Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1ª. SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA JOÃO VAZ TOMÉ | ||
| Descritores: | PROCEDIMENTOS CAUTELARES REQUISITOS ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE JUÍZO DE PROBABILIDADE ARRESTO CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA DIREITO AO RECURSO REENVIO PREJUDICIAL TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA | ||
| Nº do Documento: | SJ | ||
| Data do Acordão: | 04/26/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC | ||
| Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
| Sumário : | I - É jurisprudência reiterada do STJ que a admissibilidade do recurso de revista nos procedimentos cautelares se restringe aos casos em que o recurso é sempre admissível, conforme resulta do art. 370.º, n.º 2, do CPC, de um lado e, de outro, mesmo nos casos em que é invocada a respetiva admissibilidade, ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, do CPC, designadamente, no caso de oposição de julgados, segundo alguns daqueles arestos, a matéria objeto de contradição deve respeitar aos pressupostos do procedimento cautelar e não ao mérito da questão decidida cautelarmente. II - Ao abrigo do princípio da proporcionalidade, em virtude da sua natureza imperativamente provisória e relativamente incerta, o juízo de procedência cautelar não pode abdicar de uma ponderação comparativa entre os danos a causar ao requerente e ao requerido. III - A requerente, não tendo de provar a certeza do crédito - com a extensão ou conteúdo alegado -, tem, contudo, de demonstrar a forte probabilidade da sua existência, pois não basta a sua mera possibilidade. IV - Não se entende que a CEDH ou a jurisprudência do TEDH expandam o conteúdo dos direitos fundamentais em causa para além do que já se encontra consagrado na CRP. V - Impõe-se distinguir as seguintes questões: de um lado, a do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva traduzidos no direito das partes de verem as suas pretensões apreciadas por uma instância, nomeadamente, por um tribunal, e de a estas corresponder uma ação adequada, designadamente, para prevenir ou reparar a violação do direito que se pretende exercer mediante procedimentos cautelares necessários para assegurar o efeito útil da ação (expressamente consagrado no art. 2.º do CPC); e, de outro lado, aquela do direito ao recurso daquelas decisões para um tribunal hierarquicamente superior, o qual conhece limitações que, desde que não ponham em causa o próprio direito de ação, são constitucionalmente admissíveis. VI - A propósito da questão processual relativa à admissibilidade do recurso de revista, não se justifica qualquer reenvio prejudicial, uma vez que a disciplina processual civil (com exceção, segundo cremos, apenas das regras da competência) não se encontra “comunitarizada ou europeizada”. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça, I – Relatório 1. AA requereu a providência cautelar de arresto contra BB. 2. Afirma, em suma, no seu requerimento inicial, que casou com o Requerido em maio de 1993, no regime de separação de bens, encontrando-se atualmente o casal em processo de separação; que, em agosto de 2021, foi vendida a casa de morada de família, propriedade da Requerente, pelo preço de € 380 000,00, que ela depositou em conta bancária titulada por si e pelo Requerido; que o Requerido, em outubro de 2021, afirmou perante a Requerente ter procedido ao levantamento de € 100 000,00 dessa mesma conta bancária, entendendo tratar-se de dinheiro seu, 'movimento que de facto a Requerente confirmou ter ocorrido, tratando-se de dinheiro proveniente exclusivamente da venda do referido prédio; que o Requerido se recusa a restituir-lhe o dinheiro de que se apropriou, apesar das suas insistências; que o Requerido se encontra desempregado, não aufere subsídio de desemprego, não tem perspetivas de iniciar atividade laboral e não possui qualquer imóvel em seu nome, sendo apenas proprietário de dois veículos automóveis e titular de algumas contas bancárias. 3. Entende que apenas com o arresto desses bens lhe permitirá fazer valer o seu crédito. 4. Requer a dispensa de audiência do Requerido, bem como a inversão do contraditório. 5. Após diversas vicissitudes, foi designada data para a produção da prova indicada pela Requerente, tendo sido proferida decisão que, sem a audiência do Requerido, julgou procedente a providência, decretando o arresto de bens do Requerido para garantia do crédito da Requerente indiciariamente julgado demonstrado (i.e., direito à restituição do montante de €100 000,00). 6. Levada a cabo a apreensão (embora não de bens suficientes para garantir o cumprimento da totalidade do crédito), o Requerido apresentou oposição. Em síntese, nega que a Requerida seja titular do crédito que invoca; que o vínculo matrimonial não foi ainda dissolvido, não sendo possível determinar compensações entre os patrimónios dos cônjuges; que desde o início do casamento ambos os cônjuges contribuíram para os encargos da vida em comum, designadamente para o sustento da família; que o imóvel que constituiu a casa de morada de família foi adquirido com o produto de poupanças também do Requerido, e não exclusivamente com bens próprios da Requerente; após referência ao seu percurso profissional e quanto ao auxílio económico que a Requerente terá prestado à família do Requerido, afirma ter sempre participado no pagamento das prestações decorrentes do mútuo bancário celebrado para a aquisição da casa de morada de família; defende assistir-lhe o direito a parte do que denomina mais-valias obtidas com a venda do imóvel, correspondente a parte do produto desta; que nunca deixou de realizar contribuições diversas para a vida do casal (cuidado dos filhos; aquisição de alimentos; pagamento de despesas inerentes à habitação; etc.); que o produto da venda do imóvel ascendeu ao valor de € 400 000,00, e não apenas ao de € 380 000,00; que contribuiu para o cumprimento do contrato de financiamento contraído para a aquisição do imóvel e o pagamento do preço deste foi feito também com a afetação do produto da venda de um imóvel em conjunto adquirido pelo casal; que acordou com a Requerente que as mais-valias resultantes da venda seriam repartidas entre ambos, em partes iguais, aceitando a Requerente caber ao Requerido a quantia de € 100 000,00; que não se mostra ainda apurada a contribuição do Requerido para a aquisição/conservação do imóvel que foi a casa de morada de família, devendo ser tida em conta a regra consagrada no n.° 2 do art. 1736.° do CC, assim se presumindo serem os cônjuges comproprietários do imóvel que constitui a casa de morada de família; por tudo isto, defende não ser a Requerente titular de .qualquer crédito perante si; que inexiste justo receio de perda de garantia patrimonial, designadamente por terem decorrido mais de seis meses entre a transferência bancária contra a qual a Requerente se insurge e a formulação em juízo do pedido de arresto; que sempre exerceu atividade profissional remunerada, que continua a exercer, entendendo ser irrelevante a titularidade ou não do direito de propriedade sobre imóveis; que não existe qualquer indício de tentativa de dissipação ou ocultação de bens, nem são indicadas dívidas do Requerido; que as apreensões realizadas violam o princípio da proporcionalidade, na medida em que impedem o acesso do Requerido ao que é seu para garantia de um direito hipotético da Requerente; impugna a pretensão da Requerente à inversão do contencioso. 7. Conclui pedindo a procedência da oposição, com o consequente levantamento do arresto decretado. 8. Produzida a prova indicada pelo Requerido, foi proferida decisão que, na procedência parcial da oposição, alterou a providência decretada, determinando o levantamento do arresto decretado e substituindo-o pelo arrolamento dos mesmos bens. 9. Não conformada, a Requerente interpôs recurso de apelação. 10. O Requerido não apresentou contra-alegações, mas interpôs recurso subordinado. 11. A Requerente da providência não apresentou contra-alegações. 12. Os dois recursos foram admitidos como de apelação por despacho de 5 de setembro de 2022 (referência n° ...98), a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo. 13. Por acórdão, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte: “Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3a secção deste Tribunal da Relação do Porto em a) Julgar procedente o recurso interposto pela requerente da providência CC, e, em consequência, determinar a revogação da decisão proferida a 29 de Junho de 2022 [referência n° ...55], com a repristinação da decisão que a 07 de Março de 2022 decretou o arresto [referência n° ...33], embora limitado à garantia do pagamento de € 96 000,00; b) Julgar totalmente improcedente o recurso subordinado interposto pelo requerido BB. Custas a cargo do requerido, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia - artigo 527° do Código de Processo Civil. Notifique”. 14. O Requerido, BB, não conformado com o acórdão que julgou improcedente o recurso subordinado por si interposto e julgou parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Requerente, interpôs recurso de revista, formulando as seguintes Conclusões: “§ PRIMEIRA L O Tribunal a quo pronunciou-se sobre o efeito a atribuir ao recurso, tendo em consideração que o aqui apelante sustentou, no seu recurso subordinado, que o recurso interposto pela apelada não tinha efeito suspensivo. II. Apesar dos argumentos postulados pelo apelante, o Tribunal a quo confirmou o efeito atribuído pela apelada ao seu recurso, declarando que o mesmo granjeava de efeito suspensivo. Sucede que mesmo antes de decorrer o prazo de 10 dias para que o recorrente se pudesse pronunciar sobre tal despacho, nomeadamente, apresentando a reclamação prevista nos n.°s 3 e 4 do art. 652.° do CPC, o Tribunal a quo proferiu o douto acórdão recorrido. Ora, tendo proferido o douto acórdão sem que ainda tivesse transcorrido o prazo para que o apelante pudesse impugnar/sindicar o despacho que confirmou o efeito atribuído ao recurso, o Tribunal a quo violou o disposto no art 3.°, n.° 3 do CPC e, bem assim, o disposto na ai. a) do n.° 1 e dos n.os 3 e 4 do art. 652.° do mesmo diploma, dando origem a uma nulidade processual que desde já se argui nos termos e para os efeitos do previsto no n.° 1 do art. 195.° do CPC. Razão pela qual deverão os autos ser anulados desde o momento em que foi proferido o despacho através do qual o Tribunal a quo se pronunciou sobre o efeito a atribuir ao recurso. § SEGUNDA O Tribunal a quo violou o disposto na ai. d) do n.° 3 do art. 647.° do CPC ao atribuir efeito suspensivo ao recurso interposto pela apelada. Como é bom de ver, o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do disposto na d) do n.° 3 do art. 647.° do CPC. Com efeito, a parte a quem é deferida, inicialmente, e sem contraditório, uma providência cautelar e vê, após contraditório, essa providência ser alterada para outra de cariz menos gravoso, não pode beneficiar do efeito suspensivo previsto na ai. d) do n.° 3 do art. 647.° do CPC. Reportando-se à lei apenas ao despacho de indeferimento liminar e ao que não ordene a providência, fica excluída a decisão que, nos termos do art. 372.°, n.° 3, determine o levantamento ou a redução de providência anteriormente decretada sem contraditório prévio e bem assim a que o decrete o levantamento de providência anteriormente declarada em consequência da sua caducidade ou da extinção do procedimento, nos termos do art. 373.°, n.° 3, ou na decorrência da substituição da providência por caução, nos termos do n.° 3 do art. 368 (ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.a Ed, 2020, págs. 273-274.). Por tudo isto, o Tribunal a quo violou o disposto d) do n.° 3 do art. 647.° do CPC, interpretando-o no sentido de que sendo alterada uma providência cautelar inicialmente decretada sem contraditório por outra após contraditório, o recurso da decisão que a alterou tem automaticamente efeito suspensivo. Em contraposição, o Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado o disposto na ai. dl do n.° 3 do art. 647.° do CPC no sentido de que, sendo alterada a providência cautelar inicialmente decretada, após contraditório do requerido, o recurso que porventura venha a ser interposto da decisão que alterou a providência não tem efeito suspensivo da decisão com base no disposto na ai. d) do n.° 3 do art. 647.° do CPC. Face ao exposto, deverá o douto acórdão proferido ser revogado declarando-se anulado tudo o processado após o despacho que se pronunciou sobre os efeitos do recurso. § TERCEIRA XII. O Tribunal a quo entendeu que para os efeitos do previsto no n.° 1 do art. 391.