Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09B0445
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALBERTO SOBRINHO
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
ELEMENTOS A TRANSMITIR
CADUCIDADE
Nº do Documento: SJ20090319004457
Data do Acordão: 03/19/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1. Para que o preferente possa exercer o seu direito de opção é imprescindível que esteja na posse de todos os elementos concretos com base nos quais o alienante se propõe negociar com terceiro. Só conhecendo todos os dados que envolvem o negócio é que o preferente poderá formar a vontade de exercer, ou não, o direito que lhe assiste.
Essenciais à formação dessa vontade serão todos os elementos decisivos para o titular se poder decidir pelo exercício do direito, configurando-se como tal, desde logo e inquestionavelmente, o preço, condições do seu pagamento e a pessoa do interessado comprador.
Já a rentabilidade ou não do estabelecimento a alienar apresenta-se como elemento exterior ao negócio em si, embora possa não ser despiciendo para aquilatar do justo valor da transacção. Mas a partir do momento em que alguém se propõe negociar por determinado valor, é esse que o beneficiário da preferência tem que suportar, independentemente de se apresentar mais ou menos vantajoso o negócio projectado.
2. O pedido de esclarecimento feito pelo beneficiário sobre elementos do contrato implica, sem dúvida, a decorrência de novo prazo para o exercício do direito, porquanto só após os mesmos lhe terem sido fornecidos é que passa a estar na posse dos dados imprescindíveis a poder aquilatar do exercício da preferência.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

- AA; e
- BB,

intentaram, a 19 de Maio de 2005, a presente acção declarativa, com processo ordinário,

contra

- CC;
- DD;
- EE; e
- FF,

e com pedido de intervenção provocada, como suas associadas, de

- GG; e
- HH,

pedindo que seja reconhecido à herança aberta por óbito de II o direito de preferência na venda do direito ao trespasse e arrendamento de um estabelecimento comercial e declarar-se a herança como adquirente da posição dos 1º e 2 º réus em substituição das 3ª e 4ª rés.

Alegam, no essencial, que os 1ºs e 2º réus trespassaram às 3ª e 4ª rés um estabelecimento de cabeleireiro a funcionar numa fracção autónoma dada de arrendamento pelo de cujus II, sem que lhe tenham dado conhecimento, enquanto contitulares da posição de senhorio, dos elementos essenciais dessa alienação, apesar de a tal estarem vinculados por lhes assistir o direito de preferir nesse trespasse.
Em sua contestação, alegam as rés EE e FF que deram conhecimento a todos os herdeiros do II dos elementos essenciais do trespasse, não tendo eles exercido dentro do prazo legal o respectivo direito, o que acarretou a sua caducidade.
E, para a hipótese da acção proceder, pretendem ser ressarcidas não só do valor do trespasse, como de todas as despesas de investimento a que procederam no local onde funciona o estabelecimento, pretensão que formulam reconvencionalmente.

Por sua vez, os réus CC e DD invocam igualmente a caducidade do direito de preferência por não ter sido exercido dentro do prazo de que os autores dispunham após lhe terem sido transmitidos os elementos essenciais do negócio. Caducidade que alegam ocorrer ainda por os autores não terem procedido ao depósito das quantias devidas. Afirmam finalmente que, dada a ausência de acordo entre todos os herdeiros para a propositura desta acção, o direito de preferência não podia ser exercido só por alguns deles.

A chamada HH, após apresentação de articulado próprio, onde defende a intervenção de seu marido na presente acção, intervenção que as autoras vieram posteriormente provocar, replicou para afirmar que a presente acção de preferência foi intentada à sua revelia e impugnar, por desconhecimento os factos suporte da reconvenção deduzida.

Replicaram as autoras para se pronunciarem pela improcedência das invocadas excepções e reiterar, no mais, a posição inicialmente assumida.
Invocam ainda a ilegitimidade das rés/reconvintes para o pedido de devolução do valor do trespasse e a falta de causa de pedir quanto ao ressarcimento dos eventuais investimentos feitos no locado.

No despacho saneador decidiu-se terem sido depositadas as quantias devidas e, por isso, não ocorrer a caducidade invocada com este fundamento e relegou-se para final o conhecimento da excepção de não exercício atempado do direito de preferência. Procedeu-se seguidamente à selecção da matéria de facto, com fixação dos factos considerados assentes e dos controvertidos.
Prosseguiu o processo para julgamento e na sentença, subsequentemente proferida, julgou-se procedente a excepção de caducidade, com a consequente absolvição dos réus do pedido, não se conhecendo do pedido reconvencional por ter ficado prejudicada a sua apreciação.

