo de matéria conclusiva e, sem, sequer, enunciar cada um desses pedidos, entendeu atalhar 4 linhas, a meio de fls. 14, sobre os quesitos 14° e 15°, que se lhe depararam conclusões manifestas, mas pretendeu relegar e relegou para momento posterior (à decisão sobre a questão prévia), desde logo para o novo julgamento na Relação, a análise dos

demais pedidos de expurgo, uma vez estabilizada, nas Instâncias, a matéria de facto, após (eventual) livre apreciação do documento da questão prévia.

A pronúncia foi tão perfunctória que o STJ nem reparou que da base 7ª da BI e da respetiva resposta (FP 9) constava exatamente a mesma expressão conclusiva (“parcela de terreno que dele fazia parte") que determinara a eliminação das bases 14ª e 15ª.

- C.1.2.3, a fls. 22 supra e C.1.6-a) a fls. 25 e 26 supra

24ª - A conclusão sobre se a parcela em disputa faz parte/pertence a um ou outro dos dois prédios contíguos e a consequente definição da configuração/das confrontações destes (por efeito da amputação ou do acréscimo da parcela), haverão de extrair-se da alegação e prova da autoria e dos atos materiais do exercício da posse sobre a dita parcela (também não se trata de mero alinhamento da estrema, porque nunca se implantaram os marcos ou porque estes desapareceram).

Nesta ação de reivindicação, que exigia o reconhecimento do direto de propriedade sobre uma parcela situada entre dois prédios contíguos de diferentes proprietários, ao avançar-se diretamente para a alegação das confrontações ou a pertença da parcela - omitindo a alegação e prova da autoria e dos atos materiais do exercício da posse sobre esta - foi violado o princípio do contraditório (art° 3°.3 do CPC), por dirigir/distrair a discussão e a instrução para objeto diferente do necessário ao julgamento da questão (a demonstração da existência atuação/prática de factos materiais dos quais possam extrair-se aquelas conclusões),

pelo que, se ainda devesse ser concedida a reformulação da PI, deveriam anular-se todos os "Factos" Assentes e todos os "Factos" Provados e o julgamento deveria ser confiado a diferente Juiz, para que os RR não sejam penalizados pelas sequelas da violação do princípio do contraditório.

-C.1.2.4, a fls. 22 e 23 supra

25ª - Após erradicação, nesta Revista, das conclusões contidas no elenco do que o Ac. Recorrido julgou serem os "FACTOS" PROVADOS, MATÉRIA DE FACTO da Conclusão 15ª, esse elenco deverá ficar com a seguinte redação:

Facto Provado 1 - Em 17 de Abril de 2001 foi adjudicado à firma "EE, Lda", no âmbito do processo de execução que, sob o n.° 18/98, correu termos pelo 3º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Braga, o prédio rústico denominado "FF" situado na freguesia de Aveleda, neste concelho e comarca de Braga, inscrito na matriz sob o artigo 426 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 414, onde, desde 1997-08-08 consta a confrontar do norte com GG, do sul com caminho municipal n.° 1316, do nascente com José Carvalho de Oliveira e do poente com II, (A da Matéria de Facto Assente)

Facto Provado 2 - Essa aquisição mostra-se definitivamente registada a favor da "EE, Lda" por apresentação datada de 8 de Março de 2002.

Facto Provado 3 - O prédio transmitido fora arrestado em Fevereiro de 1998 no âmbito de uma providência cautelar intentada pela "EE, Lda" como preliminar da citada execução, arresto esse que foi posteriormente convertido em penhora.

Facto Provado 4 - Por escritura pública outorgada no dia 22 de Novembro de 2006, JJ e KK, agindo na qualidade de sócios gerentes e em representação da "EE, Lda", declararam vender ao A., que por sua vez, declarou comprar à representada daqueles, o referido prédio, mediante uma contrapartida pecuniária de €25.000,00;

Facto Provado 5 - No decurso de uma assembleia-geral realizada no dia 28 de Dezembro de 2006, foi aprovada, por unanimidade, a proposta de dissolução da "EE, Lda", bem como a declaração de encerramento da liquidação, por inexistência de activo e passivo;

Facto Provado 6 - Por escritura pública outorgada no dia 12 de Abril de 2001 no 2º Cartório Notarial de Braga, LL declarou vender aos RR, os quais, por sua vez, declararam comprar àquela, o prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão e andar, com logradouro, situado no lugar do Monte, FF ou MM, freguesia de Aveleda, neste concelho e comarca de Braga, inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 416, mediante uma contrapartida pecuniária de 18.500 contos;