° do CPC, a apelada é titular de um direito de crédito sobre o apelante, no montante de EUR. 96 000,00. XIII. Entendeu, face à matéria de facto dada como provada, que tal crédito origina da produto da venda da casa de morada de família da apelada e do apelante, montante esse que foi depositado numa conta bancária co-titulada por ambos e de onde o apelado transferiu EUR. 100 000,00 para uma conta apenas por si titulada. XIV. Ora, tendo em consideração a matéria de facto dada como provada e não provada, pré e após contraditório do apelante, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.° 1 dos arts. 362.° e n.° 1 do art. 391.° do CPC. inclusive, ignorando confissão declarada da Apelada no sentido de que o Apelante contribuiu de forma indelével para a aquisição da casa de morada de família e o pagamento dos seus encargos. XV. Este facto foi sedimentado e corroborado pelo teor das escrituras de compra e venda juntas em sede de audiência de discussão e julgamento, as quais também não foram impugnadas, onde se evidencia que a casa de morada de família foi adquirida pelas partes com recurso a mútuo bancário e que o Apelante também contratualizou esse mútuo bancário e ao qual se manteve vinculado, com todas as desvantagens que isso acarreta ao normal cidadão, nomeadamente, o agravamento da sua situação de risco - reportada a todas as entidades bancárias - e que torna menos provável a concessão de empréstimos por essas entidades, com a perda de oportunidade de obter crédito para outros fins, ou de o obter com custos menos elevados. XVI. Daqui se pode (e deve) inferir que a subscrição pelo requerido/apelante do mútuo bancário foi condição essencial para a aquisição da casa de morada de família, e que sem a sua participação nesse negócio, a casa de morada de família não seria adquirida, algo que o Tribunal a quo ignorou. XVII. Tudo isto faz esmorecer a narrativa da Apelada no sentido de que o produto da venda da casa de morada de família lhe pertence por inteiro e que os EUR. 100 000,00 em disputa nestes autos, não pertencem ao Apelante, quando todo este contexto torna mais provável a circunstância de que, como este sustentou, após a ruptura conjugal do casal, estes acordaram na divisão do produto da venda, sendo que os EUR. 100 000,00 seriam atribuídos, como foram, ao apelante, declarando-se assim compensado pelo contributo que deu para a aquisição do imóvel e, bem assim, do seu contributo para a amortização do empréstimo bancário que permitiu a sua compra. XVIII. Tudo isto esfacelava e diluía a aparência do bom direito em que se funda a pretensão da apelada, assente em demonstrar que o montante de EUR. 100 000,00 constitui um crédito sobre o apelado quando existem indícios fortes e insofismáveis que o produto da venda do imóvel também pertence ao apelante, ou, no limite, que este é titular de um contracrédito sobre a apelada, pela contribuição pecuniária que fez fe a apelada confessai para a aquisição do imóvel, a sua manutenção e posterior venda. XIX. Outro dado de particular nota e que o Tribunal a quo desconsiderou de forma leviana, advém de a apelada afirmar que todo o produto da venda de casa de morada de família lhe pertence, mas está mais que provado que não depositou esse montante numa das contas que afirmou ter em conjunto com a sua mãe, ou numa das contas que detém, em exclusividade, mas na conta co-titulada com o Apelante, denunciando assim que o produto da venda da casa de morada de família não pertence por inteiro. XX. Sabendo-se que se discute a (in) existência de um crédito, num regime de casamento em separação âe bens, o Tribunal a quo não podia deixar de considerar o disposto no n.° 2 do art. 1736.° do Código Civil. XXI. Acresce que os montantes depositados na conta co-titulada pela requerente da providência e pelo Apelante, vale a presunção do art. 516.° do Cód. Civil, nos termos do qual presume-se que todos os titulares participam em partes iguais no saldo, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, o que face ao contexto descrito nos autos, ainda mais dúvidas faz surgir quanto à propriedade exclusiva desses saldos pela apelada. XXII. Razões pelas não podia ter-se por demonstrada a existência e/ou minimamente definida a titularidade de um crédito nos termos do previsto no n.° 1 do art. 391.° do CPC, já que a posição de credora da apelada não exclui a posição de credor do apelado sobre a aquela, sendo imperioso concluir que é mais provável ser o apelante titular de um direito sobre o a apelada do que o contrário, notando-se que ao aqui requerido apenas impende produzir a contraprova, figura de técnica probatória que não visa a prova do contrário, mas, antes, fazer que volte ao juiz o estado de dúvida ou incerteza que precedera a produção da prova de primeira aparência . XXIII. Face ao exposto, o Tribunal a quo tinha de ter concluído pela inexistência de um crédito titulado pela apelada sobre o apelante, ou, em última instância, que tal crédito se encontra bastante indefinido face a dados que apontam em sentido diverso do veiculado pela apelada. XXIV. Por conseguinte, tem de concluir-se que o Tribunal a quo incorreu numa errada interpretação e aplicação do direito, procedendo a uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.° 1 do art. 391.° do CPC em conjugação com o disposto no art. 516.° e do n.° 2 do art. 1736.° do Código Civil, face aos factos dados como provados e aos demais elementos dos autos, obrigando à revogação da douta sentença proferida, substituindo-a por outra que considere como não preenchido o requisito da existência de um crédito da apelada sobre o apelante, o que desde já se requer. § QUARTA XXV. Nos autos recorridos, o requisito do fundado receio/periculum in mora não estava à altura do decretamento da providência cautelar e. muito menos, no momento em que a mesma deu entrada em Tribunal. preenchido. XXVI. Como nota preliminar, diga-se, em boa verdade, que o apelante iniciou a sua intervenção nos autos numa posição de inferioridade, já que não teve oportunidade de exercer o contraditório, interrogando e/ou contraditando as testemunhas apresentadas pela apelada, porquanto a providência foi decretada sem a sua audiência prévia, enquanto que a apelada teve oportunidade de o fazer quanto à prova apresentada pelo apelante. XXVII A primeira nota que tem de deixar-se bem vincada, é que a transferência dos EUR. 100 000,00, objecto de diatribe, ocorreu em final de Outubro de 2021. sendo que é a própria apelada a confessar que teve conhecimento dela nesse período temporal, mas a providência cautelar dá entrada em Tribunal, apenas, a 07-12-2021. tendo vindo a ser decretada por este Tribunal, apenas, a 07-03-2022. e a ser concretizada, apenas, por volta do mês de Abril de 2022. XXVIII Mais de 6 meses depois do facto que, de acordo com a tese da apelada, motivou a presente providência. XXIX. O que não pode escamotear-se, como o Tribunal a quo fez, é que o tempo não parou, e que o decorrer do tempo teve e tem um efeito de diluição do periculum in mora no caso concreto. XXX. Não colhe aqui, por exemplo, o argumento algo inusitado do Tribunal a quo no sentido de que tendo decorrido cerca de dois meses desde que a apelada teve conhecimento dos factos que a levaram a procurar tutela cautelar, é razoável aceitar que esta necessitasse de cerca de um mês e para procurar um causídico, e outro mês para dar entrada da providência cautelar, o que fere as regras da experiência comum. O que as regras da experiência comum ditam é que alguém que tem mesmo receio da perda de garantia de um crédito é lesta e diligente e actua em bem menos tempo do que dois meses. XXXI. Acresce que mesmo após a transferência dos EUR. 100 000,00, a requerente recebeu do requerido EUR. 4 000,00, conformando-se com esse recebimento. XXXII. Pelo que no momento em que a providência foi decretada qualquer "justo receio" já se tinha esfacelado. XXXIII. Perante esta factualidade, o Tribunal a.quo não poderia ter interpretado o n.° 1 do art. 386.° ou o n.° 1 do art. 391.° do CPC como interpretou, concluindo no sentido de no momento em que a providência cautelar foi decretada, ou mesmo no momento em que foi apresentada em juízo, existia qualquer periculum in mora. XXXIV. Não colhe o argumento de que com o "passar do tempo" os aventados prejuízos e/ou perigos se tornem mais acentuados, pois foi a própria apelada que demorou cerca de 2 [dois] meses a instaurar a presente providência cautelar, após ter tido conhecimento do facto que, na sua perspectiva, a motivou. XXXV. A inércia da apelada é, aqui, a sua própria acusadora, demonstrando que este argumento também não está sustentado em qualquer facto concreto, mas numa alegação genérica e conclusiva que esbarra na conduta omissiva, lassa e negligente da apelada, e, como tal, nunca poderia ter sustentado a decisão que viria a decretar o arresto. XXXVI. Perante uma alegação assente em juízos conclusivos, genéricos, alguns rotundamente falsos, como fez a apelada, não é possível, por ausência de alegação de factos concretos integrativos do pressuposto do periculum in mora, afirmar esse pressuposto. XXXVII. Pelo que também por aqui deveria ter sido indeferida a providência cautelar que foi decretada pelo Tribunal de primeira instância e agora reafirmada pelo Tribunal a quo, mantendo-se, no máximo, a providência cautelar de arrolamento. XXXVIII. O justo receio pressupõe a ocorrência de um fundado receio de prejuízos reais e certos, relevando de uma avaliação ponderada da realidade e não de uma apreciação subjectiva, emocional e, eventualmente, precipitada dos factos, tantas vezes determinada por razões distintas do receio fundado de lesão grave e dificilmente reparável, o que sucede no caso em apreço, em que a apelante veio aos autos alardear um conjunto de imputações genéricas, Subjectivas e, em certos pontos, falsas (como o facto de o apelado não trabalhar, informado pela junção aos autos de um contrato de trabalho, apenas impugnado quanto à "precariedade" do vínculo). XXXIX. Errou assim o Tribunal a quo na interpretação e aplicação do disposto no n.° 1 do art. 386.° em conjugação com o n.° 1 do art. 391.° do CPC na exacta medida em que considerou estar preenchido o requisito do periculum in mora quando este tem de ser actual e, no momento em que a providência cautelar deu entrada em juízo e, posteriormente, quando foi decretada, quase seis meses depois, tal requisito já estar completamente diluído, não revelando qualquer actualidade. XL. Em contraposição, o Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado o n.° 1 do art. 386.° em conjugação com o n.° 1 do art. 391.° do CPC no sentido de que tendo decorridos cerca de dois meses desde que a apelada teve conhecimento do facto que sustentou o recurso à tutela cautelar, o periculum in mora já não se mostra efectivo, actual e real, muito menos, 6 meses após esse conhecimento, data em que foi decretada a providência cautelar, por ser expectável que o efeito temporal decorrido esfacelou o perigo na demora. XLI. Tendo em consideração o ora exposto, o douto cordão proferido pelo Tribunal a quo deverá ser revogado e substituído por outro que determine que não estava preenchido o requisito do periculum in mora previsto nos .° 1 do art. 386.° em conjugação com o n.° 1 do art. 391.° do CPC. § QUINTA XLII. A providência cautelar decretada arrestou/arrolou o património do apelado a esmo. Neste momento, o apelado tem a sua vida congelada, fruto da decisão do Tribunal a quo, influenciada, de forma capciosa, pela conduta da apelante que veio aos autos invocar falsidades, como a alegação de que o requerido não exercer qualquer actividade profissional. XLIII. Enquanto que o dano causado ao apelado pela decisão em pauta é atual e efectivo, já que ficou desapossado dos seus rendimentos e bens, o dano hipotético que a apelante invoca é meramente eventual e futuro, já que subsistem dúvidas acerca da existência de um crédito daquela sobre o apelado e vice-versa, dado que ainda não se apuraram as transferências patrimoniais e compensações entre os patrimónios próprios de ambos os ex-cônjuges, casados que foram no regime de separação de bens e sabendo que quer um quer outro contribuíram para a amortização do crédito que permitiu a aquisição da casa de morada de família e a sua posterior venda a lucro. XLIV. O que apenas adensa o juízo de desproporção ínsito na decisão proferida pelo Tribunal a quo. XLV. Atenta a mais que provável existência de um direito de crédito do apelante sobre a apelada, assente na contribuição que aquele fez para a aquisição do imóvel que constituiu a casa de morada de família, bem como o seu contributo para a amortização do mútuo bancário e demais encargos com esse bem durante mais de 15 (quinze) anos, contribuição essa confessada de forma textual e inequívoca pela apelada, não se afigura como proporcional a decisão do Tribunal a quo, a qual é excessivamente gravosa e violadora do disposto n.° 2 do art. 18.