Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1310/17.3T9VIS.C1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLETIVO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE DIREITO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
CRIME DE TRATO SUCESSIVO
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA DE PRISÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 03/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :
I -    Sendo os recursos restritos a matéria de direito (o que afasta a aplicação do art. 414.º, n.º 8, do CPP, que atribui competência à relação pelo recurso em matéria de facto), tendo sido aplicadas duas penas superiores e uma pena inferior a 5 anos de prisão (esta por decisão recorrível para a relação – art. 427.º do CPP), mantendo-se a conexão e a unidade do processo (art. 29.º do CPP) e devendo o recurso do acórdão que aplicou aquelas penas ser interposto para o STJ (art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP), assume também este tribunal competência para conhecimento do recurso da decisão que aplicou pena inferior a 5 anos de prisão, assim se suprindo a lacuna da lei processual, na coerência e unidade do sistema.

II -   Nos termos do art. 30.º, n.º 1, do CP, o critério determinante da unidade ou pluralidade de crimes, de que deve partir-se, é o tipo legal de crime violado; se a atividade do agente preenche várias vezes o mesmo tipo legal de crime, existe uma pluralidade de infrações, relevando, para o efeito, a pluralidade ou renovação de processos resolutivos. A não ser que estas sejam de excluir pela continuidade temporal das várias condutas, sempre que, de acordo com as circunstâncias do caso, deva aceitar-se que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação.

III - Identificam-se, neste caso, dois períodos distintos de atividades de tráfico de diferentes produtos estupefacientes, levada a efeito pelos arguidos em locais, contextos e com formas de comparticipação e organização diferentes: o primeiro, até 08-02-2017, que respeita à aquisição, fornecimento e venda de heroína e cocaína a consumidores em diversos locais, interrompido pela intervenção policial, com a detenção dos arguidos; o segundo, que se inicia após a entrada dos arguidos no estabelecimento prisional em prisão preventiva, no dia 10-02-2017, respeita à aquisição, fornecimento e venda de canábis a outros reclusos, no interior do estabelecimento prisional, até ao dia 12-09-2017.

IV - Com a intervenção policial, foi definitiva e irreversivelmente quebrada qualquer possível continuidade entre as duas atividades de tráfico, independentemente da sua proximidade temporal. Havendo dois processos de decisão de delinquir, duas resoluções criminosas, consumadas em atividades separadas, distintas e autónomas, em contextos diferentes, em  à segunda conduta se imprime um grau de ilicitude mais elevado, também por adição de um elemento de especialidade, embora em violação dos mesmos bens jurídicos fundamentais, estas atividades constituem duas unidades típicas de ação, devendo, por conseguinte, concluir-se por um sentido de ilicitude plural, ou seja, pela pluralidade de crimes, excluindo-se, pois, a possibilidade de violação do princípio “ne bis in idem” consagrado no art. 29.º, n.º 5, da CRP.

V -  O art. o 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, prevê e pune uma pluralidade de atos típicos que a jurisprudência evidencia com a designação de crimes de “trato sucessivo”, que tanto podem dizer respeito a atos sucessivos ou simultâneos, afastando, desde logo, por incompatibilidade, a figura do crime continuado, por este conduzir à redução da pena quando a repetição desses atos impõe a agravação. A figura do chamado “crime de trato sucessivo” (ou “exaurido”, em referência de identidade não rigorosa), sem consagração na lei, foi criada na jurisprudência para enquadramento das atividades de tráfico no tipo de crime de tráfico de estupefacientes, de modo a permitir considerar como preenchendo um só crime a prática de vários atos típicos, num mesmo e determinado período de tempo, a partir de uma única resolução criminosa.

VI - Da unificação operada pela figura do crime de “trato sucessivo” ressalvam-se, porém, as situações em que se podem agrupar múltiplos atos em “blocos temporais” distintos e a distância entre estes “blocos”, pela renovação da resolução criminosa, que determina a punição por diversos crimes de tráfico.

VII - É este o entendimento subjacente às duas condenações: em cada uma das situações se deparou o tribunal com uma sucessão ou pluralidade de atos típicos, de forma mais ou menos homogénea, que se repetiram ao longo de diferentes períodos temporais e, por essa razão, foi o arguido condenado por um único crime de tráfico em cada um dos processos. Só que os factos deste processo não podem integrar-se na atividade criminosa que constitui o crime objeto do anterior processo, por, no seu conjunto, constituírem um crime distinto daquele.

VIII - O facto e o modo de execução, a reiteração dos atos de tráfico, a revelar intensidade e persistência do dolo de realização múltipla do tipo de crime, nas suas diferentes modalidades, de detenção, cedência, venda e partilha de haxixe, associada ao facto de o arguido se encontrar em prisão preventiva por factos imediatamente anteriores de idêntica natureza, que determinaram a prisão, revelam um grau de ilicitude considerável, embora relacionado e condicionado pelas pequenas quantidades de produto estupefaciente transacionadas de cada vez, o que necessariamente se reflete na determinação da pena de 6 anos de prisão.

IX - A referência, no acórdão recorrido, a que a circunstância de se tratar de canábis “mitiga a gravidade do tráfico”, por se tratar de droga “tradicionalmente tida como droga leve”, não podendo desconsiderar a circunstância de este produto se incluir na previsão do n.º 1 do art. 21.º do DL n.º 15/93, que não acolhe a distinção entre “drogas leves” e “drogas duras”, deverá entender-se como expressando a ideia de menor grau de danosidade para os bens jurídicos protegidos que o oferecido por drogas de mais elevado potencial, com reflexo na determinação da pena.

X -  Atentas as circunstâncias relevantes nos termos do art. 71.º do CP, e tendo em consideração que foi especialmente valorada a forma relevante como o arguido colaborou para a descoberta da verdade, sendo o limite mínimo da moldura penal (art. 24.º do DL 15/93) estabelecido em 5 anos, e tendo a pena sido fixada em 6 anos de prisão, não se encontra fundamento em que se possa basear uma redução desta pena para 5 anos e sua posterior suspensão de execução, tendo em conta que tal suspensão apenas é admissível quanto a penas não superiores a 5 anos (art. 50.º, n.º 1, do CP).

XI - A decisão de suspensão da execução da pena de prisão (art. 50.º do CP) corresponde a um poder-dever do julgador, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, sendo o prognóstico realizado com referência ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto: o que está em causa não é qualquer “certeza”, “mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda”; “havendo razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada”. Circunscrevendo-se as finalidades da punição, de acordo com o art. 40.º do CP, à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, é em função de considerações de natureza exclusivamente preventivas que o julgador tem de se orientar na opção em causa.

XII - Dos factos provados resultam, quanto a um dos arguidos, elementos posteriores à prática do crime que devem ser positivamente ponderados. Tendo em conta que este, agora com 27 anos de idade, tinha, na ocasião, 21 anos, esteve preso mais de 4 anos e 3 meses em cumprimento de pena, gozou de licença de saída jurisdicional e se encontra em liberdade condicional desde 31-05-2021, que, em meio prisional, teve um comportamento de acordo com as regras, mantendo ocupação, que os factos por que foi condenado, se traduziram num ato isolado de tráfico de menor gravidade (art. 25.ºdo  DL 15/93) e ocorreram há cerca de 6 anos, sendo de evitar, nas atuais circunstâncias, uma interrupção do processo de reintegração na atual situação de liberdade condicional, que resultaria num fator de dessocialização, e não havendo conhecimento de motivos que atualmente, face a indicações positivas de evolução da sua personalidade, afastem a possibilidade de um juízo favorável, julga-se haver base suficiente para concluir que, nas condições atuais, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que se suspende, por igual período, a execução da pena de 3 anos de prisão, acompanhada com regime de prova.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I.  Relatório

1. Por acórdão de 23 de junho de 2021, o Juízo Central Criminal ... (Juiz ...), do Tribunal Judicial da Comarca de ..., decidiu, nos presentes autos, em que são arguidos AA, BB, CC, DD, EE e FF, com identificação nos autos:

«I) Condenar pela prática, sob a forma de autoria material e consumada, de um crime de tráfico agravado de estupefacientes, previsto e punido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea h), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro:

a)    na pena de 9 (nove) anos de prisão o arguido EE;

b)    na pena de 6 (seis) anos de prisão o arguido BB;

II) Condenar pela prática, sob a forma de autoria material e consumada, de um pelo crime de tráfico de menor gravidade p. e p. no art. 25.º, al. a), do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro:

a) na pena de 3 (três) anos de prisão efetiva o arguido CC;

b) na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão o arguido AA;

c) na pena de 2 (dois) anos de prisão a arguida DD;

d) na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão a arguida FF especialmente atenuada (jovem delinquente, nos termos do art.4º DL 401/82, de 23 de setembro, conjugado com o art.73º, do C. Penal).»

Mais decidiu:

«suspender a execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos DD, AA e FF, por igual período de tempo, sob regime de prova e a condição de cumprirem os seguintes deveres:

- o arguido AA se abster de deter, possuir e consumir álcool, sujeitando-se a uma avaliação médico-psiquiátrica e a imposição de medidas de acompanhamento psicoterapêutico, incluindo o internamento se necessário, com vista à dissuasão e prevenção de comportamentos aditivos;

- as arguidas DD e FF se absterem de deter e possuir produtos estupefacientes;

- estes três arguidos responderem e/ou cumprirem com todas as convocatórias do técnico de reinserção social, prestar a este as informações mencionadas nas als. b) e c) do nº3 do art.54° do C.P. e de colaborarem ativamente na elaboração e execução do plano de reinserção social (cfr. arts. 50º, nos 1, 2, e 5, 53º e 54º, todos do Código Penal, e 494º, n.º 3, do C.P.P); (…)»

2.  Discordando, recorrem os arguidos EE, BB e CC, com motivações de que extraem as seguintes conclusões:

2.1. O arguido EE, invocando violação do princípio ne bis in idem:

«1.º Por acórdão transitado em julgado e proferido nos autos de processo n.º 2684/15...., o ora Recorrente foi condenado, uma pena de prisão efectiva de 6 anos, pelo crime de tráfico de estupefacientes;

2.º Condenação que censurou a conduta delitual do Arguido, ocorrida até 09/02/2017.

3.º Entre os factos julgados nos autos de processo n.º 2684/15.... e os factos constantes dos presentes autos (concretizados entre 10/02/2017 e 10/09/2017), não ocorreu qualquer interrupção;

4.º Sucedendo assim que a conduta delitual do Arguido fora contínua e sem qualquer interrupção entre os factos constantes dos presentes autos e os factos constantes do processo n.º 2684/15.....

5.º A prática do crime de tráfico de estupefacientes integra a prática dos denominados “crimes exauridos”, de trato sucessivo e execução permanente.

6.º Caracterizando-se estes por se consumarem através de um só ato de execução (vide Acórdão STJ – Proc. 07P2271 de 03/10/2007);

7.º Sucedendo, todavia, que a conduta delitual do agente se esgote nos primeiros atos de execução (vide Acórdão STJ – Proc. 06P1709 de 12/07/2006).

8.º Ora, tratando-se de um crime de trato sucessivo e execução permanente, haverá de se concluir que a condenação já transitada em julgado e “lavrada” nos autos de processo n.º 2684/15...., integra os factos praticados pelo Arguido (parágrafo 40º dos factos provados) e que aqui se procuram censurar.

9.º Desta forma, impõe-se concluir pela existência de caso julgado formal, que impede a prolação de decisão ora posta em crise;

10.º Devendo, por consequência, ser proferida decisão que determine a absolvição do Arguido, sob pena de violação do princípio “ne bis in idem”;

11.º O que desde já se requer para os devidos e legais efeitos

2.2. O arguido BB, discordando da medida e natureza da pena aplicada:

«1 – O presente recurso, tem por objecto o acórdão final proferido nestes autos, em concreto a parte da decisão recorrida que condena o arguido como autor material de 1 (um) crime tráfico de estupefacientes agravado. (…)

4 – A pena concretamente aplicada ao arguido não se revela adequada ao grau de ilicitude da sua conduta.

5 – Tendo decidido condenar o recorrente na pena de 6 (seis) anos de prisão efectiva, pela prática de um crime de tráfico agravado de estupefacientes, previsto e punido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea h), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, sem ter obedecido aos critérios traçados pelo artigo 71º do Código Penal, o Tribunal a quo violou essa norma.

6 – “A culpa é a razão de ser da Pena, e também o fundamento para estabelecer a sua dimensão. “

7 – Como ensina o Magister Figueiredo Dias, a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável desta. Pelo que,

8 – De facto, é jurisprudencial e doutrinalmente pacífico que a pena a aplicar em concreto ao arguido deve resultar da actuação de exigências de prevenção especial, numa moldura de prevenção geral, respeitando o limite máximo consentido pela culpa.

9 – Pelo que, deve ser dada ao arguido a possibilidade de comprovar à sociedade e a si próprio, que está disposto a refazer a sua vida, inserido na sociedade, necessitando para tal que a pena aplicada nos presentes autos seja reduzida para os cinco anos e suspensa na sua execução.

10 – Com efeito, mais importante do que a própria condenação, só a recuperação para a vida em sociedade, através do processo de ressocialização.

11 – A tudo isto, acresce que, a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável desta, como ensina o Magister Figueiredo Dias: “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas, sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo da pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, estabelecer uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estadual e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar” (Parte I – Questões fundamentais, A doutrina geral do crime, pág. 120).

12 – Aliás, um dos princípios basilares do Código Penal reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico, normativo com culpa concreta, como desde logo pronuncia o artigo 13º ao dispor que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.

13 – Tal princípio de culpa significa, como já se disse, não só que não há penas sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas o pressuposto fundamento da validade da pena, mas firma-se também como limite máximo da mesma pena.

14 – In casu, a condenação do arguido aqui recorrente, na pena de 6 (seis) anos de prisão efectiva, é completamente desproporcional e desajustada à situação dada como provada nestes autos, e à colaboração prestada pelo mesmo em sede de julgamento, nomeadamente através da confissão integral e sem reservas dos factos.

15 – Deste modo, e em função de tudo o que ficou supra exposto, não pode, pois, o arguido aceitar a pena aplicada de 6 (seis) anos de prisão efectiva, porquanto a mesma se revela totalmente desadequada e excessiva, atentas as necessidades de prevenção geral e especial reveladas. Acresce que, sendo a pena aplicada ao arguido reduzida para os cinco anos e suspendendo a sua execução, tal facto em nada abalará a paz jurídica e social, estando deste modo, asseguradas as finalidades de prevenção geral e especial.

16 – Entendemos, modestamente, que V.ªs Ex.ªs deverão conceder ao arguido, a possibilidade de comprovar à sociedade e a si próprio, que está disposto a refazer a sua vida, inserido na comunidade, necessitando para tal que a pena aplicada seja suspensa na sua execução.

17 – Assim, parece manifestamente excessiva a pena aplicada ao arguido.

18 – Pena adequada é e será sempre aquela que é proporcional à gravidade do crime cometido.

19 – O Tribunal decidiu aplicar a pena de 6 (seis) de prisão ao arguido, ora recorrente BB, atento a sua anterior condenação pelo mesmo tipo legal de crime, bem como o desvalor da sua acção ser agravado dado que na altura dos factos, o mesmo ser recluso.

20 – Na verdade, o ora recorrente continua a sofrer o estigma do seu passado criminal, uma vez que, é esse mesmo passado que contribuiu para a não suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada. De facto, deve considerar-se que as condenações anteriores sofridas pelo recorrente fazem parte do passado, o que deveras agora importa é recuperar o tempo perdido. Caso contrário, teria sempre que carregar sobre os ombros todos os males cometidos.

21 – Acompanhando o ensinamento da Prof.ª Anabela Rodrigues in “A determinação da pena privativa da Liberdade “, pág.s 327 e seguintes; Revista Portuguesa de Direito Criminal Ano I, Tomo II, pág.s 243 e seguintes), dir-se-á que o sentido em que se fala de penas de substituição é o daquelas que podem ser aplicadas em vez das penas principais concretamente determinadas.

22 – Efectivamente e contrastando com os tempos em que a pena de prisão era a pena por excelência, têm-lhe vindo a ser feitos pesados e oportunos reparos, que passam pelo reconhecimento de que aquele que cumpre uma pena de prisão é desinserido profissional e familiarmente, sofre o contágio profissional, fica estigmatizado com o labéu de “ter estado na prisão” e não é compensado, muitas das vezes com uma efectiva e real socialização.

23 – Com o presente recurso o recorrente não pretende de modo nenhum pôr em causa o seu comportamento cujas consequências da sua condutas são graves.

24 – O Tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração. Em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispôr mais do que uma espécie de pena de substituição (v. g. multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser a eleita.

25 – Dispõe o artigo 50.º, n.º 1 do CP. que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

26 – Este preceito consagra um poder – dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos. Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido recorrente, no sentido de que a ameaça da pena serão paliativos suficientes para o afastar provavelmente da prática de novos crimes, mediante um processo de renovação de um projecto de vida compatível com o respeito, que é seu dever, pelos valores cuja ofensa integra crimes, e com a possibilidade, como é seu interesse, de uma realização pessoal e comunitária positiva.

27 – Entendemos assim que, relativamente ao arguido recorrente que neste momento tem uma adequada inserção familiar e em meio prisional tendo tomado consciência da ilicitude dos seus actos, apesar da sua anterior condenação pelo mesmo tipo de crime, é ainda possível, excepcionalmente, efectuar um juízo de prognose favorável no sentido de que a mera ameaça do cumprimento de uma pena de prisão será suficiente para o dissuadir da prática de novos ilícitos. Deste modo, entendemos que, sempre justificava a suspensão da execução da pena, nos termos do artigo 50.º do CP.

28 – São exigências de prevenção geral e de adequação à culpa que, sobretudo nos casos em particular mencionados, continuam a justificar a aplicação de penas de prisão efectivas e contínuas; o que vale por dizer que (nomeadamente no que se refere às penas de prisão de curta e média duração) os seus inconvenientes superam de muito as vantagens que lhe podem ser assinaladas.

Vantagens só podem ser divisadas, na verdade, se abstrairmos de um ponto de vista “ metafísico “ – retributivo ultrapassado, que encontraria na privação de liberdade o mal por excelência, capaz de compensar o mal do crime – na circunstância de corresponder ainda hoje ao sentimento generalizado da comunidade a convicção de que, em muitos casos criminais, a privação da liberdade é o único meio adequado de estabilização contrafáctica das suas expectativas abaladas pelo crime, na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir a socialização do transgressor.

Na outra vertente, porém, os inconvenientes da pena privativa de liberdade residem desde logo – e mesmo no que respeita a adequação à culpa – em que a privação de liberdade pode representar (e representará muitas vezes) um peso diferente consoante a personalidade de quem a sofre, sem que essa diferente “sensibilidade à privação de liberdade “possa ser adequadamente levada em conta na medida da pena. Acresce que a tentativa de socialização em que, como vimos deve traduzir-se a execução da pena é declaradamente contrariada – e, nesta acepção, mais que “compensada” – pela forçosa dessocialização derivada no corte das relações familiares (designadamente com os pais) do efeito da infâmia social que inevitavelmente se liga à entrada na prisão e ainda, na maioria dos casos, da inserção daquele na subcultura profissional, em si mesma criminógena. (…) Todo este conjunto de inconvenientes apenas vincula estritamente os legisladores e os aplicadores a usarem da pena privativa de liberdade como extrema ratio da política criminal.

29 – De facto, são também os dados da reincidência a revelar que o espaço prisional mais do que reabilitativo é igualmente estigmatizante, e por consequência alavanca maiêutica de mais criminalidade.

30 – No caso vertente entendemos que tais exigências de prevenção a nível geral implicam a admissibilidade da suspensão da execução da pena ao aqui arguido recorrente. Com efeito, só a possibilidade de o arguido sair do estabelecimento prisional por fim da pena que se encontra a cumprir e ter de ingressar novamente no meio prisional, com todas as consequências que daí advêm, certamente contribuirá para o afastar da prática deste tipo de ilícito criminal. Ora, no caso sub judice, a aplicação de uma pena suspensa é suficiente não só para evitar que o agente reincida, como também para realizar o mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.

31 – Na verdade, o arguido tem família, estando plenamente motivado para orientar e reger a sua vida segundo os ditames do direito e do respeito pelos valores da sociedade, e caso tenha de cumprir a pena de prisão efectiva aplicada nos presentes autos, a ideia de uma nova reclusão terá um efeito negativo, estigmatizante, até perverso, isto porque o recorrente não pretende que a sociedade o veja com uma imagem negativa. Efectivamente, a pena de prisão aplicada no caso concreto, vem fazer com que se quebrem totalmente e de forma quase irreparável os laços sociais e familiares do recorrente, que atenta a sua idade passará os melhores anos da sua juventude preso. Aliás, não obstante a condenação anterior em matéria de tráfico de estupefacientes, parece-nos que ainda estará a tempo de conhecer uma outra realidade em termos de pena antes de voltar a ser encarcerado numa prisão deste país.