Facto Provado 7 - Desde há mais de 20 que os autores, por si e antecessores, usufruem o prédio referido na alínea A), venerando-o e suportando os inerentes encargos, o que fizeram ininterruptamente, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de dele serem donos;

Facto Provado 8- (excluído, por integralmente conclusivo)

Facto Provado 9 - Em 2002, aquando de uma visita ao prédio por parte do legal representante da "EE, Lda", o Réu marido, arrogando-se dono de uma parcela de terreno correspondente a uma faixa horizontal contígua à estrada, procurou impedir aquele de vedar essa parcela (resposta às bases 7ª a 8ª)

Facto Provado 10 - (excluído, por integralmente conclusivo)

Facto Provado 11 - Em Março de 2006 o Réu marido impediu um topógrafo recrutado pelo legal representante da "EE, Lda." de fazer o levantamento da mesma parcela referida no FP 8. (resposta à bases 9ª)

-C.1.3, a fls. 23 e 24 supra

26ª - Assim, os Factos Provados nos autos não contêm "matéria de facto", "acontecimentos ou factos concretos", nem os essenciais nucleares, através dos quais os reivindicantes provem o exercício da sua posse e dos seus antecessores nos títulos translativos sobre a parcela objecto da disputa, com as características capazes de transformar tal posse em direito de propriedade (usucapião)

De facto, os AA limitaram-se a alegar, nos art°s 3 e 10 a 13, 17 e 18 da PI, actos materiais que poderiam consubstanciar a posse dos antecessores à transmitente Alves & Castro, até ao arresto, e a transmissão da propriedade, mas genericamente quanto ao prédio dos FP 1 e 7.

E porque tais factos faltaram nos articulados e não resultaram ou - apesar das advertências e avisos dos Acs. da Relação de 2009-10-20 deste STJ de 2015-03-26 - não foram aproveitados na instrução e discussão da causa, a ação tem de improceder, resultando a improcedência da aplicação do disposto nos art°s 342°, 1251º. 1287°, 1311° e 1316° do CCivil, 264° e 646°.4 do VCPC e 5° e 607°.3 e 4, 674°.1-a) e b) e 682°.1 do NCPC.

-C.1.4, a fls. 24 e 25 supra

27ª - Uma vez que o Acórdão recorrido está em oposição com os três do TRP e o da Relação de Lisboa citados nas Conclusões 17ª e 18ª, no que respeita à aplicação dos normativos dos art°s 342°, 1311° e 1316° do CCivil e 264° do VCPC, deterá o STJ tomar partido no sentido da uniformização da jurisprudência, decidindo no sentido daqueles acórdãos e deste recurso.

-C. 1.5, a fls. 25 supra

28ª - Nesta ação em que é thema decidendum o reconhecimento, pedido pelos AA, da aquisição originária do direito de propriedade de uma parcela de terreno situada entre o seu prédio do FP 1 e o prédio contíguo dos RR do FP 6, todas as respostas de matéria de "facto" das Instâncias no sentido de que a parcela em litígio faz parte do prédio do

FP 1, ou de que este prédio confronta a nascente com o do FP 6 ou a sul com a estrada, têm pressuposto que a parcela em disputa é propriedade dos AA, constituindo juízos falaciosos, viciados por Petição de Princípio (tentativa de provar uma conclusão com base em remissas que a pressupõem como verdadeira). Ainda que a rejeição de tais falácias, no silogismo judiciário, pudesse resultar em paradoxo - que não resulta - nunca poderia admitir-se a compensação de um erro com outro erro.

-C.1.6-b)ee), a fls. 26 supra

29ª - Sendo certo que a afirmação das confrontações nascente e sul do prédio, no FP 1, literalmente conclusiva, face ao thema decidendum, deve ser interpretada restritivamente, após o aditamento da base 13ª pelo Ac. da Relação de 2009-10-20, no sentido de que não se trata de afirmação assente entre as Partes ou diretamente assumida pelo julgador, mas que apenas pretende reportar que tais confrontações constam da descrição predial desde 1997-08-08, conforme a respetiva certidão junta ao RI do Procedimento cautelar apenso (pois, de outro modo, não se tinha quesitado na base 13ª se o prédio existia, "desde tempos imemoriais", com as confrontações aludidas naquele FP 1), não pode deixar se entender que a redação daquele FP 1 é, literalmente, ambígua, devendo aproveitar-se a ocasião de correção dos outros FP errados para também no FP 1 se evitar a ambiguidade, cujo afastamento exige esforço interpretativo, dispensando-se-lhe, assim, o mesmo rigor que foi usado na redação dos FP 4 e FP 6, com as expressões "declarou" e "declararam".