° da CRP em conjugação com o n.° 2 doart 368.°doCPC. XLVI. Destarte, resulta quantum satis demonstrado que o douto acórdão que julgou improcedente o recurso subordinado interposto pelo apelante revela-se desajustado e desproporcional, violando o disposto nos n.°s 2 e 3 do art. 18.° da Constituição da República Portuguesa e do n.° 2 do art. 368.° do CPC, devendo, em consequência, ser revogado e substituído por outro que absolva na íntegra o apelante da providência cautelar de arresto. NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, REVOGANDO-SE O DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO NOS TERMOS E FUNDAMENTOS SUPRA EXPOSTOS”. 15. Por seu turno, a Requerente AA apresentou contra-alegações. 16. Por despacho, o Senhor Desembargador-Relator decidiu o seguinte: “Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível - n° 2 do artigo 370° do Código de Processo Civil. O caso dos presentes autos manifestamente não se enquadra em nenhuma das alíneas do n° 2 do artigo 629° do Código de Processo Civil. Assim, não admito o recurso interposto - alínea a) do n° 2 do artigo 641° do Código de Processo Civil. Custas do incidente a cargo do requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia - artigo 527° do Código de Processo Civil e artigo 7o e tabela II anexa ao regulamento das custas processuais. Notifique”. 17. O Requerido/Recorrente BB, ao abrigo do art. 643.º do CPC, apresentou reclamação com as seguinte Conclusões: “§ PRIMEIRA I. O reclamante interpôs recurso de Revista do douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, que, de forma inovadora, reverteu a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, que havia alterado a providência cautelar inicialmente decretada. II. O Tribunal a quo rejeitou o recurso interposto, sustentando que face ao disposto no n.º 2 do art. 370.º do CPC, o recurso não era admissível, prontamente o rejeitando. III. Salvo melhor e mais avisada opinião, julga o reclamante que andou mal o Tribunal a quo ao decidir como decidiu. IV. A primeira nota de discórdia vai desde logo para a constatação de que o legislador, ao consagrar o n.º 2 do art. 629.º do Código do Processo Civil, consagrou-o para os casos em que se verifica a regra da dupla conforme, segundo a qual um segundo confirmatório de uma decisão judicial não deve ficar sujeito a uma terceira apreciação judicial. V. O que não sucede no caso em apreço, já que a decisão final proferida pelo Tribunal de primeira instância alterou, após o contraditório, a providência cautelar inicialmente decretada de arresto, para a de arrolamento. VI. Com efeito, o n.º 2 do art. 629.º do CPC não pode ter outra interpretação que não seja aquela que se harmonize com o ordenamento jurídico português, mormente, com os princípios reitores constantes do CPC do qual, em matéria de recursos, a regra da dupla conforme emerge. VII. A regra da dupla conforme foi transportada pelo legislador para o n.º 2 do art. 370.º do CPC com a finalidade de harmonizar objetivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção de um terceiro tribunal, mas, apenas, quando existe uma dupla conforme. VIII. Mas tal regra não se aplica quando existe divergência na decisão proferida pela primeira instância e a decisão proferida pelo Tribunal de Recurso. IX. Limitar a “ultima voz” do Supremo Tribunal de Justiça no que toca à aferição e aplicação dos pressupostos das providências cautelares e, bem assim, no que toca à correta interpretação de normas de direito substantivo, quando não existe dupla conforme, é uma conclusão que seguramente não foi desejada pelo legislador ao contemplar o n.º 2 do art. 370.º do CPC. X. Nesta perspetiva, não faria o menor sentido admitir que a parte que viu a sua condenação ser agravada, de forma inovadora, pelo acórdão proferido pela Relação não tivesse a possibilidade de aceder ao Supremo Tribunal de Justiça, para dirimir, de vez, o impasse. XI. Tal conclusão constituiria, na verdade, uma solução normativa qualificável como arbitrária ou discricionária restringindo o direito ao recurso à parte prejudicada pela decisão da 2ª instância. XII. Note-se, neste particular conspecto, que o aqui reclamante poderia ter recorrido ao recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, ainda menos se compreendendo a decisão proferida pelo Tribunal a quo no sentido interpretativo que tomou e que defenestrou a possibilidade de recurso. XIII. Por tudo isto, o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta interpretação do disposto no n.º 2 do art. 370.º e da al. a) do n.º 1 do art. 640.º do CPC. XIV. Em contraposição, o Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado o disposto no n.º 2 do art. 370.º e da al. a) do n.º 1 do art. 640.º do CPC no sentido de que, não havendo dupla conforme entre a decisão proferida pela primeira instância e a segunda instância, a norma contida no n.º 2 do art. 370.º não limita o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com os fundamentos previstos para o recurso de revista (normal e excecional). XV. Por conseguinte, deve ser revogado o douto despacho objeto de reclamação, substituindo-o por outro que admita o recurso interposto pelo reclamante. § SEGUNDA XVI. O douto despacho judicial proferido pelo Tribunal a quo, e visado na presente reclamação, está eivado, outrossim, de flagrante inconstitucionalidade material, por violação do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, na vertente do direito ao recurso. XVII. Já aqui aduzimos que não existe dupla conforme entre a decisão proferida pela 1.ª instância e a decisão prolatada pelo Tribunal a quo. Estamos perante decisões divergentes sobre os próprios requisitos das providências cautelares em disquisição (arrolamento e arresto). XVIII. A interpretação que o reclamante defende, no sentido de que a limitação de recorribilidade contemplada no n.º 2 do art. 370.º do CPC apenas se aplica a casos de dupla conforme é aquela que conduz a um maior equilíbrio e harmonização do ordenamento jurídico, coadunando-se com a regra da dupla conforme instituída como regra geral no que respeita à matéria dos recursos. XIX. A interpretação dada pelo Tribunal a quo, no tocante ao disposto no n.º 2 do art. 370.º, viola, de forma ostensiva o princípio da tutela jurisdicional efetiva, num caso em que não existe dupla conforme e, como tal, o limite de recorribilidade não está constitucionalmente justificado. XX. Ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo violou também o disposto no art. 19.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa. § TERCEIRA XXI. A norma vertida no n.º 2 do art. 370.º do CPC e a interpretação que o Tribunal a quo lhe deu, espelhada no despacho objeto de reclamação, é contrária às normas do direito comunitário, suscitando-se uma questão de reenvio prejudicial, a qual, desde já se invoca para os devidos e legais efeitos. XXII. Com efeito, a interpretação dada pelo Tribunal a quo relativamente ao n.º 2 do art. 370.º em conjugação com a al. a) do n.º 1 do art. 641.º, ambos do CPC, viola, de forma ostensiva, o previsto no n.º1do art. 6.ºdaConvenção Europeia dos Direitos do Homem e a jurisprudência do TEDH sobre o direito a um processo justo e equitativo e, bem assim, ao direito ao recurso. XXIII. Se é insofismável que o artigo 6.º, n.º 1 da CEDH não implica, por si, um direito ao recurso, é jurisprudência firme do TEDH que, quando os Estados consagrem um tal direito, têm de o regulamentar de forma que respeite igualmente as exigências do artigo 6.º, n.º 1 e 3, da CEDH. XXIV. Os arts. 1 e 3 do art. 6.º da CEDH estabelecem a garantia de justiça e o reconhecimento dos meios judiciais para a proteção dos direitos e liberdades da pessoa, que, em conjunto com o direito a um recurso efetivo, constituem um elemento básico do sistema jurídico. XXV. Se o direito de recorrer estiver, obviamente, sujeito a condições legais, os tribunais devem, ao aplicar as regras processuais, evitar um excesso de formalismo que poderia atentar contra a equidade do procedimento e uma flexibilidade excessiva suscetível de eliminar os pressupostos processuais estabelecidos por lei. XXVI. É manifesto que o despacho judicial objeto da presente reclamação, constitui uma limitação de natureza processual ou uma barreira processual que condiciona, de uma forma decisiva, o exercício, pelo Reclamante, do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva, incluindo o direito ao recurso, o que viola o nº 1 do Artigo 6º e o Artigo 13º da CEDH. XXVII. A dimensão normativa dada pelo Tribunal a quo ao disposto no n.º 2 do art. 370.º do CPC, num caso em que não existe dupla conforme, é, deste modo, violadora do direito a um processo equitativo, tal como consagrado no artigo 6.º, n.º 1 e 3, b), da CEDH, e na esteira do entendimento que tem vindo a ser sustentado pelo TEDH. XXVIII. A dimensão normativa dada pelo Tribunal a quo, ao disposto no n.º 2 do art. 370.º do CPC, num caso em que não existe dupla conforme, é também violadora do artigo 6.º, n.º 1 e 3, c), da CEDH, porque impõe uma restrição desproporcional à dimensão do direito ao recurso. XXIX. O Tratado de Funcionamento da União Europeia impõe aos tribunais nacionais, a obrigação ou o dever, quando estes decidam em última instância, de colocarem questões relacionadas com a validade e a interpretação dos Tratados, junto do TJUE, através do mecanismo de reenvio prejudicial. XXX. Concluindo-se, quando da decisão do órgão jurisdicional nacional que não cabe recurso judicial no âmbito do direito interno, os tribunais estão obrigados ao reenvio prejudicial. XXXI. Nestes termos, o reclamante desde já requer a reavaliação dos pressupostos de do Recurso de Revista, tem em consideração o direito comunitário, alterando-se, em consequência, o douto despacho objeto de reclamação, no sentido da admissão do recurso indevidamente retido. XXXII. Caso, porventura, assim se não entenda, desde já se requer, que, antes da prolação de decisão o processo seja suspenso a fim de se poder dar cumprimento à obrigação do reenvio prejudicial para o TJUE, para que se possa assegurar, também neste caso, o cumprimento uniforme do Direito da UE, no que se refere à tutela jurisdicional efetiva e ao direito ao recurso, por constituírem Direitos Fundamentais da Recorrente. XXXIII. Em consequência, nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP e do art. 267.º do TFUE, o reclamante desde já requer a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia através do reenvio prejudicial, de modo a que: a. seja aferida da conformidade da interpretação dada pelo Tribunal a quo ao n.º 2 do art. 370.º do CPC, que impede o recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, quando não existe dupla conforme, com a norma do artigo 6.º da CEDH e, bem assim, se essa restrição do direito ao recurso respeita principio da proporcionalidade imanente ao direito de defesa previsto neste ultimo normativo da CEDH. XXXIV. O Tribunal a quo, violou, entre outros, o disposto no n.º 2 do art. 370.º, a al. a) do n.º 2 do art. 641.º do CPC, os n.ºs 1 e 4 do art. 20.º da CRP e o art. 6.º da CEDH. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVE A PRESENTE RECLAMAÇÃO SER JULGADA TOTALMENTE PROCEDENTE, REVOGANDO-SE O DESPACHO RECORRIDO E ADMITINDO-SE A SUBIDA IMEDIATA DO RECURSO INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. SUBSIDIARIAMENTE, DEVERÁ SER REMETIDA PARA O TJUE, ATRAVÉS DO MECANISMO DE REENVIO PROCESSUAL PREVISTO NO ART. 267.º DO TFUE, A QUESTÃO SUSCITADA DE CONFORMIDADE DA INTERPRETAÇÃO DADA PELO TRIBUNAL A QUO ÀS NORMAS DE DIREITO INTERNO, AS QUAIS COLIDEM COM AS NORMAS DO DIREITO COMUNITÁRIO BEM COMO A INTERPRETAÇÃO QUE DELAS FAZEM OS TRIBUNAIS COMUNITÁRIOS, NOS TERMOS EXPOSTOS UT SUPRA. ASSIM DECIDINDO, V. EXA. ATRIBUIRÁ COR DE VERDADE À JUSTIÇA!” 18. A Requerente AA não respondeu. 19. Por despacho de 21 de fevereiro de 2023, a Relatora decidiu o seguinte: “Nos termos expostos, julga-se improcedente a reclamação apresentada por BB, confirmando-se in totum a decisão reclamada”. 20. O Requerido BB, ao abrigo dos arts. 643.º, n.º 4, e 652.º, n.º 3, do CPC, veio requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão. 21. A Requerente AA não se pronunciou. II – Questões a decidir Estão em causa as seguintes questões: - saber se o art. 370.º, n.º 2, do CPC, se aplica ou não apenas aos casos de dupla conformidade decisória, atendendo ao art. 20.º, n.os 1 e 4, da CRP; - se deve ou não ser admitido o reenvio prejudicial para o TJUE para que este Tribunal se pronuncie sobre a conformidade do sentido atribuído ao art. 370.º, n.º 2, do CPC – de não admissibilidade do recurso de revista também no caso de inverificação de dupla conforme – com o art. 6.