32 – Embora reconhecendo que as necessidades de prevenção geral e especial são elevadas, atenta a frequência com que estes crimes são praticados em Portugal, entendemos ainda que será possível aplicar ao arguido uma pena suspensa na sua execução, pois, este irá reflectir nos seus actos antes de praticar mais algum crime desta natureza, na medida em que, se reincidir novamente sabe que não terá mais nenhuma oportunidade e irá ser encarcerado numa prisão. Em suma, entendemos que o arguido deverá beneficiar de uma última oportunidade.

33 – A aplicação de uma pena de substituição é suficiente, não só para evitar que o agente reincida, como também para realizar o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.

34 – A suspensão da mesma pena deve afigurar-se como compreensível e admissível perante o sentido jurídico da comunidade.

35 – A lei não o diz concretamente, mas é uma questão de razoabilidade e lógica jurídica dimanada dos princípios, a afirmação de que, em termos de prevenção especial não tem o mesmo significado na aferição na possibilidade de suspensão de execução da pena por um período de 5 (cinco) anos.

36 – No caso concreto, a adopção de tal medida (suspensão da pena de prisão), traduziria um sentimento de confiança, de possibilidade de regeneração e não de “vingança social” dada pela própria sociedade, funcionando como que “uma segunda, ou terceira oportunidade” para que o mesmo conforme a sua conduta de acordo com o direito e os princípios fundamentais, permitindo-lhe ou dando-lhe hipóteses de provar à sociedade que quem errou, pode vir a ser no futuro um cidadão cumpridor do direito. Aliás, a suspensão da pena ao arguido, vai-lhe permitir reflectir sobre as sérias e graves consequências que para si advirão se repetir o seu comportamento delituoso.

37 – Efectivamente, o Tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas, coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o já referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração.

38 – No caso presente, atenta a idade do arguido e demais circunstâncias pessoais deste, a necessidade de ressocialização e de prevenção da reincidência, a pena aplicada pelo Tribunal “a quo” ao arguido deverá ser reduzida nos termos propostos suspensa na sua execução.

39 – Pese embora a gravidade dos factos, o certo é que, a ponderação da gravidade dos factos praticados conjugado com a personalidade do arguido – recorrente permitem dar o necessário realce ao enunciado juízo de prognose positivo. De modo que, e ao abrigo do disposto no artigo 50.º do C. Penal, o recorrente entende estarem reunidos todos os pressupostos para que V.ªs Ex.ªs, reduzam a pena para 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução porquanto mantém uma adequada inserção familiar e a aplicação de uma pena não privativa de liberdade e de per si suficiente não só para evitar que o agente reincida, como também para realizar o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.

40 – A pena a aplicar, a nosso ver, e com humildade aqui se pede, deverá ser substituída por pena não privativa da liberdade, tanto mais que a ameaça da pena levará indubitavelmente o arguido a afastar-se da prática de crimes sejam eles de que tipo forem.

41 – É comummente aceite que “a culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente uma finalidade da mesma.”

Nestes termos, e nos mais de Direito que doutamente serão supridos, e considerando os factos constantes dos autos, deve ser dado provimento ao presente recurso, com fundamento na motivação apresentada, e decidindo-se Vossas Excelências pela redução da pena de prisão aplicada ao recorrente e suspender a mesma na sua execução (artigo 50.º do C. Penal), se fará a habitual e necessária Justiça!»

2.3. O arguido CC, discordando da não suspensão de execução da pena:

«1 - O Recorrente delimita objectivamente o presente recurso à parte da decisão que considerou não aplicar a suspensão da execução da pena de prisão, convertendo-a em pena de prisão efectiva.

2 - Resulta da decisão recorrida, que foi violado o disposto nos artigos 40.º, 42.º, 50.º, 70.º e 71.º als. a), b) e d), todos do Cód. Penal.

3 - O arguido CC encontra-se inserido familiar, social e profissionalmente, sendo que não obstante possuir um percurso vivencial associado a comportamentos aditivos (situação que tem estado associada ao seu comportamento criminal) o mesmo tem vindo a ser acompanhado quanto a essa problemática e encontra-se hoje curado.

4 - Daí que se imponha a formulação de um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão considerando-se que a simples censura dos factos e a ameaça de execução da pena de prisão, numa perspectiva dos fins das penas e da protecção dos bens jurídicos ameaçados, é suficiente e adequada à responsabilização eficaz do arguido, bastante para o afastar da criminalidade e mais satisfazendo as necessidades de reprovação do crime.

5 - Suspensão essa que não inviabiliza a sujeição do arguido a Regime de Prova (tal como já proposto pelo TEP ... aquando da concessão da liberdade condicional) aliada ao cumprimento de deveres e regras de conduta.

6 - O arguido tem neste preciso momento 3 filhos, todos eles menores e de tenras idades, todos vivendo e dependendo dele, tal como a sua companheira.

7 - Refira-se que os factos que agora o condenam se reportam a 2017, sendo igualmente certo que o ora recorrente se encontra presentemente em liberdade condicional, a qual lhe foi concedida pouco antes de ser submetido a julgamento nos presentes autos

8 - Por outro, e diferentemente do alegado no douto acórdão ora recorrido, o arguido, segundo a decisão do T.E.P. ..., concluiu um adequado processo de readaptação social, foram proporcionadas condições e oportunidades para se reinserir socialmente e este aproveitou-as, mais se afigurando que o mesmo é merecedor da oportunidade de prosseguir em liberdade uma vida honesta e que consiga continuar o percurso de recuperação aditiva.

Em suma, o condenado cometeu os crimes em idade adulta, é a sua primeira reclusão, cumpriu dois terços da pena de prisão, tem bom comportamento prisional, enquadramento familiar no exterior, perspectivas de ocupação laboral, motivo pelos quais se poderá afirmar que concluiu com sucesso o processo de readaptação social.

9 - A própria ideia de reeducação não se compadece com a existência de duros e degradantes regimes prisionais, pressupondo antes a salvaguarda da dignidade da pessoa humana.

10 - Na verdade, tanto é valor jurídico atendível o sucesso ou garantia de sucesso da Acção Criminal Pública, como a concreta liberdade de manutenção da família com os sabidos corolários da mútua assistência, principalmente em situações difíceis como é aquela em que se encontra o arguido, a sua companheira e os seus 3 filhos, e para mais num contexto pandémico e de crise generalizada e como aquele que se vive presentemente.

11 - Por outro lado, e como é sabido, o nosso sistema penal traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.

12 - Deste modo, cabendo ao intérprete e julgador o encargo de proceder a uma valoração casuística da situação, decerto julgará mais plausível uma medida afim da prisão no caso concreto, mediante os incentivos adequados da reabilitação para que tragam o arguido CC de volta para o cortejo da vida útil, se possível feliz, no seio da comunidade familiar.

13 - E não se contribua para o empurrar para becos sem saída, relativamente aos quais as prisões são um convite e não servem de cura.

14 - Inconformado, o arguido alega em síntese que o douto Acórdão recorrido violou as normas do artigos 40º, 42º, 50º, 70º e 71º al.s a), b) e d), todos do Cód. Penal.

15 - Sendo certo que o mesmo não apreciou correctamente factos tidos como relevantes e que constam até do respectivo Relatório social, apesar de na motivação do próprio Acórdão se referirem alguns deles;

16 - O actual sistema sancionatório português tem vindo a apontar para que a utilização da vigilância electrónica (OPHVE) não se deva apenas circunscrever à fase pré-sentencial, mas passar também a ser utilizada em sede de execução de penas. E o que também se admite, que possa, na falta de alternativa, vir a ser aplicado ao ora recorrente.

Por tudo isso,

17 - Decerto se julgará mais plausível uma medida diversa da prisão efectiva no caso concreto, mediante os incentivos adequados da reabilitação.

18 - Tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao eventual cometimento do ilícito penal em causa e às circunstâncias deste, configura-se ser evidente que ao arguido, ora recorrente, não deve ser efectivamente aplicada uma pena de prisão efetiva, porque desajustada, desadequada e desproporcional ao caso concreto.

19 - Devendo antes suspender-se a execução da pena de prisão efectiva que lhe foi imposta nos presentes autos por se entender a mesma como suficiente e adequada às exigências do caso e, por conseguinte, proporcional à gravidade do crime e respectiva sanção

3. O Ministério Público apresentou respostas, dizendo:

3.1. Na resposta ao recurso interposto pelo arguido EE:

«Da nossa perspectiva, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não assiste razão ao arguido. (…)

Em primeiro lugar, porque tal como é referido no douto acórdão recorrido, o arguido EE no dia 8 de Fevereiro de 2017, foi detido e nessa sequência presente a primeiro interrogatório judicial no dia 10/02/17, tendo aí sido confrontado com a actividade de tráfico de estupefacientes por si empreendida no período compreendido entre data indeterminada de Março ou Abril de 2016 e o dia 7 de Fevereiro de 2017 – cfr. ponto 190 dos factos dados como provados no acórdão de primeira instância proferido no Processo Comum Colectivo n.º 2684/15...., do Juízo Central Criminal ...-J..., a fls. 400 destes autos.

Mais foi dado como provado no acórdão recorrido – cfr. ponto 206 da matéria dada como assente, que: “Na sequência desse interrogatório judicial com subsequente reclusão, bem assim posterior notificação da acusação nesses autos, o arguido EE renovou a decisão e vontade de se dedicar à cedência e venda de produtos estupefacientes.” (negrito nosso):

Esta renovação da resolução criminosa por parte do arguido EE, dada como provada no acórdão recorrido, não vem posta em causa pelo arguido recorrente no recurso por si interposto, posto que este não recorreu em matéria de facto.

Destarte, tal matéria deve dar-se por assente, já que constando da decisão recorrida (…) os elementos que em razão das regras de experiência e de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu à convicção do Tribunal a quo quanto à mesma, também se constata que a decisão recorrida não padece de qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, qualquer contradição insanável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e muito menos qualquer erro notório na apreciação da prova.

Na verdade, o que se constata é que o acórdão recorrido espelha uma cuidada, judiciosa e ponderada análise da prova produzida, prova essa que, conjugada com as regras da experiência comum, não poderia, tal como atrás referido, levar a outra decisão, quer de facto, quer de direito, que não aquela plasmada em tal decisão.

Tal implica que se conclua que os actos de tráfico de estupefacientes dados como provados no acórdão recorrido, levados a cabo pelo arguido EE, porque a coberto de uma nova resolução criminosa, integram um autónomo e distinto crime de tráfico de estupefacientes daquele pelo qual este arguido foi condenado no processo nº 2684/15.....

Na verdade, ainda que o crime de tráfico de estupefacientes seja um crime exaurido, excutido ou de empreendimento e, portanto, determinado conjunto de factos que integram o crime em causa praticados pelo mesmo agente ao longo de um período mais ou menos alargado de tempo, possa e deva ser aglutinado como comissão de um único crime (ex: a prática de atos venda de droga durante meses a diversos consumidores), nem sempre esse conjunto(s) de atos penalmente desvaliosos pode ser aglutinado para efeitos de se considerar um único crime.

Com efeito, neste caso concreto, não existe uma ligação subjetiva entre os dois conjuntos temporais de factos.

(…) bem ao invés, estamos perante duas resoluções criminosas perfeitamente diferenciadas, pois que a actividade delituosa do arguido EE cessou com a sua detenção e, após a mesma, este foi confrontado no dia 10 de Fevereiro de 2017, nos sobreditos termos, com o sistema jurídico-penal, com o impacto e as consequências que importou a sua detenção, sujeição a interrogatório judicial e conhecimento das medidas de coação aplicadas no processo nº 2684/15.....

Ora, estes factos provocaram “como que um curto-circuito na actividade que o arguido vinha desenvolvendo, fazendo-a cessar”, pelo que a retoma de tal actividade de tráfico de estupefacientes implica uma renovação da resolução criminosa por parte do arguido. (…)

De igual forma se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça (…), nos Acórdãos de 12 de Junho de 2002 (Proc. nº ...02) e 3 de Julho de 2002 (Proc. nº ...2) STJ, 2002 (…).

Em segundo lugar, porque conforme se dá igualmente nota no acórdão recorrido, as circunstâncias, de modo e lugar, em que foram cometidos os factos objecto destes autos são totalmente diversas daqueloutras cometidas por este arguido no processo nº 2684/15..... (…).

Em terceiro lugar, in casu, também não se verificaria, a nosso ver, uma violação do caso julgado e do princípio do ne bis in idem, pelo menos relativamente aos factos cometidos pelo arguido EE a partir da data de 9 de Março de 2017, porquanto:

O princípio ne bis in idem está consagrado no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, aí se estatuindo que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime” (sublinhado nosso).

Este princípio, estruturante em qualquer estado de direito, destina-se a preservar a segurança jurídica (obstando a que uma mesma causa venha a ser julgada mais do que uma vez, com os consequentes riscos de contradição entre decisões) e a proteger os cidadãos contra o arbítrio punitivo do Estado (assim se evitando uma constante perseguição criminal e inexistência de paz jurídica).

Para se aferir da violação deste princípio é necessário saber quando se está perante o mesmo idem, isto é, o mesmo objecto do processo, pois o caso julgado (para além de efeitos que se prendem com o contraditório e a litispendência) obstaculiza a tramitação de um processo cujo objecto já foi alvo de decisão transitada em julgado.

Deste modo, tal como ensina Cavaleiro Ferreira, o conteúdo do ne bis in idem coincide com a extensão do caso julgado (Curso de Processo Penal I, 1986, págs. 31 e 45). (…)

Assim, afigura-se-nos que não podemos falar em identidade de objecto processual, sem que se parta do correspondente libelo acusatório e do objecto da defesa, sendo este o âmbito da vinculação temática do tribunal em cada um dos procedimentos acusatórios.

O objecto do processo é fixado pela acusação ou pelo despacho de pronúncia (se a houver), sendo estes que, à partida, delimitam os poderes de cognição do tribunal – cfr. art. 1.º, n.º 1, al. f), 283.º, 303.º, 308.º, 358.º, 359.º, 379.º, n.º 1, al. b), todos do Código de Processo Penal.

Deste modo, não tendo existido despacho de pronúncia no processo nº 2684/15...., o objecto daqueloutro processo encontra-se delimitado pela correspondente acusação e por aquilo que é alegado pela defesa, daí resultando uma estrutura essencialmente acusatória do nosso processo penal (embora temperada por um princípio de investigação – arts. 299.º, 340.º do Código de Processo Penal, muito embora este seja sempre moldado pelo contraditório arts. 298.º, 327.º, 340.º, n.º 2, 348.º, 355.º e 360.º, todos, igualmente, do Código de Processo Penal).

Sendo certo que do nosso Código de Processo Penal resulta que só haverá identidade de objecto do processo quando não ocorra uma alteração substancial dos factos nos termos do art. 1.º, n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal, pelo que este será o limite do poder cognitivo do juiz e toda a alteração que estiver a jusante desta cai no âmbito do poder consuntivo da sentença e, consequentemente, do caso julgado.

Revertendo ao caso concreto, temos que o arguido EE foi condenado nestes autos unicamente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22/01, por factos cometidos no período compreendido entre 10 de Fevereiro de 2017 e 12 de Setembro de 2017 – cfr. pontos 40 a 61 dos factos provados no acórdão recorrido.

Já no Processo Comum Colectivo nº 2684/15...., do Juízo Central Criminal ...-J..., foi este arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL nº 15/93, de 22/01, por factos cometidos no período compreendido entre data indeterminada dos meses de Março ou Abril de 2016 e 7 de Fevereiro de 2017 – cfr. pontos 14 a 19, 124 a 142, 147 a 176 e 181 a 190 dos factos dados como provados no acórdão proferido em primeira instância neste processo nº 2684/15.... – fls. 352 a 505 e 1024-v a 1094.

Ora, só se mostram abrangidos pela excepção do caso jugado os factos (o pedaço de vida imputado ao arguido com relevância criminal) que foram efectivamente conhecidos e descritos naquele despacho de acusação proferido no Processo Comum Colectivo nº 2684/15...., do Juízo Central Criminal ...-J..., e aqueloutros que, encontrando-se numa unidade histórica com os primeiros, poderiam e deveriam ter sido conhecidos em tal despacho, ou seja, todos aqueloutros actos que integrando o mesmo crime de tráfico de estupefacientes tivessem sido praticados antes de 9 de Março de 2017, data em que foi proferido o referido despacho de acusação no processo n.º 2684/15.... – pois manifesto é que os factos praticados após a data de dedução de tal acusação não poderiam aí ser conhecidos, porquanto ainda não tinham ocorrido.

Deste modo, os factos praticados pelo arguido EE após esta data – 9/03/17 -, integradores do crime de tráfico de estupefacientes, não foram, nem podiam ter sido, conhecidos, como atrás visto, no despacho de acusação proferido em tal processo n.º 2684/15..... Consequentemente, não se encontram abrangidos pelo caso julgado e, como tal, não violam o princípio do ne bis in idem.

Isto não invalida que possam surgir alterações ao objecto do processo, nos termos prevenidos nos arts. 358.º e 359.º, ambos do Código de Processo Penal. Ponto é que tais alterações radiquem em factos anteriores à dedução da acusação (ou pronúncia, se a houver) que aí pudessem ter sido conhecidos nos termos supra explanados. (…)

Por tudo o exposto, entendemos que não se verifica qualquer violação do caso julgado e do princípio ne bis in idem, pelo que deverá o recurso do arguido improceder.»

3.2. Na resposta ao recurso interposto pelo arguido BB:

«(…) o arguido restringe o seu recurso a matéria de direito e, dentro desta, à questão da medida concreta da pena e da suspensão da sua execução. (…)

Da nossa perspectiva (…) não assiste razão ao arguido.

O Tribunal a quo justificou a media concreta da pena aplicada ao arguido BB, no essencial, nos seguintes termos: [transcrição] (…)

Não merece, a nosso ver, qualquer censura a fundamentação de direito (…) com a consequente fixação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido BB em seis anos de prisão.

Com efeito, na determinação da medida concreta da pena, importa ter presente quais as suas finalidades.

Assim, “as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.” Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 227.

Nestes termos, essa tutela de bens jurídicos fixar-se-á numa espécie de “moldura de prevenção” a que se dá o nome de defesa do ordenamento jurídico. Moldura essa “cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do quantum de pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias” Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 243.

Desta forma, o quantum da pena não poderá nunca descer abaixo daquele limiar a partir do qual se ponha “em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.” (sublinhado nosso) F. Dias, Ob. cit., p. 243.

Só então, e dentro desta “moldura de prevenção” actuarão as finalidades de prevenção especial.

Veja-se que a moldura penal abstractamente aplicável ao crime pelo qual o arguido foi condenado – crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro - situa-se entre um mínimo de cinco anos de prisão e um máximo de 15 anos. Ou seja, situou-se ainda no décimo inferior de tal moldura, o que significa que o Tribunal a quo ponderou fortemente os factores  que beneficiavam o arguido, como sejam a sua juventude, o facto do produto estupefaciente transacionado não ser tão pernicioso para a saúde dos consumidores como outros, a ausência de suporte organizativo e a circunstância de ter confessado os factos com relevo para o apuramento da verdade.

Ora, se tivermos em conta que:

- No que concerne ao grau de ilicitude dos factos, sobressai o número ainda relativamente elevado de transacções de produto estupefaciente realizadas, o seu prolongamento no tempo e o número de consumidores abrangido pela sua conduta (9), que não se pode considerar como diminuto;

- Ao contrário do que o arguido refere no seu recurso, a sua culpa é muito elevada pois agiu com dolo directo, intenso e persistente, já após estar recluso por força do cometimento de outro crime de tráfico de estupefacientes, o que denota tenacidade no propósito criminoso.

- São elevadas as exigências de prevenção especial que se fazem sentir, considerando os seus antecedentes criminais pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, igualmente agravado – arts. 21.º e 24.º, als. a) e h), que levou à aplicação de uma pena de cinco anos e seis meses de prisão, estando o arguido em cumprimento da mesma.

- Concorre ainda para o agravamento das exigências de prevenção especial que em concreto se fazem sentir, o seu percurso de vida, pautado, desde jovem, por relacionamentos com pares com comportamentos desviantes, consumos de produtos estupefacientes e comportamentos desajustados e ilícitos, com contactos precoces com o sistema de justiça juvenil e penal e dificuldades no processo de mudança, apresentado impulsividade, imaturidade e insensibilidade às penas e obrigações que se lhe foram impondo.

Ademais, ostenta ainda uma ténue ressonância ética no que concerne ao desvalor da sua conduta, com tendência para a sua desvalorização e distanciamento emocional.

- Conforme bem se dá nota no acórdão recorrido, são elevadíssimas as exigências de prevenção especial que em concreto se fazem sentir. Com efeito, o tráfico de estupefacientes no interior das prisões é causa de profundo alarme social e vem sendo apontado como um dos flagelos do sistema prisional vista a frequência com que tal vem sucedendo, com as perniciosas consequências por todos conhecidas.

Ora, perante este quadro, como sustentar que a medida da pena se devesse fixar no mínimo legal?

Refere o arguido, em sua defesa, que tem família, é ainda jovem, confessou os factos, tem mantido, quando em reclusão, conduta consentânea com as normas institucionais e encontra-se orientado para reger doravante a sua vida pelos ditames do direito e do respeito pelos valores em sociedade.

Ora, no que diz respeito à sua juventude e confissão dos factos, verifica-se que tais factores já foram para este efeito expressamente sopesados a seu favor no acórdão recorrido.

