Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2971/12.5TBBRG.G1.S
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE GRUPO
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE ESCLARECIMENTO
SEGURO DE VIDA
QUESTIONÁRIO CLÍNICO
DECLARAÇÕES INEXACTAS
DECLARAÇÕES RETICENTES
MÁ FÉ
SEGURADO
RETENÇÃO DOS PRÉMIOS
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL - CONTRATO DE SEGURO.
DIREITO DOS SEGUROS - REGRAS DE TRANSPARÊNCIA PARA A ACTIVIDADE SEGURADORA / SEGUROS DE GRUPO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, p. 516.
- Galvão Telles, Dos Contratos em Geral, 2.ª Edição, p. 106.
- Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, 2013, p. 574.
Legislação Nacional:
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 429.º.
D.L. N.º 176/95, DE 26-6: - ARTIGO 4.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 8/6/2006, PROCESSO N.º 06A1435, EM WWW.DGSI.PT .
-DE8/6/2010, PROCESSO N.º 90/2002.G1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 21/9/2010, PROCESSO N.º 08A1373, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 25/6/2013, PROCESSO N.º 24/10.0TBVNG.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. Não é plausível, nem razoável, face ao critério normativo da impressão do destinatário e ao princípio da boa fé contratual , que – ao assinar questionário clínico, essencial para o apuramento do risco subjacente à celebração de seguro de vida, preenchido com letra de impressão – o subscritor não se devesse ter necessariamente apercebido da natureza desse documento ( ou seja: que estava em causa um questionário clínico e que das respostas nele inseridas resultava, cabal e categoricamente, que o segurado não padecia de qualquer patologia relevante e conhecida), o que manifestamente não correspondia à realidade, face às graves patologias cardio-circulatórias que o afectavam e aos tratamentos médico-cirúrgicos que as mesmas já haviam originado.

2. Nestas circunstâncias – apesar de não provado que o segurado preencheu pelo seu próprio punho o referido questionário -  a assinatura do documento tem de significar e fazer presumir o conhecimento e a aprovação do seu conteúdo e a assunção da paternidade do documento pelo assinante/ subscritor.

3. Num contrato de seguro de grupo, o dever de esclarecimento do aderente recai sobre o banco/tomador de seguro; nos termos do art. 4º do DL. 176/95.

4. A seguradora goza do direito de anulação do contrato, celebrado com erro-vício da vontade , nos termos previstos no art. 429º do CCom., quando  o segurado:
- omitiu, no preenchimento do questionário clínico que lhe foi apresentado, determinada patologia actual e consumada, explicitamente mencionada naquele questionário clínico;
- sendo essa patologia por ele perfeitamente conhecida, não podendo razoavelmente desconhecer que, pela sua gravidade e relevância,  era – segundo as regras da experiência comum - significativa para a aferição do risco pela seguradora;
- e tal omissão influenciou causalmente a celebração do concreto contrato de seguro, nos termos clausulados.

5. No âmbito do regime definido pelo citado art. 429º, não impede o efeito anulatório a circunstância de o sinistro – morte do segurado – ter decorrido causalmente de uma patologia diversa e autónoma da que foi omitida à seguradora.

6. Não se tendo provado a má fé ou o dolo do segurado nas declarações inexactas ou reticentes, prestadas à seguradora – radicando estas em simples inconsideração ou negligência – funciona de pleno o típico efeito retroactivo da anulabilidade do contrato, não havendo fundamento para a seguradora reter os prémios pagos como contrapartida de um risco que não teve de assumir.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA instaurou acção declarativa, com processo ordinário, contra BB Companhia de Seguros S.A., pedindo a condenação desta a pagar:

- a si, a quantia de € 1 644,83, bem como as prestações que entretanto se vençam na pendência da acção, acrescida de juros de mora entretanto vencidos desde a data de citação, e

- ao Banco CC S.A, o capital em dívida.

Alegou, em síntese, que em 2006 o Banco CC S.A. celebrou com a ré um contrato de seguro do ramo vida, titulado pela apólice n.º …., no qual esta instituição bancária figura como tomadora do seguro e a autora e o seu marido DD como pessoas seguradas, sendo estes quem suportava o pagamento do respectivo prémio. Por esse contrato, a ré garantia o pagamento da quantia em dívida ao Banco CC S.A., relativa ao crédito que este havia concedido à autora e ao seu marido para a aquisição de casa própria, em caso de morte de pessoa segurada.

Em Fevereiro de 2011, faleceu o marido da autora, ascendendo na altura o capital em dívida ao Banco CC S.A. a € 61 351,76.

A ré ainda nada pagou ao Banco CC S.A. e é a autora quem, desde essa data, tem vindo a suportar junto deste as prestações mensais relativas ao empréstimo.

A ré contestou, dizendo, em suma, que o falecido marido da autora, ao preencher o questionário clínico do contrato de seguro, prestou falsas declarações sobre o seu estado de saúde que influenciaram a sua decisão de aceitar celebrar esse contrato , já que, se soubesse da real situação clínica deste no momento da subscrição da proposta de seguro, não teria contratado ou tê-lo-ia o feito em diferentes condições. Existe, por isso, "fundamento para a anulabilidade do contrato, nos termos do artigo 429.º do Código Comercial, "anulabilidade" que comunicou à autora em Outubro de 2011, pelo que não se encontra obrigada a pagar o capital seguro.