º da CEDH. III – Fundamentação A. De Facto Releva a seguinte factualidade: “I- Na sequência da diligência que teve lugar a 04 de Março de 2022 1- A requerente e o requerido são (ainda) casados civilmente, no regime da separação de bens, desde 22 de Maio de 1993, conforme tudo melhor consta da certidão de casamento e da convenção antenupcial celebrada em 16 de Fevereiro de 1993. 2- Encontrando-se, porém, separados de facto desde o dia 29 de Outubro do ano em curso, separação essa que é irreversível. 3- E estando iminente a interposição de ação judicial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, por parte da requerente, tendo em vista a formalização da dissolução do casamento que durou cerca de 28 anos. 4- Desde há largos anos a esta parte, para não dizer na maior parte do tempo que durou o casamento, tem vindo a ser a requerente, praticamente em exclusivo, o suporte familiar do ex-casal, constituído por requerente e requerido e por um filho, atualmente com 27 anos e uma filha com 17 anos, ambos ainda a viverem com a ora requerente e dependendo economicamente desta. 5- A requerente é sócia duma empresa familiar - a J..., Lda. -, com sede na Rua ..., desde há 30 anos, da qual é também gerente. 6- E, fruto do seu trabalho na empresa e do património da sua família, adquiriu para a sua esfera jurídica, em exclusivo, como bens próprios seus, atento o regime de bens adoptado para vigorar durante o casamento, património imobiliário, designadamente: a. Aquela que foi durante largos anos a casa de morada da família, sita na Rua ..., adquirida em 22 de Abril de 2002 e vendida em 27 de Agosto do ano em curso, pelo preço de 400 mil euros; b. Imóvel onde reside atualmente com os seus dois filhos, ainda que transitoriamente, localizado em ..., na Ava ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3074. 7- O requerido, pelo contrário, não possui qualquer bem imóvel e, em termos profissionais, sempre teve um percurso muito errático, uma vez que apenas possui habilitações ao nível do ensino secundário e não possui qualquer especialização profissional. 8- Na verdade, formou diversas empresas, na área da climatização, ar condicionado, painéis fotovoltaicos, das quais foi sócio e gerente, mas todas elas terminaram em insolvência. 9- Deixando para trás dívidas na ordem de vários milhares de euros, que acabaram por ser pagas pela ora requerente, para evitar execuções judiciais e outros contratempos. 10-Acabando por, em jeito de "tábua de salvação", em 2012, "empregar-se" na empresa da requerente - J..., Lda. - de modo a ter um rendimento mensal fixo e poder auferir, mais tarde, uma reforma por velhice. 11-Com efeito, o requerido passou a ser funcionário da J..., Lda. em 05/01/2012, aí tendo a categoria profissional de comercial e, apesar de receber o seu ordenado mensal e serem-lhe efetuados, ao longo de todos estes anos, os descontos respetivos para a Segurança Social. 12-Certo é que, na empresa em questão, cumpria de forma bastante displicente com as suas funções, pouco observando os horários de trabalho e dando-se ao luxo de, por vezes, faltar um ou outro dia ao trabalho, para se dedicar ao seu hobby favorito: a fotografia. 13-Pelo que o contributo do requerido para a economia doméstica e gastos com os filhos sempre foi muitíssimo reduzido, ou mesmo quase nulo, na maior parte do tempo em que durou o casamento. 14-Pois a principal e, na maior parte do tempo, exclusiva provedora das necessidades da família e, muito concretamente, das despesas de alimentação, vestuário e calçado, de educação e saúde dos filhos, ficou sempre a cargo da requerente. 15-De resto, até a ajuda económica da requerente foi solicitada pelo requerido para acudir a problemas financeiros deste e da família deste, como resulta do pagamento do valor de 73.733,87€, efectuado pela requerente à Sra. Agente de Execução DD, no âmbito da execução movida contra o requerido, sua mãe e irmão, Proc.n0 962/18.1... Tribunal Judicial da Comarca de ..., ..., Juízo de Execução. 16-E, ainda, pela cópia do cheque emitido a favor de sua sogra D. EE, no valor de 29.490,98€, numa outra situação, para pagamento de dividas desta. 17-Montantes de que, ainda está numa muito boa parte desembolsada e sem plano de pagamento à vista. 18-A requerente sempre teve as suas próprias contas bancárias, umas em exclusivo e outras em conjunto com sua mãe, uma vez que é filha única, enquanto que o requerido, por seu turno, tinha as suas contas bancárias em exclusivo. 19-Na verdade, requerente e requerido apenas tinham uma única conta bancária em conjunto, no regime da solidariedade no BES/Novo Banco, onde eram debitadas as prestações do empréstimo à habitação da casa de morada da família, acima devidamente identificada. 20-No pagamento das quais o requerido, há muitos anos atrás, ainda foi comparticipando, não obstante a propriedade da casa não ihe pertencer, mas por ser nessa casa que habitava com a sua família e tendo em conta as outras despesas todas que a requerente pagava, em proveito do requerido também. 21-Contudo, também essa conta bancária, da titularidade formal dos dois, foi, desde sempre, alimentada, com a injeção de dinheiros, maioritariamente pela requerente. 22-E foi, inequivocamente, totalmente alimentada pela ora requerente, em exclusivo, pelo menos a partir de 2017, como comprovam os extratos bancários, correspondendo cada um dos documentos a um ano civil, desde 2017 até 2021. 23- Recentemente, em 27 de agosto de 2021, a casa de morada da família, bem próprio da ora requerente, foi vendida e a família mudou-se transitoriamente do ... para uma outra casa que a requerente tem em ..., que é também seu bem próprio e referida em 6- b). 24-Tendo o montante relativo ao remanescente do preço de venda - 380 mil euros - sido recebido em exclusivo pela ora requerente [que já havia recebido 20 mil euros, a título de sina! e princípio de pagamento, na data da assinatura do contrato promessa de compra e venda]. 25-Preço esse, que a requerente depositou na conta bancária do Novo Banco da titularidade formal de Requerente e requerido, como resulta do extracto bancário de 01/08/2021. 26-Com o produto da venda da sua casa, propriedade exclusiva da requerente, a requerente amortizou totalmente os três empréstimos em dívida ao Novo Banco, respetivamente pelo valor de 18.475,25€, 8.503,09€e 39.319,20€. 27-Na sequência de desavenças familiares ocorridas após a venda da casa de morada da família, o requerido, no dia 29 de Outubro de 2021, por volta das 10:30h/11 horas dirigiu-se à empresa da requerente, onde trabalhava e já no gabinete desta dirigiu-se-lhe nos seguintes termos: "Vou-me embora daqui e quero o divórcio, logo à tarde vou buscar algumas coisas para os primeiros dias e, depois, quando arranjar casa vou buscar o resto." 28-A requerente, embora surpresa com a inesperada demissão e também com o, apesar de tudo, inesperado pedido de divórcio, pedindo-lhe para, já que estava a apresentar a sua demissão da empresa, que lhe entregasse todos os bens da mesma que o requerido tinha na sua posse, a saber, cartão multibanco da empresa, uma viatura automóvel, e o computador portátil. 29-0 requerido entregou-lhe, de imediato, o cartão multibanco da empresa e disse que ia precisar do carro para fazer as mudanças e que, por isso, só o entregaria na semana seguinte, com o depósito cheio [efetivamente entregou o carro, que tinha sido abastecido no dia 29 de Outubro com o cartão da empresa, mas com o depósito vazio...], estando o portátil ainda por entregar. 30-E mais informou a requerente que "já tirei 100 mil euros da conta porque é uma parte que me pertence, das mais valias da venda da casa (casa de morada da família), porque não vou sair deste casamento com as mãos a abanar". 31-Estupefacta com tal afirmação, a requerente deslocou-se de imediato ao Novo Banco e verificou que, efetivamente o requerido se tinha apoderado de 100 mil euros, proveniente da venda da casa de morada da família, bem próprio da requerente, conforme nota de débito das despesas de transferência respetivas, cobradas pelo Novo Banco, enviada à ora requerente e pagas por esta. 32-Relativo ao pagamento de despesas de transferência desse montante de 100 mil euros, ordenada e assinada pelo requerido para a conta com o Nib/lban: PT...82, que corresponde a uma conta detida em exclusivo pelo aqui requerido no BANCO CTT- como tudo melhor resulta também da análise do extracto bancário datado de 29/10/2021. 33-Aproveitando-se o requerido do facto de ser co-titular da conta e, por isso, ter acesso à sua movimentação, bem sabendo que não era o proprietário do dinheiro que nessa conta se encontrava depositado. 34-Entretanto, a requerente tratou de acautelar o remanescente do dinheiro que ainda se encontrava depositado na conta do Novo Banco, transferindo-o para uma sua outra conta pessoal, numa outra instituição bancária. 35-0 requerido recusa-se a entregar o dinheiro que a requerente lhe vem pedindo. 36-0 requerido, após se ter despedido no dia 29 de Outubro, nunca mais apareceu na empresa durante o mês de novembro. 37-Não se vislumbra que o requerido venha a empregar-se onde quer que seja, atendendo à sua idade (63 anos), falta de habilitações e falta de experiência profissional. 38-0 requerido, de seu, em termos de bens imóveis, nada tem. 39-Sendo o seu património constituído apenas por dois veículos automóveis, a seguir identificados: - Um veículo da marca MG, modelo MGF, bastante antigo, de 19... e com o valor comercial diminuto/simbólico, com a matrícula ..-..-NB; - Um veículo, adquirido recentemente, e com o dinheiro da ora requerente, da marca Peugeot, modelo HU e matrícula ..-XE-... 40-O requerido apenas possui, que a requerente saiba, uma conta bancária no Banco CTT, S.A. com o NIB /IBAN PT...82, exatamente para onde foi transferida a quantia de 100.000 €. 41-Possuindo, ainda, outras contas bancárias, da sua titularidade, nas seguintes instituições, cujos números de conta e eventuais saldos bancários a requerente desconhece em absoluto e que são as seguintes: a. ABANCA SERVICiOS FINANCIEROS, E.F.C..AS-SUCURSAL em PORTUGAL b. BNP-PARIBAS PERSONAL FINANCE, SA-SUCURSAL em PORTUGAL. II- Na sequência da diligência que teve lugar a 27 de Junho de 2022 42-0 requerido cuidou dos filhos do casal, fazia compras para a casa, pagou contas de luz, gás e internet, entre outros encargos para a vida familiar, bem como contribuiu para o pagamento do empréstimo à habitação da casa de morada de família. 43-0 Requerido transferiu para a Requerente a quantia de € 4 000,00. 44-0 Requerido, em 14 de Janeiro de 2022, assinou um contrato de prestação de serviços, pelo período de 6 meses, mediante o vencimento mensal de €900,00. Factos Não Provados (transcrição): Na sequência da diligência que teve lugar a 04 de Marco de 2022 a. Verificou a requerente, aquando das mudanças de casa, que o requerido fez desaparecer todos os documentos onde constavam os comprovativos das dívidas que, ao longo dos anos, a requerente foi pagando ao requerido, fruto das suas fracassadas investidas no mundo empresarial; b. Tendo-o questionado sobre a razão da destruição desses documentos, foi-lhe dito pelo requerido que eram questões ultrapassadas; c. O requerido tenha reiterado a sua intenção de ficar com o dinheiro, usando o nome do filho do casal, FF, referindo que este terá dito ao seu irmão mais velho (filho do anterior casamento do requerido) que "a minha mãe não quer dinheiro para nada" - o que nunca foi dito pela requerente, nem peio filho FF; d. Ora fazendo pressão através da filha mais nova do ainda casal, no sentido de fazer a requerente aceitar que o requerido fique em termos definitivos com a quantia de 100.000 €, porque não tem mais nada de seu e precisa desse dinheiro para viver; e. Ora dizendo à requerente que já não o tem pois "já o gastou todo no jogo"; f. Ora dizendo que, afinal, esse dinheiro foi investido e sem possibilidade de movimentação; g. Ora dizendo que está na disposição de devolver 25 mil euros, mas só se lhe for dada uma indemnização e o documento para obtenção do Fundo de desemprego, pela empresa da requerente; h. O requerido chegou ao cúmulo de tentar inverter a situação laboral criada por ele - demissão com efeitos imediatos do seu posto de trabalho em 29 de Outubro de 2021- ao procurar criar a convicção na requerente de que foi esta que o despediu sem justa causa, ao invés de ter sido o requerido a demitir-se; i.Com o que vem insistindo com a requerente pelo pagamento de uma indemnização por despedimento sem justa causa e a subsequente entrega da documentação necessária à obtenção do subsídio de Fundo de Desemprego; j. O requerido apresentou-se novamente na empresa, em finais de Novembro, e chamou a Polícia para atestar a proibição de entrada na empresa para criar um processo crime e um outro na ACT; k. E, como a requerente não tem cedido a todas estas pressões, tem sido assediada com mensagens e telefonemas do requerido feitos aos filhos de ambos; l- Na sequência da diligência que teve lugar a 04 de Março de 2022 I. Que Requerente e Requerido tenham acertado num encontro entre ambos atribuir ao Requerido a quantia de €100.000,00.” B. De Direito 1. Como fundamentos da reclamação por si apresentada, o Requerido/Recorrente/Reclamante invoca, em síntese, que o Tribunal interpretou erradamente os arts. 370.