Quanto ao facto de estar inserido familiarmente, dos factos dados como provados tal não resulta provado, apenas existindo a menção a visitas esporádicas por parte dos pais no estabelecimento prisional.

E quanto ao seu comportamento prisional, aquele também está longe de ser satisfatório, antes pelo contrário, posto que já cumpriu duas medidas disciplinares de vinte dias de obrigação de permanência no alojamento – cfr. ponto 150 dos factos dados como provados no acórdão recorrido – e, mais importante do que isso, cometeu o crime pelo qual veio a ser condenado nestes autos.

Acresce ainda que, enquanto preso, tem revelado dificuldades em manter-se abstinente do consumo de produtos estupefacientes, desvalorizando esta sua problemática a necessidade de tratamento, o que tudo inculca o risco do arguido poder vir a cometer novos factos deste género no futuro.

Por último, quanto ao facto daquele se mostrar orientado para reger doravante a sua vida pelos ditames do direito e do respeito pelos valores em sociedade também não se vislumbra factualidade dada como provada que permita alicerçar tal conclusão, bem ao invés, conforme supra salientado.

Ora, tendo em conta todos estes factores, forçoso se torna concluir que o Tribunal a quo ao condenar o arguido recorrente na pena de seis anos de prisão, mais não fez do que dar cumprimento aos critérios de fixação de tal pena estabelecidos nos arts. 40.º e 71.º do Código Penal.

E, assim sendo, prejudicada se mostra a possibilidade de aplicação da suspensão da sua execução – art. 50.º, n.º 1, do Código Penal.

Aliás, sempre se dirá, sem prescindir, que ainda que a medida da pena concretamente aplicada o permitisse, nem, por isso estariam reunidos os pressupostos para a aplicação desta “pena de substituição”, pois não só as exigências de prevenção especial, como aquelas de prevenção geral, impõem a aplicação de uma pena de prisão de cumprimento efectivo.

Veja-se, desde logo, que antes da prática deste crime, já este arguido tinha praticado outro crime de tráfico de estupefacientes agravado, encontrando-se recluso.

Ora, se nem a efectiva reclusão serviu para evitar o cometimento de novo crime do mesmo género pelo arguido, como é que o mero aviso ínsito nessa suspensão da execução da pena de prisão serviria agora para alcançar tal desiderato?

Por outro lado, tal suspensão também não se mostraria capaz de acautelar as elevadíssimas exigências de prevenção geral que se fazem sentir.

A aplicação da suspensão da execução da pena de prisão em casos como estes levaria a comunidade a encarar a mesma como sinal de impunidade, retirando toda a confiança ao sistema repressivo penal.

Em suma, as fortes exigências de prevenção especial e de prevenção geral (supra referidas) que em concreto se fazem sentir, não permitiriam nunca neste caso concreto a opção pela “pena de substituição” de suspensão da execução da pena de prisão, pois que tal suspensão colidiria frontalmente com tais exigências, assim pondo em causa a crença da comunidade na validade da norma violada e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.

Nestes termos, o recurso interposto pelo arguido BB não merece provimento, devendo, por conseguinte, improceder.»

3.3. Na resposta ao recurso interposto pelo arguido CC:

«(…)

Pugna o arguido pela suspensão da execução de tal pena, ainda que condicionada a deveres, aduzindo para tanto que se encontra inserido familiar, social e profissionalmente e que embora tenha um percurso vivencial associado a comportamentos aditivos, o mesmo tem vindo a ser acompanhado quanto a essa problemática e encontra-se hoje curado. Mais argumenta que se encontra, no presente, em liberdade condicional, o que indicia que se encontra no caminho da reinserção social.

Da nossa perspectiva, (…) não assiste razão ao arguido.

O Tribunal a quo justificou a decisão de aplicar ao arguido CC uma pena de prisão efectiva, no essencial, nos seguintes termos:

“Do arguido CC

Ora, quanto ao arguido CC afigura-se que o fator de risco associado ao histórico aditivo do mesmo, os seus antecedentes criminais e a circunstância do crime de tráfico ter sido praticado em meio prisional, pouco tempo depois de ali ter ingressado e onde se encontrava recluso pela prática desse mesmo crime, tendo o mesmo já duas condenações anteriores, são factos reveladores de que a suspensão da execução da pena não lhe servirá de advertência bastante para evitar o cometimento de novos crimes.

A suspensão da execução da pena por tráfico de estupefacientes na cadeia quando o mesmo arguido tem várias outras condenações por tráfico de estupefacientes, além do alarme social, cria no sentimento jurídico comunitário a maior repulsa e sinal de fraqueza do sistema jurídico penal quando o arguido já demonstrou que aquela e outras penas não detentivas não lhe serviram de advertência bastante para evitar o cometimento de novos crimes.

O cometimento do crime agora conhecido, pouco tempo depois de entrar na cadeia pelo mesmo crime de tráfico de droga, são a prova provada do insucesso das medidas (probatórias) não detentivas em vista das finalidades da respetiva punição.

Aliás, o juízo de prognose favorável teria de se fundamentar em factos concretos que apontassem de forma clara na forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de atos ilícitos.

Ora, no caso não se vislumbram fatores atenuativos que permitam uma visão benevolente sobre o comportamento do arguido CC, solução que a sociedade jamais aceitará novamente, sobretudo depois de ver atestada a incapacidade da suspensão da pena no processo nº1013/14.... para fazer reverter o percurso criminoso do mesmo, como sendo suficiente para proteger os bens jurídicos lesados.

Nesse quadro não é de aceitar que da mera advertência da condenação possa agora resultar uma alteração do seu modo de vida, justificando-se um juízo de prognose social favorável quanto à sua futura conduta.

As necessidades de defesa do ordenamento jurídico e a tutela dos sentimentos de Credibilidade de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais impõem no caso que o arguido CC cumpra a pena de prisão (efetiva) aplicada.”

Revemo-nos na fundamentação de direito supra transcrita.

Com efeito, antes da prática deste crime, já este arguido tinha praticado dois crimes de tráfico de estupefacientes:

- Um, de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do D.L. n.º 15/93, de 22-01, pelo qual foi condenado, por sentença proferida no dia 05/05/2016, transitada em julgado no dia 06-06-2016, no processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 1013/14...., do Juízo Local Criminal ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., numa pena de 14 meses de prisão, suspensa na respetiva execução pelo mesmo período, praticado no dia 13 de Agosto de 2014.

- O outro, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, pelo qual foi condenado, por acórdão proferido a 8/05/18, no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 2684/15...., do Juízo Central Criminal ...-J..., transitado em julgado relativamente ao arguido CC no dia 07/03/2019, na pena de 5 anos de prisão efetiva, em concurso efetivo com um crime de condução de veículo a motor na via pública sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º, n.º 2, do DL 2/98, de 3/01, na pena de 10 meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão – cfr. ponto 198 dos factos provados.

Destarte, a prova de que a suspensão da execução da pena principal de prisão aplicada na primeira daquelas condensações de nada serviu para acautelar as exigências de prevenção que se faziam sentir, resulta da circunstância da dita suspensão ter sido revogada, por despacho de 3 de Fevereiro de 2020, já transitado em julgado, tendo sido ordenado o respetivo cumprimento efetivo – cfr. ponto 195 dos factos provados.

Acresce que este arguido comete o crime pelo qual foi agora condenado, não só em pleno período da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no processo nº 1013/14...., como quando se encontrava recluso à ordem do processo nº 2684/15...., na sequência da aplicação da medida de coacção prisão preventiva que ali lhe foi aplicada no dia 8 de Fevereiro de 2017 e já depois de também ter sido notificado da acusação proferida nessoutros autos.

Assim sendo, não só se verifica que a suspensão da execução da pena de prisão anteriormente aplicada ao arguido CC de nada serviu para evitar que aquele continuasse a cometer crimes (ainda mais graves que o anterior e do mesmo tipo), como nem sequer a efectiva reclusão serviu para alcançar tal desiderato.

Ora, perante este quadro, como sustentar que agora um novo e mero aviso ínsito na suspensão da execução da pena de prisão seria suficiente para evitar que este arguido voltasse a reincidir na prática de novos crimes?

Ademais, para além do dolo directo com que o arguido agiu, sobressai ainda a sua personalidade contrária aquela querida e pressuposta pelo direito, ou seja, com reduzido sentido de responsabilidade e dificuldade em distanciar-se de situações menos normativas, mantendo o convívio com pares desviantes. Acresce que mostra insensibilidade às penas que foram aplicadas e evidencia dificuldades no cumprimento das obrigações que se lhe impõem anteriormente lhe - cfr. factos provados sob os pontos 74, 78 e 80.

Por outro lado, também como se dá nota no acórdão recorrido, a suspensão da execução da pena de três anos de prisão aqui aplicada ao arguido recorrente não se mostraria capaz de acautelar as elevadíssimas exigências de prevenção geral que se fazem sentir.

Com efeito, o tráfico de estupefacientes no interior das prisões é causa de profundo alarme social e vem sendo apontado como um dos flagelos do sistema prisional vista a frequência com que tal vem sucedendo, com as perniciosas consequências por todos conhecidas.

A aplicação da suspensão da execução da pena de prisão em casos como estes levaria a comunidade a encarar a mesma como sinal de impunidade, retirando toda a confiança ao sistema repressivo penal.

Alega o arguido que se encontra inserido familiar, social e profissionalmente e que embora tenha um percurso vivencial associado a comportamentos aditivos, o mesmo tem vindo a ser acompanhado quanto a essa problemática e encontra-se hoje curado.

Todavia, a inserção familiar que o arguido hoje possui é similar aquela que já possuía anteriormente à sua reclusão e tal facto nunca o dissuadiu de praticar os crimes pelos quais foi condenado.

Por outro lado, a propalada inserção social e profissional, também não resulta dos factos dados como provados, bem ao invés, pois o que daí ressalta é um quotidiano assente no consumo e tráfico de produtos estupefacientes e no contacto com pares desviantes.

Não há também evidência de que o arguido tenha superado os seus hábitos aditivos.

Aduz ainda o arguido, a seu favor, o comportamento normativo que manteve no estabelecimento prisional.

Contudo, tal também não resulta dos factos dados como provados, pois, por um lado, não se pode olvidar a circunstância de também em meio prisional ter sido alvo de um processo disciplinar e, por outro e mais importante do que isso, ter cometido o crime pelo qual foi condenado no seio de um estabelecimento prisional.

Não tem também qualquer aplicação ao caso concreto a utilização de sistema de fiscalização do cumprimento da pena por meios técnicos de controlo à distância, posto que tal só se encontra previsto para o cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação, o que no caso se encontra desde logo afastado pela circunstância da medida da pena aplicada ao arguido (e que este não contesta sequer no recurso por si interposto) ser superior a dois anos de prisão – cfr. art. 43.º, n.ºs 1, als. a), b) e c), a contrario sensu, do Código Penal,

Em suma, as fortes exigências de prevenção especial e de prevenção geral que em concreto se fazem sentir, não justificam, nem permitem, a opção pela “pena de substituição” de suspensão da execução da pena de prisão aplicada a este arguido, sendo manifesto, a nosso ver, que tal suspensão colidiria frontalmente com tais exigências, assim pondo em causa a crença da comunidade na validade da norma violada e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.

Nestes termos, o recurso interposto pelo arguido CC não merece provimento

4. Sendo os recursos restritos a matéria de direito, tendo sido aplicadas duas penas superiores e uma pena inferior a 5 anos de prisão e mantendo-se a conexão e a unidade dos processos (artigo 29.º do CPP), devendo o recurso do acórdão que aplicou aquelas penas ser interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 432.º, n.º 1, al. c), do CPP), assume este tribunal competência para conhecimento do recurso da decisão que aplicou pena inferior a 5 anos de prisão (neste sentido, acórdão de 07.11.2019, Proc. 435/17.0GAVRS.S1, não publicado, apud Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, 4.ª ed. Revista, Almedina, 2022, p. 87-88).

5. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer de concordância com o Ministério Público no tribunal recorrido.

6. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.

7. Realizou-se a conferência – artigo 419.º, n.º 3, al. c), do CPP.

II. Fundamentação

Dos factos

8. Estão provados os seguintes factos:

«Dos arguidos AA e EE

1. No dia 11 de abril de 2017, o arguido AA, encontrava-se preso no Estabelecimento Prisional ....

2. – No referido dia foi levada a cabo uma busca às celas do referido Estabelecimento Prisional.

3. – Por volta das 19h do indicado dia, na cela n.º 4, onde se encontrava o arguido AA, foram encontrados e apreendidos, no interior do armário que lhe estava distribuído, dissimulados numa caixa própria para tabaco de enrolar, vários pedaços de canabis (resina) - substância inscrita na tabela I-C anexa ao Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01 – com o peso líquido de 10,830 gramas, sendo o seu grau de pureza de 15,3%, suficiente para 33 doses individuais diárias, segundo os limites estabelecidos pela Portaria 94/96, de 26/03.

4. – Tal produto estupefaciente pertencia ao arguido EE, mas foi o arguido AA quem dele o recebeu cerca de três dias antes e o escondeu no local onde foi encontrado e apreendido.

5. – O arguido AA conhecia a natureza e as características da substância que guardou e escondeu a solicitação do arguido EE, o qual destinava tal substância ao consumo do próprio e à venda a reclusos consumidores, o que era do conhecimento de ambos. (…)

Do arguido BB

7. – O arguido BB foi transferido do Estabelecimento Prisional ... para o de ..., aqui se mantendo em trânsito entre:

8. – 17 de fevereiro e 13 de março de 2017;

9.– 6 de abril e 17 de abril de 2017; e

10.  – 27 de abril e 3 de maio de 2017.

11. – Em datas não apuradas, mas situadas nesses períodos de trânsito do arguido BB pelo Estabelecimento Prisional ..., o mesmo:

12. – partilhou gratuitamente com o arguido EE o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 10 vezes. Também vendeu ao arguido EE, pelo menos por 5 vezes, uma porção de haxixe com cerca de 12,5 gramas (1/8 de placa), pelo valor de 30€ cada, que este destinava ao seu consumo e cedência a reclusos consumidores;

13. – vendeu ainda a três outros reclusos não identificados, uma porção não apurada de haxixe;

14. – partilhou gratuitamente com um individuo não identificado de etnia ..., recluso da cela 7, o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 5 vezes;

15. – partilhou gratuitamente com um individuo não identificado, conhecido por GG, recluso da cela 7, o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 10 vezes;

16. – partilhou gratuitamente com um individuo não identificado, conhecido por HH, recluso da cela 6, o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 6 vezes;

17. – partilhou gratuitamente com um individuo não identificado, conhecido por II, recluso da cela 6, o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 5 vezes;

18. – partilhou gratuitamente com um individuo não identificado, conhecido por JJ, recluso da cela 6, o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 2 vezes.

19. – No dia 17 de abril de 2017, pelas 14h50, o arguido, com vista a ser transferido para o Estabelecimento Prisional ..., foi sujeito a uma revista na sequência da qual foram encontrados e apreendidos na sua posse dois pedaços de canabis (resina) - substância inscrita na tabela I-C anexa ao Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01 – com o peso líquido de 0,066 gramas, suficiente para, no máximo, 1 dose individual diária, segundo os limites estabelecidos pela Portaria 94/96, de 26/03.

20. – O arguido BB conhecia a natureza e as características da substância que guardou, escondeu e detinha na sua posse.

21. – Agiu o arguido de modo deliberado, livre e consciente, conhecendo a ilicitude da sua conduta, e não se coibiu de praticar a mesma, apesar de saber que se encontrava recluso no Estabelecimento Prisional.

22. – O arguido BB mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e que o facto de guardar, transportar, entregar e vender a outros reclusos o referido produto estupefaciente no interior do Estabelecimento Prisional lhe agravava a responsabilidade criminal em que sabia incorrer.

Dos arguidos CC, (…)

23. – O arguido CC ficou preso preventivamente no Estabelecimento Prisional ... a partir de 10 de fevereiro de 2017.

24. – À data o arguido CC e a arguida DD viviam uma situação análoga à dos cônjuges um com o outro.

25. – No dia 27 de abril de 2017 o arguido CC encontrava-se recluso no Estabelecimento Prisional ....

26. – No referido dia 27 de abril de 2017, cerca das 15h50, a arguida DD, deslocou-se ao Estabelecimento Prisional ..., com a finalidade de visitar o arguido CC.

27. – No decorrer da visita, a arguida DD entregou ao arguido CC, dissimulados num guardanapo de papel, quatro pedaços de canabis (resina) - substância inscrita na tabela I-C anexa ao Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01 – com o peso líquido de 5,020 gramas, sendo o seu grau de pureza de 14,1%, suficiente para 14 doses individuais diárias, segundo os limites estabelecidos pela Portaria 94/96, de 26/03.

28. – Na posse de tal produto estupefaciente, o arguido CC escondeu-o no interior das sapatilhas que trazia calçadas.

29. –Tal produto estupefaciente destinava-se a ser entregue pelo arguido CC ao arguido EE, que também se encontrava recluso naquele Estabelecimento Prisional, para que este a consumisse e procedesse à venda do mesmo aos reclusos consumidores de tal produto estupefaciente, o que o arguido CC bem sabia.

30. –O referido embrulho que continha o mencionado produto estupefaciente havia sido entregue pela arguida FF, companheira do arguido EE, à arguida DD, nas imediações do Estabelecimento Prisional ..., no mencionado dia 27/04, pouco tempo antes da entrada desta para a visita ao arguido CC. (…)

37. –O arguido CC agiu de modo deliberado, livre e consciente, conhecendo a natureza e as características da substância que deteve na sua posse nas circunstâncias atrás descritas e o local onde se encontrava.

38. – O arguido CC conhecia a ilicitude da sua conduta e, não obstante, não se inibiu de guardar e transportar, dissimulado, o produto estupefaciente, o que fez com o propósito de o entregar ao arguido EE, bem sabendo que este o pretendia vender a reclusos do Estabelecimento Prisional, e ser a sua conduta particularmente censurada em tais circunstâncias.

39. – O arguido CC mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e que o facto de guardar e transportar o referido produto estupefaciente, naquele Estabelecimento Prisional lhe agravava a responsabilidade criminal em que sabia incorrer.

Do arguido EE

40. – Preso preventivamente desde o dia .../.../2017, durante período não concretamente apurado, mas situado entre 10 de fevereiro de 2017 e 12 de setembro de 2017, o arguido EE deteve, guardou, cedeu, partilhou gratuitamente e vendeu haxixe a diversos reclusos consumidores no interior do Estabelecimento Prisional ....

41. – Entre outros, em data não apurada desse período, o arguido EE:

42. – vendeu a um individuo de nome não identificado, de compleição física forte, recluso na Cela 1, pelo menos por 10 vezes uma porção não apurada de haxixe, para consumo deste;

43. – vendeu a um individuo de nome não identificado, alcunha KK, recluso na Cela 1, pelo menos por 4 vezes, uma porção não apurada de haxixe, para consumo deste;

44. – vendeu ao arguido CC, pelo menos por 2 vezes, uma porção não apurada de haxixe, para consumo deste;

45. –  vendeu a um individuo de nome não identificado, conhecido por LL, recluso na Cela 4, pelo menos por 2 vezes uma porção não apurada de haxixe, para consumo deste;

46. – vendeu a um individuo de nome não identificado, conhecido por MM, recluso na Cela 4, pelo menos por 2 vezes, uma porção não apurada de haxixe, para consumo deste;

47. – vendeu a um individuo de nome não identificado, conhecido por NN, recluso na Cela 4, pelo menos por 4 vezes, uma porção não apurada de haxixe, para consumo deste;

48. – vendeu a um individuo de nome não identificado, conhecido por OO, recluso na Cela 6, pelo menos por 7 vezes, uma porção não apurada de haxixe, para consumo deste;

49. – vendeu a dois indivíduos, irmãos, de etnia ..., de nome não identificado, conhecidos por PP e QQ, reclusos na Cela 6, pelo menos por 8 vezes a cada um deles, uma porção não apurada de haxixe, para consumo destes;

50. – vendeu a um individuo de nome não identificado, conhecido por RR, recluso na Cela 8, pelo menos por 6 vezes, uma porção não apurada de haxixe, para consumo deste;

51. – partilhou gratuitamente com o arguido BB o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 10 vezes;

52. – partilhou gratuitamente com o seu primo, que conhecia por SS, o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 5 vezes.

53. – Durante o referido período, no interior do Estabelecimento Prisional, o arguido EE consumia diariamente diversos charros de haxixe, em quantidade não apurada.

54. – No dia 12 de setembro de 2017 o arguido EE encontrava-se recluso no Estabelecimento Prisional ....

55. – No dia 12 de setembro de 2017, pelas 17h00, foi feita uma busca à cela onde se encontrava o arguido EE.

56. – No decurso da mesma foram encontrados e apreendidos, entre peças de roupa, no interior do armário que estava distribuído ao referido arguido, dois pedaços de canabis (resina) - substância inscrita na tabela I-C anexa ao Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01 – com o peso líquido de 2,345 gramas, sendo o seu grau de pureza de 12,2%, suficiente para 5 doses individuais diárias, segundo os limites estabelecidos pela Portaria 94/96, de 26/03.