-C.1.6-c), a fls. 26 e 27 supra

30ª - A conclusão que antecede, no sentido da correção da redação rigorosa do FP 1, em obediência aos art°s 607°.3 e 4 e 682°. 1 do CPC, é justificada pelo próprio acórdão recorrido, no 1º parágrafo de fls. 33 e no trecho do último parágrafo de fls. 40 até final do 2° de fls. 41, onde se verifica que o erro de redação é usado em favor da tese dos AA.

-C.1.6-f), a fls. 27 supra

31ª - A afirmação de fls. 31 para 32 do acórdão recorrido ("certo é que o aludido prédio, mesmo na tese dos réus, não deixa de confrontar do lado nascente, pelo menos em parte com o prédio da al. F), a que se reporta o ponto provado 6") é errada, por contrariar o alegado pelos RR, e infundada.

-C.1.6-d), a fls. 27 supra

32ª - Além de infundadas são contraditórias as afirmações do antepenúltimo parágrafo de fls. 40 do acórdão recorrido de que os RR se escudaram na pretensa circunstância de "não ter sido alegada e apurada a delimitação física do mesmo para concluírem que não se verificam os pressupostos da reivindicação do prédio".

Conforme reportado no parágrafo imediatamente antecedente do próprio acórdão, os RR reconhecem o direito de propriedade dos AA sobre o prédio da al. A)/FP 1, e, quanto à falta dos pressupostos da reivindicação, a Conclusão 9ª da Apelação evidencia que os RR a alegam apenas quanto à parcela em disputa e não quanto ao prédio da al. A)/FP 1.

- C.1.6-g), a fls. 27 e 28 supra

33ª - A afirmação do 2º parágrafo de fls. 38 - e o seu sentido de que o HH, a considerar-se dono da parcela em litígio, teria deduzido oposição ao arresto e à penhora -, além de não estribar o pressuposto conhecimento oportuno dessas providências pelo dito José, ofende as disposições dos art°s 875° do CCivil e 110° do

CRPredial, que fixam a força probatória da escritura de compra e venda (venda que o HH fez em maio de 1998) e exigem certidão do registo predial para a prova da existência de arresto ou penhora.

- C.2-a), a fls. 28 e 29 supra

34ª - As afirmações do antepenúltimo parágrafo de fls. 32, do antepenúltimo parágrafo de fls. 38 e do terceiro parágrafo de fls. 41 do acórdão recorrido, no sentido de que o pai do HH e do NN lhes DOOU/OFERECEU, no mesmo MOMENTO, o prédio do FP 1, ao NN, e o do FP 6, ao José, que eram PARCELAS/LOTES sensivelmente SIMILARES, ofendem:

• a disposição do art° 875° do CCivil, enquanto esta fixa a força probatória das escrituras de compra e venda, pois a escritura de compra e venda documentada a fls. 627 demonstra que o prédio do FP 6 foi comprado pelo HH, para a comunhão do seu casal à testemunha OO, com exclusão da transmissão pelo "pai" e com exclusão de oferta ou doação;

• as disposições do art" 947° do CCivil e da lei de loteamentos que vigorou após 1973 (o DL 289/73, pois, para prova de uma DOAÇÃO ou OFERTA de imóveis e da formação de LOTES ou PARCELAS, aqueles normativo e diploma exigiam prova notarial de escritura de doação e alvará municipal de aprovação de operação de loteamento ou outro título administrativo ou notarial comprovativo do parcelamento/destaque.

- C.2-b), a fls. 29 e 30 supra


NESTES TERMOS e nos melhores de direito, dando provimento ao recurso, revogando as decisões das Instâncias e julgando improcedente a acção,


Os recorridos, na contra alegação apresentada, pugnam pela integral confirmação do acórdão recorrido.


7. Na respectiva alegação, começam os recorrentes por sustentar que deveria este Supremo expurgar do quadro factual atrás referido determinados pontos da matéria de facto descrita, por os mesmos terem natureza puramente conclusiva, invocando o regime que constava do nº4 do art. 646º do velho CPC: seria, muito em particular, o caso dos pontos 8 e 10, em que se referenciavam as confrontações dos prédios em causa e se considerava provado que as mesmas não haviam sofrido qualquer alteração nos últimos 30 anos.