º, n.º 1, e 629.º, n.º 2, do CPC, violando o seu direito ao recurso constitucionalmente consagrado, e, ainda, o art. 6.º, n.os 1 e 3, al. c), da CEDH. Suscita, por isso, o pedido de reenvio prejudicial, em ordem à apreciação da conformidade da interpretação feita pelo Tribunal a quo com o referido preceito da CEDH e com o princípio da proporcionalidade subjacente ao direito de defesa. 2. A decisão que rejeitou o recurso de revista apresentado pelo Requerido, ora Reclamante, encontra fundamento na invocada irrecorribilidade do acórdão proferido no âmbito de um procedimento cautelar, nos seguintes termos: “Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso dos casos em que o recurso é sempre admissível – n.º 2 do art. 370.º do Código de Processo Civil. O caso dos presentes autos manifestamente não se enquadra em nenhuma das alíneas do n.º 2 do art. 629.º do Código de Processo Civil. Assim, não admito o recurso interposto – alínea a) do n.º 2 do artigo 641.º do Código de Processo Civil”. 3. No caso em apreço, no âmbito da providência cautelar de arresto requerida por AA contra o Requerido/Recorrente/Reclamante, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto que: a. julgou procedente o recurso interposto pela Requerente CC e, consequentemente, determinou a revogação da decisão proferida a 29 de junho de 2022, com a repristinação da decisão que a 7 de março de 2022 decretou o arresto, embora limitado à garantia do pagamento de € 96.000,00; b. julgou totalmente improcedente o recurso subordinado interposto pelo Requerido, ora Reclamante. 4. É desta decisão que, não conformado, o Reclamante interpôs recurso de revista, que foi rejeitado pelo Senhor Desembargador-Relator do Tribunal da Relação do Porto com fundamento na irrecorribilidade do acórdão, porque proferido no âmbito de um procedimento cautelar – art. 370.º, n.º 2, do CPC. 5. Decisão essa que foi confirmada pela Relatora. (In)admissibilidade do recurso de revista 1. Por força da conjugação dos arts 608.º, n.º 1, e 641.º, 652.º, n.º 1, al. b), 663.º, n.º 2, e 679.º, do CPC, antes de conhecer do mérito do recurso, o julgador deve apreciar se se verificam ou não os respetivos pressupostos. A inobservância destes requisitos é suscetível de determinar a rejeição do recurso. Da harmonização dos arts. 608.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, al. a), do CPC, resulta que, depois de conhecidos os pressupostos processuais gerais, é apreciada, inter alia, a recorribilidade da decisão. 2. Distribuídos os autos no Supremo Tribunal de Justiça, incumbe ao Relator apreciar se o recurso é ou não de admitir, não sendo vinculativa a decisão de admissão proferida no Tribunal recorrido (art. 652.º do CPC). 3. Trata-se, pois, antes de mais, de saber se é ou não admissível a interposição do presente recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. 4. De acordo com o art. 370.º, n.º 2 do CPC, “das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.”. 5. Desse preceito legal resulta com toda a clareza que, via de regra, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação proferido no âmbito de procedimentos cautelares, a não ser que se verifique alguma das situações previstas no art. 629.º, n.º 2, als a) a d), do CPC, em que o recurso é sempre admissível. Nenhuma destas hipóteses se verifica no caso em apreço: não foi invocada violação de quaisquer regras de competência nem de caso julgado; não foi discutido o valor da causa; não foi invocada jurisprudência uniformizada; e não foi alegada qualquer contradição com outra decisão judicial do Tribunal da Relação sobre a mesma questão fundamental de direito. 6. O caráter provisório da providência cautelar explica esta limitação: a irrecorribilidade da decisão proferida pelo Tribunal da Relação. 7. É jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça que a admissibilidade do recurso de revista nos procedimentos cautelares se restringe aos casos em que o recurso é sempre admissível, conforme resulta do art. 370.º, n.º 2, do CPC, de um lado e, de outro, mesmo nos casos em que é invocada a respetiva admissibilidade, ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, do CPC, designadamente, no caso de oposição de julgados, segundo alguns daqueles arestos, a matéria objeto de contradição deve respeitar aos pressupostos do procedimento cautelar e não ao mérito da questão decidida cautelarmente1. Não é, assim, ressalvada a possibilidade de o “recurso ser sempre admissível”, em termos “normais” e de forma “direta”, por via do art. 370.º, n.º 2, do CPC, i.e., de admitir o recurso de revista sem mais. 8. No caso sub judice, afigura-se evidente que o recurso interposto não se subsume a qualquer das hipóteses previstas no art. 629.º, n.º 2, do CPC, que são as únicas em que é permitido esse tipo de impugnação, mesmo no caso de ausência de dupla conformidade decisória. Em suma, não cabe recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, por se tratar de decisão proferida no âmbito de um procedimento cautelar. 9. A este propósito, o Requerido/Recorrente/Reclamante refere que as normas dos arts. 370.º, n.º 2, e 629.º, n.º 2, do CPC, visam os casos de dupla conformidade decisória, o que não é o caso dos autos. Conclui, a esse propósito, nos seguintes termos: “VI. Com efeito, o n.º 2 do art. 629.º do CPC não pode ter outra interpretação que não seja aquela que se harmonize com o ordenamento jurídico português, mormente, com os princípios reitores constantes do CPC do qual, em matéria de recursos, a regra da dupla conforme emerge. VII. A regra da dupla conforme foi transportada pelo legislador para o n.º 2 do art. 370.º do CPC com a finalidade de harmonizar objetivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção de um terceiro tribunal, mas, apenas, quando existe uma dupla conforme. VIII. Mas tal regra não se aplica quando existe divergência na decisão proferida pela primeira instância e a decisão proferida pelo Tribunal de Recurso. IX. Limitar a “ultima voz” do Supremo Tribunal de Justiça no que toca à aferição e aplicação dos pressupostos das providências cautelares e, bem assim, no que toca à correta interpretação de normas de direito substantivo, quando não existe dupla conforme, é uma conclusão que seguramente não foi desejada pelo legislador ao contemplar o n.º 2 do art. 370.º do CPC.”. 10. Todavia, não pode acolher-se o entendimento preconizado pelo Requerido/Recorrente/Reclamante. 11. Com efeito, de um lado, a interpretação restritiva do art. 370.º, n.º 2, do CPC, feita pelo Requerido/Recorrente/Reclamante, não encontra na letra da lei um mínimo de correspondência verbal e, de outro lado, à ratio legis subjacente à limitação do recurso de revista no âmbito dos procedimentos cautelares não é indiferente a preocupação do legislador em limitar o acesso ao terceiro grau de jurisdição, tendo em vista a função de orientação e uniformização de jurisprudência que deve ser primacialmente reconhecida ao Supremo Tribunal de Justiça. 12. “Que a decisão da Relação é hoje, em regra, definitiva nos procedimentos cautelares, é algo que não pode deixar dúvida em face da clareza da lei, como bem referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pag. 49: “Deveu-se ao DL 375-A/99 de 20.09, a limitação do direito ao recurso das decisões proferidas nos procedimentos cautelares: manteve-se a sua recorribilidade para a Relação, nos termos gerais do art. 678º/ do CPC de 1961 (idêntico ao art. 629º); mas as decisões proferidas pela Relação passaram a ser definitivas, a menos que ocorresse algum dos casos em que o recurso era sempre admissível, de acordo com o art. 678º/2 (correspondente ao art. 629º/2, que enumera a violação de regras de competência internacional, em razão da matéria e da hierarquia, ofensa de caso julgado, a decisão sobre o valor da causa ou do incidente que se pretenda dever ser superior à alçada do tribunal da Relação, a decisão contra jurisprudência uniformizada e a contradição com outra decisão da Relação tomada sobre a mesma questão fundamental de direito. A provisoriedade da providência cautelar explica esta limitação, não obstante a importância prática que ela pode concretamente ter para a efectiva realização do direito (…). Assim, sem prejuízo do disposto no art. 692º, nº2, está vedado o recurso para o Supremo das decisões proferidas em procedimentos cautelares, o que significa que, em princípio, tais decisões apenas são susceptíveis de recurso para a Relação. (…) o acórdão da Relação proferido em procedimento cautelar, ainda que revogatório da decisão da 1.ª instância, não admite recurso de revista (art. 370.º, n.º 2, do CPC), não se verificando qualquer das hipóteses em que o recurso é sempre admissível, que são as hipóteses previstas no n.º 2 do art. 629.º do CPC.”2 13. No caso sub judice, o recurso de revista foi interposto no âmbito de um procedimento cautelar de arresto e não se verifica qualquer das hipóteses previstas no art. 629.º, n.º 2, do CPC. 14. Deste modo, o recurso de revista apresentado pelo Requerido/Reclamante não é legalmente admissível. Não existe, por conseguinte, qualquer razão para revogar a decisão singular de rejeição proferida nos autos. 15. Saliente-se ainda que, contrariamente ao pretendido pelo Requerido/Recorrente/Reclamante, a interpretação feita pelo Tribunal a quo dos preceitos em causa e que corresponde efetivamente ao regime que emerge das normas de direito adjetivo que regulam os recursos, não está eivada de qualquer inconstitucionalidade, designadamente por violação do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, na vertente do direito ao recurso, consagrado no art. 20.º, n.os 1 e 4, da CRP. 16. Assim, “Obviamente que não colhem, nesta sede, argumentos pretensamente extraídos da Constituição, no sentido da admissibilidade, sem limites, do recurso de revista, atento o princípio da indefesa. Pelo contrário, a jurisprudência constitucional vem afirmando sucessivamente, e de modo pacífico, que, em matéria de direito privado, em que se inscrevem os procedimentos cautelares do género daquele que foi requerido pela ora reclamante, cabe ao legislador ordinário regular a amplitude do regime de recursos, designadamente através das alçadas ou de outras normas objetivas limitadoras da recorribilidade, como ocorre com a dupla conformidade, nos termos do art. 671º, nº 3, do CPC, ou com a limitação ao recurso de revista em sede de procedimentos cautelares, nos termos do art. 370º, nº 2. Ponto é que se possa considerar que as normas de direito ordinário que regulam o regime da recorribilidade respeitam o princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado. É o que se extrai do Ac. do Trib. Const. n.º 159/2019, com menção de muitos outros, e bem assim de Lopes do Rego, “O direito fundamental do acesso aos tribunais e reforma do processo civil”, em Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, pp. 763 e ss. No caso concreto, estamos inequivocamente perante um procedimento cautelar que a ora reclamante requereu com o objetivo de pôr em causa o ato de arrombamento e de entrega de um espaço onde exercia a advocacia e cuja entrega foi ordenada e executada no âmbito de uma ação de execução para entrega de coisa certa que contra si foi dirigida. Independentemente da apreciação do mérito do indeferimento liminar de tal pretensão, o que está unicamente em causa nesta reclamação é a suscetibilidade de intervenção do Supremo Tribunal de justiça em sede de recurso de revista. Neste contexto, para além de a decisão reclamada refletir o que emerge do direito positivo ordinário, não existe qualquer motivo para assacar à norma do art. 370º, nº 2, ou mesmo às normas dos arts. 671º, nº 3, e 629º, nº 2, do CPC, fruto da tendo larga margem de discricionariedade conferida ao legislador ordinário, a violação quer do princípio da proporcionalidade, quer do princípio da indefesa” (sublinhado nosso)3. 17. No que respeita à alegada violação do direito ao recurso, decorrente da restrição do direito de recurso inerente ao art. 370.º, n.º 2, do CPC, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado que este direito não é um direito irrestrito. 18. “É o próprio Tribunal Constitucional que o afirma, esclarecendo que “a Constituição, maxime, o direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos”[7], e que “o legislador ordinário tem liberdade para alterar as regras sobre a recorribilidade das decisões judiciais, aí se incluindo a consagração, ou não, da existência dos recursos, conquanto, como tem sustentado parte da doutrina […] não suprima em bloco ou limite de tal sorte o direito de recorrer de modo a, na prática, inviabilizar a totalidade ou grande maioria das impugnações das decisões judiciais, ou, ainda, que proceda a uma intolerável e arbitrária redução do direito ao recurso […]”[8].”4. 