Inconformadas com o assim decidido apelaram as autoras, mas sem sucesso, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Ainda irresignadas, recorrem agora de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela tempestividade do exercício do direito de preferência e consequente procedência da acção.
Contra-alegaram as recorridas defendendo a manutenção do decidido.

***


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. Âmbito do recurso

A- De acordo com as conclusões, a rematar as alegações de recurso, o inconformismo do recorrente, radica, em síntese, no seguinte:

1- Embora a designação da escritura seja de trespasse, o certo é que a mesma corresponde a um simples contrato promessa de trespasse e o nomen iuris dado ao contrato não vincula o intérprete.

2- As partes reportam-se na referida escritura a condições de pagamento do contrato prometido e segundo o critério do bónus pater famílias, lendo o texto dessa escritura, a interpretação a dar-lhe não pode ser outra que não seja a de estar-se perante uma mera promessa de trespasse e não um trespasse propriamente dito.

3- A escritura é um documento dotado de fé pública e não um simples documento particular e os documentos autênticos têm força probatória plena relativamente ao seu conteúdo.

4- A autora AA ao ter pedido os elementos em falta na carta de 04.11.04 mostrou que eventualmente estaria interessada no exercício do direito de preferência.

5- Embora não tenha efectivamente exercido o direito de preferência até ao termo do prazo, apenas não o fez porque solicitou, por carta registada com aviso de recepção expedida em 24.11.2004, mais informações com vista ao exercício do referido direito, e fê-lo, dentro do prazo de oito dias que tinha para exercer o direito, sendo certo que a carta foi devolvida á autora, pelo facto do estabelecimento se encontrar encerrado antes do termo desse prazo, ou seja, em 25.11.2004.

6- Para além disso, o prazo de caducidade para o exercício do direito a que se alude no nº 2 do art°. 416° do CC não foi respeitado pelos obrigados á preferência, uma vez que celebraram a escritura dos autos antes das 24 horas desse dia, quando, efectivamente, o direito iria caducar.

7- Pelo sempre o direito não tinha caducado.

8- O artº 416° n°. 1 do CC impõe que sejam levados ao conhecimento do titular do direito de preferência os aspectos mais relevantes do negocio projectado, relevância essa que deve ser aferida face ao interesse do credor, ou seja, é com base no interesse do titular do direito de preferência que se deve construir o conteúdo da expressão cláusulas do respectivo contrato.


B- Face à posição das recorrentes vertida nas conclusões das alegações, delimitativas do âmbito do recurso, são, essencialmente, três as questões controvertidas que se colocam:

- qualificação do contrato celebrado entre as recorridas;
- elementos do negócio a transmitir aos preferentes;
- caducidade de exercício do direito de preferência.


IV. Fundamentação


A- Os factos

O acórdão recorrido teve como assentes os seguintes factos:

1- A autora AA exerce as funções de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de II.

2- Por morte de II as autoras adquiriram, em comum e sem determinação de parte ou direito, a fracção autónoma designada pela letra "B", correspondente à loja com os n.°s 14-D e 14-E do prédio urbano situado em Lisboa, na Rua ..., com os números 14 a 14-E, descrito na ficha n.° 2650/19990106 na 8a Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito sob o artigo 461, na matriz predial urbana da freguesia de São Sebastião da Pedreira.

3- Por escritura pública do dia 19 de Setembro de 1960, II dera a loja de arrendamento a JJ pela renda mensal de 1.100$00, entretanto actualizada para 83,52 €, destinada à exploração de um cabeleireiro de senhoras.

4- No dia 17 de Abril de 1982, JJ trespassou o estabelecimento cabeleireiro de senhoras aos réus CC e DD.

5- Estes, em Outubro de 2004, enviaram às co-herdeiras GG e HH as cartas reproduzidas de fls. 396 a 419, que vieram devolvidas e visavam notificá-las para o exercício do direito de preferência: as destinadas à primeira foram endereçadas para 8 Residence de ...., Orangis, França e para a Rua ... n.° 73, 2o Dt°, em Lisboa; as cartas dirigidas à segunda foram endereçadas para esta última morada e para a Avenida ..., 57, Bruxelas, Bélgica.

