Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4016/13.9TBVNG.P1.S3
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VIOLAÇÃO DE LEI
LEI PROCESSUAL
ERRO DE JULGAMENTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
CONFISSÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 12/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA NORMAL. REMETIDO À FORMAÇÃO
Sumário : I. A reapreciação da decisão de facto impugnada, por parte da Relação, não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica a reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de o tribunal de recurso formar a sua própria convicção em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.

.II. O exercício desse poder-dever cognitivo é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça em termos de verificar se foram observados os parâmetros formais ou balizadores da respetiva disciplina processual.

III. A análise crítica da prova exigida nos termos do n.º 4 do artigo 607.º do CPC não requer uma exposição exaustiva e de pormenor argumentativo pro-batório, mas tão só a especificação seletiva das razões que, por via dessa análise crítica, se revelem decisivas para a formação da convicção do tribunal.

IV. Nesse domínio, compete ao tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova prescrito no n.º 4 do indicado artigo 607.º, mas já não imiscuir-se na valoração da prova feita segundo o critério da livre e prudente convicção do julgador, genericamente editado no n.º 5 do artigo 607.ºdo CPC.

Decisão Texto Integral:  

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório

1. AA (A.) instaurou, em …/05/2013, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB (1.ª R.) e contra CC e cônjuge DD (2.ºs R.R.), alegando, em síntese, o seguinte:

. Pertence ao A. a propriedade de um imóvel integrado pelos artigos rústicos 1583.º e 1585.º, do qual fazia parte de um prédio urbano sito na Rua …, em …, …, …, inscrito na matriz sob o artigo 541 (urbano) e uma terra de cultura, sito em …, inscrito sob a matriz 1584.°, constituindo toda a descrição predial n.º 37998 e, atualmente, a descrição predial n.º 192 da … Conservatória do registo predial de …,

. Tal prédio foi herdado pelo A. e sua mãe, a 1.ª Ré BB, sendo depois partilhado, ficando o A. com 1/5 do mesmo, e dividido em … /06/2012, por escritura de divisão de coisa comum,

. Porém, em …/05/2008, a 1.ª R., mãe do A., outorgou escritura pública de justificação notarial e de compra e venda, na qual declarou que o referido prédio rústico lhe havia sido doado verbalmente, em 1970, pelos seus pais, já falecidos, nele tendo construído, em 1977, um prédio urbano composto de casa de um só piso e logradouro, ali declarando também vendê-lo aos 2.ºs R.R., que acabaram por ocupá-lo, nele construindo a sua habitação.

Pediu o A. que:

a) – Fosse considerado impugnado o facto justificado na escritura de justificação outorgada em …/05/2008;

b) – Fosse declarada a ineficácia daquela escritura;

c) – Fosse ordenado o cancelamento de quaisquer registos efetuado ou a efetuar, tendo por título a mesma escritura;

d) – Fosse declarado que o prédio em causa, atualmente urbano sob o art.º 2148.°, foi construído no terreno que fazia parte da herança do pai do A., EE, o qual, na partilha a que se procedeu pelo óbito deste, estava inscrito sob o art.º 198.º da matriz rústica da freguesia de …, …, atualmente inscrito sob o artigo 1583.°, e registado na … Conservatória do Registo Predial de …, aquando dessa partilha, sob as descrições n.ºs. 22.437 e 37.998, mas atualmente descrito sob o n.° 3729 daquela Conservatória, e que, no inventário a que se procedeu, foi adjudicado aos filhos menores do falecido, incluindo o A., que hoje é o seu único proprietário.

e) – Fosse declarado nulo ou anulável o ato de compra e venda exarado na sobredita escritura de …/05/2008, da qual consta que a 1.ª R. vendeu aos 2.ºs R.R. e estes compraram o identificado prédio de que ela não tinha qualquer posse nem do mesmo era proprietária e que dos mesmos não recebeu o preço nele declarado;

f) – Fossem condenados os R.R. a entregar ao A. o referido prédio livre de pessoas e bens e ordenado o cancelamento de quaisquer registos que sejam titulados por aquela escritura de compra e venda.

2. Só os 2.ºs R.R. apresentaram contestação-reconvenção, requerendo ainda a intervenção principal ativa dos irmãos do A., FF, GG, HH, II e respetivos cônjuges, sustentando que:

. O imóvel em causa foi prometido vender pela 1.ª R., mãe do A., e pelos irmãos deste, em 1984;

. Desde então, os R.R. contestantes estão na posse do mesmo, adquirindo-o por usucapião;

. Os mesmos R.R. realizaram obras de ampliação melhoramentos da pequena casa que existia naquele prédio, benfeitorias estas de que, na hipótese de proceder o pedido de entrega do imóvel, pretendem ser ressarcidos.

Pediram os 2.ºs R.R. que:

a) – Fosse reconhecido o seu direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 2148.° e respetivo logradouro com a área de 2.323 m2, sito na Rua …, …, …, …, incluindo tudo o que aí foi construído pelos R.R., registado a seu favor, na … Conservatória do Registo Predial de …, em virtude de o terem adquirido por usucapião;

b) – Fosse o A. condenado a abster-se de praticar no prédio atos lesivos desse direito de propriedade;

c) – Fosse declarada a nulidade da escritura de divisão de coisa comum e adjudicação ao A. relativa ao prédio inscrito à matriz sob o artigo 1583.º e descrito na referida Conservatória com o n.º 3729-…, efetuada pela escritura pública outorgada no dia …/06/2012, no Cartório Notarial de …;

d) – Fosse ordenado o cancelamento do registo, a favor do A., do prédio inscrito na matriz sob o artigo 1583.º e descrito sob o n.º 3729-…, ap. 2…22 de 2012/06/…, da … C. R. P. de …;