57. – Tal produto estupefaciente pertencia ao arguido EE que o havia escondido naquele local.

58. – O arguido pretendia consumir e vender aos reclusos consumidores aquele produto estupefaciente, em proporção não apurada, o mediante a cobrança de um preço superior àquele por que havia sido adquirido, com o propósito de obter vantagens económicas.

59. – O arguido agiu de modo deliberado, livre e consciente, conhecendo a natureza e as características da substância que deteve na sua posse nas circunstâncias atrás descritas e o local onde se encontrava.

60. – O arguido EE bem sabia e quis guardar, pedir para guardar, deter, ceder, partilhar e vender haxixe a reclusos do Estabelecimento Prisional, mediante a cobrança de um preço superior àquele por que havia sido adquirido, com o propósito de obter vantagens económicas e ser a sua conduta particularmente censurada em tais circunstâncias.

61. –O arguido EE mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e que o facto de pedir para guardar, guardar e deter o referido produto estupefaciente, naquele Estabelecimento Prisional, lhe agravava a responsabilidade criminal em que sabia incorrer.

62. –Das condições sociais e pessoais

63. –Do arguido CC

64. 1. Dados relevantes do processo de socialização

65. – O arguido CC é o segundo elemento de uma fratria de três, proveniente de uma família minimamente estruturada e funcional, sendo que nem os pais nem os irmãos tiveram contacto com o sistema judicial. O seu processo de desenvolvimento decorreu segundo as práticas e cultura ciganas. sendo o meio de subsistência da família a atividade de feirantes

66. – Quanto ao seu percurso escolar referiu ter concluído o 5.º ano de escolaridade.

67. – Constitui família em idade muito jovem (16 anos), sem que tivesse condições materiais e competências pessoais para a assunção efetiva de responsabilidades. Sobretudo, quando se autonomizou da família de origem, deslocou-se para ... em 2015, onde a mãe da companheira residia sozinha, mais fragilizado ficou, a situação agravou-se, segundo referiu pela situação pelo consumo de estupefacientes, nomeadamente, haxixe, o que fazia desde os 18 anos de idade.

68. – Entre o ano de 2015 a 2016, em ..., o casal e as duas filhas menores do casal viveram, num apartamento arrendado, recebendo Rendimentos Social de Inserção, no valor de 480, 00 euros.

69. – A partir de janeiro de 2017, quando a segurança social lhe suspendeu aquele benefício por não terem cumprido a que lhes foi exigido, como a renda era de 250,00€ e não tinham possibilidades de pagar, passaram a residir com a mãe da companheira.

70. – Quanto à saúde, o arguido mencionou consumos de haxixe desde os 18 (dezoito) anos de idade que foram aumentando, nunca tendo sido submetido a tratamento especializado.

71. – Condições sociais e pessoais

72. – No período que antecedeu à atual prisão, CC, vivia em união marital desde os 16 anos com a sua companheira, com a mãe da companheira e com as duas filhas do casal numa habitação com razoáveis condições de habitabilidade, localizada no centro da cidade, sendo uma casa cedida pela tia da mãe da companheira.

73. – Em termos económicos, viviam na total dependência do apoio da mãe da companheira que vendia nas feiras. A nível laboral não possuía uma ocupação regular.

74. – Em termos individuais, da nossa avaliação, CC denota ser um individuo com reduzido sentido de responsabilidade e em distanciar-se de situações menos normativas, mantendo o convívio com pares desviantes.

75. – Em termos futuros, aquando da saída do estabelecimento prisional, pretende ficar a viver em ... com o apoio da irmã e dos pais, feirantes. Em termos profissionais, em liberdade, pretende trabalhar como vendedor ambulante juntamente com os seus familiares.

76. – Impacto da situação jurídico-penal

77. –O arguido CC esteve detido/preso à ordem do processo 2684/15.... desde 06/02/2017 até 31.05.2021, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional pelo período decorrente até ao termo da pena.

78. – Em meio prisional manteve um comportamento de acordo com as regras, mantendo ocupação e recebendo visitas semanalmente dos seus pais e da sua irmã. Todavia, foi sujeito a sanção disciplinar de 12 (doze) dias por posse de telemóvel, apresentando uma postura de negação e desculpabilização.

79. – Gozou de licença de saída jurisdicional e concedida liberdade condicional em 31.05.2021.

80. – A sua conduta jurídica-penal não teve impacto na vida do arguido, tendo já sofrida condenações anteriores por crimes de natureza idêntica ao do presente processo, tendo evidenciado dificuldades no cumprimento de obrigações.

(…)

102. – Do arguido EE

103. I – Dados relevantes do processo de socialização

104. – O arguido EE descende de um agregado familiar de cultura ..., sendo o segundo elemento de uma fratria de três, economicamente desfavorecido. Apesar da dinâmica familiar ter-se caracterizado pela proximidade afetiva, o modelo educativo a que esteve sujeito foi pautado por lacunas na transmissão das normas e valores socialmente aceites fora do seu grupo cultural. Os pais já tiveram contactos com o Sistema da Justiça e o Regime Penitenciário.

105. – Tendo em conta esta dinâmica familiar e a fraca valorização que o grupo cultural atribuía aos estudos, o arguido frequentou a escola até ao 5.º ano de escolaridade, que não concluiu, e abandonou os estudos aos 13 anos de idade.

106. – A nível laboral desempenhou atividades indiferenciadas, coadjuvando os familiares na venda ambulante, sobretudo no período que precedeu o relacionamento com a primeira companheira, da qual tem dois filhos. Separou-se daquela há cerca de 7 anos e os filhos estão à guarda da mãe.

107. – Mais tarde, com o objetivo de alcançar melhores condições laborais esteve emigrado na ..., ... e ..., onde diz ter trabalhado em vários restaurantes como cozinheiro – “sabe lá fora não pedem ursos de cozinha e eu me ajeitei a fazer comida e sempre disseram que tenho muito jeito” (sic). Quando regressou a Portugal voltou a dedicar-se à venda ambulante.

108. – Estabeleceu uma relação afetiva com FF (sua coarguida no presente processo), tendo esta na altura 13 anos de idade, da qual tem dois filhos, um com 8 anos e outro com 5 meses, nascido no decurso da presente reclusão (o casal encontra-se integrado no Regime de Visitas Íntimas).

109. – O arguido afirma ter mantido os consumos de estupefacientes (haxixe) entre 2011 e 2012, contudo, recusou sempre submeter-se a tratamento, sobretudo porque nunca considerou padecer de uma problemática de toxicodependência. Acrescenta que após o nascimento do seu terceiro filho largou os consumos de haxixe, verbalizando abstinência desde então.

110. – Nas medidas não privativas da liberdade a que foi condenado pelo cometimento de crime de condução sem habilitação legal revelou sempre dificuldades em cumprir as injunções, evidenciando desresponsabilização pelo seu processo de reinserção social.

111. – Condições sociais e pessoais

112. – À data dos factos criminais mencionados no presente processo, EE cumpria pena no E. P. ....

113. – No período que antecedeu a reclusão, o arguido vivia com a sua companheira e filho, desde 2015, no bairro Social da .... No presente estes familiares continuam a viver no mesmo local, designadamente num apartamento arrendado de tipologia T2, detentor de condições razoáveis de conforto e habitabilidade, sendo o seu proprietário, um particular e não a Câmara Municipal ....

114. – As condições económicas eram precárias, porquanto o agregado sobrevivia do Rendimento Social de Inserção (RSI) no valor de 311,00 € mensais e de alguns rendimentos provenientes da venda ambulante quando o arguido acompanhava os pais nas feiras (a companheira encontrava-se desempregada).

115. – O arguido denota dispor capacidades cognitivas que lhe permitem refletir sobre o seu percurso vivencial e destrinçar condutas pró-criminais de pró-sociais. Contudo, o seu discurso e o percurso vivencial indiciam fracas capacidades de responsabilização e de tomada de decisões, dificuldades na resolução de problemas e de antecipação das consequências dos seus comportamentos, aspetos a necessitarem de continuação da intervenção a que está sujeito, de forma a serem minorados.

116. – Ao nível pessoal, apesar de surgir como um indivíduo com algumas competências para a interação social positiva, pese embora o discurso orientado para a desejabilidade, em situações de contrariedade e frustração, os dados disponíveis apontam para fraca resistência, tendendo a atuar de um modo desfavorável a determinadas convenções, o que poderá dificultar a promoção de uma efetiva vivência sociojurídica responsável.

117. – Ao longo da reclusão tem mantido o apoio incondicional da sua mulher e filhos e, apesar da inexistência de visitas por um curto período de tempo, logo após a sua afetação ao EP..., de um modo geral aquelas foram regulares, assegurando sempre a primeira as suas necessidades básicas através de depósitos regulares na sua conta corrente. A situação económica da companheira é minimamente equilibrada, atendendo que usufrui da prestação mensal do RSI no valor de cerca de 400,00 € e de 300,00 € de bolsa ela frequência de um curso de formação profissional. Acrescem ainda os abonos de família no valor de 220,00 €. Indicou como despesas fixas (renda, água e luz) a quantia de 150,00 € mensais.

118. – Os pais do arguido residem próximo da companheira daquele, mas têm poucos contactos com a nora e netos, para além dos telefonemas para saberem como está o filho. A mãe, no contacto telefónico estabelecido, referiu que apoia o arguido, apesar dos problemas graves que padece (problemas cancerígenos que implicaram um internamento recentemente).

119. – A sua futura comunidade de residência encontra-se conotada com problemáticas sociais e criminais, nomeadamente de tráfico de estupefacientes. Também, quer ao próprio quer aos seus familiares é atribuída uma imagem social negativa, sendo associados a atividades ilícitas, à ausência de hábitos de trabalho e a comportamentos desfavoráveis às convenções.

120. – Laboralmente, o arguido mencionou que, quando em meio livre, pretende voltar à venda ambulante.

121. – As suas perspetivas de futuro em termos de estilo de vida não diferem do protagonizado até ao momento da reclusão atual.

122. – Não obstante o tempo de reclusão já decorrido e as intervenções a que tem sido alvo por parte do Sistema da Justiça, não se observa um processo de mudança atitudinal consistente que permita com segurança avançar para uma prognose positiva quanto à sua reinserção social.

123. III – Impacto da situação jurídico-penal

124. – No que concerne ao presente processo, o seu discurso denota distanciamento, pelo que detém a expectativa quanto a um desfecho favorável. Acrescentou que irá pronunciar-se em tribunal.

125. – Relativamente aos acontecimentos que motivaram a sua presente situação jurídico-penal e penitenciária, assume-os sem reservas, justificando o seu comportamento com a ambição e permeabilidade a pares e a contextos criminais, contudo não alude à existência de outras vítimas, para além da sua família que se viu privada da sua companhia, em especial o filho.

126. – Apesar de verbalizar arrependimento, transparecem fragilidades na capacidade de consciencialização quanto às consequências das práticas criminais para vítimas concretas ou potenciais, bem como para a sociedade em geral.

127. – Ao longo da reclusão tem averbado algumas medidas disciplinares nos estabelecimentos prisionais precedentes, algumas de internamento em cela disciplinar, repreensões escritas e proibição de utilização dos fundos, num total de 5.

128. – No EP... encontra-se a frequentar o 2.º ciclo do ensino básico, apesar de as aulas presenciais se encontraram novamente suspensas devido aos constrangimentos provocados pela Covid-19, e tem mantido conduta isenta de reparos. Permanece em regime comum, sem o gozo de medidas de flexibilização da pena.

129. – EE considera que a presente reclusão tem permitido reflexão pessoal acerca do seu percurso desviante, tendo por isso passado a valorizar aspetos que antes negligenciava, tais como o aumento das habilitações escolares e profissionais.

130. – Contudo, o seu percurso prisional ainda não é indiciador de preparação da sua liberdade de forma responsável, orientada para o “dever-ser” social, pelo que, encontram-se por minorar características pessoais com potencial de desvio que apresentava à data da reclusão atual.

131. – Atendendo ao tipo de estruturação e organização familiar, bem como à anterior vivência, a presente reclusão não terá implicado impactos significativos, para além os de natureza emocional.

132. – Do arguido BB

133. I – Dados relevantes do processo de socialização

134. – BB é o único filho do casal progenitor, mas tem duas irmãs uterinas, uma mais velha e uma mais nova. O seu processo de socialização decorreu junto dos pais. Neste agregado residia também um primo, que foi entregue por decisão judicial, aos cuidados dos pais do arguido quando ainda bebé. BB refere que mantém uma relação de afeto e proximidade com todos os elementos do agregado familiar.

135. – Da infância e adolescência recorda uma vida com algumas dificuldades a nível económico; a mãe era doméstica e o pai trabalhava na venda de lenha, na apanha de pinha mansa e na agricultura, garantindo as necessidades básicas da família.

136. – O arguido identifica como episódio traumático a morte do avô materno, quando tinha 10 anos de idade.

137. – Mantinha com este uma forte relação afetiva e nesse período desorganizou-se emocionalmente e passou a apresentar dificuldades em cumprir as regras e orientações que os pais lhe transmitiam.

138. – BB iniciou o percurso escolar em idade regular, mas por falta de motivação e absentismo, experienciou 2 retenções no 6º ano e no 7º ano de escolaridade. Foi encaminhado para um curso PIEF de agricultura, que lhe daria equivalência ao 9º ano de escolaridade. Saiu da escola com 17 anos de idade, sem concluir o curso.

139. – Durante a adolescência vivenciou rotinas tendencialmente desajustadas, relacionando-se com pares com comportamentos desviantes. Neste período, os pais terão apresentado acentuadas dificuldades em adotar estratégias para lidar com os problemas comportamentais do arguido e dificuldade em supervisionar as suas rotinas e ações. Neste contexto terá iniciado consumos de substâncias estupefacientes e adotado comportamentos socialmente desajustados, que implicaram a intervenção do sistema de Justiça Tutelar Educativo. Pela prática de crime de furto, cumpriu tarefas a favor da comunidade de forma positiva.

140. – Manteve durante três anos uma relação de namoro com uma jovem da sua idade que avalia como gratificante. Refere que muito do seu tempo livre era passado com a namorada. Presentemente o relacionamento já terminou.

141. II – Condições sociais e pessoais

142. – Antes de preso BB mantinha residência no agregado familiar dos pais, onde viviam também os irmãos. Há cerca de 10 meses os pais separaram-se. O pai mudou residência para ..., ficando o sobrinho de 14 anos aos seus cuidados. A mãe mantém residência em ... e vive com a irmã uterina do recluso de 13 anos de idade. A irmã mais velha já se encontra autónoma.

143. – A economia familiar era assegurada pelo Rendimento Social de Inserção, atribuído aos pais. No âmbito de um programa de emprego e inserção presentemente, a mãe, frequenta um curso de agricultura e o pai trabalha à jorna na agricultura.

144. – O arguido permanecia grande parte do tempo inativo, gerindo o seu quotidiano em convívio com grupo de pares nas zonas limítrofes da Escola .... Esporadicamente ajudava o pai nalguns trabalhos agrícolas.

145. – O pai de BB reconhece que, por vezes, apresentava uma postura educativa permissiva nomeadamente perante o absentismo escolar, desconhecendo o convívio do arguido com o grupo de pares.

146. – Em termos pessoais, o arguido revela-se imaturo, reconhecendo dificuldades em antecipar as consequências dos seus atos, agindo, por vezes, de forma impulsiva e irrefletida principalmente quando se encontra sob efeito de produtos estupefacientes.

147. III – Impacto da situação jurídico-penal

148. – BB aparenta uma postura intimidada perante o seu envolvimento com o sistema de justiça penal. Parece reconhecer o desvalor do crime pelo qual está acusado, embora aparente uma certa tendência para a desresponsabilização e um distanciamento emocional.

149. – Mostra-se ansioso e preocupado e tem uma atitude desfavorável e pouco otimista em relação ao desfecho do presente processo, em virtude de ter antecedentes criminais.

150. – Em meio prisional tem apresentado uma conduta nem sempre consentânea com as normas e regras institucionais. Cumpriu duas medidas disciplinares de 20 dias de Obrigação de Permanência no Alojamento, por ter sido encontrado na posse de dois telemóveis.

151. – Frequentou um curso EFA B3 de pedreiros, que lhe daria equivalência ao 9º ano de escolaridade, mas, por se ter envolvido em conflitos com outros reclusos, desistiu deste.

152. – Posteriormente frequentou e concluiu um curso profissional de pedreiros que teve a duração de 300H.

153. – Presentemente está inativo.

154. – Em meio prisional inicialmente evidenciou dificuldades em manter-se abstinente do consumo de estupefacientes, desvalorizando a necessidade de qualquer tratamento/acompanhamento para esta problemática. Refere que mantém acompanhamento psicológico, mas não toma qualquer tipo de medicação.

155. – Está em regime aberto e já beneficiou de medidas de flexibilização da pena que decorreram de forma adequada.

156. – Os pais visitam-no esporadicamente devido às dificuldades financeiras que atravessam.

(…)

183. – Dos antecedentes criminais

184.  – Do arguido BB

185.   – No processo nº132/15...., do JC Criminal ..., à ordem do qual se encontra atualmente preso desde 29.06.2016, foi condenado por acórdão de 11.07.2017, transitado em julgado no dia 11.08.2017, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo art.21º e 24º, al.s a) e h), do DL 15/93, de 22/01, por factos de 2014, na pena de 5(cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva, conforme certidão de fls.600ss que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

(…)

194. – Do arguido CC

195.     – por sentença proferida no dia 05-05-2016, transitada em julgado no dia 06-06-2016, no processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 1013/14...., do Juízo Local Criminal ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., numa pena de 14 meses de prisão, suspensa na respetiva execução pelo mesmo período, pela comissão de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25º, al. a), do D.L. nº 15/93, de 22-01, praticado no dia 13-08-2014, conforme certidão de fls.673-9 que aqui se dá por inteiramente reproduzida, a referida suspensão da execução da pena foi revogada por despacho de 3.02.2020, transitado em julgado, e ordenado o respetivo cumprimento efetivo.

196. – No PCC n.º 2684/15...., do Juízo Central Criminal ... -Juiz ..., o arguido CC foi sujeito a interrogatório judicial no dia 8/02/2017, na sequência do qual lhe foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva. Nesse processo foi notificado da acusação no dia 20.03.2017.

197. – Na sequência desse interrogatório judicial com subsequente reclusão, bem assim posterior notificação da acusação nesses autos, o arguido CC renovou a decisão e vontade de se dedicar à cedência e venda de produtos estupefacientes.

198. – Por acórdão de 8.05.2018, que transitou em julgado relativamente ao arguido CC no dia 07-03-2019, foi condenado pela prática de um crime de tráfico comum de estupefacientes, p. p. pelo art.21º, nº1, do DL 15/93, de 22/01, na pena de 5 (cinco) anos de prisão efetiva, em concurso efetivo com um crime de condução de veiculo sem habilitação legal, p. p. pelo art.3º, nº2, do DL 2/98, de 3/01, na pena de 10 meses de prisão. Em cumulo jurídico foi condenado na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, tudo conforme certidão de fls.960ss que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

199. – Do arguido EE

200.  –  por sentença proferida no dia 09-11-2004, transitada em julgado no dia 30-11-2004, no processo sumário nº1563/04...., do – agora extinto – ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ..., numa pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 4, pela comissão de um crime de condução sem habilitação, previsto e punido pelo art.3º do D.L. nº 2/98, de 03-01, praticado no dia 09-11-2004. A pena referida foi declarada extinta, pelo pagamento;

201 – por sentença proferida no dia 26-09-2006, transitada em julgado no dia 17-10-2006, no processo sumário nº 1194/06...., do – agora extinto – ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ..., numa pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5, pela comissão de um crime de condução sem habilitação, previsto e punido pelo art.3º do D.L. nº 2/98, de 03-01, praticado no dia 18-09-2006; a pena referida foi declarada extinta, pelo pagamento;

202. – por sentença proferida no dia 21-11-2012, transitada em julgado no dia 11-12-2012, no processo sumário nº 91/12...., do – agora extinto – ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ..., numa pena de 7 meses de prisão, substituída pela pena de prestação de 210 horas de trabalho a favor da comunidade, pela comissão de um crime de condução sem habilitação, previsto e punido pelo art. 3º, nº 1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 03-01, praticado no dia 14-11-2012; a pena referida foi declarada extinta, pelo cumprimento;

203. – por sentença proferida no dia 27-11-2012, transitada em julgado no dia 15-01-2013, no processo sumário nº 66/12...., do – agora extinto – ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ..., numa pena de 210 dias de multa, à taxa diária de € 5, pela comissão de um crime de condução sem habilitação, previsto e punido pelo art.3º, nº 1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 03-01, praticado no dia 16-11-2012; a pena referida foi declarada extinta, pelo pagamento;

204. – por acórdão proferido no dia 06-07-2015, transitado em julgado no dia 22-09-2015, no processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, nº 14/11...., deste Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ..., numa pena de 2 anos de prisão, suspensa na respetiva execução pelo mesmo período, pela comissão de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25º, al. a), do D.L. nº 15/93, de 22-01, praticado no mês de fevereiro de 2011; certidão de fls.650-672 que aqui se dá por inteiramente reproduzida; a referida suspensão foi revogada por despacho de 13.07.2020, transitado em julgado, e ordenado o respetivo cumprimento efetivo.