É por demais evidente a falta de fundamento de tal pretensão: na verdade – e como se decidiu no acórdão recorrido – quando na matéria de facto fixada se referem tais confrontações, mais não se está a fazer do que a reportar a forma como o prédio está descrito e nunca a afirmar peremptoriamente que essa descrição corresponda à verdade .

É que a mera reprodução, na enunciação da matéria de facto subjacente ao litígio, do teor da descrição predial do imóvel, para além de não ser obviamente conclusiva (limitando-se a retratar a fisionomia e os limites físicos do prédio, tal como constam da descrição predial, traduzindo a utilização de conceitos puramente factuais, sem qualquer carga ou conotação jurídica), destina-se apenas a possibilitar que o Tribunal, ao proceder à livre apreciação da globalidade das provas produzidas, tenha também em conta o modo como os imóveis estão delimitados e descritos no registo predial.

Ou seja: nada obsta obviamente a que o juiz, ao decidir uma acção real, tenha em conta o teor da descrição predial, enquanto elemento coadjuvante da livre formação da sua convicção acerca da efectiva fisionomia e titularidade dos imóveis em causa.

O que está vedado, como bem se sabe, é pretender atribuir aos elementos constantes da descrição predial a força da presunção legal de titularidade, prevista no art. 7º do CRP: na verdade, a jurisprudência, desde logo deste STJ, há muito vem entendendo, de forma reiterada, que a força probatória do registo não se estende à definição das confrontações ou limites dos prédios cuja propriedade está inscrita.

A este propósito – e a título exemplificativo, - pode citar-se o Ac. de 23/9/04, proferido no P. 04B2324, onde se entendeu:

A presunção decorrente do artº 7° do CRP84, sem embargo de a expressão verbal "precisos termos em que o registo o define", não abrange a área, confrontações e/ou limites dos imóveis registados.

E isto sobretudo face à frequente falta de rigor/fidedignidade dos dados descritivos registrais no que concerne à sua materialidade, correntemente devida à respectiva desactualização, não olvidando que a função do registo é essencialmente declarativa e não constitutiva, encontrando-se assim os mesmos - na prática - na disponibilidade dos particulares interessados (artºs 29°, nº 2, e 30° do CRP84).

(….)

De qualquer modo, diga-se a talho de foice, constitui jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal a de que a presunção decorrente do artº 7° do CRP84, sem embargo de a expressão verbal "precisos termos em que o registo o define", não abrange a área e confrontações dos imóveis (cfr v.g, entre muitos outros, os Acs do STJ de 29-10-92, in BMJ nº 420°, pág 590 e de 11-5-93, in CJSTJ, Tomo II, pág 95 citados pelo ora recorrido.

E isto sobretudo face à frequente falta de rigor/fidedignidade dos dados descritivos registrais no que concerne à sua materialidade, correntemente devida à respectiva desactualização, não olvidando que a função do registo é essencialmente declarativa e não constitutiva.

Com efeito, e face ao disposto nos arts 2° e 3° do CRP84, apenas factos jurídicos e acções e decisões, que não propriamente direitos, podem/devem ser objecto de registo predial, sendo ainda que tais factos registando "a se" terão que constarem de documentos legalmente comprovativos (conf. artº 43° do CRP). O que não sucede com as áreas e confrontações dos imóveis descritos, cuja exactidão não passa pelo controlo (de legalidade) do conservador - artº 68° do CRP - o qual se limita a assegurar (e exigir), nos concelhos em que vigora o cadastro geométrico obrigatório, que a descrição do prédio venha a corresponder à inscrição matricial - artº 28° do CRP - no mais aceitando/confiando nas declarações dos respectivos interessados - arts 43° a 46° e 90° do CRP.

As áreas e confrontações dos prédios encontram-se assim - e na prática - na disponibilidade dos interessados, enquanto susceptíveis de modificação pelas simples declarações complementares dos mesmos (artºs 29°, nº 2, e 30° do CRP 84), tal como a Relação bem observa.

Não fazendo o registo predial prova plena relativamente às áreas e confrontações dos prédios a que respeita, e não fazendo sequer prova bastante desses elementos circunstanciais - os quais foram, aliás, impugnados pela parte contrária - sempre impenderia sobre os AA o ónus da prova de tais elementos, tal como logo se deixou implícito pela inclusão na base instrutória da matéria dos artºs 1° a 6°, decalcados da (controvertida) matéria alegada pelos AA.