6- As autoras sempre conheceram a morada da co-herdeira HH na Bélgica e em Portugal, não tendo informado os correios, o que determinou a devolução da carta, nem os réus.

7- Os mesmos réus CC e DD, no dia 28 de Outubro de 2004, requereram a notificação judicial avulsa das autoras comunicando-lhes a sua intenção de trespassar o estabelecimento instalado na loja.

8- Da notificação judicial avulsa consta que os réus CC e DD:
- Pretendiam trespassar o estabelecimento comercial;
- Pretendiam fazê-lo pelo preço de 62.350,00 €, sendo o sinal de 18.705,00 € a pagar no prazo de cinco dias após a comunicação do exercício do direito de preferência e o remanescente na data da escritura notarial de trespasse;
- Que a escritura seria efectuada no prazo de 60 dias a contar do exercício do direito de preferência;
- Que o trespasse compreenderia todos os equipamentos, móveis, utensílios, mercadorias, clientela, objectos de decoração e outros elementos afectos à exploração que integram o estabelecimento;
- Que as despesas notariais e de registo seriam da exclusiva responsabilidade do adquirente;
- Que o trespasse a realizar seria livre de quaisquer ónus ou encargos, não sendo conhecidas quaisquer reclamações, acções judiciais ou dívidas, mas a existirem e se vençam à data da escritura ou que tenham origem em factos ocorridos ou praticados até essa data, tais dívidas seriam da exclusiva responsabilidade dos requerentes;
- Que não existiam garantias, avales ou fianças prestadas pelos requerentes, encontrando-se pagos os prémios respeitantes às apólices de seguros contratadas.

9- Por carta datada de 4 de Novembro de 2004, a autora AA solicitou aos réus CC e DD a indiciação de vários elementos que não constavam da referida notificação judicial avulsa:
- A identidade completa do trespassado e a concretização dos valores compreendidos no trespasse activo e/ou passivo;
- A descrição completa dos equipamentos, móveis, utensílios, mercadorias a que se refere a alínea 8 da notificação, bem como o estado de conservação e valores da avaliação;
- O mesmo relativamente a "outros elementos afectos à exploração";
- A especificação do valor da carteira de clientes que integra o trespasse bem como o volume de negócios nos últimos dois anos.

10- Na mesma carta a autora AA informou os réus CC e DD de que só na posse de tais elementos é que poderia decidir sobre o exercício do direito de preferência.

11- Por carta datada do dia 9 de Novembro de 2004, os réus CC e DD informaram a autora AA que:
- As trespassarias seriam as ora rés EE e FF;
- Os equipamentos, móveis e utensílios estavam em estado de usados e eram os que constam de uma relação em anexo à referida carta. As mercadorias resumiam-se apenas àquelas que existissem à data do trespasse, de expressão mínima dado o estabelecimento ser um cabeleireiro e a sua actividade não ser a compra e venda de produtos;
- O trespasse não envolvia a transferência de trabalhadores;
- O activo corresponde ao valor do estabelecimento e ao seu recheio e que não existia passivo;
- Quanto ao valor da carteira de clientes que integraria o trespasse e o volume de negócios dos últimos dois anos, os réus consideraram que não constituía um elemento essencial do negócio.

12- Nesta carta, que a autora AArecebeu no dia 17 de Novembro de 2004, não se referia o valor da carteira de clientes e o volume de negócios.

13- A escritura pública, outorgada no dia 25 de Novembro de 2004 com a designação de "trespasse", contém as seguintes cláusulas:
- "Que, o trespasse, é feito pelo preço de sessenta e dois mil trezentos e cinquenta euros, e será pago pela seguinte forma:
dezoito mil setecentos e cinco euros, que já receberam;
a quantia remanescente, no montante de quarenta e três mil seiscentos e quarenta e cinco euros, será paga na data da escritura, através de cheque bancário a favor do primeiro outorgante, devidamente visado;
- o trespasse ora prometido é realizado livre de quaisquer ónus ou encargos, não sendo conhecidas quaisquer reclamações, acções judiciais ou dívidas, quer à Fazenda Nacional, quer à Segurança Social, mas a existirem e se vençam à data da escritura ou que tenham origem em factos ocorridos ou praticados até essa data, embora só se vençam posteriormente, tais dívidas são da responsabilidade dos primeiro e segunda outorgantes".

14- Deveu-se a lapso na elaboração da escritura a referência aí feita a contrato prometido, lapso esse devido à circunstância de as partes terem facultado ao Cartório Notarial cópia do contrato-promessa, que veio a servir de base à elaboração do texto da escritura.

15- Na data da escritura as rés EE e FF entregaram aos réus CC e DD a quantia de 43.645,00 € a título de remanescente do preço.

16- Na mesma data não existia entre os herdeiros qualquer acordo tendo em vista o exercício do direito de preferência.

17- Em 9 de Dezembro de 2004, a autora AA recebeu dos réus CC e DD a carta junta a fls. 45, comunicando que em 25 de Novembro do mesmo ano haviam celebrado a escritura pública de trespasse às rés EE e FF, de que juntaram cópia.

18- As rés EE e FF despenderam 62.350,00 € com o negócio.

19- Investiram na loja mais de 20.000,00 € com obras de recuperação, pois o espaço apresentava alguma degradação, e de remodelação com vista a modernizar o estabelecimento de cabeleireiro.

20- Foram forçadas a celebrar o contrato junto a fls. 123 para, conjuntamente com dinheiros próprios, poderem suportar todas as despesas com a aquisição do trespasse e com as obras.


B- O direito


1. qualificação do contrato

Entendem as recorrentes que o contrato celebrado entre as recorridas consubstancia apenas uma promessa de trepasse e não o contrato definitivo de trespasse como o qualifica o acórdão recorrido.

Estamos perante um contrato que na respectiva escritura aparece titulado como Trepasse, mas em que, numa das suas cláusulas, se consignou que o trespasse ora prometido é realizado livre de quaisquer ónus ou encargos…Tanto bastou para que as recorrentes defendessem que, afinal, o contrato era de simples promessa e não de celebração definitiva.

Dos factos provados temos como adquirido que se deveu a lapso na elaboração da escritura a referência que aí é feita a contrato prometido, lapso esse devido à circunstância de as partes terem facultado ao Cartório Notarial cópia do contrato-promessa que veio a servir de base à elaboração do texto da escritura.
Para além disso, no acórdão recorrido, suportando-se nos elementos factuais fornecidos pela escritura, conclui-se que as partes quiseram celebrar e celebraram efectivamente o contrato definitivo de trespasse.
A indagação da real vontade dos contraentes, quer no acto da vinculação negocial, quer no desenvolvimento desse mesmo negócio, integra matéria de facto da exclusiva competência das instâncias. Por isso, a interpretação negocial quando feita com base na real vontade do declarante não é passível de censura pelo Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, tendo de acatar o que a esse respeito foi apurado pelas instâncias.
Apenas se estiver em causa a interpretação negocial feita por aplicação de critérios normativos, de acordo com a teoria da impressão do destinatário, consagrada no nº 1 do art. 236º C.Civil, é que a interpretação constitui matéria de direito e, com o tal, pode e deve ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Na situação em análise, a Relação, constatando que à escritura serviu de base uma cópia do contrato-promessa facultado pelas partes e que, no acto, foi pago o remanescente do preço em dívida, alicerçada ainda no depoimento de duas testemunhas, inclusive da própria notária, conclui pela celebração do contrato definitivo de trespasse.
A interpretação da vontade negocial extraída pelo acórdão recorrido é feita com base na vontade real das partes, o que, como matéria de facto, tem de ser aceite por este Tribunal.
Aliás, tendo já os mesmos contraentes celebrado um contrato-promessa de trespasse não se compreenderia que viessem agora celebrar um outro em tudo idêntico ao anterior.

Não merece censura, tendo antes de ser aceite, a qualificação do contrato como contrato definitivo de trespasse.


2. elementos a transmitir ao preferente

De acordo com o disposto no nº 1 do art. 116º RAU, o senhorio de prédio arrendado goza do direito de preferência no caso de trespasse por venda ou dação em cumprimento do estabelecimento comercial.
Nestes casos, está o trespassante obrigado a comunicar ao senhorio o projecto da venda e as cláusulas do respectivo contrato nº 1 do art. 416º C.Civil, ex vi nº 2 daquele art. 116º.
Para que o preferente possa exercer o seu direito de opção é imprescindível que esteja na posse de todos os elementos concretos com base nos quais o alienante se propõe negociar com terceiro. Só conhecendo todos os dados que envolvem o negócio é que o preferente poderá formar a vontade de exercer, ou não, o direito que lhe assiste.
Essenciais à formação dessa vontade serão todos os elementos decisivos para o titular se poder decidir pelo exercício do direito, configurando-se como tal, desde logo e inquestionavelmente, o preço, condições do seu pagamento e a pessoa do interessado comprador.

Para além destes, conferem também as recorrentes um cunho de essencialidade ao valor da carteira de clientes e ao volume de negócios do estabelecimento comercial a negociar.
Acertado os termos do negócio projectado, o obrigado à preferência deverá comunicar ao beneficiário, não só a intenção de contratar, mas também as cláusulas do contrato que está pronto a celebrar, segundo imposição legal.
O que se apresenta como essencial a comunicar ao beneficiário da preferência são os concretos termos em que as partes se propõe celebrar o projectado negócio, aqueles elementos que o envolvem e os termos em que irão ser satisfeitos, e que traduzem a contrapartida a suportar pelo eventual adquirente, para além da revelação da identidade deste.
Estes, sim, configuram-se como elementos essenciais do projectado contrato, imprescindíveis para que o beneficiário do direito possa conscientemente decidir do exercício do direito.
Já a rentabilidade ou não do estabelecimento a alienar apresenta-se como elemento exterior ao negócio em si, embora possa não ser despiciendo para aquilatar do justo valor da transacção. Mas a partir do momento em que alguém se propõe negociar por determinado valor, é esse que o beneficiário da preferência tem que suportar, independentemente de se apresentar mais ou menos vantajoso o negócio projectado.

Às recorrentes, quando, na sequência da comunicação para preferir que lhes é dirigida pelos obrigados, pretendem ser complementarmente informadas sobre o valor da carteira de clientes e volume de negócios do estabelecimento comercial a negociar e essa informação lhes é negada, não lhes está a ser omitida uma cláusula do contrato essencial ao exercício do direito de preferência.

Conclui-se, portanto, que os obrigados fizeram chegar ao conhecimento dos beneficiários da preferência os elementos essenciais que tinham de lhe ser transmitidos, imprescindíveis ao exercício, ou não, do respectivo direito.


3. caducidade de exercício do direito de preferência

Uma vez comunicado o projecto da venda e as cláusulas do respectivo contrato, se o beneficiário declinar a preferência ou nada disser dentro do prazo de oito dias, se outro prazo não tiver sido convencionado, caduca o seu direito (art. 416º, nº 2 C.Civil), podendo o obrigado celebrar livremente o projectado contrato.

Na sequência das informações complementares solicitadas pela autora AA, as rés, obrigadas à preferência, transmitiram-lhe esses dados, à excepção do valor da carteira de clientes e volume de negócios, elementos não essenciais ao exercício do direito, como já referido, por carta de 9 de Novembro de 2004, recebida pela mesma autora a 17 do mesmo mês.
Este pedido de esclarecimento feito pelo beneficiário sobre elementos do contrato implica, sem dúvida, a decorrência de novo prazo para o exercício do direito, porquanto só após os mesmos lhe terem sido fornecidos é que passa a estar na posse dos dados imprescindíveis a poder aquilatar do exercício da preferência.
Porém, nos oitos dias seguintes ao fornecimento destes esclarecimentos adicionais as recorrentes remeteram-se a um silêncio total, nada dizendo quanto ao exercício do seu direito, assim como os restantes beneficiários.
E o facto da escritura de trespasse ter sido celebrada precisamente no último desses oito dias é irrelevante e nada de novo traz esse dado, não se impondo aqui discuti-lo, porquanto as titulares do direito nada disseram sobre a comunicação da venda projectada pelos obrigados à preferência, ou seja, não manifestaram a intenção de exercer o seu direito dentro do prazo em que o haviam de fazer.
Daqui decorre linearmente que caducou o exercício do direito de preferência das recorrentes.

Improcedem, assim, na íntegra as conclusões do recurso.


IV. Decisão

Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se em negar a revista.

Custas pelas recorrentes.



Lisboa, 19 de Março 2009

Alberto Sobrinho (relator)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Lázaro Faria