205. – No PCC n.º 2684/15...., do Juízo Central Criminal ... -Juiz ..., o arguido EE foi sujeito a interrogatório judicial no dia 10/02/2017, na sequência do qual lhe foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva. Nesse mesmo processo o arguido EE foi acusado pela prática de um crime de tráfico comum de estupefacientes, p. p. pelo art.21º, nº1, do DL 15/93, de 22/01, tendo sido notificado da acusação no dia 20.03.2017, no Estabelecimento Prisional ..., conforme certidão de fls.960ss (com retificação de fls.) que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

206. – Na sequência desse interrogatório judicial com subsequente reclusão, bem assim posterior notificação da acusação nesses autos, o arguido EE renovou a decisão e vontade de se dedicar à cedência e venda de produtos estupefacientes.

207. – Nesse processo, por acórdão de 8.05.2018, que transitou em julgado relativamente ao arguido EE no dia 07-03-2019, foi condenado pela prática de um crime de tráfico comum de estupefacientes, p. p. pelo art.21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, na pena de 6 (seis) anos de prisão efetiva, conforme certidão de fls.960ss que aqui se dá por inteiramente reproduzida, ali ficando provado, além do mais, o seguinte:

“14. O arguido EE, conhecido por “TT”, encontrava-se em ... pelo menos desde fevereiro ou março de 2016 (altura em que nas instalações da A.I.R.V. decorria o julgamento do processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, nº 22/13...., em que este arguido era igualmente acusado da prática do crime de tráfico de estupefacientes) a vender produtos estupefacientes, mais concretamente cocaína e heroína;

15. Para tais vendas, além de por vezes proceder ele mesmo às entregas de tais estupefacientes e receber o respetivo pagamento dos consumidores, o arguido EE contava também ele com a colaboração de diversos indivíduos a quem pagava para venderem tais produtos por sua conta;

16. Designadamente, entre fevereiro/março de 2016 e fevereiro de 2017, estiveram a vender estupefacientes por conta do arguido EE os arguidos CC e UU, que procediam à entrega dos estupefacientes aos consumidores, com quem se iam encontrar após contacto telefónico que aqueles realizavam através do número de telefone que o arguido EE lhes cedeu;

17. Para poder revender tais produtos estupefacientes, pagar ao seu colaborador os serviços prestados, e ainda granjear o seu próprio lucro, o arguido EE adquiria, de forma e em locais que não foi possível precisar, o estupefaciente a montantes mais em conta, que trazia para ... aqui os misturando (“cortando”, na gíria) com outros produtos para aumentar a quantidade e fazer maior número de doses individuais que depois, quer ele, quer o arguido CC vendiam pela quantia de €10 cada dose, quer de heroína, quer de cocaína;

18. O arguido EE, utilizando o sistema Money Gram instalado no Hipermercado Continente, procedeu à transferência das seguintes quantias monetárias: - No dia 21-11-2015, a quantia de €238,10; - No dia 24-11-2015, a quantia de € 1.214,50; - No dia 28-09-2016, a quantia de €600;

19. Ao revender os produtos estupefacientes adquiridos, o arguido EE lograva obter quantia superior à que havia despendido na sua aquisição, em grandeza que não foi possível apurar em concreto, dado que aditava substâncias a tais estupefacientes, cuja quantidade aumentava e depois dividia em doses individuais, que revendia pelo valor de €10 cada dose;

20. Ao arguido EE são conhecidos pelo menos os nº de telemóvel ...16, ...16, ...17, ...75, ...07, ...29 e ...42, que eram utilizados pelo dito arguido não apenas para contactar com os indivíduos a quem comprava o estupefaciente, mas também com aqueles a quem o vendia, e ainda com o arguido CC, que vendia tais produtos por sua conta, a quem o arguido EE entregava por vezes esses alguns desses números de telemóvel, de modo a que este pudesse contactar e ser contactado pelos consumidores, para com eles combinar as horas e locais das transações;

21. O arguido EE mostrava-se extremamente cauteloso nas suas conversações, nunca se referindo a produto estupefaciente, evitando também nomear os lugares concretos onde se pretendia encontrar com os seus interlocutores;

22. O arguido EE foi visto a conduzir habitualmente, numa fase inicial, um Seat Cordoba de cor azul e matrícula ..-..-OL, entre dezembro de 2016 e janeiro de 2017 passou a conduzir um Opel Corsa de cor branca e matrícula ..-QA-.., veículo de aluguer que depois trocou por um Renault Clio de cor cinzenta de matrícula ..-RP-.., e nos últimos tempos uma viatura de marca Mazda, modelo MX3, de matrícula ..-..-BS;

(…)

124. Em dia e hora que não foi possível concretizar, mas enquanto decorriam as audiências de julgamento do processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, nº 22/13.... (em que o arguido EE também era arguido), pelo menos uma vez o arguido EE se deslocou às instalações da “..., onde trabalhava VV, que adquiriu àquele arguido três doses de cocaína, pagando a quantia de € 10 por cada dose;

125. Igualmente durante esse período em que decorriam tais audiências de julgamento, por diversas vezes, em dias e horas que não foi possível concretizar, o arguido EE vendeu à arguida WW pelo menos uma dose de cocaína e uma dose de heroína (de cada vez), que aquela pagou ao preço de € 10 por cada dose;

126. Pelo menos entre inícios do ano de 2016 e o mês de agosto de 2016, por diversas vezes, em pelo menos 6 ocasiões distintas, em datas e horas que não foi possível concretizar, o arguido EE vendeu a XX doses de cocaína, numa média entre 3 e 6 doses por cada uma dessas vezes, pelas quais lhe pagava a quantia de € 10 por cada dose;

127. Tais transações ocorreram ao cimo das escadas do ..., na Av. ..., e na Praça ..., locais onde o dito arguido se deslocava após contacto telefónico com a XX para os números de telemóvel que aquele usava, e que avisava a XX sempre que mudava;

128. Em datas e horas que não foi possível precisar, mas desde pelo menos o mês de abril de 2016 e até fevereiro de 2017, o arguido EE por diversas vezes (em pelo menos 5 ocasiões distintas) vendeu pelo menos duas/três doses de heroína e cocaína (de cada vez) a YY, que lhe pagou a quantia de € 10 por cada uma dessas doses;

129. Tais transações ocorreram em ..., designadamente na Rua ..., junto ao “Centro Comercial ...” e junto ao café “A...”, lugares onde o arguido EE ia ao encontro do YY, após este o contactar telefonicamente e, de forma codificada, o fazer saber que pretendia adquirir estupefaciente, combinando então a hora e o local para tanto;

130. No dia 22 de junho de 2016, pelas 12 horas e 57 minutos, o YY telefonou ao arguido EE combinando encontrarem-se, o que veio a suceder pouco tempo depois junto café “A...”, na Av. ..., em ..., onde o arguido EE entregou ao YY duas/três doses de heroína e cocaína, recebendo deste o respetivo pagamento (€ 10 por cada dose);

131. Pelas 14 horas e 22 minutos desse mesmo dia 22 de Junho de 2016, o YY voltou a ligar ao arguido EE, combinando novo encontro para lhe adquirir estupefaciente, encontrando-se então os dois na Rua ..., onde o YY entregou ao arguido EE o dinheiro (quantia de € 60), indo de seguida à Praceta ..., onde, numa floreira frente ao estabelecimento “J...”, o arguido EE lhe deixara escondido o estupefaciente pretendido (6 doses de heroína e 1 de cocaína)

132. Logo de seguida, o YY foi intercetado pela P.S.P., tendo sido apreendido em seu poder as 6 doses de heroína (com o peso líquido de 0,701 gramas) e 1 de cocaína (com o peso líquido de 0,095 gramas) referidas no ponto anterior, sendo que a dose de cocaína foi um bónus que o arguido EE lhe deu para fidelizar o interesse do consumidor.

133. Nesse mesmo dia 22 de junho de 2016, pouco depois das 16 horas e 30 minutos, conforme combinado telefonicamente, o arguido EE encontrou-se com GG junto ao café “C...”, em ..., aí lhe tendo vendido duas pedras de cocaína pelo valor total de € 20;

134. Além dessa vez, entre junho de 2016 e fevereiro de 2017, o arguido EE vendeu pelo menos duas doses de cocaína, de cada vez, a GG, em pelo menos mais duas ocasiões, transações essas que ocorreram nas imediações do estabelecimento “J...” e junto ao café “C...”, sendo que por cada dose este lhe pagou a quantia de € 10;

135. No dia 5 de janeiro de 2017, após contactos telefónicos a combinar, o arguido EE encontrou-se com ZZ na rotunda de ... que vai para ..., onde o dito arguido vendeu ao ZZ 6 doses de cocaína, pelas quais este lhe pagou a quantia total de € 60;

136. Porque as doses adquiridas eram muito pequenas (na gíria “ferradas”), o ZZ contou o sucedido ao GG e, após consumirem a cocaína, telefonaram ao arguido EE a contar-lhe o sucedido, pelo que pouco tempo depois aquele arguido lhe disse que esperasse na mesma rotunda que uns outros indivíduos lhe iam entregar mais cocaína, o que acabou por não suceder por o arguido EE se ter apercebido da presença da P.S.P., que ali se encontrava em vigilância

137. Além dessa circunstância, em pelo menos mais quatro ocasiões distintas, em datas e horas que não foi possível precisar, mas durante o ano de 2016 e até fevereiro de 2017, o arguido EE vendeu pelo menos três/quatro doses de cocaína (de cada vez) ao ZZ, pelas quais este lhe pagou a quantia de € 10 por cada dose;

138. Desde inícios do ano de 2016 até ao verão de 2016, em pelo menos cinco ocasiões distintas, em datas e horas que não foi possível precisar, o arguido EE vendeu a AAA entre uma a quatro doses de heroína e cocaína (de cada vez), pelas quais este lhe pagou a quantia de € 10 por cada dose;

139. Tais transações tinham lugar nas imediações do Hotel ... e atrás da Churrasqueira de ..., após contacto telefónico entre ambos a combinar a hora e o local da transação;

140. Pelo menos desde inícios de maio de 2016 até 7 de fevereiro de 2017, por em pelo menos cinco ocasiões distintas, o arguido EE vendeu a BBB (conhecido pela alcunha de “...”) doses de cocaína, transações essas que ocorriam em ..., onde o arguido EE ia ao encontro do BBB, conforme previamente combinado através de contactos telefónicos com esse fim, designadamente na rotunda..., em ..., na Quinta ..., em casa do BBB (no Bairro ...), comprando de cada uma dessas vezes uma a três gramas de cocaína, pagando a quantia de € 50 por cada grama de tal produto;

141. O arguido EE utilizava o telemóvel com o nº ...16 para contactar com os consumidores e os outros indivíduos a quem retribuía para revenderem os produtos estupefacientes;

142. Em pelo menos duas ocasiões distintas, em datas e horas que não foi possível precisar, mas ocorridos durante o ano de 2016 e inícios de 2017, o arguido EE vendeu a CCC quantidade que não foi possível precisar de haxixe, pela qual este lhe pagava a quantia de pelo menos € 5 de cada vez, aquisições essas que ocorriam em ..., após combinação telefónica prévia.

143. O arguido CC foi condenado, por sentença proferida no dia 05-05-2016, transitada em julgado no dia 06-06-2016, no processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 1013/14...., do Juízo Local Criminal ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., numa pena de 14 meses de prisão, suspensa na respetiva execução pelo mesmo período, pela comissão de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25º, al. a), do D.L. nº 15/93, de 22-01, praticado no dia 13 de agosto de 2014, cerca das 5 horas e 20 minutos, no interior do bar “...”, em ..., tendo sido detido, libertado e constituído arguido nesse mesmo dia;

144. Não obstante tal qualidade de arguido, e sabendo ter esse processo pendente contra si, o arguido CC renovou a sua vontade de prosseguir tal atividade de compra e venda de estupefacientes;

145. Em pelo menos três ocasiões distintas, situadas em datas e horas que não foi possível precisar, mas entre os meses de outubro e novembro de 2014, o arguido CC vendeu a DDD quantidades que não foi possível concretizar de haxixe, pelas quais este consumidor lhe pagou € 5/€ 10 de cada vez, transações essas que ocorreram junto ao Centro Comercial ... (na zona do parque infantil daquele centro), em ..., após contacto telefónico a combinar tais encontros;

146. Em datas e horas que não foi possível precisar, mas em pelo menos cinco ocasiões distintas, situadas entre os meses de agosto de 2014 e fevereiro de 2015, o arguido CC vendeu a EEE quantidades que não foi possível concretizar de haxixe, pelas quais este lhe pagou, de cada vez, uma quantia entre € 5 e € 10, em ..., após prévio contacto telefónico;

147. Entretanto, o arguido CC saiu da área de ..., indo residir para a zona de ..., de onde regressou pelo menos em finais de 2016, altura em que começou a vender estupefacientes em conjugação de esforços e intentos com o arguido EE, mais conhecido pela alcunha de “TT”;

148. Pelo menos a partir de inícios de dezembro de 2016, o arguido EE passou a agir em comunhão de esforços e intentos com o arguido CC, que passou também ele a vender produtos estupefacientes aos consumidores que o contactavam, sendo os lucros de tais transações divididos entre aqueles dois arguidos;

149. A partir dessa altura, o arguido CC passou a utilizar o telemóvel com o nº ...29, que lhe foi entregue pelo arguido EE para contactarem um com o outro, a fim de combinarem as horas e locais onde se haviam de encontrar, de modo a que o arguido EE lhe entregasse o produto estupefaciente, que este depois vendia aos consumidores;

150. A partir de 14 de dezembro de 2016, o arguido CC passou a utilizar um novo telemóvel, com o nº ...91, o que fez saber aos consumidores que o contactavam habitualmente, enviando-lhes uma mensagem sms a informar tal facto, passando desde então o nº ...29 a ser utilizado pelo arguido UU, conhecido pela alcunha de “FFF”;

151. Desde essa data, era também para esse número de telemóvel que os consumidores contactavam o arguido CC para com ele combinarem o lugar onde se pretendiam encontrar para lhe adquirir estupefaciente;

152. Por sua vez, era também com aquele mesmo número de telemóvel que o arguido CC avisava os consumidores quando queria que eles soubessem que já tinha estupefaciente para lhes vender, remetendo-lhes então mensagens sms com o texto “Já tou ai” ou “Já tou por ai”, que era o quanto bastava para aqueles consumidores saberem que ele tinha produto estupefaciente para vender e estava disponível para com eles se encontrar nos lugares habituais para efetuarem tais transações;

153. Em 14 de dezembro de 2016, o arguido CC passou a utilizar um novo número de telemóvel, o nº ...91, o que fez saber aos consumidores que o contactavam habitualmente, enviando-lhes uma mensagem sms a informar isso mesmo, passando desde então o nº ...29 a ser utilizado pelo arguido UU;

154. O arguido UU auxiliou o arguido CC em tal atividade de compra e venda de estupefaciente, concretamente substituindo-o quando aquele arguido se ausentou de ... durante o período das férias de Natal;

155. Assim, durante o período de tempo que o arguido CC esteve ausente de ..., por ocasião das festas natalícias, foi o arguido UU quem recebeu do arguido EE produto estupefaciente, em quantidade que não foi possível apurar, que depois revendeu aos consumidores que para tanto o contactaram através do referido número de telemóvel;

156. Desde então, de dezembro de 2016 a fevereiro de 2017, o arguido EE passou a contar com os serviços do arguido UU que, sendo consumidor de estupefacientes, passou a vender e entregar tais produtos por conta do arguido EE, o qual, em troca, lhe pagou em doses de estupefaciente que aquele necessitava para seu próprio consumo;

157. Regressado após o Natal, pelo menos a partir de 30 de dezembro de 2016, foi de novo o arguido CC quem passou a utilizar habitualmente o nº ...29 para contactar com o arguido EE e com os consumidores, a fim de combinarem as horas e locais para receberem e venderem o estupefaciente;

158. Durante o mês de janeiro de 2017, em data e hora que não foi possível determinar, o arguido CC alterou de novo o número do seu telemóvel, passando a contactar e a ser contactado através do nº ...52;

159. Desde finais do ano de 2016 até ao dia 6 de fevereiro de 2017, por diversas vezes, em número, dias e horas que não foi possível precisar, MM telefonou ao arguido CC, após o que este se encontrou consigo, vendendo-lhe quantidades que não foi possível concretizar de heroína e cocaína, pelas quais o MM lhe pagou a quantia de € 10 por cada dose, transações essas que ocorreram junto ao “Café ...” e ao recinto da ..., em ...;

160. Por diversas vezes, em número, dias e horas que não foi possível precisar, mas ocorridos desde início de janeiro de 2017 até ao dia 6 de fevereiro de 2017, após contacto telefónico efetuado a combinar encontrarem-se, o arguido CC vendeu à arguida WW quantidades que não foi possível precisar de cocaína, pagando-lhe aquela € 10 por cada dose de tal produto, transações essas que ocorreram em ..., designadamente nas imediações do Centro Comercial ..., junto ao “Café ...”, ou nas proximidades da Universidade ...;

161. Desde pelo menos o mês de dezembro de 2016 e até 6 de fevereiro de 2017, o arguido CC, por diversas vezes, em número, dias e horas que não foi possível precisar, vendeu várias doses de heroína e cocaína, em número que igualmente não foi possível concretizar, a GGG, HHH, GG, III, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, OOO, PPP, e QQQ, com os quais, após contactos telefónicos, se encontrou junto ao “...”, nas proximidades do ..., pagando-lhe estes a quantia de € 10 por cada uma dessas doses de estupefaciente;

162. Tais transações tinham lugar em ..., designadamente junto ao “Café ...”, nas imediações da Universidade ..., junto à Loja do Cidadão, e nas traseiras do Hospital ..., junto ao recinto da ..., junto ao “...”, e nas imediações do ..., locais onde o arguido, conduzindo a sua viatura de matrícula ..-..-IB, se deslocava ao encontro daqueles consumidores após contacto telefónico a combinar essa transação;

163. No dia 4 de fevereiro de 2017, após contacto telefónico nesse sentido, o arguido CC encontrou-se com RRR e MMM junto à rotunda do “M...’s”, em ..., tendo o dito arguido vendido duas doses de heroína e uma de cocaína em troca de um telemóvel de marca e modelo “Samsung Galaxy 7”, que o RRR lhe entregou;

164. O arguido UU, no período de tempo compreendido entre dezembro de 2016 e fevereiro de 2017, em data e hora que não foi possível precisar, vendeu uma dose de heroína a PPP, em ..., pagando-lhe esta a quantia de € 10;

165. No dia 27 de janeiro de 2017, pelas 15 horas e 55 minutos, o arguido CC, conduzindo o seu veículo automóvel de matrícula ..-..-IB, acompanhado do arguido UU, dirigiu-se frente ao “Café ...”, aí encontrando o GGG, que entrou no veículo, após o que o arguido CC lhe vendeu uma dose de heroína (com o peso bruto de 0,09 gramas, correspondente ao peso líquido de 0,072 gramas), pelo valor de € 10, a qual foi apreendida pouco tempo depois;

166. No dia 30 de janeiro de 2017, pelas 15 horas e 5 minutos, o arguido CC, conduzindo o referido veículo automóvel, deslocou-se ao recinto da feira semanal de ... onde, conforme comunicações telefónicas prévias, se encontrou com o arguido SSS (de alcunha “Jô”) e dois outros indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, tendo os três entrado na viatura do arguido CC, que lhes vendeu quantidades que não foi possível precisar de heroína ou cocaína (não tendo sido possível determinar qual desses produtos);

167. Nesse mesmo dia 30 de janeiro de 2017, pelas 15 horas e 29 minutos, o arguido CC deslocou-se até à rua do Centro de Emprego de ..., onde, conforme prévia comunicação telefónica, se encontrou com o TTT; pelas 16 horas e 10 minutos, após comunicação telefónica, deslocou-se à zona da ..., onde se encontrou com o JJJ (conhecido por “UUU”); pelas 16 horas e 25 minutos, de acordo com prévio contacto telefónico, deslocou-se às traseiras do Supermercado ..., onde se encontrou com a arguida WW e o seu companheiro, o arguido JJ; às 16 horas e 50 minutos, após contacto telefónico, deslocou-se ao ... (na Av. ...), onde se encontrou com VVV; e às 17 horas e 10 minutos, após contacto telefónico, encontrou-se com o WWW junto ao “...”, sendo que de todas essas vezes o arguido CC entregou a cada um desses indivíduos, todos consumidores de estupefacientes, quantidades que não foi possível determinar de cocaína e/ou heroína, que aqueles lhe pagaram pelo valor de € 10 cada dose;

168. No dia 31 de janeiro de 2017, pelas 17 horas e 30 minutos, o arguido CC encontrou-se com XXX frente ao restaurante “F...”, em ..., tendo este entrado no carro do dito arguido, que lhe entregou quantidade que não foi possível apurar de cocaína;