Ora, no caso dos autos, as instâncias aceitaram, de forma explícita, que do teor da descrição predial não podia efectivamente inferir-se, por presunção, o direito de propriedade do reivindicante sobre a totalidade do prédio, tal como se mostra delimitado e descrito no registo predial – conformando-se, deste modo, inteiramente com aquela orientação jurisprudencial – e julgando a acção procedente, não obviamente com base em tal inexistente presunção registral, mas antes por terem considerado verificados os pressupostos factuais da aquisição originária do prédio- incluindo a dita parcela - por usucapião.

E, assim sendo, considera-se que não há que realizar qualquer alteração ou amputação ao quadro factual, definitivamente fixado pelas instâncias e atrás descrito – todo se resumindo a saber se a factualidade provada é suficiente para suportar a procedência total da acção de reivindicação, estribada na invocação da usucapião sobre o imóvel reivindicado.


8. Importa começar por sublinhar a especificidade do litígio que, na presente acção, opõe as partes: é, na verdade, evidente, desde o início, que a controvérsia não incide propriamente sobre a titularidade dos prédios em confronto, mas, mais propriamente, sobre a sua precisa delimitação física, em consequência de ambas as partes se arrogarem a propriedade de determinada parcela de terreno situada na confluência dos lotes de que se reconhecem proprietários.

Ou seja: não é controvertida a propriedade ou titularidade dos prédios em si mesmos, mas apenas a propriedade de uma determinada faixa de terreno, confinante aos imóveis em causa, cuja titularidade demandantes e demandados contraditoriamente se arrogam, sustentando que tal parcela física se integra no prédio de que são titulares e invocando reciprocamente a prática de actos possessórios sobre a referida parcela física de terreno.

Saliente-se que a presente situação litigiosa não foi abordada no âmbito de acção de demarcação (processada, desde a reforma de 1995/96, nos quadros do processo comum, sujeita ao regime substantivo constante do art. 1354º do CC e destinada especificamente a fixar a linha divisória dos prédios cuja propriedade se não discute), já que o A. optou pela propositura de acção de reivindicação, reportada ao reconhecimento do direito de propriedade sobre o que considerava ser a totalidade do prédio, peticionando a respectiva restituição, incluindo a parcela em litígio.


Implica, desde logo, esta fisionomia peculiar do litígio que – ao contrário do sustentado pelos recorrentes – a acção de reivindicação nunca poderia ser na totalidade julgada improcedente, já que o objecto material verdadeiramente em litígio se circunscreve claramente a determinada parcela física de terreno, alegadamente integradora do prédio reivindicado.

Ora, não sendo possível resolver a questão da propriedade desta parcela em litígio através da simples invocação da presunção legal de propriedade assente no teor da descrição registral, é evidente que o ónus da prova a cargo do demandante implica a demonstração de que os alegados actos possessórios, determinantes da aquisição originária por usucapião, abrangeram (também) a parcela de terreno em causa: ou seja, num litígio com a especificidade do dos presentes autos não basta ao A. alegar a genérica e indistinta prática de actos possessórios sobre a globalidade do prédio reivindicado, sendo essencial, face ao efectivo objecto da controvérsia, que se alegue e prove que tais actos incidiram especificamente sobre a parcela de terreno em litígio.

E, deste modo, a acção de reivindicação só poderá proceder na totalidade se puder considerar-se processualmente adquirido, como verdadeiro facto essencial, que o efectivo exercício de actos possessórios pelos AA e seus antecessores, susceptíveis de conduzirem à usucapião, incidiu também sobre a parcela de terreno cuja titularidade é controvertida.

Ora, permitirá a matéria factual fixada pelas instâncias concluir nesse sentido – ou seja, poderá concluir-se que os actos referenciados no ponto 7 da matéria de facto, praticados há mais de 20 anos pelos AA e seus antecessores, abrangeram também a faixa de terreno horizontal, contígua à estrada que delimita o prédio pelo lado sul, cuja titularidade é controvertida pelas partes?

Note-se que o modo como se mostra descrita a matéria constante do referido ponto 7 sofre de alguma ambiguidade ou equivocidade, não sendo explicitamente afirmado que os actos possessórios ali descritos se exerceram também sobre a faixa longitudinal de terreno controvertida pelas partes: cabe, porém, às instâncias, ao procederem à apreciação (ou reapreciação) da matéria de facto proceder à respectiva interpretação, em função e à luz, desde logo, da fundamentação ou motivação da resposta ao referido quesito e das presunções judiciais ou naturais que, no exercício dos seus poderes sobre a valoração global da matéria de facto, entendam extrair dos demais factos provados e não provados e da própria realidade física ou realismo fáctico caracterizador do prédio.