19. Inexiste, pois, qualquer violação dos direitos fundamentais do Requerido/Recorrente/Reclamante, mormente no que se refere à garantia de acesso ao Direito e aos Tribunais, pois não tem fundamento o entendimento de que os direitos a um processo equitativo e à tutela jurisdicional efetiva, expressamente consagrados na CRP (art. 20.º), na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (art. 47.º5) e na CEDH (arts. 6.º, n.º 16, e 13.º7)8 não se mostram assegurados no processo ou são ofendidos por efeito da rejeição do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, id est, pela inadmissibilidade do acesso a um terceiro grau de jurisdição9. 20. Com efeito, conforme tem sido reiteradamente afirmado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e confirmado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, a garantia de acesso ao direito não significa um direito de recurso irrestrito, uma vez que “fora dos casos das decisões penais condenatórias (art. 32.º, n.º 1, da CRP), a CRP não inclui entre as garantias de acesso à justiça, ao direito e aos tribunais, a garantia de um duplo grau de jurisdição, ou, dito de outra forma, não impõe o direito ao recurso das decisões judiciais, deixando ao legislador uma ampla margem de liberdade de conformação dos requisitos de admissibilidade dos recursos; e muito menos impõe um duplo grau de recurso, ou seja, um triplo grau de jurisdição”10. 21. Neste mesmo sentido se tem pronunciado, sucessivamente, o Tribunal Constitucional a propósito do direito ao acesso ao direito, à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, quando afirma que “o direito ao recurso em processo civil, e sobretudo o acesso ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, não encontra previsão expressa no artigo 20.º da Constituição, não resultando como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade”11. 22. Efetivamente, o Tribunal Constitucional tem “entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (…), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que «o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos». Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…)”12. 23. Acresce que, designadamente a propósito da recorribilidade para o Tribunal Constitucional das decisões proferidas em sede de procedimentos cautelares, a esmagadora maioria da jurisprudência desse Tribunal tem considerado como inadmissível o recurso de inconstitucionalidade. A essa tendência jurisprudencial subjaz o caráter meramente provisório do juízo emitido no julgamento de providência cautelar, assim como a ausência de caso julgado. Segundo o Tribunal Constitucional, esta posição não pode ser entendida como traduzindo uma violação da garantia constitucional de acesso ao direito13. 24. No caso em apreço, conforme referido nos despachos de 24 de novembro de 2022 e 21 de fevereiro de 2023, e tal como decorre do regime de recursos próprio dos procedimentos cautelares (até pelos fundamentos invocados pelo Tribunal Constitucional que, de resto, podem servir como justificação desta limitação legalmente consagrada), apenas se restringe o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Contudo, mesmo em relação ao recurso de revista, encontram-se devidamente salvaguardadas as situações em que o recurso é sempre admissível, em virtude da remissão estabelecida no art. 370.º, n.º 2, in fine, para o art. 629.º, n.º 2, do CPC. 25. Estando, assim (ressalvada a inobservância dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso respeitantes ao valor da ação e à sucumbência, nos termos do art. 629.º, n.º 1, do CPC), assegurado o direito ao recurso, nomeadamente, através do recurso de apelação para o Tribunal da Relação, não se encontra fundamento para a consideração da restrição de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, numa decisão que tem natureza provisória, como violando um qualquer direito fundamental. Na verdade, como consequência da summaria cognitio, a tutela cautelar é imperativamente provisória. 26. De resto, não se pode também dizer que a CEDH ou a jurisprudência do TEDH expandam o conteúdo dos direitos fundamentais em causa para além do que já se encontra consagrado na CRP. 27. Os arestos do Tribunal de Estrasburgo não se podem aplicar ao caso em apreço, porquanto este respeita, não ao direito de acesso aos tribunais em geral, mas apenas ao direito ao recurso em processo civil, entendido como possibilidade de revisão de uma decisão por parte de tribunais hierarquicamente superiores. 28. De resto, nem o direito a que a causa seja “examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei” – plasmado no art. 6.º da CEDH -, nem o direito a recurso – consagrado no art. 13.º, segundo o qual “qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional” - se mostram violados pela não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de uma decisão que se pronuncia provisoriamente sobre o direito. A expressão “recurso perante uma instância nacional”, utilizada no art. 13.º, não tem, aliás, o sentido de direito à revisão e reapreciação da decisão proferida por uma instância judicial por um tribunal hierarquicamente superior, antes respeitando ao direito à ação tout court, conforme se retira da versão oficial da CEDH em língua inglesa (“have an effective remedy before a national authority”)14. 29. Questões diferentes são, assim: - de um lado, aquela do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva traduzidos no direito das partes de verem as suas pretensões apreciadas por uma instância, nomeadamente, por um tribunal, e de a estas corresponder uma ação adequada, designadamente, para prevenir ou reparar a violação do direito que se pretende exercer mediante procedimentos cautelares necessários para assegurar o efeito útil da ação (expressamente consagrado no art. 2.º do CPC); - de outro lado, aquela do direito ao recurso daquelas decisões para um tribunal hierarquicamente superior, o qual conhece limitações que, desde que não ponham em causa o próprio direito de ação, são constitucionalmente admissíveis. 30. No caso dos autos, trata-se de uma mera restrição ao acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, que se encontra legalmente prevista no CPC. Esta limitação (que não existe, verbi gratia, no que toca à possibilidade de recurso, em um grau, para o Tribunal da Relação) não põe em causa, de forma irrestrita ou desproporcional, o direito de acesso ao direito, à tutela jurisdicional efetiva ou a um processo equitativo. 31. Não se verifica outrossim qualquer ofensa ao princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito, que proíbe a adoção de medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos15. 32. Ao abrigo do princípio da proporcionalidade, em virtude da sua natureza imperativamente provisória - como consequência da summaria cognitio - e relativamente incerta, o juízo de procedência cautelar não pode abdicar de uma ponderação comparativa entre os danos a causar ao requerente e ao requerido. Trata-se de ponderar danos, id est, de definir o limite da satisfação lícita de um interesse a expensas do outro, também digno de tutela. De um lado, o requerente, provável titular do direito que alega, solicita tutela cautelar para o respetivo direito, que se encontra sujeito a um prejuízo grave e dificilmente reparável se não for julgado procedente o pedido cautelar antecipatório; de outro lado, no caso de a providência cautelar ser concedida, o requerido pode sofrer, na sua esfera jurídica, os efeitos danosos de uma satisfação antecipada do direito do requerente, quando existe a possibilidade de o requerente não ser titular do direito que invoca. O julgador, colocado perante este difícil e instável equilíbrio de forças, assente numa prova meramente indiciária, tem de decidir. Todavia, o julgador não pode decidir como se de uma decisão certa e definitiva se tratasse, descurando o impacto da providência na esfera jurídica do requerido16. 33. No caso em apreço, a Requerente/Recorrida/Reclamada demonstrou o fumus boni iuris, a aparência ou verosimilhança do direito que se arroga. Não tendo de provar a certeza do crédito – com a extensão ou conteúdo alegado -, tinha, contudo, de demonstrar, como demonstrou, a forte probabilidade da sua existência, pois não basta a sua mera possibilidade. 34. Além de decorrer do art. 362.º, n.º 1, do CPC, a necessidade de que “alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito”, o art. 365.º, n.º 1, reitera a exigência de que se efetue “prova sumária do direito ameaçado” e se justifique “o receio da lesão”. Resulta ainda do art. 368.º, n.º 1, do CPC a necessidade de uma “probabilidade séria da existência do direito” e de que “se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”. Importa, nesta sede, ter também em conta o art. 619.º, n.º 1, do CC, segundo o qual pode requerer o arresto de bens do devedor o “credor que tenha o justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito”, assim como o art. 391.º, n.º 1, do CPC, que consente ao credor com “justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito” requerer o arresto. Acresce que o art. 392.º, n.º 1, do CPC estabelece a necessidade de o requerente alegar “os factos que tornam provável a existência do crédito”. 35. É que não faria sentido permitir ao requerente beneficiar de uma providência cautelar sem que demonstrasse, ainda que sumária ou perfunctoriamente, que é titular de um direito e que esse direito está em risco de perder a sua efetividade na pendência de uma ação judicial, caso aquela medida não seja concedida. Não basta, por isso, ao requerente, demonstrar a existência de risco de danos graves na pendência da ação principal (periculum in mora), pois é sempre necessário justificar a titularidade do direito (fumus boni iuris)17. 36. Perante a verificação de fumus boni iuris (arts. 362.º e 365.º do CPC), foi decretada providência cautelar, porquanto é aquele que legitima a sua concessão ainda antes da ação de cognição plena, dotando-a de uma aparência provável de legitimidade. O julgador apenas poderá decretar a providência na pressuposição de que a ação principal será julgada favoravelmente ao requerente, o que apenas acontecerá se o direito da Requerente existir. 37. Reitere-se que as providências cautelares visam conceder proteção aos titulares de direitos. Para esse efeito, nem se afigura suficiente a alegação do direito, nem se exige a prova em sentido estrito do direito. Em causa está antes a necessidade de criar no espírito do julgador a convicção de que é muito provável que o direito exista, mesmo que permaneça alguma dúvida juridicamente relevante. Para este efeito, a prova sumária, com recurso a meios por vezes meramente indiciários, é suficiente. In casu, a Requerente/Recorrida/Reclamada logrou criar no espírito do julgador a convicção da probabilidade da existência do direito que se arroga, ainda que a esse respeito pudessem subsistir dúvidas relevantes desde que não abalassem aquela a convicção de grande probabilidade da ocorrência dos factos. Efetuou a prova sumária dos factos constitutivos do direito que se arroga. Verificou-se, pois, a aparência do direito da Requerente/Recorrida/Reclamada, essencial o decretamento do arrento. Ela produziu prova suscetível de conferir a segurança exigida à existência do direito que se arroga, que permitisse concluir, nos termos do art. 368.º, n,º 1, do CPC, pela provável existência do direito. Assim, nos termos dos juízos de probabilidade, o julgador optou, com base na prova indiciária, pela hipótese que lhe pareceu mais razoável entre aquelas aventadas pelas partes. Apresentou indícios que geraram no espírito do julgador a convicção de que a existência do direito é fortemente provável, da verosimilhança do direito. Já o Requerido/Recorrente/Reclamante, perante as dificuldades suscetíveis de resultar para o seu direito de defesa de um procedimento cautelar inaudita altera parte como o dos autos, não apresentou prova sumária dos novos factos integradores das exceções por si alegadas, dos factos modificativos do direito em apreço18. 38. Resultou, pois, da prova que o direito da Requerente/Recorrida/Reclamada é mais provável do que o do Requerido/Recorrente/Reclamante. O julgador adquiriu a convicção de que aquela era titular do crédito que invoca com um grau de probabilidade razoável. 39. Foi precisamente com base nos princípios da proporcionalidade e adequação que o Tribunal da Relação do Porto decretou a redução do arresto originariamente decretado, a sua extensão objetiva. 