169. Pelas 17 horas e 59 minutos desse dia 31 de janeiro de 2017, o arguido CC encontrou-se com KKK, com o arguido SSS e com VV (este condutor do veículo de matrícula ..-..-OZ, de marca “Volvo”) na Rua ..., próximo do restaurante “M...’s”, vendendo ao VV e ao arguido AAA uma dose de heroína (a cada um), e à KKK uma dose de cocaína, os quais lhe pagaram a quantia de € 10 por cada dose;

170. Pouco depois, KKK foi intercetada por agentes da P.S.P., tendo sido apreendida em seu poder uma dose de cocaína, com o peso bruto de 0,11gramas (correspondente ao peso líquido de 0,112 gramas), que aquela acabara de adquirir ao arguido CC;

171. No dia 2 de fevereiro de 2017, o arguido CC enviou aos consumidores que habitualmente o contactavam mensagens sms informando-os de que dispunha de produto estupefaciente para vender, após o que, entre as 16 horas e 15 minutos e as 20 horas e 30 minutos, vendeu quantidades que não foi possível determinar de heroína e/ou cocaína à arguida WW, junto à Universidade ..., a um indivíduo que conduzia o veículo de matrícula ..-..-BJ (junto ao “M...’s”), ao JJJ (na Rua ...), e ao Vítor (no recinto da ...), os quais lhe telefonaram previamente a combinar onde se encontrariam, e lhe pagaram por cada dose de heroína e/ou cocaína o valor de € 10;

172. No dia 6 de fevereiro de 2017, pelas 14 horas e 40 minutos, a pedido de YYY, um consumidor de estupefacientes de nome ZZZ telefonou ao arguido CC, para o nº ...22, após o que este arguido se encontrou com o YYY na Av. ..., em ..., onde lhe vendeu uma dose de cocaína, com o peso bruto de 0,08 gramas (correspondente ao peso líquido de 0,063 gramas), pelo preço de € 8 (que era todo o dinheiro que o YYY tinha consigo);

173. Cerca das 15 horas e 58 minutos, a arguida WW telefonou ao arguido CC combinando encontrar-se com ele junto à sua casa para lhe adquirir estupefaciente;

174. Pouco tempo depois, o arguido CC, conduzindo o veículo de matrícula ..-..-IB, onde trazia a sua companheira, AAAA e o filho de ambos, de apenas 4 anos de idade, encontrou-se com a arguida WW junto à entrada das urgências do Hospital ..., tendo esta entrado no veículo conduzido pelo arguido CC, seguindo todos até às traseiras daquele hospital, onde o esperavam os consumidores de estupefacientes SSS e MM, que entretanto haviam também telefonado ao arguido CC para se encontrarem com ele e lhe comprarem estupefaciente;

175. Nessa ocasião e local, o arguido CC vendeu ao SSS duas doses de heroína, e à arguida WW sete doses de cocaína, pelo preço de € 10 cada dose;

176. Logo após tais vendas, os agentes da P.S.P. intercetaram o arguido CC e os identificados consumidores de estupefacientes, apreendendo em poder da arguida WW as sete doses de cocaína que o arguido CC lhe vendera (com o peso bruto total de 0,58 gramas, correspondente ao peso líquido de 0,391 gramas), no chão encontraram as outras duas doses de heroína que o arguido CC vendera ao SSS, e que este, ao se aperceber da presença dos agentes da P.S.P., atirou fora, doses essas que tinham o peso total de 0,22 gramas (correspondente ao peso líquido de 0,136 gramas);

177. Após revista ao arguido CC e busca no veículo por ele conduzido, foram encontrados e apreendidos em seu poder:

- três notas de € 10 do B.C.E., que aquele trazia no bolso das calças que vestia, provenientes da atividade de transação de estupefacientes;

- uma embalagem com o peso bruto de 0,53 gramas de cocaína (correspondente ao peso líquido de 0,379 gramas), que se encontrava escondida debaixo do volante, numa reentrância do tablier, da viatura de matrícula ..-..-IB;

-vários pedaços de cocaína, com o peso bruto total de 0,38 gramas (correspondente ao peso líquido de 0,324 gramas), que se encontravam no interior de uma caixa de ourivesaria, na mesma reentrância daquela viatura; -uma nota de € 20, duas notas de € 10, três notas de € 5, e várias moedas no montante total de € 9,71, dinheiro este guardado na viatura, e proveniente da atividade de transação de estupefacientes;

- três telemóveis, dois dos quais com o respetivo cartão SIM, que o arguido CC utilizava na atividade de transação de estupefacientes;

178. Em poder da companheira do arguido CC, DD, foram ainda encontradas (no bolso do casaco que vestia) uma nota de € 10, uma nota de € 20, e 5 notas de € 5, provenientes da atividade de transação de estupefacientes, que foram igualmente apreendidas;

179. O produto estupefaciente apreendido em poder do arguido CC no momento da sua detenção era por este destinado à venda a consumidores que para tanto os contactassem, não obstante saber ser-lhe vedada a cedência de tais produtos a terceiros a qualquer título, bem como a posse de tais substâncias em quantidades superiores às necessárias para o seu consumo médio individual pelo período de 10 dias, sabendo ainda que não lhe era permitida a cedência das mesmas substâncias a terceiros a qualquer título; 180. O arguido CC conhecia as características do veículo e dos locais onde, pelo menos desde finais de 2016 e até ao dia 6 de fevereiro de 2017 conduziu tal veículo, sabendo também que não era titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse a conduzir o mesmo;

181. No dia 3 de janeiro de 2017, o arguido EE encontrou-se com o BBB frente à estação dos “CTT” da Quinta ..., aí lhe vendendo duas gramas de cocaína, pelas quais lhe pagou a quantia de € 100;

182. No dia 7 de fevereiro de 2017, pelas 0 horas e 26 minutos, o BBB trocou vários sms com o arguido EE para que este lhe fosse entregar cocaína a casa, tendo o este arguido ido a casa do BBB cerca da 1 hora, aí lhe entregando quantidade que não foi possível precisar de cocaína, que o BBB lhe ficou a dever, comprometendo-se a pagar no dia seguinte;

183. No mesmo dia 7 de fevereiro de 2017, mas pelas 13 horas e 40 minutos, o arguido EE enviou um sms ao BBB para o recordar da dívida dessa noite;

184. Pelas 16 horas e 52 minutos desse mesmo dia 7 de fevereiro de 2017, BBB telefonou ao arguido EE dizendo que não se conseguiu encontrar com ele antes, e pedindo para que aquele lhe fosse vender cocaína em sua casa, no Bairro ..., pelas 19 horas;

185. Por volta das 20 horas desse mesmo dia 7 de fevereiro de 2017, o arguido EE deslocou-se ao referido bairro mas, apercebendo-se da presença de uma viatura policial, não procedeu à entrega do estupefaciente, antes indo ao encontro do arguido UU (nas imediações do estabelecimento “J...”), cujo telemóvel utilizou para contactar o BBB, dizendo-lhe que aquele número era de um amigo e que depois de jantar lhe ligasse que ele iria ter com ele e lhe explicava o que acabara de suceder (isto porque o BBB lhe telefonara a perguntar porque não lhe entregara o estupefaciente quando foi ao Bairro ...);

186. Após o jantar, pelas 22 horas e 35 minutos do dia 7 de fevereiro de 2017, o BBB, como lhe havia sido indicado pelo arguido EE, contactou então o número de telemóvel do arguido UU, com quem combinou encontrar-se ao fundo das escadas da ... (na Av. ...), onde o BBB se dirigiu acompanhado de um amigo, tendo o arguido UU ido ao seu encontro, e frente à pastelaria “C...”, na dita avenida, o BBB comprou ao arguido UU três gramas de cocaína, pelas quais lhe pagou a quantia de € 150;

187. Após tal transação, passado cerca de uma hora, o arguido EE trocou vários sms com o arguido UU para saber se a transação da cocaína tinha decorrido bem, e se este havia recebido o dinheiro da dívida que o BBB tinha para com ele, da cocaína que lhe tinha vendido anteriormente, combinando encontrarem-se ambos;

188. Temendo ser detido, na noite de 7 para 8 de fevereiro de 2017, o arguido EE já não dormiu em sua casa, tendo pernoitado em casa do cunhado, e na manhã do dia 8 de fevereiro efetuou diversas chamadas telefónicas para o arguido UU, e ainda para seu pai e outros familiares, com quem combinou álibis e tentou que lhe arranjassem dinheiro;

189. Porque o arguido EE não saía daquela casa, os agentes da P.S.P. ... deslocaram-se para o Bairro ..., tendo contactado com a dona da casa na tentativa de falarem com o referido arguido e cumprirem os mandados de detenção fora de flagrante delito contra si emitidos, sendo-lhes comunicado que aquele não estava ali;

190. Entretanto, o arguido EE tentou fugir da referida casa saltando pela janela das traseiras e entrando na casa vizinha, cuja dona autorizou a entrada dos agentes da P.S.P., que finalmente puderam deter o referido arguido”.»

Do âmbito do recurso

9. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo, se necessário à boa decisão de direito, dos poderes de conhecimento oficioso de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).

Nos termos do disposto no artigo 434.º do CPP, na redação da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo de, em caso de recurso de acórdão final proferido pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo, como é o caso, ter por fundamento os vícios e nulidades a que se referem os n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, que não vem invocados.

10. Os arguidos vêm, em síntese, suscitar as seguintes questões:

a) O arguido EE:

Violação do princípio “ne bis in idem”, por, na alegação do recorrente, dado o crime de tráfico de estupefacientes ser um crime de “trato sucessivo”, a condenação no processo n.º 2684/15...., “integrar” os factos por que vem condenado no acórdão recorrido;

b) O arguido BB:

Medida da pena de prisão, que pretende ver reduzida e suspensa na sua execução;

c) O arguido CC:

Suspensão de execução da pena de prisão, por, em seu entender, se verificarem os respetivos pressupostos.

Quanto ao recurso do arguido EE – da pretensa violação do princípio “ne bis in idem”

11. Em síntese, o arguido argumenta que, sendo o crime de tráfico de estupefacientes um “crime exaurido”, cuja consumação ocorre com a prática do primeiro ato, tendo a sua atividade criminosa, investigada e julgada no processo 2684/15...., em que lhe foi aplicada uma pena de 6 anos de prisão, ocorrido em datas anteriores a 10.02.2017 (data em que se iniciou a atividade criminosa julgada neste processo, que durou cerca de 7 meses e terminou em 12.09.2017), e não tendo havido qualquer “interrupção” da prática do crime, os factos por que vem condenado neste processo integram, conjuntamente com aqueles, um único crime, consumado com o primeiro ato, por que já foi punido, não podendo, assim, ser-lhe aplicada uma pena pelos factos posteriores a 10.02.2017, por isso de traduzir em violação do princípio ne bis in idem.

12. Recordando os factos dos autos deles resulta que:

- O arguido EE foi detido no dia 08.02.2017, em cumprimento de mandado de detenção pela prática de crime do tráfico de estupefacientes que deu origem ao processo n.º 2684/15...., e, na sequência dessa detenção, foi apresentado ao juiz para primeiro interrogatório judicial no dia 10.02.2017, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva.

- Esse processo tinha por objeto a atividade de tráfico de estupefacientes empreendida no período compreendido entre data indeterminada de fevereiro ou março de 2016 e o dia 7 de fevereiro de 2017, tendo o arguido EE sido acusado e condenado na pena de 6 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

- Essa atividade consistia na aquisição de heroína e cocaína, que preparava e, diretamente ou com a colaboração dos outros arguidos, vendia aos consumidores seus clientes, em vários locais da cidade ..., nas circunstâncias descritas nos pontos 207.15 e seguintes da matéria de facto provada.

- Cessou esta atividade no dia 8 de fevereiro de 2017, data em que foi detido pela PSP em execução de mandados de detenção fora de flagrante delito.

- Na sequência do interrogatório judicial de 10.02.2017, com subsequente reclusão e posterior notificação da acusação processo n.º 2684/15...., o arguido EE renovou a decisão e vontade de se dedicar à cedência e venda de produtos estupefacientes (ponto 206 dos factos provados).

- Assim, durante o período compreendido entre 10 de fevereiro de 2017 e 12 de setembro de 2017, o arguido passou a traficar canabis dentro do Estabelecimento Prisional ..., onde deteve, guardou, cedeu, partilhou gratuitamente e vendeu pelo menos 45 porções de haxixe a diversos reclusos consumidores, no interior desse estabelecimento Prisional (pontos 40 a 52).

- No dia 11 de abril de 2017, detinha vários pedaços de canabis (resina) com o peso líquido de 10,830 gramas, com grau de pureza de 15,3%, suficiente para 33 doses individuais diárias, para consumo e para venda e entre 17.02.2017 e 03.05.2017 partilhou charros de haxixe com o arguido BB e comprou-lhe, pelo menos por 5 vezes, porções de haxixe com cerca de 12.5 gramas (pontos 11 e 12).

- No dia 12 de setembro de 2017, detinha dois pedaços de canabis (resina), suficiente para 5 doses individuais diárias, que lhe pertenciam e que guardava para venda, pelo menos em parte, a outros reclusos (pontos 55 a 58).

13. O acórdão recorrido pronunciou-se sobre esta questão nos seguintes termos:

«Na medida em que os atos de tráfico aqui imputados aos arguidos CC e EE ocorreram após o seu interrogatório judicial nos dias 8 e 10/02/2017 no PCC n.º 2684/15...., na sequência do qual lhes foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva, é de crer que após esse confronto com as instâncias judiciais, já reclusos, estes arguidos renovaram a decisão e vontade de se dedicar à cedência e venda de produtos estupefacientes, atuando sob a égide de resoluções criminosas distintas, tanto mais que os factos aqui conhecidos, ainda que da mesma natureza, nenhuma conexão apresentam com aqueles objeto do PCC n.º 2684/15...., atentas as circunstâncias de lugar e modo como foram cometidos.

Assim, os atos de tráfico objeto dos presentes autos configuram um crime diferente daquele conhecido no PCC n.º 2684/15.....

No caso concreto, não se vislumbra qualquer ligação objetiva e subjetiva entre os dois conjuntos temporais de factos, pelo que, necessariamente, estamos perante duas resoluções criminosas perfeitamente diferenciadas, tendo a conduta dos arguidos EE e CC preenchido duas vezes o mesmo tipo de crime, o que, de harmonia com o preceituado no artigo 30º, nº 1, do Código Penal, conduz à dualidade de crimes, tendo sido já julgados e condenados por um deles no PCC n.º 2684/15....

14. Nos termos do artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, que transpõe para a lei o pensamento de Eduardo Correia, refletido na jurisprudência, determinando-se o número de crimes pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente, o critério determinante da unidade ou pluralidade de crimes, de que deve partir-se, é o tipo legal de crime violado e não o número de ações praticadas pelo agente.

Na dimensão que agora interessa, se a atividade do agente preenche várias vezes o mesmo tipo legal de crime, necessariamente se nega o mesmo valor diversas vezes, existindo, por conseguinte, uma pluralidade de infrações. O «número de vezes» que o mesmo tipo de crime foi preenchido dever contar-se pelo número de juízos de censura, o que deve reconduzir-se a uma pluralidade de processos resolutivos, de resoluções ou de decisões criminosas ou à renovação do mesmo processo. Esta pluralidade seria excluída, em regra, pela continuidade temporal das várias condutas, «sempre que, de acordo com as circunstâncias do caso, devesse aceitar -se que “o agente executou toda a sua atividade sem ter que renovar o respetivo processo de motivação”» (cfr. a fundamentação do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/2019, deste tribunal, DR 1.ª série, n.º 246, de 23.12.2019, citando Eduardo Correia, Direito Criminal II, Almedina, 1971, pp. 201-202, e Figueiredo Dias, Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2007, p. 1007). Porém, na observação deste Autor, seguida na jurisprudência, embora a unidade ou pluralidade de processos de resolução constitua, em certos casos, um elemento importante para decidir da unidade ou pluralidade de crimes, a essência do facto punível que constitui o crime, reside no “substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal, no ilícito-típico,” pois que é a “unidade ou pluralidade de sentidos” (autónomos) de ilicitude típica, “existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta aceção, de crimes” (loc. cit., 3.ª ed., GestLegal, 2019, pp. 1150, 1170).

15. Como se evidencia dos factos provados, identificam-se claramente dois períodos perfeitamente distintos de atividades de tráfico de diferentes produtos estupefacientes, levada a efeito pelo arguido em locais, contextos e com formas de comparticipação e organização diferentes: o primeiro, até 08.02.2017, que respeita à aquisição, fornecimento e venda de heroína e cocaína a consumidores em diversos locais da cidade ..., interrompido pela intervenção policial, com a detenção do arguido; o segundo, que se inicia após a entrada do arguido no estabelecimento prisional em prisão preventiva, no dia 10.02.2017, respeita à aquisição, fornecimento e venda de canábis a outros reclusos, no interior do estabelecimento prisional, até ao dia 12.09.2017. A realização da primeira resolução criminosa cessou quando o arguido foi detido, em 8.2.2017, seguidamente apresentado ao juiz e colocado em prisão preventiva, e, em consequência, impedido de continuar a praticar os atos de tráfico de heroína e cocaína em que se traduzia a sua atividade criminosa desde fevereiro ou março de 2016. Após ter entrado no estabelecimento prisional, o arguido formulou um novo desígnio criminoso para voltar a praticar atos de tráfico de um produto estupefaciente diferente, no interior do estabelecimento prisional, reorganizando a sua atividade, com os seus colaboradores, de modo a adaptá-la às novas circunstâncias, assim a mantendo durante cerca de 7 meses.

Com a intervenção policial, interrompida a atividade criminosa anterior, foi definitiva e irreversivelmente quebrada qualquer possível continuidade entre as duas atividades de tráfico, independentemente da sua proximidade temporal. Havendo dois processos de decisão de delinquir, duas resoluções criminosas, consumadas em atividades separadas, distintas e autónomas, em contextos diferentes, que imprimem à segunda conduta um grau de ilicitude mais elevado, também por adição de um elemento de especialidade, embora em violação dos mesmos bens jurídicos fundamentais, impõe-se concluir que estas atividades se constituem em duas unidades típicas de ação, devendo, por conseguinte, concluir-se por um sentido de ilicitude plural, ou seja, pela pluralidade de crimes [como se decidiu no acórdão de 12.07.2006 (Armindo Monteiro), Proc. 06P1709, e nos acórdãos de 12.06.2002, Proc. nº 1087/2002, e de 03.07.2002, Proc. nº 1533/02, citados pelo Ministério Público]. Crimes a que correspondem penas distintas, não podendo, por conseguinte, os factos praticados a partir de 10.02.2017 se reconduzirem e compreenderem na unidade típica do ilícito integrado pelos factos cometidos anteriormente a essa data, julgados no processo n.º 2684/15.....

O que, remetendo para a problemática da unidade e pluralidade de crimes, nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, leva, desde logo, a concluir que os factos que integram estas duas atividades materialmente distintas e historicamente delimitadas, estes dois “substratos de vida”, preenchem, por duas vezes, diferentes tipos de crimes de tráfico de estupefacientes, que normativamente se posicionam, entre si, numa relação de especialidade – um crime de tráfico p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e um crime de tráfico agravado p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. h), do mesmo diploma, por ter sido cometido em estabelecimento prisional, elemento que afasta, quanto à atividade posterior a 10.02.2017, a aplicação do tipo legal fundamental do artigo 21.º, n.º 1.

Exclui-se, pois, como decidiu o acórdão recorrido e defende o Ministério Público, a possibilidade de violação do princípio “ne bis in idem”, consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição, segundo o qual ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime e de que resulta que o mesmo facto não pode ser valorado por duas vezes, que a mesma conduta ilícita não pode ser apreciada com vista à aplicação de sanção por mais do que uma vez (assim, acórdãos de 12.10.2022, Proc. n.º 277/08.3TAEVR.S1, e de 9.2.2022, Proc. 21461/21.9T8LSB.S1, em www.dgsi.pt).

16. Convoca, porém, o arguido a figura dos crimes de «trato sucessivo, exaurido e execução permanente» que se caraterizam por «se consumarem através de um só ato de execução», sucedendo que a conduta «se esgote nos primeiros atos de execução», para daí extrair a conclusão de que a anterior condenação no processo n.º 2684/15.... «integra os factos praticados pelo arguido (parágrafo 40º dos factos provados) e que aqui se procuram censurar

17. Como se tem sublinhado, sobretudo a propósito da reiteração de crimes sexuais, a figura do chamado “crime de trato sucessivo” (ou “exaurido”, em referência de identidade não rigorosa), sem consagração na lei, foi criada na jurisprudência para enquadramento das atividades de tráfico no tipo de crime de tráfico de estupefacientes, de modo a permitir considerar como preenchendo um só crime a prática de vários atos típicos, num mesmo e determinado período de tempo, a partir de uma única resolução criminosa. Com efeito, tanto no Código Penal, como no Código de Processo Penal, apenas estão elencadas, como categorias legais, o crime permanente, no artigo 119.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, o crime continuado, nos artigos 119.º, n.º 2, al. b), 30.º, n.ºs 2 e 3, e 79.º do Código Penal, e o crime habitual, no artigo 119.º, n.º 2, al. b), citado. “A única alusão a «actos sucessivos ou reiterados» de que há notícia, na ordem jurídico-penal portuguesa, está contida no artigo 19.º, n.º 3, do CPP, Código de Processo Penal, a respeito dos critérios de fixação da competência dos tribunais portugueses, em razão do território.» [assim, por todos, o acórdão de 22.01.2020, Proc. 430/16.6GABRR.S1 (Teresa Féria), em que se conclui pela inadmissibilidade da figura do crime de “trato sucessivo”, por violação dos princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade), ECLI:PT:STJ:2020:430.16.6GABRR.S1, e voto de vencido do Conselheiro Manuel Braz, no acórdão de 29.11.2012, Proc. nº862/11.6TDLSB.P1.S1, em www.dgsi].