Saliente-se que, na actual fisionomia do processo civil, a definição da matéria de facto relevante para a composição do litígio não pode circunscrever-se apenas ao estrito teor das atomísticas e fragmentárias respostas aos quesitos ou pontos da base instrutória, envolvendo também a ponderação da respectiva fundamentação ou motivação pelo julgador: para além de tal fundamentação ser obviamente essencial para interpretar o real sentido das respostas aos quesitos, será normalmente a referida motivação que revelará e conterá as referências aos factos instrumentais ou probatórios em que assentou, muitas vezes decisivamente, a formação da livre convicção do julgador sobre os factos essenciais, substantivamente relevantes para a sorte das pretensões formuladas.

Por outro lado, o quadro factual do litígio, relevante para operar a respectiva subsunção normativa, não se circunscreve apenas às ditas respostas aos quesitos, complementadas e esclarecidas pela fundamentação ou motivação do julgador: para além disto, incumbe ainda ao tribunal desenvolver e integrar toda a matéria factual relevante, complementando o quadro fáctico através da formulação de presunções judiciais ou naturais, assentes nas regras ou máximas de experiência, que permitem inferir factos que, constituindo lógico desenvolvimento dos que constam das respostas aos quesitos, contribuem para delinear de forma completa e integrada a matéria litigiosa ( tal operação - que sempre fez parte do exame crítico das provas pelo julgador - é acentuada expressamente pelo art. 607º, nº4, do CPC, ao prever expressamente que o juiz deva extrair dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência).

E tal tarefa de reconstrução integrada do quadro factual relevante para dirimir o litígio não se circunscreve à competência do juiz no momento da prolação da sentença em 1ª instância, incumbindo identicamente à Relação, particularmente nos casos em que, por ter sido impugnada a decisão proferida acerca da matéria de facto, lhe cumpre formar a sua própria convicção sobre a matéria litigiosa, procedendo a uma ampla reapreciação das provas gravadas.

Saliente-se que o uso (ou não uso) de presunções naturais pela Relação, ao reapreciar a matéria de facto, constitui obviamente questão de facto, insusceptível de constituir objecto idóneo de um recurso de revista – não competindo obviamente ao STJ sindicar a substância ou o mérito das presunções naturais que, porventura, a Relação entendeu extrair da factualidade provada e por ela reapreciada: e, no caso dos autos, é manifesto que decidir se determinados actos possessórios dos demandantes, tidos por provados, abrangeram ou não determinada parcela de terreno do prédio reivindicado é obviamente uma questão puramente factual, assente na livre valoração de provas desprovidas de valor legal ou tarifado, - pelo que naturalmente não incumbe ao Supremo, no âmbito de um recurso de revista, sindicar o mérito de tal decisão das instâncias.

Ora, considera-se que foi precisamente esta operação de interpretação e reconstrução da quadro factual global subjacente ao litígio que a Relação legitimamente efectivou no caso dos autos, acabando, em função dela, por interpretar a matéria do referido quesito 7. como envolvendo a prática de actos possessórios dos AA e seus antecessores sobre a totalidade da área do prédio reivindicado, incluindo a parcela em litígio – para tal contribuindo decisivamente, não apenas os elementos constantes da descrição predial há muito estabilizada (que, como se referiu, não constituindo presunção de titularidade do direito inscrito no registo, podem obviamente ser livremente apreciadas pelo julgador), a realidade física dos prédios em confronto, nomeadamente o modo do seu confinamento com a via pública e a forma como o prédio dos RR havia há muito sido vedado e ainda a circunstância de se manter como não provada a matéria atinente ao pretenso exercício pelos RR, de actos possessórios sobre a área da parcela de terreno controvertida (cfr. fls. 1294/1297).

Ora, nada havendo a censurar a tais ilações, extraídas pelas instâncias, e ao modo como estas interpretaram a matéria de facto apurada, é evidente que se impunha a total procedência da acção de reivindicação, como mero corolário de os actos possessórios invocados como base da usucapião terem, na óptica da Relação, abrangido a área da parcela controvertida – não se mostrando violadas as disposições legais citadas pelo recorrente.

Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando o decidido no acórdão recorrido

Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhes foi atribuído.


Lisboa, 11 de Fevereiro de 2016


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor