Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | ABRANTES GERALDES | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE DIFERIMENTO DO PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA | ||
Data do Acordão: | 11/15/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO COMERCIAL - PROCESSO DE INSOLVÊNCIA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - CUSTAS JUDICIAIS | ||
Doutrina: | - Assunção Cristas, Themis - Edição Especial, O Novo Direito da Insolvência - (2005), pp. 165 e ss.. - Carvalho Fernandes e João Labareda, Colectânea de Estudos Sobre a Insolvência, Quid Juris, p. 276. - Luís Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, vol. I, pp. 169 a 173. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 23.º A 26.º, 37.º, 51.º, 55.º, 81.º, 156.º, 172.º, 239.º, 241.º, 248.º, 235.º, 302.º A 304.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 268.º, 467.º, N.ºS 5 E 6. LEI N.º 7/2012, DE 13-02: - ARTIGO 8.º, N.º4. REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP): - ARTIGOS 1.º, 4.º, 7.º, NºS 3 E 6, 14.º, 15.º, N.º4, E TABELA II ANEXA. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: -DE 13-10-09, EM WWW.DGSI.PT . ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: -DE 16-06-11, EM WWW.DGSI.PT . ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: -DE 22-09-11, EM WWW.DGSI.PT . | ||
Sumário : | O benefício do diferimento do pagamento das custas previsto no art. 248º, nº 1, do CIRE, em casos de formulação do pedido de exoneração do passivo restante abarca a taxa de justiça devida pela apresentação do processo de insolvência.
A.G. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
LUÍSA
requereu a declaração de insolvência e em simultâneo requereu a exoneração do passivo restante. Mais declarou, apresentando o documento respectivo, ter requerido a concessão do benefício do apoio judiciário, então ainda pendente de decisão. Foi proferida sentença que declarou a insolvência da requerente e que condenou em custas “nos termos do art. 304º do CIRE”. Foram apresentados embargos à sentença. Entretanto, veio a ser concedido à requerente o apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado (em prestações mensais) da taxa de justiça e demais encargos com o processo. Porém, numa ocasião em que se encontrava a ser tramitada a exoneração do passivo restante, o Mº juiz, com fundamento em que não fora efectuado o pagamento de qualquer prestação da taxa de justiça, ordenou o desentranhamento da petição inicial e julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide (sic).
Tal decisão foi revogada pela Relação em recurso de apelação interposto pela requerente, sendo determinado o prosseguimento dos autos.
Invocando jurisprudência das Relações em sentido inverso àquele por que se orientou o acórdão recorrido, foi interposto recurso de revista por parte do credor PAULO, concluindo que:
Não houve contra-alegações.
Cumpre decidir.
II – Elementos a ponderar:
III – Decidindo: 1. Importa determinar se a falta de pagamento da taxa de justiça inicial referente ao processo de insolvência, depois de apreciado o pedido de apoio judiciário, legitima a prolação de uma decisão a determinar a extinção da instância numa ocasião em que, depois de já ter sido decretada a insolvência, se aguarda a decisão sobre o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo requerente da insolvência. A solução assumida pela 1ª instância e em que o recorrente insiste não merece acolhimento, importando realçar, a par dos aspectos de ordem estritamente legais, o facto de o efeito pretendido pelo recorrente surgir numa altura em que a insolvência já foi decretada.
2. Os presentes autos reportam-se a um processo especial de insolvência cuja finalidade é a liquidação do património do devedor e a repartição do produto obtido pelos respectivos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência. A apresentação à insolvência ou o pedido de declaração faz-se por meio de petição subscrita, respectivamente, pelo devedor ou por outro legitimado, nos termos dos arts. 23.º a 26.º do CIRE. Trata-se de processo que sujeito ao pagamento de custas, a começar pelo pagamento da taxa de justiça inicial (arts. 302.º a 304.º do CIRE e arts. 1.º, 4.º e 14.º do Regulamento das Custas Processuais). Quando a prática de um acto processual exija, nos termos do RCP, o pagamento da taxa de justiça inicial, deve ser junto o respectivo documento comprovativo. Tratando-se de petição inicial em casos em que o Autor esteja a aguardar a apreciação do pedido de apoio judiciário, aquele elemento deve ser substituído pelo documento comprovativo do pedido de apoio judiciário (nº 5 do art. 467.º do CPC). O pagamento da taxa de justiça deve ser efectuado no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão, sob a cominação de desentranhamento da petição inicial (nº 6). Porém, o preceituado no art. 467.º, n.ºs 5 e 6, do CPC, tem de se ajustar a outras situações. Assim, se em vez do indeferimento do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça for concedido o pagamento faseado, as referidas consequências devem reportar-se à falta de pagamento da primeira prestação fixada. Por outro lado, a solução do desentranhamento da petição está excluída em casos em que o réu já tenha sido citado, importando que se adapte a situações em que propriamente não existe um sujeito passivo, antes contra-interessados na pretensão, como acontece no processo de insolvência em que o limite para a aplicação daquela solução deve corresponder ao da citação dos credores, isto é dos interessados a quem a lei reconhece o direito ao exercício do contraditório (art. 37º do CIRE), com o que a instância ou a relação jurídico-processual ganha estabilidade, nos termos do art. 268.º do CPC.
3. Este regime geral não prejudica, no entanto, outros regimes específicos. Num ordenamento jurídico plural que pretende ordenar uma diversidade de situações, não está afastada a possibilidade de por outras formas se regularem estes ou outros aspectos de ordem adjectiva. Assim acontece quando com o pedido de declaração de insolvência o devedor formule o de exoneração do passivo restante, nos termos regulados nos arts. 235.º e segs. do CIRE. Para o efeito, prescreve o art. 248.º, sob a epígrafe “apoio judiciário” que: “1. O devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o respectivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o Cofre Geral dos Tribunais das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que o Cofre tenha suportado. 2 - Sendo concedida a exoneração do passivo restante, é aplicável ao pagamento das custas e à obrigação de reembolso referida no número anterior o disposto no artigo 65.º do Código das Custas Judiciais, mas sem subordinação ao período máximo de 12 meses previsto no respectivo n.º 1. 3 - Se a exoneração for posteriormente revogada, caduca a autorização do pagamento em prestações, e aos montantes em dívida acresce a taxa de justiça equivalente aos juros de mora calculados como se o benefício previsto no n.º 1 não tivesse sido concedido. 4 - O benefício previsto no n.º 1 afasta a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono”.
O preceito não pode ter outra interpretação que não aquela que foi adoptada pelo acórdão recorrido e que, correspondendo ao seu elemento literal, é sustentada pelos demais elementos, desde o racional ao sistemático.
4. O art. 235.º do CIRE, como medida específica da insolvência de pessoas singulares, estabelece um regime particular de insolvência, exonerando o devedor das dívidas que não sejam integralmente pagas no processo de insolvência ou nos 5 anos posteriores ao seu encerramento, atendendo, não às dívidas da massa insolvente, mas sobretudo ao regime preferencial que reside ao seu pagamento resultante dos arts. 51.º e 172.º do CIRE. ([1]) O objectivo de tal regime preferencial é a protecção do devedor mediante a concessão de um “fresh start” – ou a “segunda oportunidade” de recomeçar a sua vida – inspirado num modelo amplamente difundido nos Estados Unidos (discharge of Bankruptcy Code) e acolhido no código da insolvência alemão. ([2]) A exoneração do passivo restante deve ser requerida na petição inicial apresentada pelo próprio do devedor, ou, sendo a insolvência requerida por terceiro, nos 10 dias posteriores à citação daquele, mas nunca depois da assembleia de apreciação do relatório a que alude o art. 156.º do CIRE. O despacho inicial (caso não haja indeferimento liminar) determina que nos 5 anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência (designado período da cessão) o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido ao fiduciário, a quem caberá exercer as funções que resultam do art. 241.º do CIRE: notificar a cessão dos rendimentos do devedor àqueles de quem ele tenha direito a havê-los, mantendo o património do devedor separado do seu, e realizar pagamentos, afectando os montantes a pagamentos pela ordem preferencial estabelecida nas als. a) a d) do n.º 1, como o sejam o pagamento das custas do processo ainda em dívida, as quais constituem uma dívida da massa insolvente ([3]) – art. 51.º, n.º 1, al. a) do CIRE. Na decisão de 1ª instância – acolhendo a argumentação acolhida pelos Acs. da Relação de Coimbra, de 13-10-09, da Relação de Guimarães, de 16-06-11 e da Relação de Lisboa, de 22-09-11 ([4]) - considerou-se que o referido art. 248.º do CIRE estabelece o regime de benefícios em matéria de custas e certos encargos judiciários relativos apenas ao procedimento de exoneração do passivo, em função das suas vicissitudes mais relevantes: pedido de exoneração, concessão da exoneração e revogação da exoneração. Já quanto à taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial da insolvência estaria submetida ao regime geral que decorre do art. 467.º, nºs 5 e 6, do CPC. No acórdão recorrido, ao invés, considerou-se que o regime do art. 248.º do CIRE estabelece um benefício automático de diferimento do pagamento da taxa de justiça, afastando o regime da LAJ. A razão está do lado do acórdão recorrido.
5. Considerando o elemento literal da interpretação, o preceito em análise cria para o devedor o benefício do diferimento do pagamento das custas até à decisão final do pedido de exoneração do passivo (n.º 1), benefício que afasta a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor – que não a nomeação e pagamento de honorários a patrono (n.º 4). Ora, as custas que admitem o diferimento não podem deixar de englobar as que já forem devidas, envolvendo designadamente a taxa de justiça devida pela apresentação da petição de insolvência ou, em casos como o dos autos, as prestações já vencidas da taxa de justiça cujo pagamento faseado foi autorizado. Não nos parece defensável que se restrinjam tais custas às que correspondam especificamente à tramitação do pedido de exoneração do passivo restante, tanto mais que este segmento da tramitação processual não é configurada como um incidente susceptível de gerar custas autónomas (arts. 1.º, n.º 2, e 7.º, n.ºs 3 e 6, e tabela II anexa). Por apelo ao elementos sistemático e teleológico, ainda que o art. 248.º preveja um verdadeiro mecanismo de acesso aos tribunais (apoio judiciário), a sua epígrafe conjugava-se com o n.º 4 art. 15.º do RCP, então em vigor, o qual dispunha que “as partes beneficiam de apoio judiciário na modalidade respectiva, nos termos fixados em legislação especial”.([5]) Neste contexto, o deferimento do momento de pagamento das custas devidas no processo de insolvência, sem discriminação, é o que melhor se compagina com o escopo de protecção do devedor, tanto mais que com a declaração de insolvência o devedor fica numa situação de inabilidade legal para a prática de actos que atinjam o seu património, passando este, com o seu activo e passivo, a ser gerido pelo administrador de insolvência, nos termos do art. 81.º do CIRE, a quem competirá, além do mais, proceder ao pagamento das dívidas (art. 55º, nº 1, al. a)) (cfr. Luís Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, vol. I, págs. 169 a 173). É esta mesma função que, na eventualidade de deferimento liminar da exoneração do passivo restante, passará a ser exercida pelo fiduciário para quem é cedida uma substancial parte do rendimento do devedor (art. 239.º) e a quem cabe, além de outras funções, proceder ao pagamento de dívidas, com especial destaque para as custas do processo de insolvência ainda em dívida (art. 241.º, nº 1, al. a)). Trata-se de um regime que encontra coerência com o que se dispõe no art. 248.º do CIRE quando criou um regime especial aplicável ao “devedor que requeira a exoneração do passivo restante” que, assim, prevalece sobre o regime da LAJ, de modo que enquanto não for apreciado o pedido de exoneração do passivo restante, nenhum efeito processual poderá extrair-se do facto de a requerente não ter efectuado o pagamento da taxa de justiça.
6. Mas ainda que outra fosse a interpretação do regime legal, ou seja, ainda que se pudesse entender que o disposto no art. 248º do CIRE não abarcaria a taxa de justiça devida pela apresentação do pedido de insolvência, envolvendo apenas as custas devidas pela exoneração do passivo restante, nem assim o recurso mereceria provimento. Em primeiro lugar, atento o disposto no n.º 6 do art. 467.º do CPC, é ressalvada do efeito de desentranhamento da petição inicial a situação em que o indeferimento do pedido de apoio judiciário é notificado depois do réu ter sido citado. Tratando-se de um preceito que se inscreve na tramitação do processo comum sob a forma ordinária, a sua adaptação ao processo de insolvência levaria a aplicar a mesma ressalva aos casos em que se encontre satisfeito o contraditório com a citação dos credores que nos autos já ocorreu (art. 37.º do CIRE). Acresce que, como já se referiu, com a declaração de insolvência o devedor fica numa situação de inibição relativamente à prática de actos de natureza patrimonial (art. 81.º, nº 1, do CIRE), sendo o património gerido, em primeira linha, pelo administrador de insolvência e, numa fase subsequente, em casos de deferimento liminar da exoneração do passivo restante, pelo fiduciário, cabendo a cada um deles, na respectiva fase, efectuar o pagamento de dívidas, maxime de dívidas resultante de custas judiciais (arts. 55.º, nº 1, al. a), e 241.º, n.º 1, al. a, do CIRE). Por isso, ainda que se entendesse que o apoio judiciário previsto no art. 248.º do CIRE respeitava tão só à tramitação da exoneração do passivo restante, seria ao administrador de insolvência já designado que incumbiria a prática dos actos de natureza patrimonial relacionados com o insolvente, nenhum efeito se podendo extrair da mera notificação da requerente do despacho que incidiu sobre o pedido de apoio judiciário.
IV – Por conseguinte, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido. Custas do recurso de revista e da apelação a cargo do recorrente. Notifique. Lisboa, 15-11-12
Abrantes Geraldes (Relator) Bettencourt de Faria Pereira da Silva ____________________________________ [1] Carvalho Fernandes e João Labareda, Colectânea de Estudos Sobre a Insolvência, Quid Juris, pág. 276. [2] Assunção Cristas, Themis - Edição Especial, O Novo Direito da Insolvência - (2005), págs. 165 e segs. [3] E não dívida da insolvência, apenas paga após as dívidas da massa insolvente (art. 174.º do CIRE). [4] Todos disponíveis em www.dgsi.pt. [5] Ainda que o n.º 4 do art. 15.º do RCJ haja sido revogado pela Lei n.º 7/2012, de 13-02, a isenção que estivesse em vigor mantém-se, por força do n.º 4 do art. 8.º desta Lei. |