Seguindo Helena Moniz (“Crime de trato sucessivo” (?), Julgar Online, abril de 2018, em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2018/04/20180411-ARTIGO-JULGAR-Crimes-de-trato-sucessivo-Helena-Moniz.pdf), integram o “crime de trato sucessivo”, segundo a jurisprudência, aqueles casos em que se possa afirmar a existência de uma unidade de resolução criminosa, uma “unidade resolutiva” (pretendendo com esta expressão, em detrimento daquela outra “unidade de resolução”, acentuar a existência de uma pluralidade de resoluções) e uma conexão temporal entre os atos realizados. «Analisando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se que a designação de crime de trato sucessivo começou a ser usada, de modo frequente, relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, logo na década de 80. Na verdade, entendeu-se (…) que estávamos perante “ilícitos que, na nossa doutrina, se tem estado a chamar de «crimes exauridos» (…), tendo-se considerado que o “crime exaurido” “é uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros atos de execução, independentemente de os mesmos corresponderem a uma execução completa, e em que a repetição dos atos, com produção de sucessivos resultados, é imputada a uma realização única”. A designação de crime exaurido “corresponde àqueles crimes em que, após a realização da conduta que já integra a consumação formal ou típica, ainda pode haver a produção do resultado que ainda interessa à valoração típica porque ligado aos bens jurídicos protegidos pelo tipo; é aquilo que se refere no art. 24.º, n.º 1, do CP, como resultado não compreendido no tipo”.

Esta caraterização levou a que o mesmo entendimento fosse transposto para o crime de tráfico de estupefacientes. «Na verdade, também no crime de tráfico de estupefacientes, antes mesmo do tráfico, são diversos os atos já punidos, havendo igualmente uma equiparação de uma tentativa à consumação: tanto é punido da mesma forma a venda de estupefacientes como o cultivo, por exemplo. E é esta ideia — a ideia de que o tipo pune múltiplos atos — que acabou por ser salientada pela jurisprudência relativa ao crime de tráfico de estupefacientes» [assim, o acórdão de 30.09.2015, Proc. n.º 272/11.5TELSB.L1.S1 (João da Silva Miguel), e jurisprudência nele citada, em www.dgsi.pt: “O crime de tráfico de estupefacientes constitui um crime de trato sucessivo, de execução permanente, mais comummente denominado de crime exaurido, em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros atos de execução, independentemente de corresponderem a uma execução completa do facto e em que a imputação dos atos múltiplos é atribuída a uma realização única, sendo a estrutura básica fundamental nestes crimes de empreendimento, a equiparação da tentativa à consumação”].

18. O artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, prevê e pune uma pluralidade de atos típicos: «cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações» compreendidas nas tabelas I a III anexas.

É esta pluralidade que a jurisprudência evidencia com a designação de crimes de “trato sucessivo”, que tanto podem dizer respeito a atos sucessivos ou simultâneos, afastando, desde logo, por incompatibilidade, a figura do crime continuado na realização de atos de venda, por conduzir à redução da pena quando a repetição desses atos impõe a agravação [acórdãos de 08.11.1995, Proc. n.º 47714 (Herculano Lima), de 16.02.1995, Proc. n.º 47309 (Nunes da Cruz) e de 17.01.1996, Proc. n.º 48694 (Andrade Saraiva)].

Assim se considerou, continua a mesma autora, que o crime de tráfico de estupefacientes punia uma atividade, integradora de múltiplos atos (acórdão de 15.02.1995, Proc. n.º 047621 (Ferreira Vidigal), em www.dgsi.pt], em que havia um aumento da culpa pela prática sucessiva de vários atos integradores do crime de tráfico de estupefacientes, “aquilo que o tipo legal já agrupava”, e punindo o agente “apenas por um único crime (tal como o legislador pretendeu quando construiu o tipo legal), todavia agravando a pena concreta à medida que a conduta se multiplicava e se prolongava no tempo”.

19. Da unificação operada pela figura do crime de “trato sucessivo” ressalvam-se, porém, as situações em que se podem agrupar múltiplos atos em “blocos temporais” distintos e a distância entre estes “blocos”, pela renovação da resolução criminosa, que determina a punição por diversos crimes de tráfico [assim, acórdão de 07.12.2011 (Rodrigues da Costa), Proc. n.º 111/10.4PESTB.E1.S1, em www.dgsi.pt].

Como se nota no acórdão de 30.09.2015, Proc. n.º 2430/13.9JAPRT.S1 (Raul Borges), em www.dgsi.pt, com abundante citação de jurisprudência, o crime único, de trato sucessivo, tem sido associado ao tráfico de estupefacientes, por constituir um crime de mera atividade, que se prolonga no tempo, e em que é “decisiva a conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente” (Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade de Infracções, p. 96).

Sendo o crime tráfico de estupefacientes um crime de múltiplos atos, o crime de trato sucessivo define-se na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça como uma “unificação das condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, quando existe uma mesma, uma só resolução criminosa, desde o início assumida pelo agente”.

20. Com efeito, é este o entendimento subjacente às duas condenações, neste processo e no processo n.º 2684/15.....

Em ambas as situações, se deparou o tribunal com uma sucessão ou pluralidade de atos típicos, de forma mais ou menos homogénea, que se repetiram ao longo dos períodos temporais em que se desenvolveram as atividades de tráfico em questão e, por essa razão, foi o arguido condenado por um único crime de tráfico em cada um dos processos. Só que os factos deste processo não podem integrar-se na atividade criminosa que constitui o crime objeto do processo n.º 2684/15...., por, no seu conjunto, constituírem, como se viu, um crime distinto daquele.

Pelo que, recorrendo à figura do crime de trato sucessivo (ou exaurido ou permanente, como refere o recorrente), também não se pode concluir que o comportamento global do arguido, documentado em ambos os processos, integra um único crime de estupefacientes.

Acresce que, para além de, para o efeito, ser irrelevante o momento de consumação antecipada pela prática do primeiro ato, que não excluiria da punição os atos subsequentes, tal visão das coisas importaria a completa impunidade dos atos de tráfico praticados a partir de 10.02.2023.

Assim sendo, se impõe concluir pela improcedência do recurso do arguido EE.

Do recurso do arguido BB – medida e natureza da pena

21. A crítica do recorrente dirige-se à medida da pena, de 6 anos de prisão, que considera exagerada, por alegadamente não ter respeitado os critérios do artigo 71.º do Código Penal, nomeadamente por não ser adequada “ao grau de ilicitude” da sua conduta e às exigências de prevenção especial e ter ultrapassado o limite da culpa.

Lembrando as conclusões do recurso (supra, 2.2), diz, no essencial e em síntese, que:

- Lhe “deve ser dada a possibilidade de comprovar à sociedade e a si próprio, que está disposto a refazer a sua vida, inserido na sociedade, necessitando para tal que a pena aplicada nos presentes autos seja reduzida para os cinco anos e suspensa na sua execução”;

- A condenação “é completamente desproporcional e desajustada à situação dada como provada nestes autos, e à colaboração prestada em sede de julgamento, nomeadamente através da confissão integral e sem reservas dos factos”,

- “As condenações anteriores sofridas fazem parte do passado, o que deveras agora importa é recuperar o tempo perdido”,

- “Neste momento tem uma adequada inserção familiar”, “estando plenamente motivado para orientar e reger a sua vida segundo os ditames do direito e do respeito pelos valores da sociedade” e “em meio prisional, tendo tomado consciência da ilicitude dos seus actos, apesar da sua anterior condenação pelo mesmo tipo de crime, é ainda possível, excepcionalmente, efectuar um juízo de prognose favorável no sentido de que a mera ameaça do cumprimento de uma pena de prisão será suficiente para o dissuadir da prática de novos ilícitos”, o que, a seu ver, justifica a suspensão da execução da pena, nos termos do artigo 50º do CP.

22. A decisão de aplicação da pena encontra-se assim fundamentada:

22.1. «Relativamente ao arguido BB ficou provado que nos períodos de trânsito pelo Estabelecimento Prisional ..., entre 17 de fevereiro e 13 de março de 2017, 6 de abril e 17 de abril de 2017 e 27 de abril e 3 de maio de 2017:

- partilhou gratuitamente com o arguido EE o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 10 vezes.

- partilhou gratuitamente com o arguido EE o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 10 vezes. Também vendeu ao arguido EE, pelo menos por 5 vezes, uma porção de haxixe com cerca de 12,5 gramas (1/8 de placa), pelo valor de 30€ cada, que este destinava ao seu consumo e cedência a reclusos consumidores;

- vendeu ainda a três outros reclusos não identificados, uma porção não apurada de haxixe;

- partilhou gratuitamente com um individuo não identificado de etnia ..., recluso da cela 7, o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 5 vezes;

- partilhou gratuitamente com um individuo não identificado, conhecido por GG, recluso da cela 7, o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 10 vezes;

- partilhou gratuitamente com um individuo não identificado, conhecido por HH, recluso da cela 6, o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 6 vezes;

- partilhou gratuitamente com um individuo não identificado, conhecido por II, recluso da cela 6, o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 5 vezes;

- partilhou gratuitamente com um individuo não identificado, conhecido por JJ, recluso da cela 6, o seu charro de haxixe, o que fez pelo menos 2 vezes.

- No dia 17 de abril de 2017 o arguido BB, ainda recluso, tinha na sua posse dois pedaços de canabis (resina) com o peso líquido de 0,066 gramas, suficiente para, no máximo, 1 dose individual diária, segundo os limites estabelecidos pela Portaria 94/96, de 26/03».

«Ambos os arguidos [BB e EE] agiram de modo deliberado, livre e consciente, conhecendo a natureza e as características da substância que detinham e/ou entregaram nas circunstâncias atrás descritas e o local onde se encontravam, atuando com conhecimento e vontade de toda a factualidade típica descrita.

Visto este quadro factual, pese embora a natureza do estupefaciente em causa (haxixe), a forma repetida e intensa das cedências e venda desta droga pelos arguidos BB e EE, no interior do estabelecimento prisional, onde se encontravam reclusos precisamente por tráfico de estupefacientes, são circunstâncias reveladoras da dimensão de um tráfico que, numa valorização global, se mostra de ilicitude acentuada e, portanto, proporcionalmente ajustada à moldura abstrata do crime de tráfico agravado, previsto nos termos das disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea h), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma, punível com pena de 5 a 15 anos de prisão.

A ilicitude da comprovada conduta destes dois arguidos vai além do tipo comum por se subsumir na descrição do tipo agravado previsto no art.24º, alínea h), do citado Decreto-lei n.º 15/93, ainda que as circunstâncias do artigo 24º só possam ser convocadas quando se verifique, como aqui ocorre, uma “gravidade exponencial de condutas que traduzam marcadamente um plus de ilicitude”.

O comprovado circunstancialismo, conhecido e querido pelos arguidos BB e EE, acrescentam exponencialmente à ilicitude do tráfico uma gravidade maior do que a suposta pela moldura abstrata do tipo comum.

Em suma, no quadro da globalidade complexiva do circunstancialismo fáctico apurado, a atuação dos arguidos configura:

- um crime de tráfico agravado de estupefacientes, previsto e punido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea h), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, relativamente aos arguidos BB e EE; (…)»

22.2. Foi afastada a aplicação do regime penal dos jovens adultos, nos seguintes termos:

«À data da consumação dos crimes, os arguidos BB e FF tinham menos de 21 anos idade.

Portanto, é aplicável, em abstrato, o regime especial para jovens, aprovado pelo DL 401/82, de 23 de setembro, cujo art.4º impõe uma atenuação especial da pena nos termos dos arts. 72.º e 73.º, sempre que ao jovem adulto for aplicável pena de prisão e houver sérias razões para crer que daquela resultam vantagens para a reintegração social do mesmo. (…)

Diferente em relação ao arguido BB, pois à data dos factos já se encontrava preso desde 29.06.2016 à ordem do processo n.º 132/15...., do JC Criminal ..., pela prática de um crime de tráfico agravado de estupefacientes, pelo qual viria a ser condenado por acórdão de 11.07.2017, transitado em julgado.

Desde a adolescência vivenciou rotinas tendencialmente desajustadas, assumindo comportamentos desviantes e de risco associados ao consumo de estupefacientes, o qual ainda atualmente, apresentando certa tendência para a desresponsabilização e um distanciamento emocional quanto aos factos aqui imputados.

Em meio prisional tem apresentado uma conduta nem sempre consentânea com as normas e regras institucionais. Em meio prisional inicialmente evidenciou dificuldades em manter-se abstinente do consumo de estupefacientes, desvalorizando a necessidade de qualquer tratamento/acompanhamento para esta problemática.

Assim, no caso não ocorrem fundadas razões no sentido de que a atenuação especial da pena de prisão facilitará a adequada defesa da sociedade e a prevenção da criminalidade por parte do jovem BB.»

22.3. Quanto à medida da pena

«Da Medida Concreta da Pena

(…) Quanto à determinação da medida da pena ter-se-á em consideração a culpa, mas também as necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir e as demais circunstâncias atípicas que deponham a favor e contra os arguidos, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena» (art.º 71º, n.ºs 1 e 2, do CP).

Consabidamente o consumo ilícito de droga constitui um dos flagelos dos nossos dias, afetando principalmente as camadas populacionais mais jovens, com prejuízo para o desenvolvimento físico e psíquico da pessoa humana, sendo além de juridicamente censurável, fonte criadora de desvio social e marginalidade social e cultural.

Por isso, independentemente da sua modalidade, ninguém duvidará da imperiosa necessidade de pôr termo ao tráfico de estupefacientes.

Por se refletir na pena, através da culpa, antes de mais, há que considerar, como fator de graduação daquela, a ilicitude típica que se afigura elevada no quadro da moldura abstrata do crime de tráfico agravado cometido pelo arguido EE. (…)

Menos grave quanto ao arguido BB, no concreto quadro da gravidade suposta pela respetiva moldura penal agravada, por ser menos intensa a atividade de tráfico comprovadamente exercida, com menor número de reclusos e ocasiões em que proporcionou o consumo de haxixe a terceiros.

Não é conhecido relevante suporte humano organizativo na atividade de tráfico do arguido BB.

Agrava o desvalor da ação a circunstância dos arguidos EE e BB serem reclusos. (…)

Ao tempo dos factos correspondentes, os arguidos EE e BB eram consumidores de estupefacientes, o que constitui um fator de risco de reincidência, quando comparado com os restantes arguidos, cujo consumo não lhe é conhecido à data da infração criminal.

A nenhum deles são conhecidos sinais exteriores de riqueza.

Em qualquer dos casos mitiga a gravidade do tráfico dos arguidos a circunstância de se tratar de canábis, tradicionalmente tida como droga leve.

Note-se, o dolo direto de todos os arguidos, mais acentuado pela extensão temporal e dimensão do tráfico dos arguidos BB e sobretudo do arguido EE.

O arguido BB tem uma condenação posterior por crime de tráfico agravado de estupefacientes, numa pena de 5(cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva que cumpre. (…)

O arguido BB cresceu num contexto familiar caracterizado por uma supervisão parental inadequada e alguma permissividade, fatores que, aparentemente, viriam a facilitar a sua inserção em grupos de pares com comportamentos desviantes e consumos de estupefacientes.

Com contactos precoces com o sistema de justiça juvenil e penal e dificuldades no processo de mudança, o arguido apresenta ser um jovem impulsivo e imaturo.

Em meio prisional tem exibido um comportamento nem sempre consentâneo com as normas e regras institucionais.

A aquisição de competências a nível escolar/profissional, bem como uma intervenção direcionada para a problemática aditiva e fraca capacidade de refletir sobre as consequências do seu comportamento apresentam-se como necessidades de intervenção no seu processo de reinserção social.

(…) todos os restantes arguidos (…) colaboraram de forma relevante para a descoberta da verdade, especialmente os arguidos AA e BB em face da dificuldade probatória dos factos por si relatados.”

A elevada taxa deste tipo de criminalidade e a necessidade de satisfação do interesse geral de restabelecer a segurança na comunidade e a saúde pública levantam bem alta a fasquia da prevenção (geral) e consequente necessidade da pena, embora a sua medida não possa ultrapassar a medida da culpa do agente.

Em suma, perante a gravidade da conduta delituosa, sem olvidar a amplitude da moldura penal considerada e a ausência de outras atenuantes de relevo, entende-se adequada às finalidades da punição, sem exceder a culpa dos arguidos: (…)

2.  a pena de 6(seis) anos de prisão para o arguido BB pela prática, sob a forma de autoria material, de um crime de tráfico agravado de estupefacientes (art.24º) (…)».

23. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto), relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Como se tem afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (cfr. Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º).

24. Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – fatores indicados nas alíneas a), primeira parte, e b) (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências e intensidade do dolo ou da negligência) e os fatores a que se referem a alínea a), parte final, e alínea c) (grau de violação dos deveres impostos ao agente, sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) –, bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – fatores indicados nas alíneas d), e) e f) (condições pessoais e situação económica do agente, conduta anterior e posterior ao facto, falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Na consideração das necessidades de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização, devendo evitar-se a dessocialização.

Como se tem sublinhado, é na determinação e consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação (cfr., entre outros, os acórdãos de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, cit.).

25. Não se suscita qualquer questão relacionada com a qualificação jurídica dos factos provados, relevante para a definição da moldura abstrata da pena aplicável, que constitui o primeiro momento do procedimento de determinação da pena.

Ao crime de tráfico de droga agravado por que o arguido vem condenado é aplicável uma pena de 4 a 12 anos de prisão, aumentada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo, ou seja, uma pena de 5 a 15 anos de prisão (artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. h), do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro).

Em síntese, dos factos provados resulta que a conduta do arguido se prolongou no tempo, durante três períodos, entre 17 de fevereiro e 13 de março de 2017, 6 de abril e 17 de abril de 2017 e 27 de abril e 3 de maio de 2017, em trânsito pelo Estabelecimento Prisional .... Nesses períodos vendeu 5 porções de haxixe ao coarguido EE, para consumo e cedência a outros reclusos consumidores, e 3 outras porções a outros consumidores, e partilhou o consumo dos seus “charros” de haxixe com outros reclusos pelo menos 28 vezes.

Mostra-se preenchida a circunstância de agravação da ilicitude descrita na alínea h) do artigo 24.º, como se decidiu no acórdão recorrido.

A previsão desta alínea reflete a alínea g) do n.º 5 do artigo 3.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas (Viena, 20.12.1988, RAR n.º 29/91 e DPR 45/91, de 6 de setembro), que visa assegurar que «os seus tribunais e outras autoridades competentes possam ter em consideração as circunstâncias factuais que conferem particular gravidade às infrações estabelecidas de acordo com o n.º 1 do presente artigo, tais como: (…) g) O facto de a infração ser cometida (…) num estabelecimento penitenciário (…)». Agravação que, na sua intenção, reflete a preocupação resultante do facto de o abuso de drogas ser um problema nas instituições penitenciárias que constitui um obstáculo à reinserção dos reclusos, os quais, pelo facto de o serem, podem, ao serem restituídos à liberdade trazer com eles problemas de dependência que não detinham quando da sua reclusão (como se nota no Comentário à Convenção – Commentary on the United Nations Convention Against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances 1988, United Nations, New York, 1998, https://www.unodc.org/documents/treaties/organized_crime/Drug%0Convention/Commentary_on_the_united_nations_convention_ 1988_E.pdf, p. 93).

26. No que respeita ao facto e ao modo de execução, a reiteração dos atos de tráfico, a revelar intensidade e persistência do dolo de realização múltipla do tipo de crime, nas suas diferentes modalidades, de detenção, cedência, venda e partilha de haxixe (substância extraída das folhas de cannabis sativa), associada ao facto de o arguido se encontrar em prisão preventiva por factos imediatamente anteriores de idêntica natureza, que determinaram a prisão, revelam um grau de ilicitude considerável, embora relacionado e condicionado pelas pequenas quantidades de produto estupefaciente transacionadas de cada vez, o que necessariamente se reflete na determinação da pena.

Como se salientou no acórdão de 26.02.2020 (Proc. n.º 150/18.7PEPDL.S1, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2020/07/sum_acord_penal_fevereiro.pdf):

«A circunstância de o produto em causa ser cannabis (resina), vulgarmente considerada como “droga leve”, não é suscetível de, por si só, produzir considerável efeito de atenuação, favorável ao recorrente, embora se deva reconhecer um efeito de danosidade do produto inferior a outras drogas consideradas “duras” colocadas em idêntico nível para efeitos de punição, dada a consideração de outros fatores». Esta substância (diz-se no acórdão de 30.11.2017, no Proc. 3466/11.0TALRA.C1.S3, em www.dgsi.pt) «inclui-se, atento o seu grau de periculosidade, na tabela I-C anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, entre os narcóticos e os alucinogénios, e na Tabela I anexa à Convenção Única de Estupefacientes de 1961, das Nações Unidas, tabelas que contêm as substâncias potencialmente mais perigosas. A distribuição das drogas pelas tabelas das convenções, nomeadamente pelas Tabelas I, II, III e IV da Convenção Única (…), leva em conta a sua gravidade, reconhecida cientificamente, e o consequente grau de controlo a que as submete. O Decreto-Lei n.º 15/93, como se nota no seu preâmbulo, não acolhe a distinção vulgarmente feita entre “drogas duras” (hard drugs) e “drogas leves” (soft drugs). Apesar de a distinção não ter relevância direta na definição típica dos crimes ou da moldura abstrata das penas correspondentes, (…) [há] que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respetiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social» (cfr., entre outros, os acórdãos de 30.4.2008, Proc. 07P4723, de 2.5.2015, Proc. 132/11.0JELSB.S1, e de 27.5.2012, Proc. 445/12.3PBEVR.E1.S1). (…) Os organismos e entidades internacionais com responsabilidades neste domínio têm sublinhado unanimemente, com base nas mais recentes investigações e estudos científicos, o seu elevado grau de danosidade social e para a saúde, nomeadamente quando associado a factores endógenos, embora menor que o oferecido por drogas de mais elevado potencial, como os opiáceos, bem como a sua importância crescente e dominante no negócio ilícito global do tráfico de drogas (como se pode ver no estudo “The health and social effects of nonmedical cannabis use”, de 2015, da Organização Mundial de Saúde, e nos relatórios do Órgão Internacional de Controlo de Estupefacientes estabelecido pela Convenção Única de 1961 – relatório de 2016 –, da UNODC – relatório de 2017 – e do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) – relatório de 2016, todos disponíveis na internet). O “Relatório Europeu sobre Drogas – Tendências e evoluções”, relativo ao ano de 2016, do OEDT, salienta que “novas estimativas revelam que a cannabis é responsável pela maior quota, em termos de valor, do mercado europeu de drogas ilícitas”, que “a produção de cannabis [se] transformou numa grande fonte de receitas para o crime organizado”, que “assistimos ainda a uma maior compreensão das implicações que o consumo de cannabis tem para a saúde e para a sociedade”, que “independentemente de se tratar de resina de cannabis ou de cannabis herbácea, os níveis de potência são os mais elevados de sempre”, o que “é um dado preocupante, pois implica um maior risco de os consumidores virem a sofrer de problemas de saúde agudos e crónicos”, que, “apesar de os problemas de saúde associados ao consumo de cannabis serem claramente menores” em comparação com “o consumo de drogas injectáveis (…), a prevalência elevada do consumo desta droga pode ter implicações na saúde pública”.

O Relatório de 2017 salienta que (…) “os níveis de potência global historicamente elevados de resina de cannabis e cannabis herbácea disponíveis na Europa, atingidos nos últimos anos, ainda se verificam, e que esta droga também continua a estar associada a problemas de saúde e é responsável pela maior parte de novos utentes nos programas de tratamento da toxicodependência na Europa”».

Neste mesmo sentido, salientando a complexidade do fenómeno do tráfico e do consumo, bem como os riscos para a saúde, pode ver-se o “miniguia” Cannabis: health and social responses, OEDT, 2021 (https://www.emcdda.europa.eu/publications/mini-guides/cannabis-health-and-social-respon ses_en).

27. Estes dados de caracterização do fenómeno do tráfico e do consumo de cannabis transmitem indicações importantes para a aplicação da lei penal, na perspetiva da proteção dos bens jurídicos pela incriminação, e para a justificação da necessidade da pena, bem como para consideração dos critérios da sua determinação e das finalidades (preventivas) que visam realizar-se pela sua aplicação.

Como tem sido sublinhado (assim, acórdão de 2.10.2014, Proc. 45/12.8SWSLB.S1, em www.dgsi.pt), o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato e pluriofensivo, protetor de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública.

«O bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões do tráfico é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, mais sinteticamente a saúde pública. (…) Em segundo lugar, estará em causa a protecção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras (…) com a existência desta economia paralela ou subterrânea erigida pelos traficantes» (Lourenço Martins, Droga e Direito, Aequitas/Editorial Notícias, 1994, p. 122).

A referência, no acórdão recorrido, a que a circunstância de se tratar de canábis “mitiga a gravidade do tráfico”, por se tratar de droga “tradicionalmente tida como droga leve”, não podendo desconsiderar a circunstância de este produto se incluir na previsão do n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, que, como se viu, não acolhe a distinção entre “drogas leves” e “drogas duras”, deverá, pois, entender-se como expressando a ideia de menor grau de danosidade para os bens jurídicos protegidos que o oferecido por drogas de mais elevado potencial, com reflexo na determinação da pena.

28. Pelo exposto, atentas as circunstâncias rigorosa e adequadamente tidas em conta no acórdão recorrido, relevantes para efeitos do disposto no artigo 71.º do Código Penal, e tendo em consideração que nele já foi especialmente valorada a forma relevante como o arguido colaborou para a descoberta da verdade, sendo o limite mínimo da moldura penal estabelecido em 5 anos, que corresponde ao limite máximo para efeitos de suspensão da pena (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal), e tendo a pena sido fixada em 6 anos de prisão, não se encontra fundamento em que se possa basear uma redução desta pena para aquela medida de 5 anos e sua posterior suspensão de execução, tendo em conta que tal suspensão apenas é admissível quanto a penas não superiores a 5 anos (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal).

Como também nota o Ministério Público, são muito elevadas as exigências de prevenção especial, que impedem a satisfação da pretensão do recorrente.

Pelo que deve o recurso improceder.

Do recurso do arguido CC – suspensão de execução da pena de prisão

29. O recorrente CC delimita o recurso à parte da decisão que não aplicou a suspensão da execução da pena de prisão, alegando, em síntese e no essencial, que “se encontra inserido familiar, social e profissionalmente”, que “tem vindo a ser acompanhado quanto a essa problemática [toxicodependência] e [se] encontra hoje curado”, que tem “3 filhos, todos eles menores e de tenras idades, todos vivendo e dependendo dele, tal como a sua companheira”, que se encontra em liberdade condicional, que “segundo a decisão do T.E.P. ..., concluiu um adequado processo de readaptação social, foram proporcionadas condições e oportunidades para se reinserir socialmente e aproveitou-as, mais se afigurando que é merecedor da oportunidade de prosseguir em liberdade uma vida honesta e que consiga continuar o percurso de recuperação aditiva”, que “tem bom comportamento prisional, enquadramento familiar no exterior, perspectivas de ocupação laboral, motivo pelos quais se poderá afirmar que concluiu com sucesso o processo de readaptação social”. Pelo que, conclui, “tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao eventual cometimento do ilícito penal em causa e às circunstâncias deste, configura-se ser evidente que ao arguido, ora Recorrente, não deve ser efectivamente aplicada uma pena de prisão efetiva, porque desajustada, desadequada e desproporcional ao caso concreto”, devendo antes suspender-se a execução da pena, ainda que sujeita a regime de prova.

30. A decisão de aplicação da pena encontra-se assim fundamentada:

30.1. Quanto à determinação da moldura abstrata da pena (incriminação):

Na matéria de facto provada é possível verificar diversos atos de tráfico realizados pelos arguidos, a saber: (…)

Dos arguidos CC, DD e FF

No dia 27 de abril de 2017 os arguidos EE e CC, companheiros das arguidas FF e DD respetivamente, encontravam-se reclusos no Estabelecimento Prisional ....

Nesse dia, cerca das 15h50, a arguida DD deslocou-se ao Estabelecimento Prisional ..., com a finalidade de visitar o companheiro, aqui arguido CC.

Imediatamente antes da arguida DD entrar no Estabelecimento Prisional, a arguida FF entregou-lhe, dissimulados num guardanapo de papel, quatro pedaços de canabis (resina) com o peso líquido de 5,020 gramas, sendo o seu grau de pureza de 14,1%, suficiente para 14 doses individuais diárias, segundo os limites estabelecidos pela Portaria 94/96, de 26/03, a fim de aquela entregar tal produto ao arguido CC e este, por seu turno, ao arguido EE, seu companheiro.

Sucedeu, como solicitado, que no decorrer da visita a arguida DD levou consigo e entregou ao arguido CC tal produto estupefaciente que, por sua vez, o escondeu no interior das sapatilhas que calçava.

Tal produto estupefaciente destinava-se a ser entregue pelo arguido CC ao arguido EE para que este o consumisse e procedesse à venda do mesmo aos reclusos consumidores de tal produto estupefaciente, o que o arguido CC bem sabia.

Todos estes arguidos agiram de modo deliberado, livre e consciente, conhecendo a natureza e as características da substância que detinham e/ou entregaram nas circunstâncias atrás descritas e o local onde se encontravam e/ou destinava, atuando com conhecimento e vontade de toda a factualidade típica descrita. (…)

(…) trata-se de um ato isolado de tráfico, no caso a detenção/guarda de haxixe, droga tida como leve, numa quantidade reduzida e durante um período de tempo curto. (…)

No caso concreto, pese embora o local da infração (estabelecimento prisional) e a circunstância dos arguidos (…) e CC ali serem reclusos (o que agrava o desvalor da ação), (…) são atenuantes fortes a natureza e a pequena quantidade do estupefaciente detido, bem assim o facto de se tratar de um ato isolado, sem que algum dos arguidos tivesse em vista a obtenção de lucro para si (pelo menos não ficou provado que assim fosse).

Estas circunstâncias atenuantes emprestam à imagem global do facto uma ilicitude acentuadamente diminuída.

Estamos perante um caso em que a maior ilicitude [por o crime ter sido praticado num estabelecimento prisional] é “neutralizada” pela menor ilicitude decorrente da verificação daquelas circunstâncias atenuantes. (…)

Deste modo, com referência à data da prática dos factos, os arguidos (…) CC e (…) constituíram-se autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto pelo art.25.º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, punível com pena de prisão de 1 a 5 anos (…).

30.2. Quanto à medida concreta da pena

“(…) apenas é conhecida a detenção e/ou entrega de haxixe, em quantidade não elevada, numa situação isolada, agravando o desvalor da ação a circunstância dos arguidos CC e (…) serem reclusos, o primeiro pelo mesmo tipo de crime (tráfico de estupefacientes). (…)

A nenhum deles são conhecidos sinais exteriores de riqueza.

Em qualquer dos casos mitiga a gravidade do tráfico dos arguidos a circunstância de se tratar de canábis, tradicionalmente tida como droga leve.

Note-se, o dolo direto de todos os arguidos (…)

Contra o arguido CC milita a circunstância de na data dos factos ter já uma condenação por crime de tráfico de estupefacientes (processo nº 1013/14....), sobrevindo-lhe uma outra no PCC n.º 2684/15.... pelo mesmo tipo de crime em concurso com um crime rodoviário, ambas em pena de prisão. (…)

O arguido CC, é proveniente de um meio familiar de etnia ..., sendo o único elemento a ter contacto com o sistema de justiça.

Constitui família em idade muito jovem, sem qualquer condição material e competências pessoais para a assunção efetiva de responsabilidades, uma vez que não possui uma ocupação regular.

A nível criminal estabeleceu contacto com o sistema judicial por crime de natureza idêntica ao do presente processo, ao qual foi condenado tendo evidenciado dificuldades no cumprimento de obrigações, encontrando-se, à data da prisão, condenado numa pena suspensa na execução de 14 meses que lhe viria a ser revogada.

Em termos individuais revela ser um individuo com reduzido sentido de responsabilidade e fraco juízo crítico.

Existem alguns fatores de risco de reincidência criminal, nomeadamente, consumos de haxixe, antecedentes criminais, bem como, as suas características pessoais, anteriormente esplanadas.

Acresce a postura de desvalorização do arguido perante os seus comportamentos criminais, circunstância que nos leva a considerar existir uma deficitária interiorização do desvalor dos ilícitos praticados e finalidade da respetiva pena.

CC evidencia necessidades de intervenção que deverão ser trabalhadas através de estratégias de mudança, interna e externa, direcionadas essencialmente para a responsabilização, motivação para a alteração de atitudes e desenvolvimento da capacidade critica e de descentração com vista a interiorização dos valores que regem a normatividade social, bem como, a integração de um programa terapêutico.

Em suma, perante a gravidade da conduta delituosa, sem olvidar a amplitude da moldura penal considerada e a ausência de outras atenuantes de relevo, entende-se adequada às finalidades da punição, sem exceder a culpa dos arguidos: (…)

4.    a pena de 3(três) anos de prisão para o arguido CC pela prática, sob a forma de autoria material, de um pelo crime de tráfico de menor gravidade p. e p. no art. 25.º, al. a), do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro; (…).”


30.3. Quanto à substituição da pena de prisão:

“Em abstrato, as penas de prisão aplicadas aos arguidos CC, (…) e (…) consentem a sua substituição.

Contudo, a suspensão de execução da pena de prisão só pode e deve ser cominada quando a simples censura do facto e a ameaça da pena realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, sabido que estas se circunscrevem à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal.

É em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e prevenção especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão.

Seguindo de perto a impressiva clareza do Ac. STJ 14-05-2014 (BBBB) www.dgsi, para suspensão da execução da pena “é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos. Em segundo lugar, é necessário que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade”.

Essencial é que as exigências mínimas de prevenção geral fiquem também satisfeitas com a aplicação da pena de substituição.

São muito elevadas as necessidades de prevenção geral que no caso se fazem sentir, já que este tipo de criminalidade tem uma especial ressonância social.

Necessidades de prevenção geral decorrentes do maior sentimento de repulsa da comunidade no domínio destes crimes e do alarme social que lhe está hoje associado.

Há, portanto, fortes expectativas comunitárias no poder contrafáctico das normas que cumpre respeitar e cuja vulneração impõe que a sanção a aplicar atinja a severidade correspondente à sanação dessa lesão, justificando resposta punitiva firme.

Do arguido CC

Ora, quanto ao arguido CC afigura-se que o fator de risco associado ao histórico aditivo do mesmo, os seus antecedentes criminais e a circunstância do crime de tráfico ter sido praticado em meio prisional, pouco tempo depois de ali ter ingressado e onde se encontrava recluso pela prática desse mesmo crime, tendo o mesmo já duas condenações anteriores, são factos reveladores de que a suspensão da execução da pena não lhe servirá de advertência bastante para evitar o cometimento de novos crimes.

A suspensão da execução da pena por tráfico de estupefacientes na cadeia quando o mesmo arguido tem várias outras condenações por tráfico de estupefacientes, além do alarme social, cria no sentimento jurídico comunitário a maior repulsa e sinal de fraqueza do sistema jurídico penal quando o arguido já demonstrou que aquela e outras penas não detentivas não lhe serviram de advertência bastante para evitar o cometimento de novos crimes.

O cometimento do crime agora conhecido, pouco tempo depois de entrar na cadeia pelo mesmo crime de tráfico de droga, são a prova provada do insucesso das medidas (probatórias) não detentivas em vista das finalidades da respetiva punição.

Aliás, o juízo de prognose favorável teria de se fundamentar em factos concretos que apontassem de forma clara na forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de atos ilícitos.

Ora, no caso não se vislumbram fatores atenuativos que permitam uma visão benevolente sobre o comportamento do arguido CC, solução que a sociedade jamais aceitará novamente, sobretudo depois de ver atestada a incapacidade da suspensão da pena no processo nº1013/14.... para fazer reverter o percurso criminoso do mesmo, como sendo suficiente para proteger os bens jurídicos lesados.

Nesse quadro não é de aceitar que da mera advertência da condenação possa agora resultar uma alteração do seu modo de vida, justificando-se um juízo de prognose social favorável quanto à sua futura conduta.

As necessidades de defesa do ordenamento jurídico e a tutela dos sentimentos de credibilidade e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais impõem no caso que o arguido CC cumpra a pena de prisão (efetiva) aplicada.”

31. Os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão vêm enunciados no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal. Nos termos deste preceito, «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

Pressuposto formal da suspensão da execução da pena de prisão é, pois, que a medida desta não seja superior a 5 anos; pressuposto material é que o tribunal conclua por um prognóstico favorável quanto ao comportamento do arguido, ou seja, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Para a formulação de um tal juízo, ao qual não podem bastar a personalidade do agente e as circunstâncias do facto, o tribunal deve ainda atender às suas condições de vida e à sua conduta anterior e posterior ao facto.

Circunscrevendo-se as finalidades da punição, de acordo com o artigo 40.º do Código Penal, à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, é em função de considerações de natureza exclusivamente preventivas – de prevenção geral e de prevenção especial – que o julgador tem de se orientar na opção em causa. A decisão de suspensão corresponde a um poder-dever, ou seja, a um poder vinculado do julgador, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, sendo o prognóstico realizado com referência ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto. De notar que o que está em causa não é qualquer “certeza”, “mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda”; “havendo razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada” (assim, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, §§ 515-521, p. 341-344), e Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 8.ª ed., 1995, p. 314; por todos, na jurisprudência consolidada deste Tribunal, o acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2012, de 24.10.2012, DR Série I, de 24.10.2012).

32. A fundamentação da decisão recorrida, como se comprova pela transcrição efetuada (supra, 30.3), evidencia uma ponderação, na data em que foi proferida (em junho de 2021), dos elementos relevantes para a verificação do pressuposto material da suspensão. As circunstâncias do facto, praticado após o ingresso em estabelecimento prisional em execução da prisão preventiva por crime de idêntica natureza, as condições pessoais em que o crime foi praticado e os fatores de risco de reincidência, então identificados, nomeadamente o facto de se tratar de um consumidor de haxixe, bem como as condenações anteriores por outros crimes de tráfico, um deles durante o período de suspensão de uma pena de prisão que, por esse motivo, foi revogada, suscitaram fundadas dúvidas sobre a capacidade do arguido não voltar a cometer crimes. O que, tendo em conta as caraterísticas desvaliosas de personalidade reveladas no facto e nestas circunstâncias, obstou, como se decidiu no acórdão recorrido, à formulação de um juízo favorável à suspensão.

Dos factos provados resultam, porém, elementos posteriores que devem agora ser positivamente ponderados.

Com efeito, deles se extrai que o arguido CC, nascido a .../.../1995, tinha 21 anos de idade à data dos factos, tem hoje 27 anos, esteve preso mais de 4 anos e 3 meses em cumprimento de pena à ordem do processo 2684/15...., desde 06.02.2017, gozou de licença de saída jurisdicional e saiu em liberdade condicional em .../.../2021, data em que esta lhe foi concedida pelo período decorrente até ao termo da pena, e que, em meio prisional, teve um comportamento de acordo com as regras, salvo no que respeitou à detenção não autorizada de um telemóvel, mantendo ocupação e recebendo visitas semanalmente dos seus pais e da sua irmã (pontos 77-80 dos factos provados).

Tendo em conta estas circunstâncias, as condições pessoais e familiares descritas nos factos provados (pontos 62-75 dos factos provados) e que os factos por que foi condenado, que se traduziram num ato isolado de tráfico de reduzida gravidade, ocorreram há cerca de 6 anos, sendo de evitar uma interrupção do processo de reintegração na atual situação de liberdade condicional, que resultaria num fator de dessocialização, e não havendo conhecimento de motivos que atualmente, face a indicações positivas de evolução da sua personalidade em cumprimento da pena anterior, afastem a possibilidade de um juízo favorável, julga-se haver base suficiente para se fundar a esperança e concluir que, nas condições atuais, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Assim, altera-se a decisão recorrida, suspendendo-se a execução da pena de prisão pelo período de 3 anos.

Tendo em atenção a presença de fatores pessoais, sociais e familiares suscetíveis de comprometer a realização das finalidades da punição, julga-se conveniente e adequado determinar que a suspensão seja acompanhada com regime de prova assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social, em articulação com o regime de liberdade condicional, nos termos dos artigos 50.º, 53.º e 54.º do Código Penal.

Termos em que se concede provimento ao recurso.

Quanto a custas

33. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A condenação em taxa de justiça é sempre individual e o respetivo quantitativo é fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.

A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Nestes termos, havendo decaimento, considera-se adequada a condenação de cada um dos recorrentes em 5 UC.

III. Decisão

34. Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça (3.ª Secção) decide:

a) Julgar improcedentes os recursos dos arguidos EE e BB, mantendo as decisões recorridas.

b) Julgar procedente o recurso do arguido CC e, em consequência, alterar a decisão recorrida, suspendendo a execução da pena de 3 anos de prisão que lhe foi aplicada pelo período de 3 anos, com acompanhamento de regime de prova assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social, em articulação com o regime de liberdade condicional em que se encontra, nos termos dos artigos 50.º, 53.º e 54.º do Código Penal.

c) Condenar os recorrentes EE e BB em custas, fixando em 5 UC a taxa de justiça a pagar por cada um deles.

Supremo Tribunal de Justiça, 15 de março de 2023.


José Luís Lopes da Mota (relator)

Paulo Ferreira da Cunha

Maria Teresa Féria de Almeida