E pediram, subsidiariamente, para o caso de improcedência do acima referido e do abaixo sucessivamente pedido, que:

e) – Fosse proferida sentença, nos termos 830.º do CC, que produzisse os efeitos da declaração negocial do A. e restantes intervenientes, nomeadamente a venda ao 2.º R. dos prédios inscritos à matriz sob o artigo 1583.º e 2.148.º descrito sob o n.º 3729 - …, na mesma … Conservatória, de forma a dar-se cumprimento ao que ficou estabelecido no contrato-promessa de compra e venda outorgado entre o 2.º R., o A., a 1.ª R. e os intervenientes, a …/05/1984;

f) – Fossem condenados o A. e os intervenientes, outorgantes do contrato promessa, a pagar aos 2.ºs R.R. a quantia de € 300.000,00, acrescida de juros legais, desde a notificação ao A. e a citação dos intervenientes, até efetivo pagamento, correspondente ao valor atual do prédio, estando já deduzido o preço convencionado e a restituição do montante pago pelos R.R., por incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e venda com culpas imputáveis ao A. e irmãos intervenientes;

g) – Fossem o A. e irmãos intervenientes condenados a pagar aos 2.°s R.R./Reconvintes a quantia de € 320.000,00, acrescida de juros legais, desde a notificação do A. e da citação dos intervenientes, até pagamento efetivo a título de indemnização pelas benfeitorias efetuadas e valorização do prédio objeto do contrato promessa de compra e venda, no montante de € 280.000,00 e dobro do sinal (2x € 20.000,00) = € 40.000

Pediram, por fim, a condenação do A., como litigante de má-fé, em multa e em indemnização.

3. O A. deduziu réplica, respondendo à matéria da reconvenção, concluindo pela sua improcedência e reiterando o inicialmente peticionado.

4. Entretanto, tendo a 1.ª R. falecido sem que ninguém pudesse ser tido por habilitado para prosseguir a causa em sua representação, em sede de saneador, foi julgada extinta a lide relativamente aos pedidos respeitantes à impugnação da justificação notarial deduzidos pelos A. enunciados nas alíneas a), b) e c) do ponto 1, conforme decisão de fls. 250-251, de …/03/2015. 

5. No decurso da audiência final, o A. requereu a ampliação do pedido no sentido de ser declarado que a propriedade do imóvel inscrito sob a matriz 2148.º abranja a obra implantada no terreno do mesmo.

Por sua vez, os 2.ºs R.R. deduziram também ampliação do pedido reconvencional, no sentido de lhes ser reconhecido o direito de propriedade do prédio urbano inscrito na matriz sob o ar.º 2148, sito na Rua …, n.° …, …, …, e o prédio rústico inscrito à matriz antiga sob o art.º 198, atual 1583, e de ser ordenado o cancelamento do registo, a favor do A., do prédio inscrito à matriz antiga sob o art.º 1583.

6. Realizada a audiência, foi proferida a sentença de fls. 434-563, de 28/06/2016, a julgar a ação parcialmente procedentes a ação e a reconvenção, decidindo-se:

A - Quanto à ação, ordenar o cancelamento do registo de aquisição do direito de propriedade descrito na … Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 3…20/200…03, a favor do R. CC, absolvendo-se os R.R. de todos os restantes pedidos formulados pelo A..

B – Quanto à reconvenção;

i) – Declarando-se que os 2.ºs R.R., CC e mulher, são os proprietários do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 2148.º e logradouro sito na Rua …, n.º …, …, …, registado a favor do R. na referida Conservatória sob o n.º 3…20/200…03 de …/12/1987.

ii) – Ordenando-se o cancelamento do registo de propriedade, a favor do A., do indicado prédio descrito sob o n.º 3729-…, ap. 2722 de 2012/06/… daquela Conservatória.

  6. Inconformado, o A. recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, em sede impugnação da decisão facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 667-693, de 27/07/2017, no âmbito do qual foi rejeitado o recurso quanto a impugnação da decisão de facto (fls. 686) e, no mais, improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.            

7. Interposta revista, foi a mesma concedida, no sentido de anular o acórdão recorrido e determinar a baixa do processo à Relação com vista a convidar o Recorrente a aperfeiçoar as conclusões e, em caso disso, conhecer do objeto da apelação sobre a impugnação da decisão de facto, conforme acórdão de fls. 836-842, de …/04/2018.

  8. Aperfeiçoadas que foram tais conclusões, foi proferido o acórdão de fls. 879-907, de …/07/2019, aprovado por unanimidade, no qual foi apreciada a matéria de facto impugnada, que foi mantida (fls. 900), julgando-se, no mais improcedente a apelação com a confirmação da sentença recorrida.

 9. Desta feita, veio o A. interpor revista, em primeira linha, por via normal e, subsidiariamente, a título excecional, formulando, no essencial, as seguintes conclusões: 

1.ª – O acórdão recorrido, ao sufragar a sentença da 1.ª instância violou, de uma forma manifestamente grave, normas do direito substantivo quer normas processuais, no que concerne à sua interpretação, e aplicação, o que conduziu a flagrante erro de julgamento e, consequentemente, à errada determinação das normas, tal como se alega, tendo, pois, por fundamento o que dispõe o art.º 674.º do CPC que aqui invoca;

2.ª - O art.º 679.º do CPC determina que ao recurso de revista são aplicáveis as disposições relativas ao julgamento da apelação, dispondo o art.º 682.º do diploma citado os termos em que julga o Supremo Tribunal de Justiça;

3.ª - É interposta revista, não tendo o Recorrente quaisquer dúvidas que o acórdão violou, como já a 1.ª instância, o disposto no art.º 607.º do CPC, pois que, contrariamente ao disposto pelo n.º 3 deste preceito, nele melhor se surpreendem uma discriminação completa dos fundamentos, bem como preterindo a disciplina dos n.ºs 4 e 5 do mesmo preceito, omitindo a análise crítica das provas, e outros elementos em que se forma a sua convicção, preterindo frontalmente o que os R.R. expressamente confessaram quanto ao “animus possidendi” em violação clara do n.º 5 do art.º 607.º do CPC;