40. Conclui-se, deste modo, pela inexistência de qualquer inconstitucionalidade e de qualquer violação da CEDH ou da Carta dos Direitos Fundamentais da UE na rejeição do recurso de revista, ao abrigo do respetivo regime de admissibilidade, das decisões proferidas em sede de procedimento cautelar. 41. Por força do art. 370.º, n.º 2, do CPC, o Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer do objeto do presente recurso. Reenvio prejudicial 1. Resta apreciar o pedido de reenvio prejudicial, nos termos do qual o Requerido/Recorrente/Reclamante pretende que o TJUE se pronuncie sobre a conformidade da interpretação feita pelo Tribunal a quo do n.º 2 do art. 370.º do CPC - que impede o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça quando não existe dupla conforme - com a norma do art. 6.º da CEDH, respeitante ao direito a um processo equitativo. 2. Já quanto à pertinência de proceder a um reenvio prejudicial dirigido ao TJUE, o Requerido/Recorrente/Reclamante entende que deve ser suspenso o processo e que esta questão deve ser suscitada perante esse Tribunal. 3. Sustenta que, tendo sido acolhida no ordenamento da União a CEDH e aprovada a Carta dos Direitos Fundamentais da UE, a interpretação feita pelas instâncias é contrária àquela dos Tratados efetuada pelo TJUE, havendo o risco de ocorrer um facto consumado suscetível de tornar inútil, total ou parcialmente, a eventual procedência da ação principal. 4. Aborda-se, pois, a questão de se saber se deve – ou não – ponderar-se o reenvio, por parte do Supremo Tribunal de Justiça, de uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça19. 5. O reenvio prejudicial encontra-se previsto nos arts. 19.o, n.o 3, al. b), do Tratado da União Europeia (TUE) e no art. 267.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). É um mecanismo – jurídico-processual - fundamental do Direito da União Europeia. Tendo em vista garantir a uniformidade na interpretação e na aplicação deste Direito na União, consente aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a título prejudicial, questões relativas à interpretação do Direito da União ou à validade dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Ao responder do mesmo modo a questões substancialmente idênticas, permite que os tribunais nacionais dos diversos Estados-Membros apliquem de forma uniforme o Direito da União Europeia. Está em causa a observância efetiva do princípio da igualdade dos cidadãos da União Europeia, assim como a realização do projeto de integração da União. 6. Traduz-se num mecanismo de estreita cooperação entre o TJUE e os órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados-Membros. Sempre que um órgão jurisdicional nacional chamado a julgar um litígio nacional, que envolva a aplicação de normas do Direito da União Europeia, tenha dúvidas sobre a interpretação dessas normas - ou sobre a validade de uma norma de direito derivado - pode (ou deve, conforme os casos) suspender a instância e reenviar as suas questões para o TJUE. 7. Diz-se questão prejudicial aquela que um órgão jurisdicional nacional de um Estado-Membro considera necessária para a resolução de um litígio pendente perante si, que diga respeito à interpretação, ou à apreciação de validade, de normas do Direito da União Europeia (com exceção da apreciação de validade dos Tratados). O órgão jurisdicional nacional pede ao TJUE que se pronuncie, em ordem ao esclarecimento sobre o correto entendimento ou, se for caso disso, sobre a validade, das normas de Direito Europeu que condicionam a solução do litígio concreto que é chamado a julgar. 8. O reenvio pode ter lugar ex officio, quando o juiz da causa considera necessário o esclarecimento de dúvidas de interpretação e promove o reenvio, de um lado e, de outro, mediante solicitação das partes. Note-se, nesta sede, que o Ministério Público deve, no cumprimento dos seus deveres estatutários de garante da legalidade, solicitar o reenvio ao tribunal. 9. O art. 267.º, § 3, do TFUE, estabelece que os órgãos jurisdicionais nacionais, cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no Direito interno, devem proceder ao reenvio sempre que tenham dúvidas sobre a interpretação de uma norma do Direito da União Europeia (reenvio prejudicial obrigatório). 10. Todavia, a obrigação de reenvio por insuscetibilidade de recurso ordinário, no direito interno, da decisão a proferir, pode ser dispensada. Com efeito, o TJUE, no acórdão Cilfit (proc. 283/81, n.os 10, 13 e 16, doutrina do ato claro), diretamente confrontado com a questão, enunciou as três situações em que o tribunal nacional, apesar de decidir em última instância, fica dispensado de proceder ao reenvio. Desde logo, cessa a obrigação de reenvio quando a questão de Direito da União Europeia suscitada não for pertinente ou necessária para a resolução do litígio concreto (n.º 10). Depois, o órgão jurisdicional nacional não é obrigado ao reenvio se a questão for materialmente idêntica a outra já decidida a título prejudicial num caso análogo, em virtude do efeito erga omnes das decisões do TJUE (n.os 13 e 14). Por último, a obrigação de reenvio cessa quando o órgão jurisdicional nacional considere que as normas de Direito da União Europeia aplicáveis não suscitam dúvidas interpretativas razoáveis, porquanto se afiguram claras (n.º 16). 11. Para que o reenvio prejudicial se justifique, é, pois, necessária a verificação cumulativa de dois pressupostos: desde logo, que o órgão jurisdicional nacional tenha dúvidas sobre a interpretação ou a validade de normas de Direito da União Europeia; depois, que uma decisão – da competência exclusiva do TJUE – sobre tais dúvidas se afigure indispensável para uma adequada resolução do caso pendente perante o órgão jurisdicional nacional. Trata-se, com efeito, de um mecanismo que visa assegurar a aplicação uniforme do Direito da União Europeia e evitar divergências jurisprudenciais no seio da União sobre questões de Direito da União. 12. A propósito da questão processual relativa à admissibilidade do recurso de revista, não se justifica qualquer reenvio prejudicial, uma vez que, via de regra, a disciplina processual civil (com exceção, segundo cremos, apenas das regras da competência) não se encontra “comunitarizada ou europeizada”, ou seja, não é objeto dos Tratados ou de atos legislativos da União Europeia, pelo que se encontra arredada do direito primário ou derivado da União. 13. Não fazendo parte deste acervo normativo, qualquer formulação de um pedido de reenvio ao TJUE não tem, nesta sede, fundamento, uma vez que “o reenvio prejudicial é um mecanismo (…) do direito da União Europeia [que] visa garantir a interpretação e a aplicação uniformes deste direito na União, oferecendo aos órgãos jurisdicionais dos Estados Membros um instrumento que lhes permite submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia (…), a título prejudicial, questões relativas à interpretação do direito da União ou à validade dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União”20. 14. Apenas se justifica, pois, que o órgão jurisdicional nacional submeta uma questão ao TJUE com recurso ao mecanismo do reenvio prejudicial se o Direito da União for aplicável ao processo principal. O mesmo não pode claramente dizer-se a propósito da interpretação das regras de Direito nacional ou de questões de facto suscitadas no litígio, no processo principal21. 15. In casu, não se vê, nem tão pouco o Requerido/Recorrente/Reclamante a identifica, qual a norma de Direito da União Europeia que se aplica ao litígio, concretamente no que respeita à questão da admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões proferidas no âmbito de procedimentos cautelares. 16. Mesmo que se entendesse que estava em causa um direito fundamental consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, nomeadamente, o direito de ação estabelecido no art. 47.º, enquanto garantia do direito ao recurso, a verdade é que tal não teria aplicação ao caso em apreço. Com efeito, como é sabido, nos termos do art. 51.º, n.º 1, os destinatários da Carta são as instituições, órgãos e organismos da União, assim como os Estados-Membros, apenas quando apliquem o Direito da União, de acordo com as respetivas competências e observando os limites das competências conferidas à União pelos Tratados. 17. Nestes moldes, “No que diz respeito aos reenvios prejudiciais que têm por objeto a interpretação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, importa recordar que, segundo o seu artigo 51.º, n.º 1, as disposições da Carta têm por destinatários os Estados-Membros apenas quando apliquem o direito da União. Embora as hipóteses em que essa aplicação está em causa possam ser diversas, é, no entanto, necessário que resulte de forma clara e inequívoca do pedido de decisão prejudicial que, no processo principal, é aplicável uma regra de direito da União diferente da Carta. Na medida em que o Tribunal de Justiça não é competente para conhecer de um pedido de decisão prejudicial quando uma situação não for abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União, as disposições da Carta eventualmente invocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não podem, por si só, fundar essa competência”22. 18. Perante a proliferação de pedidos de reenvio prejudicial indevidamente formulados com base na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, o TJUE tem repetidamente afirmado que, quando uma situação jurídica não está abrangida pelo Direito da União, não tem competência para dela conhecer e que as disposições da Carta eventualmente invocadas não podem, por si sós, servir de base a essa competência. Por isso, o TJUE tem rejeitado, nesses casos, o processo por não se indicar uma regulamentação nacional que aplique o direito da União que possa estar a ofender a Carta. 19. Disso são exemplo as decisões proferidas nos Processos C-333/17, C-131/17, C-665/13 e C-258/1323 - citando-se apenas, a este propósito, casos com origem em pedidos formulados por tribunais portugueses que foram objeto de rejeição. 20. Carece, assim, de fundamento qualquer pedido de reenvio prejudicial ao abrigo da Carta dos Direitos Fundamentais da UE quando está em causa a aplicação de normas do CPC que disciplinam o regime dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça e que não têm qualquer relação com o Direito da União Europeia. 21. Não se preenchem, deste modo, no caso em apreço, os pressupostos da justificação do reenvio prejudicial24 (obrigatório ou facultativo). Assim, e ainda que o Supremo Tribunal de Justiça tenha, naturalmente, em atenção o Direito da União Europeia, a jurisprudência do TJUE e o princípio da interpretação conforme com o sentido, a economia e os termos das normas europeias, afigura-se desadequado o reenvio prejudicial, por não ser esse o mecanismo idóneo para dar resposta aos problemas de interpretação de normas de Direito interno. 22. Segundo o art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia: “O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.”. 23. No caso em apreço, conforme mencionado supra, o Recorrente pretende pôr em causa o resultado da interpretação do disposto no art. 370.º, n.º 2, do CPC, alcançado pelo Supremo Tribunal de Justiça. 24. Afigura-se claro que este preceito não constitui norma constante dos Tratados, nem é ato adotado pelas instituições, órgãos ou organismos da União Europeia. Também não corresponde a qualquer transposição para o Direito nacional de diploma ou diplomas emanados pelas instituições da União Europeia. 25. Na medida em que não cabe ao TJUE a interpretação de Direito nacional, tal como pretendido pelo Requerido/Recorrente/Reclamante, não há lugar ao reenvio prejudicial suscitado na presente reclamação que, assim, deve ser liminarmente rejeitado. 26. De todo o modo, sempre se dirá que a norma em causa – art. 370.º, n.º 2, do CPC – não suscita qualquer dúvida de interpretação, por ser suficientemente clara e inequívoca quanto ao seu âmbito de aplicação e alcance. IV - Decisão Nos termos expostos, julga-se improcedente a reclamação apresentada por BB, confirmando-se in totum a decisão reclamada. Custas pelo Requerido/Recorrente/Reclamante. Lisboa, 26 de Abril de 2023
Maria João Vaz Tomé (Relatora) António Magalhães Jorge Dias _____________________________________________
1. Neste sentido, vide, a título meramente exemplificativo, os seguintes arestos: - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2020 (Maria João Vaz Tomé), proc. n.º 3465/17.8T8VIS.C1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de abril de 2018 (António Joaquim Piçarra), Proc. n.º 331/16.8YHLSB.L1.S1: “I - Tratando-se de decisão proferida no âmbito cautelar, a especial recorribilidade que é conferida pelo art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC cinge-se a aspectos relacionados com os pressupostos próprios e específicos da tutela cautelar, não se estendendo, consequentemente, às questões atinentes à definição do direito substantivo aplicável ao caso, posto que estas encontram a sua sede própria na acção principal. II - O que resulta da interpretação, conjugada e teleológica, dos arts. 370.º, n.º 2, e 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, é que a oposição de julgados que ali se prevê, para efeitos de admissibilidade do recurso para o STJ de decisões proferidas nos procedimentos cautelares, é apenas a que se relacione com os pressupostos referidos em I, sob pena de se subverter a lógica inerente à relação de instrumentalidade que deve existir entre a acção principal e o procedimento já que, a ser de outra forma, seria a decisão tomada no âmbito deste último que ditaria a sorte daquela. III - Centrando-se a discordância da requerida relativamente ao acórdão recorrido não propriamente nos pressupostos específicos da tutela cautelar mas sim na questão de mérito a ser apreciada a final, na acção declarativa, o recurso de revista não é admissível, estando o STJ impedido de sindicar ou apreciar o (des)acerto do decidido pela Relação, em sede cautelar. IV - Acresce que respeitando o acórdão recorrido a decisão proferida no âmbito cautelar, enquanto o acórdão fundamento se reporta a decisão proferida em acção declarativa, e uma vez que o primeiro constitui uma decisão necessariamente instrumental e transitória que poderá ou não vir a ser sufragada a final e o segundo tem por base factos definitivamente provados, inexiste o fundamento de oposição de julgados invocado em ordem a admitir o recurso de revista.” – disponível para consulta em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/civel2018-1.pdf; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 2016 (Orlando Afonso), Proc. n.º 89/13.2TBMAC-A.E1.S1: “I - Decorre do disposto no art. 370.º, n.º 2, do CPC que, em princípio, está vedada a possibilidade de interposição de recurso para o STJ das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, só assim não sendo nos casos excepcionais em que o recurso é sempre admissível, como sucede com a oposição de julgados prevista no art. 629.º, n.º 2, al. d), do mesmo diploma legal. II - Resulta, porém, da interpretação conjugada e teleológica dos aludidos normativos que a oposição de julgados que aí se prevê, para efeitos de admissibilidade do recurso para o STJ, é apenas a que se relacione com os pressupostos próprios e específicos da tutela cautelar, não se estendendo, consequentemente, às questões atinentes à definição do direito substantivo aplicável ao caso, posto que estas encontram a sua sede própria na acção principal. III - Centrando-se o núcleo fundamental do recurso na invocada oposição entre decisões na parte concernente aos pressupostos substantivos de cuja verificação depende a aquisição do direito de propriedade através do instituto da acessão industrial imobiliária – questão de mérito que é objecto da acção principal – e não nos pressupostos próprios da tutela cautelar, não há que tomar conhecimento daquele já que, nesse circunstancialismo, não é de aplicar ao caso o disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, mas antes a regra geral ínsita no art. 370.º, n.º 2, 1.ª parte, do mesmo Código. (…).” – disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e0b8e1ee8fe196fc802580440059d8ae?OpenDocument; Do mesmo modo, no lugar paralelo do recurso de acórdão cujo objeto se traduz na questão da atribuição provisória da casa de morada de família, entende-se também que a natureza provisória da decisão em causa inviabiliza a possibilidade de ser admitido o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. Neste sentido, e com especial interesse, veja-se: - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de abril de 2017 (Tomé Gomes), Proc. n.º 273/14.1TBSCR.L1.S1: “(…) III - O procedimento para atribuição provisória da utilização da casa de morada de família, no âmbito da ação de divórcio litigioso previsto no n.º 7 do art. 931.º do CPC, tem por finalidade a aplicação, no decurso daquela ação, de uma medida provisória de natureza cautelar, para vigorar até à partilha do património do casal. IV - Trata-se dum procedimento incidental, que tanto pode ser promovido a requerimento das partes como por iniciativa do juiz, enxertado, em qualquer altura, na própria ação de divórcio, cuja tramitação, na falta de disposição especial, se rege pelas normas gerais dos incidentes da instância constantes dos arts. 292.º a 295.º do CPC. V - As características de provisoriedade e de função cautelar das medidas preconizadas no n.º 7 do art. 931.º do CPC tornam as decisões que as decretem, em termos de coerência sistemática, abarcáveis pelo âmbito normativo do art. 370.º, n.º 2, a título subsidiário, como disposição geral e comum mais adequada ao caso, por via do art. 549.º, n.º 1, ambos do CPC, sendo para tal indiferente que essas decisões sejam proferidas em sede incidental ou em procedimento cautelar típico. VI - Nessa conformidade, não cabe recurso de tais decisões para o STJ, salvo nos casos em que o mesmo seja sempre admissível. (…).” – disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/79787ddb4805ad4580258114003705be?OpenDocument. Vide, ainda, inter alia, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 2010 (Rosa Tching), proc. n.º 464/19.9T8VRL.G1-A.S1 - disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c79bf8e3e8a2a4158025863500668681?OpenDocument; e de 13 de julho de 2021 (Ana Paula Boularot), proc. n.º 11269/20.4T8LSB.L1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a115f30ac09230c28025871300331444?OpenDocument.↩︎ 2. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de outubro de 2020 (Ferreira Lopes), proc. nº 2960/19.9T8VIS.C1-A.S1, respaldando-se na posição preconizada por LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c988889b8031697580258634005b99ff?OpenDocument; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2020 (Maria João Vaz Tomé), proc. n.º 3465/17.8T8VIS.C1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.↩︎ 3. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de setembro de 2020 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 23178/09.3YYLSB-E.L1-A.S1 - 2.ª Secção; Relator: Abrantes Geraldes) – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9d0de7b5d07ed866802586260003e3d3?OpenDocument.↩︎ 4. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de maio de 2022 (Catarina Serra), proc. n. º 20464/95.1TVLSB.L1-A.S1, mencionando os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 432/02, de 22 de outubro de 2002 e n.º 100/99, de 10 de fevereiro de 1999 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6360fc1edf7a9ee68025884d003b9e3e?OpenDocument&ExpandSection=1.↩︎ 5. Nos termos do qual, “Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo. Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo. É concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efetividade do acesso à justiça”. Este preceito compreende o princípio jurídico da União de que os Estados-Membros devem assegurar a tutela jurisdicional efetiva dos direitos de uma pessoa decorrentes do Direito da União (nomeadamente, os direitos previstos na Carta). Isto significa que o direito de acesso aos tribunais se aplica sempre que estejam em causa direitos e liberdades garantidos pelo direito da União. Contudo, o direito de acesso aos tribunais, ao abrigo do Direito da União Europeia, não é absoluto, podendo ser limitado em ordem a assegurar a administração eficiente da justiça.↩︎ 6. Segundo o qual, “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela (…)”. O acesso aos tribunais está implícito no direito a um processo equitativo, porquanto sugere que devem ser os tribunais a decidir os litígios. O direito de acesso aos tribunais não é, todavia, absoluto, podendo ser limitado.↩︎ 7. De acordo com o qual, “Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuem no exercício das suas funções oficiais”.↩︎ 8. O direito a um julgamento público e equitativo encontra-se consagrado no art. 6.º, n.º 1, da CEDH, e no art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE. O direito a um julgamento equitativo compreende, essencialmente, o direito a igualdade de condições – “igualdade de armas” entre as partes -, o direito ao contraditório e o direito a uma decisão fundamentada, assim como o direito a garantir a execução da sentença transitada em julgado.↩︎ 9. No direito europeu, a noção de acesso à justiça encontra-se consagrada nos arts 6.º e 13.º da CEDH e no art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da EU. Garante o direito a um processo equitativo e a um recurso efetivo, conforme interpretados pelo TEDH e pelo TJUE, respetivamente. Estes direitos encontram-se também previstos em instrumentos internacionais, como no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) da Organização das Nações Unidas (ONU), nos arts 2.º, n.º 3, e 14.º, n.º5, e na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) da ONU, arts 8.º e 10.º. Os elementos essenciais destes direitos incluem o acesso efetivo a um organismo de resolução de litígios, o direito a um processo equitativo e à resolução tempestiva de litígios, o direito a uma reparação adequada, assim como a aplicação geral dos princípios da eficiência e eficácia à oferta da justiça.↩︎ 10. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2019 (Maria dos Prazeres Beleza), Incidente n.º 850/14.0YRLSB.S2.↩︎ 11. Cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 361/2018, 159/2019 e 263/2020.↩︎ 12. Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/2018).↩︎ 13. Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 611/2014, no qual se remete para os Acórdãos, do mesmo Tribunal, n.os 151/85, 400/97, 664/97, 442/2000, 235/2001, 394/2007, 457/2007 e 395/2009 e para a Decisão Sumária n.º 612/2013. Em sentido inverso, vide os Acórdãos, em menor número, n.os 92/87, 466/95 e 624/2009, este retomado pelo Acórdão n.º 459/2013.↩︎ 14. Disponível para consulta em https://echr.coe.int.↩︎ 15. Cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 187/2001, de 2 de maio de 2001 - disponível para consulta in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20010187.html - e n.º 632/2008, de 23 de dezembro de 2008 – disponível para consulta in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080632.html.↩︎ 16. Cf. Rita Lyince de Faria, A tutela cautelar antecipatória no processo civil português – um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2016, p.315.↩︎ 17. Cfr. Rita Lyince de Faria, A tutela cautelar antecipatória no processo civil português – um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2016, p.108.↩︎ 18. Cfr. Rita Lyince de Faria, A tutela cautelar antecipatória no processo civil português – um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2016, pp.118-119, 121-122. Nos procedimentos cautelares inaudita altera parte, o direito de defesa do requerido, por razões procedimentais e de celeridade, é diferido para um momento ulterior e revela-se mais exigente em virtude de já existir uma decisão judicial prévia favorável ao requerente. A oposição ao arresto é o incidente da instância cautelar destinado a consentir o exercício desse contraditório. Cfr. Rita Lyince de Faria, A tutela cautelar antecipatória no processo civil português – um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2016, pp.123-124; Ana Carolina dos Santos Sequeira, Do arresto como meio de conservação da garantia patrimonial, Coimbra, Almedina, 2020, p.197.↩︎ 19. Cf. Miguel Gorjão-Henriques, Direito da União, História, Direito, Cidadania, Mercado interno e Concorrência, Coimbra, Almedina, 2019, pp.475-506; Rui Moura Ramos, “Reenvio prejudicial e relacionamento entre ordens jurídicas na construção comunitária”, Legislação (cadernos de), n.os 4/5, INA, 1992, pp.100 e ss.; Sofia Oliveira Pais, Estudos de Direito da União Europeia, Coimbra, Almedina, 2017, pp.100-114.↩︎ 20. Cfr. ponto 1. das Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais - 2019/C 380/01.↩︎ 21. Cfr. pontos 8. e 9. das Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais - 2019/C 380/01.↩︎ 22. Trata-se, para este efeito, de uma síntese esclarecedora que se no ponto 10. das Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais - 2019/C 380/01.↩︎ 23. Disponíveis para consulta no site da Curia.↩︎ 24. Não está, por isso, em causa, “a garantia da unidade de interpretação do direito comunitário”, destinada a “evitar que a unidade normativa obtida ao nível da criação da regra seja destruída no momento da sua aplicação”. Cfr. Rui Moura Ramos, “Reenvio prejudicial e relacionamento entre ordens jurídicas na construção comunitária”, in Cadernos de Ciência de Legislação, n.º 4/5, abril-dezembro de 1992, INA, 1992, pp.100 e ss.↩︎ |