4.ª - Impunha-se ao Tribunal recorrido, como dispõe o n.º 1 do art.º 662º do diploma citado, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto e, consequentemente, aplicar o direito que ao caso coubesse quando considerando os factos assentes e toda a prova produzida conduza a uma decisão contrária; não o fazendo, deixou de aplicar o disposto no citado n.º 1 do art.º 662º;

5.ª – O mesmo se diga por falta de aplicação quer do disposto no n.º 2 do artº 663.º que lhe impõe a disciplina do art.º 607.º que o acórdão deixou de considerar nos autos;

6.ª - Com efeito, o Recorrente não consegue atingir as razões, a argumentação defendida no acórdão recorrido, quando expressamente os R.R. aceitam, confessando, que o prédio é do A. e seus irmãos e sempre assim foi, pelo que conforme invocam sob os n.ºs 25 e 26 do corpo das alegações tais declarações traduzem uma verdadeira confissão judicial, pois foi prestada nos presentes autos, e por ela é feito o reconhecimento de que os R.R. não são proprietários dos prédios, mas antes o A. e seus irmãos;

7.ª – O Tribunal recorrido violou, por errada interpretação e falta de aplicação, o n.º 2 do art.º 355.º e o art.º 352.º do CC, sendo que tal declaração confessória é inequívoca e, face às demais declarações, as circunstâncias que também os R.R. prestaram nos seus depoimentos, é suficientes e eficaz, pois que a mesma não se reporta ao início da ocupação dos prédios como, de resto, ao ser declarado que sempre reconheceram o A. e, irmãos como proprietários dos mesmos, pelo que a apreciação feita do acórdão sobre o ponto 20, na parte que dá como provado que os R.R. usam os prédios sem oposição de ninguém, incluindo o A. e intervenientes, na convicção de estarem a exercer um direito que lhes assiste como se fossem donos do imóvel, aliás, não se alcançando os fundamentos em que consideram tais respostas descontextualizadas e relacionadas com o momento em que o R. adquiriu o domínio sobre os prédios.

8.ª - Ao contrário, todo o contexto em que se desenvolvem os atos e declarações e posteriores diligências dos RR. para a marcação da escritura demonstram com clareza que os RR. não ocupavam os prédios na convicção de lhes pertencerem, antes sendo do A. e irmãos, pelo que o acórdão violou por má interpretação e falta de aplicação os artigos 358.º, n.º 1, e 361º do CC, pelo que tal matéria, não sendo de apreciação livre, impunha-se ao Tribunal alterar esse segmento quanto ao animus, como vem alegado no sentido de não provada essa matéria do ponto 20, nem tal matéria podia ser julgada provada.

9.ª – O Recorrente apenas entende com surpresa e espanto que a argumentação expendida no acórdão quanto ao que refere ser produzida fora do contexto simplesmente para, por uma questão de facilitismo, e, assim, se chegar à dupla conforme, e, assim pôr ponto final aos autos.

10.ª - O Tribunal da Relação demitiu-se da obrigação que lhe impõe o n.º 1 do art.º 662.º do CPC, ao não alterar a decisão sobre o referido segmento do ponto 20 da matéria de facto, quer violando o n.º 1 deste preceito ou para a hipótese de ser considerada deficiente a confissão, e, todos os atos circunstanciais para que os autos nos remetem, e de que nos dão nota, anular a decisão, e, ordenar a produção da prova, quanto a tal facto e, saber qual o verdadeiro sentido do depoente, omitindo, pois, o disposto nas alíneas (…)

11.ª - A sentença incorreu em notório erro de julgamento no que respeita à matéria de facto impugnada tal como atrás se invoca;

12.ª - Igualmente, deixou de conhecer da exceção da prescrição suscitada pelo A. no que concerne aos direitos que o R. pretende exercer;

13.ª – Também não se pronunciou sobre a validade nem sobre as nulidades que o A. suscitou quanto às escrituras de justificação notarial e de compra efetuada pelo R. marido;

14.ª - A sentença, ao julgar provada a matéria de facto não considerou nem julgou a matéria do n.º 1 da fundamentação aí espelhada no que respeita à escritura de justificação notarial nem à compra e venda dos R.R., em que figura como vendedora a R. BB;

15.ª - Não o tendo feito, não podia ser ordenado o cancelamento da inscrição predial n.º 3220 referida em 1-1 da parte decisória, pois que o título que lhe serviu de assento não foi anulado;

16.ª - Do mesmo modo, no que ao objeto do litígio e aos temas de prova concerne, o Tribunal omitiu o que o A. invocou sob os artigos 31º, 32º, 33º, 34º, 85º e 87º da réplica, pois que era matéria relevante para a discussão da causa no que respeita às obras, benfeitorias e, consentimento dado ou não pelo A., que o Mm.º Juiz não trouxe a debate;

17.ª - Do mesmo modo, não se pronunciou sob a validade do registo do prédio rústico inscrito na matriz rústica sob o art.º 1385º deixando de apreciar o teor e os efeitos dos documentos de fls. 60 a 64 e de fls. 80, deixando, pois, de concluir que essa inscrição faz presumir que o direito do A. existia e existe conforme deles resulta;

18.ª - Não existiam quaisquer dificuldades na realização da escritura a celebrar entre A. e irmãos com o R., pois que o prédio estava descrito e a escritura de divisão de coisa comum não prejudicou ou visou prejudicar o R. e, só quando o A. e irmãos julgaram incumprido o contrato pelo R., foi realizada;

19.ª - O contrato promessa não constitui fundamento para efeitos de usucapião, pois que, apenas, com base nele se constitui um direito de crédito, e não da propriedade, sendo os RR. uns meros possuidores;

20.ª - Os RR. nunca utilizaram o imóvel na convicção de serem seus proprietários e no exercício dos correspondentes direitos;

21.ª - O A. e intervenientes nunca se demitiram dos seus direitos de que se arrogaram sempre perante quem quer que fosse e perante os RR. nem nada obstava à celebração do contrato prometido que o R. reiteradamente declarava ir cumprir enganando os irmãos e o A.;

22.ª - O preço em falta representa para o A. e irmãos um valor substancial de que necessitavam não tendo prescindido do mesmo, pelo que mantiveram sempre a titularidade do imóvel que em termos de avaliação desde janeiro de 1985 até final de agosto de 2019 representa 18.991,59;

23.ª - Os RR. nunca se arrogaram do direito de proprietários do imóvel, pelo que carecem do requisito do animus sem o que a posse é precária, o que determina que os RR. sejam meros detentores do prédio, e não seus possuidores, visto que não se deparam quaisquer dúvidas sobre a posse do A. e irmãos que sempre invocaram sobre o imóvel que o R. adquiriu não por usucapião.

24.ª - Mas de uma forma ardilosa como bem se espelha nos autos, posto que ele aceitou que a 1.ª R. fosse dona do imóvel há mais de 20 anos à data das escrituras mencionadas no n.º 1 da fundamentação da matéria de facto;

25.ª - Os RR. ocuparam o imóvel de uma forma precária e apenas por mera tolerância do A. e intervenientes;

26.ª - Os R.R. litigam de má fé.

27.ª - A sentença, ao não conhecer da nulidade ou ineficácia da escritura de justificação notarial e da compra e venda do R. contém as nulidades previstas na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC e a nulidade da al. c) do mesmo artigo, pois que, ao determinar o cancelamento da inscrição n.º 3.220 não especificou os fundamentos de facto, e, pelo que em conformidade com a al. c) a dita al. b) é nula, violando e interpretando várias normas;

28.ª - A sentença igualmente, pelas mesmas razões, é nula no que respeita à prescrição invocada;

29.ª- A sentença ao deixar de resolver todas as questões e de analisar criticamente todas as provas e ao deixar de enunciar todas as questões que lhe competia apreciar violou a disciplina dos n.ºs 2 e 4 do art.º 607.º e o n.º 2 do art.º 608.º ambos do CPC em que se elenca toda a matéria relativa às obras, benfeitorias tal como supra mencionou que foram suscitadas na réplica;

30.ª - A sentença, ao interpretar como o fez, o instituto da usucapião fez errada interpretação do disposto nos artigos 1288.º, 1316.º e 1317.º do CC, deixando de interpretar e aplicar corretamente os artigos 1251.º, 1287.º, 1253.º, e 1259.º todos do CC, pois que a nossa lei, no que ao caso respeita, consagrou uma conceção subjetiva da posse, pelo que, faltando o animus, por não terem os R.R.. agido como titulares do aludido direito de propriedade desde 31/12/1987, antes reconheceram que era a falecida 1.ª R. a titular, e não eles, apesar de ser falso, não pode, pois, proceder o pedido reconvencional por não haver boa posse.

 10. No respeitante à revista excecional, conclui o Recorrente o seguinte:

A – Se tal não for entendido, seja admitida a revista excecional, pois que a questão versada nos autos e as decisões neles proferidas sobre as questões que foram suscitadas reclamam a necessidade muito ponderosa para a melhor aplicação do direito, como prevê a al. a) do art.º 672.º do CPC

B - Da Oposição a acórdão

Do acórdão recorrido decorre com clareza que a sua sustentação se baseia num contrato-promessa com a entrega do imóvel em que foram feitas obras de certo montante e que os promitentes-compradores utilizaram durante mais de 20 anos;

A revista excecional justifica-se, porque o acórdão recorrido está em contradição com, além de outros, o acórdão proferido pelo STJ, de em 12/03/2015, no processo n.º 3566/06.8TBVFX do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, conforme cópia junta, que é o acórdão fundamento em que se julgou uma situação muito semelhante à versada no acórdão recorrido.

Em ambos se suscita a aquisição de um imóvel por usucapião a quem foi entregue o imóvel na decorrência de um contrato-promessa, no âmbito do qual foi pago parte do preço, sendo intenção dos outorgantes celebrar o contrato definitivo, não tendo o promitente-comprador procedido à sua marcação, apesar de lhe competir, rompendo com a confiança nele depositada.

O promitente-comprador acabou, num contexto de vicissitudes várias, por vir a declarar que comprava o prédio a quem não lhe pertencia.

Os referidos acórdãos enquadram-se no domínio da mesma legislação de direito civil e processual e sobre a idêntica questão fundamental de direito que é o instituto do usucapião e a posse, inserindo-se num quadro muito semelhante quanto ao seu núcleo fundamental, factual e jurídico, integrando-se na al. c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC, não sendo conhecido acórdão uniformizador sobre tal questão.

C - O recurso é ainda de admitir, porquanto o acórdão recorrido gerou um coro de protestos junto da comunidade de Avintes e nas muitas pessoas que assistiram ao julgamento, que entenderam que o acórdão a manter-se iria sancionar quem procede com nobreza, confiança, sendo de grande valor e relevância sociais, a dar cobertura a quem durante mais de 20 anos não marcou a escritura prometida, não pagou o preço total aos promitentes-vendedores e se vem aproveitando do imóvel sem qualquer contrapartida.

11. Os Recorridos apresentaram contra-alegações a arguir a inadmissibilidade tanto da revista normal como da revista excecional e, no mais, a pugnar pela confirmação do julgado.

II – Quanto à questão prévia respeitante à admissibilidade da revista

   Das conclusões do Recorrente acima transcritas colhe-se que a presente revista tem por objeto o seguinte:

i) – A impugnação do acórdão recorrido no respeitante à reapreciação do facto dado como provado no ponto 20 da sentença da 1.ª instância e mantido pela Relação, com fundamento na inobservância do disposto nos artigos 607.º, n.º 3, 4 e 5, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, e ainda do artigo 662.º, n.º, 1, do CPC;  

ii) – A impugnação da mesma matéria com fundamento em erro de julgamento sob a invocação de violação do disposto nos artigos 352.º, 355.º, n.º 2, 358.º, n.º 1, e 361.º do CC, no respeitante à valoração que devia ser dada confissão judicial dos R.R. a reconhecer que não são proprietários dos prédios em causa, mas sim o A. e seus irmãos; 

iii) – A invocada omissão do conhecimento da exceção de prescrição suscitada pelo A., no concernente aos direitos que o R. vem exercer;

iv) – Também a omissão de pronúncia sobre a validade e as nulidades que o A. suscitou quanto às escrituras de justificação notarial e de compra e venda;

v) – A omissão sobre a validade do registo do prédio rústico inscrito na matriz rústica sob o art.º 1385º deixando de apreciar o teor e os efeitos dos documentos de fls. 60 a 64 e de fls. 80, deixando de se concluir que essa inscrição faz presumir que o direito do A. existia e existe conforme deles resulta;

vi) – A questão da invocada omissão sobre a relevância da matéria alegada nos artigos 31.º a 34.º, 85.º e 87.º da réplica, no referente às obras e benfeitorias; 

vii) – A questão do erro de direito relativamente à posse e à usucapião em que se fundou a procedência da reconvenção, sob a invocação de violação do disposto nos artigos 1251.º, 1287.º, 1253.º, e 1259.º, 1288.º, 1316.º e 1317.º do CC.  

   Ora, o Recorrente convoca todas essas questões, em primeira linha, em sede de revista normal.

    Sucede que as questões indicadas em ii) a vii) já haviam sido suscitadas no recurso de apelação, tendo sido apreciadas no acórdão recorrido, se bem que não no sentido propugnado pelo Recorrente, mas em conformidade com o julgado na 1.ª instância, não divergindo deste em termos de fundamentação essencialmente diferente.

   Com efeito, a Relação, debruçando-se sobre os pontos de facto de 14 a 23 e 25 a 27 impugnados, incluindo os depoimentos de parte prestados, concluiu pela confirmação da matéria deles constantes e, quanto ao ponto 24, considerou não se vislumbrar em que pudesse a alteração proposta pelo Recorrente levar a alterar a formulação dada pela 1.ª instância.

   Quanto às invocadas omissões de pronúncia indicadas em iii) a v), o certo é que o tribunal a quo considerou que as questões em referência, já também tidas pelo Recorrente como omitidas na 1.ª instância, foram consideradas umas como inexistentes e outras (v.g. a prescrição) como prejudicadas por virtude da solução dada ao pedido reconvencional.

   Relativamente à pretendida ampliação da matéria alegada nos artigos 31.º a 34.º, 85.º e 87.º da réplica, o tribunal a quo considerou que tal matéria, relacionada como estava com o pedido de indemnização por benfeitorias deduzido pelos R.R., se tornava irrelevante em virtude da procedência do pedido reconvencional principal.

   De resto, segundo o preceituado no artigo 662.º, n.º 4, do CPC, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões da Relação sobre a indispensabilidade da ampliação da decisão de facto prevista na alínea c), parte final, do n.º 2 do mesmo artigo, sem prejuízo da hipótese prevista no n.º 3 do art.º 682.º do mesmo diploma, caso se venha a colocar.

    Por fim, quanto à invocado erro de direito relativamente à posse e à usucapião em que se fundou a procedência da reconvenção, o acórdão recorrido convergiu com a fundamentação, no essencial, e com a decisão da 1.ª instância.

    Assim sendo, as questões referidas em ii) a vii) mostram-se alcançadas pela dupla conformidade decisória, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, o que é obstativo da revista normal. 

  Já quanto à alegada violação da disciplina processual enunciada em i), trata-se de questão que vem imputada à própria Relação em sede do exercício do seu poder de reapreciação da decisão de facto impugnada.

            Nessa medida, conforme jurisprudência deste Supremo Tribunal, tal questão não se tem por alcançada pela dupla conforme nos termos e para os efeitos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, cabendo, por isso, revista normal nessa parte.

  Posto isto, a presente revista é admissível em termos normais apenas sobre a questão enunciada em i), sobre a qual importa, desde já, decidir, ficando as restantes questões dependentes da admissibilidade da revista excecional, se for caso disso.

III – Fundamentação  

A única questão que ora nos ocupa respeita à impugnação do acórdão recorrido no respeitante à reapreciação do facto dado como provado no ponto 20 da sentença da 1.ª instância e mantido pela Relação, com fundamento na inobservância do disposto nos artigos 607.º, n.º 3, 4 e 5, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, e ainda do artigo 662.º, n.º, 1, do CPC.

Apesar de ser aquele o único facto impugnado constante das conclusões recursórias, o mesmo integra-se no contexto dos factos constantes dos pontos 14 a 27 da factualidade provada que foram objeto de impugnada na apelação e que são do seguinte teor:   

14) - Com data de …/05/1984, foi celebrado um contrato denominado de «contrato-promessa de compra e venda» em que surgem identificados como contraentes BB (Ré entretanto falecida), FF, GG, HH (intervenientes), AA (Autor) onde os 1ºs. declaram prometer vender ao 2.º, que declara prometer comprar, o mesmo prédio referido em 13) - de um só piso com terreno inscrito na matriz sob os artigos 2148.º e 198.º, sito na Rua …, … -, pelo preço de 19 951,92 EUR a pagar 15 462,73 EUR no ato e o restante na escritura a realizar até ao fim do ano de 1984.

Tal contrato está assinado por todos os 1ºs. outorgantes sendo que algum dos intervenientes assinou pelo contraente aqui A., com o seu consentimento, não estando  assinado pelo 2.º outorgante.

O mesmo contrato foi celebrado depois do referido em 13) - fls. 122.

15) - Em 1984 os prédios urbanos e rústicos referidos em 13) estavam sem ocupação tendo sido entregues aos Réus após …/05/1984.

16) - Após tal data, os Réus ampliaram em 1987 e 2000 a construção que aí existia, sendo que passaram a aí residir em 1987, tendo começado a trabalhar a parte rústica depois de 1984 e antes de 1987.

17) - Em virtude das referidas ampliações de 1987 e 2000, a casa que ali existia (prédio urbano) passou de 74 m2 para 137,16 m2 passando a ser constituído por hall, cozinha, sala de jantar, casa de banho, despensa, três quartos, WC de serviço, escritório, garagem, lavandaria, telheiro frontal, telheiro posterior e passagem coberta.

18) - Os Réus: vedaram o atual logradouro do imóvel com muros tendo cerca de 90 metros de comprimento e altura média de 1,40 metros em betão ciclópico inferior e blocos de betão na parte superior; colocaram basalto na envolvente à casa numa área de 223 m2; construíram muro de altura variável (entre 24 cm e 1,58 m) num comprimento de 31,50 m; colocaram relva, árvores e arbustos; colocaram nova carpintaria, novo sistema de eletricidade, novos trabalhos de picheleria, revestiram o chão com material cerâmico e parquet, revestiram as paredes, cozinha, quartos de banho com material cerâmico, colocaram móveis e equipamentos de eletrodomésticos na cozinha, pintaram o interior e exterior da moradia, revestiram as fachadas com material cerâmico e granito, substituíram a telha, instalaram equipamento central a gás, substituíram totalmente a caixilharia exterior (alumínio com vidro duplo), colocaram tetos falsos em pladur, colocaram granitos e mármores nos pavimentos das casas de banho e cozinhas, novas peças sanitárias, revestiram o pavimento da casa a granito e soalho flutuante, colocaram madeira de mogno.

19) - Os Réus têm pago os impostos relativos ao prédio que declararam prometer comprar desde a data da celebração desse contrato promessa.

20) - Os Réus, desde 1987 que usam os antigos prédios urbano e rústico inscritos na matriz sob os artigos 2148.º e 198.º, atual 1583.º, à vista de todos, sem oposição de ninguém, incluindo Autor e intervenientes, na convicção de estarem a exercer um direito que lhes assiste como se fossem donos do imóvel, habitando na casa em questão e tratando do logradouro.

21) - Existiram dificuldades na realização da escritura definitiva do contrato referido em 14) pelo menos relacionadas com a circunstância de na compra e venda de imóvel efetuada a JJ em …/09/1984 se ter declarado que artigos rústicos 1583 e 1585 que correspondiam aos artigos rústicos 198 e 203, estavam englobados nos artigos 541.º e 1584.º o que fez com que os referidos artigos 1583.º e 1585.º se consideravam não descritos na C. R. Predial.

22) - Tal falta de descrição só foi ultrapassada com a realização da escritura (também de divisão de coisa comum) mencionada em 5).

23) - A realização da escritura de justificação mencionada em 1) visou permitir aos Réus registar a seu favor o imóvel mencionado em 14), dos factos provados, declarado prometido vender ao Réu CC.

24) - Existia pressão do Autor, irmãos e falecida mãe dos mesmos junto do Réu para que se realizasse a escritura definitiva do contrato referido em 14), dos factos provados.

25) - A adjudicação ao Autor AA, por meio da escritura referida em 5), do imóvel que o Réu prometeu comprar, teve como uma das causas uma zanga que existiu por o Réu ter mandado cortar árvores em imóvel junto daquele onde o Réu vive e que pertence ao mesmo Autor, inscrito sob o artigo 1585.º, tendo existido um processo crime em que o Réu era arguido e que findou com um acordo.

26) - Ao intervirem na referida escritura, o Autor e seus irmãos sabiam que estavam a prejudicar o Réu no sentido de querer fazer registar o imóvel a favor do Autor sabendo que o Réu aí vivia desde 1987 com o conhecimento e assentimento dos mesmos.

27) - O imóvel objeto do contrato referido em 14) em 1984 tinha um valor de 24.940 EUR e atualmente tem o valor de 179 224,73 EUR sendo o valor das obras referidas em 18) de 117 120 EUR.

  Na motivação da decisão de facto na sentença da 1.ª instância, foi consignado o seguinte:

  «Os contratos referidos em 13) e 14) têm datas iguais podendo ter sido concretizados em datas diferentes mas o certo é que, em julgamento, ninguém soube concretizar qual a diferença de tempo que houve entre um e outro (sendo que num contrato só está um irmão e no segundo – facto 14 - «já» são referidos todos os irmãos sendo natural que este seja o segundo com a menção a todos os intervenientes necessários).

   É preciso notar que se está a reportar a um contrato datado de maio de 1984, ou seja, de há trinta e dois anos pelo que se afigura natural que haja falhas de memória.

   Por outro lado, face ao que ouvimos em julgamento, ficamos com a convicção de que estes autos existem para procurar «desfazer» o que consensualmente foi feito há trinta e dois anos por que se entendeu (Autor e intervenientes) que nada mais deveria ser permitido ao Réu (eventual dilação no pagamento de uma quantia relativa ao contrato promessa e/ou por não se ter realizado a escritura) e ainda porque pura e simplesmente se quer negar (Autor e intervenientes) a possibilidade de se poder declarar que o Réu é o dono do imóvel em causa.

   Na verdade, propor uma ação vinte e nove anos depois da celebração de um contrato promessa com o Réu, alegando-se que se é dono do imóvel onde se sabe que o Réu vive há cerca de 25 anos (por referência à data de propositura da ação) e não o fazendo intervir em qualquer ato que permitisse a realização da escritura definitiva só pode significar que o Autor (e irmãos) nada quiseram com o Réu no sentido de resolver a situação.

  Esta conclusão da nossa parte é segura tendo por base os depoimentos de parte, todos aceitando a celebração do contrato promessa, incluindo o Autor que «apenas» referiu que não assinou o contrato porque estava em …, mas que aceitava que se vendesse o imóvel ao aqui Réu.

   Nenhum interveniente assumiu que tivesse assinado o nome do Autor no contrato (ou aposto o seu nome já que o que consta a fls. 123 pouco tem de assinatura – são letras maiúsculas a formar um nome, numa assinatura totalmente diferente da constante por exemplo da escritura a fls. 43 ou até da procuração a favor do Ilustre mandatário que o representa nos autos – fls. 50 -).

   De qualquer modo, tal nome foi aposto por algum dos intervenientes com a aceitação do Autor pois se se aceita a celebração do contrato e não estava em Portugal para o assinar e não o assinou mas não contesta a existência da promessa, terá de ter permitido que assim se assinasse, algo que durante vinte e cinco anos em momento algum o Autor questionou ou suscitou.

   No que concerne à motivação da atuação do Autor quanto não só à interposição da ação como da realização da escritura referida em 5), pelo que se ouviu dos depoimentos do Autor e intervenientes, o corte de árvores que o Réu terá mandado realizar em terreno que pertenceria aos Autores terá sido um dos motivos que levou a um estremar de posições entre as partes; e referimos uma das causas já que, para nós, a realização da escritura de justificação judicial mencionada em 1) pode também ter sido um dos motivos para tal afastamento já que em 2008 a mãe do Autor e intervenientes declara que o imóvel em questão lhe pertence por lhe ter sido doado e depois o possuir e assim o vende ao aqui Réu, algo que é desmentido pelo teor da partilha mencionada em 3), dos factos provados.

   Não sabemos como foram as conversas/negociações entre Réu e mãe do Autor já que «só» se tem a palavra do Réu no sentido de que se tratou de um meio de aliviar a pressão que a mesma ex-Ré fazia para que se celebrasse a venda mas a circunstância de se declarar que se era dona isolada de um terreno e que desde logo se vendia o mesmo pelo menos demonstra um afastamento da mãe em relação ao Autor e irmãos quanto a este assunto pelo que se admite que a realização da escritura de justificação e o seu conhecimento pelo Autor e irmãos possa ter elevado ou feito nascer a tensão entre as duas partes aqui antagónicas.

   Todas as testemunhas ouvidas confirmaram a residência do Réu no imóvel em causa, há pelo menos 25 anos sendo que algum tipo de uso do solo há-de ter sido realizado, o mesmo se referindo aos atos praticados por Autor e irmãos (e mãe) até saírem desse imóvel, antes de 1984 como os mesmos Autor e intervenientes referiram.

   O pagamento dos impostos pelo Réu foi referido pelo mesmo sendo que não houve depoimento em sentido contrário quer por Autor quer por intervenientes que, no máximo, referiram que às vezes havia atraso no pagamento pelo Réu.»

Tendo o A,, na respetiva apelação, impugnado aquela matéria de facto, no acórdão recorrido, nesse particular, foi considerado o seguinte:

«Conforme o já decidido pelo Supremo, há lugar no presente recurso à reapreciação da prova. Tendo o recorrente completado as suas conclusões com indicação dos concretos pontos da decisão que pretende ver sindicados, cumpre os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto, de acordo com o disposto no art.º 640.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, transcrito excertos do depoimento de parte prestou e que, no seu entender, apoiam a sua tese. Em conformidade, a Relação reaprecia a prova, tendo, para tal, procedido à audição integral dos registos fonográficos.

Na tese do recorrente o Meritíssimo Juiz teria feito tábua rasa de toda a prova produzida e declarado provada toda a matéria dos pontos 14 (no seu segmento “Tal contrato está assinado por todos os 1°s. outorgantes sendo que algum dos intervenientes assinou pelo contraente aqui Autor, com o seu consentimento, não estando assinado pelo 2.° outorgante”) a 27 sem qualquer sustentação probatória. Ora, não obstante no depoimento de parte o recorrente tenha colocado em crise tal matéria (e nem toda), crê-se existirem elementos de prova susceptíveis de formar a convicção expressa na decisão recorrida. Desde logo, o recorrente confirmou no seu depoimento que depois do contrato, há 32 anos, o interveniente Dionísio o informou de que tinha entregue a chave aos RR.. E o meio de prova que se afigura mais relevante é efectivamente o depoimento do interveniente HH o qual, depondo sobre matéria que lhe é objectivamente desfavorável, refere que todos os irmãos estavam de acordo com a projectada venda, desconhecendo quem assinou pelo A. o contrato promessa, sendo certo que este se encontrava, à época, ausente do país. Confirma ainda que o IMI relativo ao prédio era pago pelos Réus, e que o interveniente inclusive interpelou o R. no sentido de resolver definitivamente a situação, porque a casa, como refere, não era do interveniente. E que já com a sua mãe os RR. posteriormente acertavam contas do IMI que ela pagava. Confirma ainda o contexto das dificuldades com a realização da escritura aludidas em 21 e 22, e que a situação que despoletou o presente litígio foi o desentendimento resultante do corte de árvores e subsequente processo crime aludido em 25). Relativamente à matéria do ponto 20, que encerra juízos de facto, e não de direito, invoca o recorrente uma resposta afirmativa do R. à pergunta "Portanto, o Sr. reconhecia o HH e os irmãos como proprietários daquilo, não?”, quando, com o devido respeito, tal resposta se encontra descontextualizada e relacionada com o momento em que o R. adquiriu daqueles o domínio sobre os prédios. Já quanto ao posterior uso e ocupação que o R. vem fazendo desde 1987 a sua posição é clara no sentido da matéria aí dada como provada. A matéria dos pontos 16, 17 e 18, e 27, referente às construções e ampliações feitas pelos RR. entre 1987 e 2000, mostra-se cabalmente confirmada pelo relatório pericial de fls. 332/338. Vão, pelo exposto, confirmados os pontos sob impugnação 14) a 23), e 25) a 27). No tocante ao ponto 24), não se vislumbra em possa a alteração proposta pelo recorrente alterar à formulação que lhe foi dada pela 1.ª instância, com a consequente manutenção da decisão sobre matéria de facto da 1.ª instância.»

           

É sobre esta reapreciação que o Recorrente invoca a alegada violação da disciplina processual.

      Vejamos.

Dispõe o artigo 662.º. n.º 1, do CPC o seguinte:

A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.     

Cabe assim ao Tribunal da Relação, ajuizar sobre o invocado erro de julgamento na valoração da prova livre sobre a matéria de facto que haja sido impugnada, em função da reapreciação dos meios probatórios convocados ou de que se mostrem relevantes.

E como é sabido, o exercício desse poder-dever cognitivo é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça em termos de verificar se foram observados os parâmetros formais ou balizadores da respetiva disciplina processual.

Assim, no que respeita à reapreciação da decisão de facto, compete ao tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova prescrito no n.º 4 do indicado artigo 607.º, mas já não imiscuir-se na valoração da prova feita, segundo o critério da livre e prudente convicção do julgador, genericamente editado no n.º 5 do artigo 607.ºdo CPC.

É hoje jurisprudência seguida por este Supremo que a reapreciação da decisão de facto impugnada, por parte do tribunal de 2.ª instância, não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.

Importa, pois, no caso vertente, verificar se a Relação, na reapreciação feita sobre a impugnação deduzida pelo A./apelante mormente sobre o facto dado como provado no ponto 20 da sentença da 1.ª instância se pautou por tais diretrizes.

Debruçando-nos sobre a fundamentação do acórdão recorrido acima transcrita, dela se colhe que a Relação, tendo procedido à audição integral dos registos fonográficos, como ali se atesta, e ponderando a motivação dada pela 1.ª instância, formou a sua a própria convicção, ainda que condizente com aquela, mas alicerçada nos resultados dessa audição, salientando os aspetos específicos extraídos dos depoimentos prestados que se mostravam decisivos para uma tal convicção. 

Ora, diversamente do que parece ser entendido pelo Recorrente, a análise crítica da prova exigida nos termos do n.º 4 do artigo 607.º do CPC não requer uma exposição exaustiva e de pormenor argumentativo probatório, mas tão só a especificação seletiva das razões que, por via dessa análise crítica, se revelem decisivas para a formação da convicção do tribunal.

Nesta linha de entendimento, afigura-se que o tribunal a quo procedeu dentro de tais parâmetros balizadores, mormente no âmbito do facto dado como provado no ponto 20.

É legítimo ao Recorrente discordar da apreciação feita, mas, salvo o devido respeito, o que não se descortina é a existência de qualquer ilogicidade manifesta no quadro dessa apreciação nem de preterição do método utilizado nas suas linhas fundamentais, que cumpra aqui censurar, não cabendo a este tribunal de revista imiscuir-se na valoração dessa prova.

E quanto ao invocado erro de valoração das declarações confessórias, com fundamento em pretensa violação do artigo 358.º do CC, há que ter em conta que a respetiva eficácia probatória plena da confissão judicial só releva quando tal confissão se encontre reduzida a escrito, pois, não o sendo, é de livre apreciação pelo tribunal como decorre do disposto no n.º 4 daquele artigo.

De qualquer modo, a preterição dessa eficácia probatória plena, como erro de direito que é, só será de apreciar no caso de haver lugar a revista excecional mediante o levantamento do impedimento resultante da dupla conformidade decisória. 

Aqui chegados, impõe-se concluir pela não verificação da alegada violação da disciplina processual, por parte da Relação, na reapreciação da decisão de facto impugnada e, consequentemente, pela negação da revista normal, com o que se torna agora pertinente ajuizar sobre a admissibilidade da revista excecional, o que é da competência da “formação” a que se refere o artigo 672.º, n.º 3, do CPC.     

IV – Decisão

 

Pelo exposto, acorda-se em:

a) - Negar a revista normal quanto à questão respeitante à invocada violação da disciplina processual em sede de reapreciação da decisão de facto impugnada; 

b) – Não tomar conhecimento das restantes questões suscitadas em termos de revista normal;

c) – Determinar a remessa do processo à “formação” a que se refere o artigo 672.º, n.º 3, do CPC com vista à verificação dos invocados pressupostos da revista excecional.

A responsabilidade pelas custas será determinada a final.     

Lisboa, 16 de dezembro de 2020

Manuel Tomé Soares Gomes

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching

Nos termos do artigo 15.º-A do Dec.-Lei n.º 10-A/2020, de 13-03, aditado pelo Dec.-Lei n.º 20/20, de 01-05, para os efeitos do disposto no artigo 153.º, n.º 1, do CPC, atesto que o presente acórdão foi aprovado com o voto de conformidade das Exm.ªs Juízas-Adjuntas Maria da Graça Trigo e Maria Rosa Tching, que não assinam pelo facto de a sessão de julgamento (virtual) ter decorrido mediante teleconferência. 

Lisboa, 16 de dezembro de 2020

O Juiz Relator

           

Manuel Tomé Soares Gomes