A ré deduziu ainda reconvenção pedindo a condenação da autora na reversão, a favor dela  ré, dos prémios de seguro pagos, no valor de € 3 284,42.

A autora replicou, mantendo a sua posição inicial e afirmando que "na data da subscrição da proposta respeitante ao contrato de seguro do ramo vida, titulado pela apólice n.º …, a Autora e o seu falecido marido, não preencheram o respectivo questionário clínico (…), apenas limitaram-se a colocar as suas assinaturas, não lhes tendo sido explicado o conteúdo do mesmo, pelo que é falso que o falecido marido da Autora tenha preenchido o referido questionário clínico".

Realizou-se julgamento e foi proferida sentença do seguinte teor:

"Pelo exposto, julga-se procedente o pedido principal, improcedente o pedido reconvencional e, em consequência, condena-se a ré BB, Companhia de Seguros, SA:

a) a pagar à autora as prestações vencidas desde 17.02.2011 e já pagas pela autora, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento;

b) a liquidar o remanescente em dívida ao Banco CC, SA."

2. Inconformada com esta decisão, a ré apelou, concedendo a Relação provimento ao recurso e, em consequência, revogando a decisão recorrida, tendo:

a) anulado o contrato de seguro identificado nos autos;

b) julgado improcedentes os pedidos formulados pela autora , deles se absolvendo a ré;

c) reconhecido à ré o direito aos prémios de seguro que lhe foram pagos, até ao limite de  € 3 284,42.

A Relação começou por fixar como assente a seguinte matéria de facto:

1. O Banco CC, SA celebrou com a Ré um contrato de seguro ramo vida, titulado pela apólice n.º …, com o capital seguro de € 67.500,00, no qual a instituição bancária financiadora do empréstimo figura como tomadora de seguro e a Autora e o seu marido DD, como pessoas seguras, sendo ambos quem suportavam o pagamento do respectivo prémio de seguro, conforme documento de fls. 10 cujo teor se dá por integralmente reproduzido – al. A dos FA (Factos Assentes).

2. Em 13/03/2006 a A. e o seu falecido marido DD subscreveram a proposta que consta do documento que consta de fls. 40 e 41 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido – al. B dos FA.

3. Na data da subscrição da proposta respeitante ao contrato de seguro do ramo vida titulado pela apólice n.º ... foi elaborado o questionário clínico que consta de fls. 42 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual consta que o falecido marido da A "Não esteve hospitalizado por motivo de doença ou acidente; Não esteve nem está sob tratamento médico superior a 3 semanas; Não tem programada nem lhe foi recomendada intervenção cirúrgica ou internamento hospitalar; Não se submeteu a qualquer exame médico, nem prevê consultar médico brevemente, nem efectuou ou prevê efectuar qualquer RX, ECG, análises ou outros meios complementares de diagnóstico; Não sofreu nem sofre de diabetes, cancro, problemas relacionados com o coração ou com o sistema circulatório" – als. C e D dos FA.

4. O referido contrato de seguro submete-se às condições particulares, gerais e especiais que constam de fls. 45, 46 e 50 a 56 cujo teor se dá por integralmente reproduzido – al. E dos FA.

5. Nos termos do clausulado do respectivo contrato de seguro, em caso de morte de pessoa segura, a companhia de seguros garante o pagamento da quantia correspondente ao capital em dívida à instituição de crédito, financiadora do empréstimo – al. F dos FA.

6. No dia 17 de Fevereiro de 2011 o segurado faleceu, conforme certificado de óbito do qual conta "Causa directa: doença, tratamento ou complicação que levou directamente à morte: glioblastoma"; "Outros estados mórbidos, factores ou estados fisiológicos (gravidez) que contribuíram para o falecimento, mas não mencionados na parte I: Transplante cardíaco, IRC", o qual consta de fls. 11 cujo teor se dá por integralmente reproduzido – al. G dos FA.

7. A R remeteu à A a missiva datada de 28.10.2011, a qual consta de fls. 63 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido – al. H dos FA.

8. Em 17.02.2011 havia capital em dívida e desde essa data que a A tem procedido ao pagamento das prestações mensais relativas ao empréstimo – resp. 1.º e 2.º da BI (Base Instrutória).

9. Na data do preenchimento e subscrição do questionário clínico respeitante ao contrato de seguro do ramo vida titulado pela apólice ... DD padecia de angina instável, de cateterismo com doença de 2 vasos com colocação de 2 stents, de enfarte agudo do miocárdio com colocação de 1 novo stent, e de novo enfarte agudo do miocárdio; tinha estado hospitalizado por motivo de doença; tinha estado sob tratamento médico superior a 3 semanas; foi submetido a intervenção cirúrgica; tinha sido submetido a exames médicos; previa consultar médicos brevemente; tinha efectuado análises ou outros meios complementares de diagnóstico e sofria de problemas relacionados com o coração ou com o sistema circulatório – resp. 3.º a 10.º da BI.

10. As menções que constam do questionário clínico sobre o seu estado de saúde influenciaram a decisão da R de aceitar celebrar o contrato de seguro do ramo vida nos respectivos termos e condições – resp. 11.º da BI.

11. Caso constasse do questionário clínico as patologias de que o DD padecia, as intervenções cirúrgicas e as hospitalizações a que se submeteu, os tratamentos médicos que recebeu, os exames médicos, as análises e outros meios complementares de diagnósticos que efectuou a R teria recusado a celebração do mencionado contrato de seguro do ramo ou, no mínimo, submeteria a respectiva celebração a termos e condições diversos daqueles em que o celebrou – resp. 12.º da BI.

12. Na data da celebração do contrato de seguro do ramo vida o DD sabia do seu estado de saúde – resp. 13.º da BI.

13. Foram pagos prémios de seguro – resp. 17.º da BI.

14. O falecido marido da A assinou a declaração de fls. 43 – resp. 18.º da BI.

15. A morte do falecido marido da A resultou do aparecimento de uma neoplasia cerebral maligna, diagnosticada no início do mês de Março de 2010 – resp. 19.º da BI.

16. Os antecedentes clínicos do falecido marido da A, designadamente a patologia cardiovascular, diabetes e osteoporose de que sofria, em nada influenciaram o aparecimento da patologia – resp. 20.º da BI.

17. O transplante cardíaco foi realizado em 01 de Fevereiro de 2011 – resp. 21.º da BI.

3. Passando a apreciar o mérito do recurso, considerou a Relação no acórdão recorrido, após notar que a sentença só não julgou procedente a anulabilidade do contrato que a ré invocara por que:

1- "não resultou provado que as menções que constam do questionário clínico sobre o seu estado de saúde foram por si [o falecido marido da autora] prestadas, nem que sabia da falsidade das declarações nem da relevância das mesmas para a aceitação da R da celebração do contrato de seguro do ramo vida."

2- "resultou demonstrado que a morte do falecido marido da A não teve qualquer relação com as patologias" a que se refere o questionário clínico e que a doença de que padeceu foi "diagnosticada em data posterior à celebração do contrato e preenchimento do questionário clínico."

É pacífico que no questionário clínico em causa constam afirmações, relativas ao falecido marido da autora, que à sua data (2006) não correspondiam à verdade. Nessa medida, tendo presente que no artigo 429.º do Código Comercial[1] se estabelece que "as declarações inexactas ou incompletas e que alterem a apreciação do risco tornam o contrato nulo"[2], à partida, está afectada a validade do contrato.

No entanto, logo na réplica a autora defendeu que assim não é, alegando que "na data da subscrição da proposta respeitante ao contrato de seguro do ramo vida (…) a Autora e o seu falecido marido, não preencheram o respectivo questionário clínico, (…) apenas limitaram-se a colocar as suas assinaturas, não lhes tendo sido explicado o conteúdo do mesmo, pelo que é falso, que o falecido marido da Autora tenha preenchido o referido questionário clínico".[3]

Tendo sido formulado um quesito em que se indagava se "os impressos que o falecido marido da A assinou já se encontravam preenchidos pela R, tendo-se limitado a colocar a sua assinatura"[4], a ele veio a responder-se "provado apenas que o falecido marido da A assinou a declaração de fls. 43."[5]

Portanto, a autora não provou que quando o seu marido apôs a sua assinatura no questionário clínico este já estava preenchido pela ré.

É sabido que "a manifestação da vontade é um momento imprescindível de qualquer acto jurídico[6]." E ela pode exprimir-se pela aposição da assinatura na declaração negocial. Nesse caso, como é aquele que temos entre mãos, não pode deixar de se considerar que "quem subscreve o documento quer significar que aprova o seu conteúdo e assume a paternidade deste".[7]

Aqui chegados, face ao que se encontra provado, de que se salienta os factos 12 e 14 dos factos provados, terá que se concluir que o falecido marido da autora, ao assinar o questionário clínico, aprovou "o seu conteúdo e assume a paternidade deste". Por isso mesmo, as respostas de não provado aos quesitos 14.º a 16.º não podem produzir o efeito que delas extrai a Meritíssima Juiz quando valoriza, como valorizou, a circunstância de se não ter provado "que as menções que constam do questionário clínico sobre o seu estado de saúde foram por si [o falecido marido da autora] prestadas, nem que sabia da falsidade das declarações nem da relevância das mesmas para a aceitação da R da celebração do contrato de seguro do ramo vida." E essas respostas de não provado também não têm o significado de que se provou o facto oposto, como sustenta a autora nas suas contra-alegações[8]. A não prova de um facto não corresponde à prova do facto que é o seu oposto; quando um tribunal responde não provado a um quesito que pergunta se em certo dia chovia isso não quer dizer que ficou provado que nessa data não chovia.

Fica ainda a ideia[9] de que a improcedência da excepção deduzida pela ré se deveu igualmente a se ter "demonstrado que a morte do falecido marido da A não teve qualquer relação com as patologias" mencionadas no questionário clínico.

Neste capítulo regista-se que do já citado artigo 429.º nada resulta no sentido de que a declaração inexacta tem que se relacionar com o risco que se vem a concretizar; basta que se demonstre que a declaração inexacta influiu na assunção do risco subjacente ao contrato de seguro e nos termos e condições em que se processou essa assunção. Com efeito, "a anulabilidade do contrato de seguro só existe desde que as declarações inexactas possam ter influência na opinião do risco, sendo susceptíveis de tornar o sinistro mais provável ou mais amplas as suas consequências. Numa palavra, é indispensável que as declarações inexactas ou reticentes influam na existência e nas condições do contrato, de sorte que o segurador não contrataria ou teria contratado em diversas condições, se as conhecesse (Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, Vol. II, pág. 541)."[10]

E, neste aspecto, é certo que se provou que "caso constasse do questionário clínico as patologias de que o DD padecia, as intervenções cirúrgicas e as hospitalizações a que se submeteu, os tratamentos médicos que recebeu, os exames médicos, as análises e outros meios complementares de diagnósticos que efectuou a R teria recusado a celebração do mencionado contrato de seguro do ramo ou, no mínimo, submeteria a respectiva celebração a termos e condições diversos daqueles em que o celebrou".[11]

À luz do que se deixa dito, é procedente a excepção deduzida pela ré, o que conduz à anulação do contrato de seguro e à improcedência dos pedidos formulados pela autora.

Perante este novo cenário, importa agora apurar se é procedente o pedido reconvencional.

Nesta sede a ré pretende a condenação da autora na reversão a seu (da ré) favor dos prémios de seguro pagos no valor de € 3 284,42.

Segundo o § único do artigo 429.º do Código Comercial, "se da parte de quem fez as declarações tiver havido má-fé o segurador terá direito ao prémio". E no ponto 3.3 das Condições Gerais da Apólice consta que se entende "por má-fé o conhecimento por parte do Tomador de Seguro ou do Segurado/Pessoa Segura (ou dos Segurados, no caso do seguro ser sobre duas vidas) de que as declarações são inexactas ou incompletas."[12]

Ora, nesta matéria, para além do que já se disse quanto ao facto do falecido marido da ré ter aposto a sua assinatura no questionário clínico, e ao respectivo significado jurídico, provou-se ainda que "na data da celebração do contrato de seguro do ramo vida o DD sabia do seu estado de saúde".[13]

Neste quadro, é inevitável concluir que esta realidade se traduz na má-fé a que se referem os citados artigo 429.º e cláusula 3.3, o mesmo é dizer que a ré tem direito aos prémios do seguro que lhe foram pagos.

Mas, neste particular, sucede que apenas se provou que "foram pagos prémios de seguro"[14]; não se provou que esses prémios atingiram o montante de € 3 284,42 que a ré alegou.

Então, o pedido reconvencional deve ser julgado procedente, tendo esse valor como limite.

4. Inconformada com esta decisão, interpôs a A. a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe definem e delimitam o objecto:

I.     Discorda a Recorrente do, aliás, douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que alterou a decisão da Meritíssima Juiz de 1ª Instância do Tribunal Judicial de Braga;

II.    A discordância da Recorrente advém do facto de o Tribunal o quo ter efectuado uma errada interpretação e aplicação da lei – artº 429º Código Comercial;

III.  a questão que se impõe é saber se as concretas declarações, alegadamente, prestadas pelo falecido marido da Recorrente configuram fundamento para a anulabilidade do contrato, nos termos do artigo 429º do Código Comercial.

IV.  O conceito de falsas declarações, como tem sido continuamente estabelecido pela jurisprudência e pela doutrina, não é qualquer informação inverídica ou reticente da parte do segurado ou do tomador do seguro que pode justificar a desobrigação da responsabilidade que o segurador arcou com a aceitação do contrato de seguro, devendo estabelecer-se uma clara distinção entre informações inócuas para o risco que veio a revelar-se e informações relevantes;

V.    o artigo 429º do Código Comercial fere de anulabilidade, o contrato que se funde em declarações inexactas ou incompletas por parte do segurado, e que comportem uma alteração na apreciação do risco, porém, convém sublinhar, que apenas no caso da pessoa segura ter agido de má-fé, é que não tem direito a qualquer restituição de prémios;

VI.  Entende a lei por má-fé, o conhecimento por parte do tomador do seguro ou da pessoa segura de que as declarações são inexactas ou incompletas. Não é esta a factualidade patente nos autos.

VII. O decesso do tomador do seguro - marido da Recorrente - não teve qualquer conexão com qualquer das patologias descritas no questionário clínico, resultando, antes, de uma neoplasia cerebral maligna, diagnosticada em data posterior à celebração do contrato e preenchimento do questionário clínico;

VIII.         Esta doença surgiu ex novo, não se alicerçando nem lhe subjazendo, qualquer omissão medicamentosa ou qualquer sintomatologia daquelas que, normal e genericamente, são causa de doenças súbitas ou crónicas contempladas e acauteladas através dos questionários em causa.

IX.  O facto de o marido da Recorrente sofrer de angina instável, aquando do preenchimento do questionário clínico que acompanhava a proposta de adesão, não exonera a Recorrida do pagamento da quantia em dívida, a que se obrigou pelo contrato de seguro ramo vida titulado pela apólice nº ....

X.    Se é verdade que é o segurado que está a par das circunstâncias que existem na ocasião em que o contrato é celebrado e que está em directa conexão com os factos geradores do risco, também não é menos verdade que é o segurador quem domina aspectos de ordem técnica, designadamente de natureza estatística, elementos fundamentais para a circunscrição do risco assumido.

XI.  Sendo a seguradora livre na aceitação e preenchimento do conteúdo do contrato, está nas suas mãos o uso de maior ou menor rigor na avaliação prévia da situação, sendo certo, como ficou demonstrado, que o segurado se encontrava na espectativa de realização de exames médicos confirmativos ou infirmativos do seu estado de saúde, conforme ocorre, normalmente, aquando da outorga de contratos de seguros, tipo vida.

XII. Não foi a Recorrente quem não cumpriu com o ónus da prova, mas antes a Recorrida, cremos que à Recorrida competia provar culpa ou negligência do tomador do seguro no preenchimento do questionário clinico e tal não sucedeu, pois que este não procedeu ao preenchimento do referido questionário, antes tendo sido os funcionários da Ré.

XIII.         A decisão de primeira instância reporta que "Não obstante terem resultado provadas as patologias de que padecia, a desconformidade entre o teor do relatório clinico e o seu estado de saúde, o qual era do conhecimento do falecido marido da A., não resultou provado que as menções que constam do questionário clinico sobre o seu estado de saúde foram por si prestadas nem que sabia da falsidade das declarações nem da relevância das mesmas para aceitação da R. da celebração do contrato de seguro do ramo vida.".

XIV.         A MMª Juiz de 1ª instância, entendeu - e bem - dar por improcedente a requerida anulabilidade do contrato, fundamentando não "ter sido dado como provado que as menções que constam do questionário clinico sobre o seu estado de saúde foram por si (falecido marido da autora) prestadas nem sabia da falsidade das declarações nem da relevância das mesmas para a aceitação da Ré da celebração do contrato de seguro do ramo vida".

XV. O Tribunal da Relação de Guimarães entendeu que a Autora teria de provar que o referido questionário já estava preenchido quando foi aposta a assinatura pelo subscritor, seu falecido marido.

XVI.         Prova impossível, na medida em que a Recorrente desconhece quem elaborou e apresentou - a si e seu falecido marido - o referido questionário para assinatura e, é evidente, a seguradora e o banco, não revelam a identidade de tal personagem.

XVII.        Invocando a Recorrida a prestação de falsas declarações, a esta incumbia - que não à Autora - a prova de que tais declarações haviam, na realidade, sido prestadas pelo tomador do seguro, o marido da Recorrente.

XVIII.      Parece evidente que se verifica in casu, uma errada exigência por parte do Tribunal a quo da inversão da prova a produzir, pois a prova da existência de falsas declarações cumpre à Seguradora que não à Recorrente.

XIX.         Não resultou provado que tais declarações foram apostas pelo marido da Recorrente e, a nosso ver, não resultando que tais declarações são imputáveis ao tomador do seguro, tanto basta para que não seja declarada a requerida anulabilidade do contrato em apreço.

XX. Mais não exige o preceito ínsito sob o artº 429º do Código Comercial, aqui em crise.

XXI.         Deve ser rejeitado o acórdão ora em crise que denegou a decisão de 1ª instância, e dar-se vencimento de causa à Recorrente, condenando a Recorrida a pagar ao Banco BB o capital em divida, bem como as prestações pagas desde o decesso do tomador do seguro até à data da propositura da acção e as que se vencerem no decorrer desta.

A R., nas contra alegações apresentadas, pugna pela confirmação do conteúdo decisório constante do acórdão recorrido.

5. Como dá nota o acórdão recorrido, são essencialmente duas as questões que importa dirimir na presente revista. E a primeira delas reporta-se precisamente ao questionário clínico, junto a fls. 42/43, documento essencial para a definição e apreciação pela seguradora dos riscos associados ao seguro de vida celebrado em benefício dos segurados: na verdade:

- é inquestionável que o conteúdo de tal questionário revela declarações inexactas sobre o estado de saúde do marido da A, omitindo este manifestamente as sérias patologias do foro cardio-circulatório que o afectavam, com efectiva e indesmentível gravidade: como decorre da matéria de facto provada, vários dos tópicos e menções enunciados no questionário clínico obtiveram uma resposta frontalmente desconforme com a situação clínica actual - e bem conhecida - do marido da A., que não referenciou as patologias que o afectavam, bem as conhecendo no momento da celebração do contrato de seguro de vida;

- tais declarações inexactas , constantes do questionário clínico sobre o seu estado de saúde actual e conhecido, influenciaram, em termos causais, a decisão da R. de aceitar a celebração do contrato de seguro do ramo vida nos precisos termos e condições acordadas ( pontos 11 e 12 da matéria de facto);

- o questionário clínico foi assinado pelos segurados – não se tendo, porém , provado se os impressos em que o mesmo se consubstanciava já se encontravam ou não previamente preenchidos.

Saliente-se que a argumentação da A./recorrente no sentido de se não deverem ter por verificados os pressupostos da anulabilidade do contrato, invocada pela seguradora, se estriba fundamentalmente nesta questão, considerando não imputáveis ao marido da A. as referidas declarações inexactas acerca do seu real estado de saúde pelo facto de não ter sido ele a preencher os vários tópicos que integravam o questionário clínico que lhe foi apresentado, limitando-se tabelarmente a assinar um documento que lhe teria sido apresentado já preenchido, sem que tivesse sido cumprido o dever de informação e esclarecimento quanto ao conteúdo das questões enunciadas ( cfr. arts. 9/16 da réplica).

Note-se, em primeiro lugar, que não tem relevância decisiva o facto de o questionário – preenchido efectivamente com letra de impressão - não ter sido escrito pelo punho do marido da A., que se terá limitado a assinar o documento: o que releva decisivamente não é a autoria material do escrito, mas o ter ou não o documento assinado pelo interessado sido preenchido de acordo com informação esclarecida e conscientemente prestada pelo autor da assinatura do documento – não havendo qualquer motivo para pôr em causa a fidedignidade das informações prestadas acerca do estado clínico actual só pelo facto de o interessado não ter manuscrito o questionário pelo seu próprio punho.

Aliás, o questionário clínico junto aos autos começa por mencionar, nos pontos 1 e 2, características estritamente pessoais e particulares dos segurados ( peso e altura respectivos) o que torna altamente improvável que tal documento já se encontrasse integralmente preenchido antes de as questões nele enunciadas serem apresentadas e formuladas aos interessados/aderentes – nada permitindo, bem pelo contrário, pôr consistentemente em causa que as menções nele inscritas – incidindo todas elas sobre circunstâncias estritamente pessoais dos segurados - hajam sido preenchidas de acordo com indicações por estes prestadas no momento imediatamente anterior à assinatura de tal documento.

 Acresce que não é plausível, nem razoável, face ao critério normativo da impressão do destinatário e ao princípio da boa fé, que – ao assinar o referido documento, de fls. 41/42 dos autos – os subscritores não se devessem ter necessariamente apercebido da sua natureza – ou seja: que estava em causa um questionário clínico e que das respostas nele inseridas resultava, cabal e categoricamente, que nenhum dos segurados padecia de qualquer patologia relevante e conhecida – o que manifestamente, no caso do marido da A., não correspondia à realidade, face às patologias graves que já nesse momento o afectavam e aos tratamentos médico-cirúrgicos que as mesmas já haviam originado.

Aliás, em bom rigor, no caso dos autos a A. não invoca que – ela e o seu marido, como pessoas segurasnão tiveram consciência, no momento da assinatura, do teor e conteúdo efectivo e essencial do documento ( preenchido materialmente com letra de impressão, plausivelmente  pelo funcionário do Banco/ tomador de seguro) - ou seja, que dele resultava plenamente não padecer qualquer das pessoas seguras de qualquer patologia conhecida. O que se sustenta é que não lhes foi explicado o conteúdo do mesmo, antes da aposição das assinaturas.

Sucede, porém, que – estando aqui confrontados com um seguro de grupo ( seguro de vida grupo temporário contributivo (Cfr. apólice fls. 45)– tal dever de informação recaia legalmente sobre o Banco/ tomador de seguro, e não sobre a R./seguradora. É que, como se afirma, por exemplo, no Ac. de 25/6/13, proferido pelo STJ no P. 24/10.0TBVNG.P1.S1: é incontroverso que tal dever de esclarecimento do aderente recai sobre o banco/tomador de seguro; é este o regime que decorre expressamente do estatuído no art. 4º do DL. 176/95: nos seguros de grupo, salvo convenção em contrário, o tomador de seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas e as obrigações e direitos em caso de sinistro, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora, cabendo-lhe o ónus da prova de ter fornecido estas informações; por sua vez, deve a seguradora facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.

   Significa e implica este regime legal que, no caso, era efectivamente ao banco/tomador de seguro que cabia ter esclarecido adequadamente o aderente acerca do teor das cláusulas de exclusão incluídas no contrato : saliente-se que este regime especial, fundado na peculiar natureza e estrutura da figura do seguro de grupo, envolvendo uma relação triangular entre os interessados, se sobrepõe naturalmente ( precisamente como regime especial que é) ao regime regra das cláusulas contratuais gerais, que impõe ao outro contraente ( nos casos normais, que não tenham subjacente um seguro de grupo, obviamente a própria seguradora) a obrigação de comunicar e explicitar as cláusulas ao aderente; porém, no caso do seguro de grupo, este dever de comunicação e informação está legalmente posto a cargo do tomador de seguro, pelo que, em primeira linha, ele não incide sobre a seguradora, a menos que algo diferente resulte das estipulações das partes.

A eventual omissão de um dever de informação acerca do efectivo alcance das respostas aos vários items do questionário clínico, bem como a advertência explícita sobre as consequências de uma resposta inexacta, previstas no contrato de adesão celebrado, é, pois, imputável exclusivamente ao tomador de seguro ( não demandado na presente acção) por força do estipulado no referido art. 4º do DL 175/96, não podendo imputar-se – ou transmitir-se - à seguradora a responsabilidade pelo eventual cumprimento deficiente pelos funcionários do Banco/tomador de seguro de tal dever de plena e cabal informação e esclarecimento das pessoas seguras.

Ora, neste concreto circunstancialismo, não sendo imputável à R./ seguradora, demandada exclusivamente nos autos, um eventual deficiente cumprimento do dever de esclarecimento das pessoas seguras, em seguro do ramo vida de grupo contributivo; e não tendo sido alegado que, ao assinarem a declaração/ questionário clínico, os interessados não tiveram efectiva consciência da natureza , do teor e do conteúdo do documento ( nomeadamente, que ele foi preenchido por terceiro, à sua revelia, sem o seu conhecimento ou contra as indicações dadas pelo subscritor do documento acerca do seu real e efectivo estado de saúde) não pode deixar de concluir-se, como o faz o acórdão recorrido, que a subscrição do dito questionário tem de significar e fazer presumir a aprovação do seu conteúdo e a assunção da paternidade do documento pelo assinante/ subscritor.

Esta solução flui, aliás, das exigências do princípio da boa fé contratual, de particularíssimo relevo no momento preliminar da definição e delimitação dos riscos a assumir pela seguradora num contrato do ramo vida, em que estes dependem essencialmente de informações e esclarecimentos prestados pelos interessados acerca da sua real situação clínica, envolvendo matéria que – por se situar no cerne da reserva da vida privada – a seguradora não terá normalmente possibilidades de apurar e aprofundar autonomamente: na verdade, no caso dos autos, ao assinar um documento da natureza do que consta de fls. 42/43, não podiam razoavelmente os interessados/ subscritores deixar de se aperceber que estavam em causa respostas a um questionário clínico, das quais resultava cabalmente que não estavam os aderentes afectados por qualquer patologia conhecida; ora, este facto é obviamente desconforme com a realidade, já que o subscritor não podia razoavelmente ignorar que as patologias cardio-circulatórias de que padecia e que já haviam originado as intervenções médico-cirúrgicas referenciadas na matéria de facto –que ele bem conhecia – não podiam deixar de ser relevantes –segundo os padrões da experiência comum - para a aferição do risco a assumir no âmbito de um contrato de seguro de vida.

6. É certo que não resulta claramente da matéria de facto provada o dolo ou má-fé do interessado, traduzido na deliberada intenção de, através da prestação de declarações inexactas, enganar e prejudicar a seguradora no que concerne à celebração ou ao conteúdo das cláusulas do contrato( cfr. nomeadamente a  resposta negativa aos pontos 14º/ 16º da base instrutória): a circunstância de se ter dado como provado que o segurado/aderente conhecia, na data da celebração do contrato, o seu estado de saúde não conduz necessariamente  à má fé do segurado no que se refere à prestação de declarações inexactas acerca do seu estado de saúde, podendo estas ser devidas a inconsideração ou negligência, ainda que manifestas e censuráveis, no momento do preenchimento e subscrição do questionário clínico.

Como é sabido, a má fé não condiciona a aplicação do regime da anulabilidade do contrato, podendo – como é incontroverso na vigência do art. 429º do CCom. - este valor negativo do acto fundar-se na prestação negligente de informações pelo segurado acerca do seu estado de saúde actual, não referindo, por leviandade e inconsideração, uma patologia por ele conhecida e que , conforme as regras da experiência, não podia razoavelmente ignorar que era susceptível de influenciar a vontade de contratar da seguradora: na verdade, tal anulação basta-se com a censurabilidade do erro causado à contraparte, ainda que proveniente de um comportamento meramente negligente, não sendo pressuposto da anulação do negócio que se trate de erro dolosamente provocado ( cfr. por ex. o AC de8/6/10,  proferido pelo STJ no P. 90/2002.G1.S1.)

Porém, tal circunstância de se não ter por provado o dolo ou má fé do segurado – não relevando efectivamente para a anulabilidade do negócio – importa para a aferição das consequências da anulação: é que, não havendo má fé do segurado, opera de pleno o típico efeito retroactivo da anulabilidade do contrato, não tendo o segurador o direito ao prémio que o § único do referido art. 429º ressalva apenas para os casos de má fé do segurado.

Esta questão influencia, assim, a sorte do pedido reconvencional: na verdade, não tendo a seguradora logrado provar a má fé ou dolo do segurado – vide a resposta negativa aos factos, atrás referidos, que constavam da base instrutória – não pode proceder o pedido reconvencional deduzido, respeitante à reversão a favor da R. dos prémios de seguro pagos, no valor de € 3. 284,42.

7. A outra questão suscitada pela recorrente prende-se com a circunstância de o sinistro – decesso do interessado – se ter devido a uma patologia totalmente diversa e autónoma daquela que afectava o aderente no momento da celebração do contrato e da assunção do risco pela seguradora e cuja existência actual este manifestamente omitiu à contraparte – não havendo, pois, qualquer nexo causal entre o conteúdo da declaração inexacta e a patologia que conduziu efectivamente à morte do segurado.

Será de exigir, como condição sine qua non da anulabilidade do contrato pela seguradora, que haja um indispensável nexo causal entre o facto inexactamente declarado pelo aderente ( a patologia omitida) e o sinistro ( a morte do segurado), de tal modo que o efeito anulatório se deva ter por excluído quando o decesso se tenha devido a um processo patológico totalmente diverso e autónomo das doenças omitidas aquando do preenchimento do questionário clínico?

Note-se que, ao regular normativamente esta matéria, pode efectivamente o legislador, em abstracto, tomar dois caminhos ou vias jurídicas:

- o primeiro deles, traduzido em consagrar que a omissão culposa de patologias actuais e conhecidas do segurado, inquestionavelmente relevantes, segundo as regras da experiência comum, para a aferição do risco num seguro de vida, desde que tenha determinado causalmente a celebração ou o conteúdo do contrato , gera o direito potestativo à anulação com base em erro;

- a segunda perspectiva possível, consistiria em situar esta matéria a propósito da delimitação do risco suportado pela seguradora, atribuindo, desde logo,  às patologias culposamente omitidas pelo segurado um efeito excludente do âmbito dos riscos assumidos pela seguradora : ou seja. se a morte do interessado radicasse causalmente nas patologias por ele omitidas ou culposamente disfarçadas, estaria excluída a responsabilidade da seguradora; se, pelo contrário, o processo patológico que determinou causalmente a morte do segurado não tivesse nenhuma ligação ou conexão com as patologias culposamente omitidas aquando do preenchimento do questionário clínico, já poderia subsistir a responsabilidade da seguradora, sujeita embora a uma redefinição do seu âmbito e a uma eventual redução proporcional, por o risco concreto, consumado através do sinistro, se revelar totalmente autónomo, referentemente ao teor das declarações reticentes ou inexactas.

Como é evidente, esta segunda perspectiva jurídica pressupõe que esteja legalmente excluído, neste tipo de casos ou situações, o direito potestativo à anulação do contrato: na verdade, só faz sentido que possa subsistir como contrato modificado, no que respeita ao âmbito preciso dos riscos assumidos e respectivas condições contratuais, um contrato que prioritariamente, em primeira linha,  não esteja, desde logo, sujeito ao exercício legítimo de um direito à anulação, com base em relevante erro-vício da vontade da contraparte.

Sucede que – sendo inquestionadamente aplicável ao presente litígio o regime constante do art. 429º do CCom – esta segunda perspectiva acerca das vias para uma possível regulação normativa dos efeitos da declaração inexacta ou reticente do segurado não encontra qualquer apoio no regime legal aplicável à situação dos presentes autos: é que – ao contrário do que está previsto no regime do seguro actualmente em vigor ( art. 24º do DL 72/08, que, em determinadas situações bem delimitadas, admite que subsista ainda o contrato modificado, em função da alteração do risco efectivamente assumido pela seguradora).- o art. 429º fulmina com o valor negativo, correspondente `a anulabilidade do negócio, a prestação culposa de declarações inexactas ou reticentes que tenham viciado a vontade de contratar da seguradora ( cfr., por ex., o Ac. de 21/9/10, proferido pelo STJ no P. 08A1373) ; ou seja: provado, como efectivamente está:

- que o segurado omitiu no preenchimento do questionário clínico que lhe foi apresentado determinada patologia actual e consumada, explicitamente mencionada naquele questionário clínico;

- que essa patologia era  por ele perfeitamente conhecida, não podendo razoavelmente desconhecer que, pela sua gravidade e relevância,  era – segundo as regras da experiência comum - significativa para a aferição do risco pela seguradora;

- que tal omissão influenciou causalmente a celebração do concreto contrato de seguro, nos termos clausulados,

goza a seguradora do direito potestativo de anular o contrato, o que naturalmente obsta logicamente a que – sendo este direito potestativo exercitado - o contrato em causa possa ainda subsistir com as  modificações decorrentes, nomeadamente, de uma redução proporcional da responsabilidade da seguradora, em função dos riscos acrescidos ou da exclusão dos riscos associados às específicas patologias omitidas.

         8. Nestes termos e pelos fundamentos apontados concede-se, em parte, provimento à revista, revogando o segmento do acórdão recorrido que julgou procedente o pedido reconvencional, (por se não ter provado a má fé do segurado/aderente, a qual, nos termos do §único do art. 429º do CCom., legitimaria o direito ao embolso do prémio pela seguradora, apesar da anulação do contrato), - julgando-se, em consequência, improcedente a reconvenção, absolvendo o reconvindo do pedido reconvencional - e confirmando em tudo o mais o acórdão recorrido.

    Custas na exacta proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza a A./recorrente.

Lisboa, 27 de Março de 2014

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor

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[1] Aplicável por ser essa a lei que vigorava à data da celebração do contrato (2006).
[2] "Embora a letra deste preceito possa inculcar que se trata de uma nulidade, estamos apenas perante uma anulabilidade do contrato, como vem sendo entendido pela doutrina e pela jurisprudência (Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro, pág. 61, nota 29; José Vasques, Contrato de Seguro, pág. 379; Ac. S.T.J. de 3-3-98, Col. Ac. S.T.J., VI, 1.º, 103; Ac. S.T.J. de 10-5-01, Col. Ac. S.T.J., IX, 2.º, 60; Ac. S.T.J. de 4-3-04, Col. Ac. S.T.J., XII, 1.º, 102). Com efeito, não existem quaisquer razões que imponham um regime tão drástico como o da nulidade. Trata-se de uma imperfeição terminológica, que também viciava o Código Civil de Seabra, quando se estabelecia a distinção doutrinal entre nulidade absoluta e nulidade relativa. A natureza particular dos interesses em jogo e a inexistência de violação de qualquer norma imperativa determinam que deva ser a anulabilidade a consequência ligada à emissão de declarações inexactas ou reticentes do segurado, susceptíveis de influir na existência ou condições do contrato de seguro. Na verdade, o regime mais severo da nulidade encontra o seu fundamento teleológico em motivos de interesse público, enquanto as anulabilidades se fundam na infracção de requisitos dirigidos à tutela de interesses particulares, como é o caso. A interpretação referida é a que se mostra mais consentânea com a unidade do sistema jurídico que, como regra, qualifica de anulabilidade a invalidade dos negócios por vício na formação da vontade - arts 247, 251, 252 254 , 256 e 257 do Cód. Civil. E o art. 429 do Cód. Comercial constitui um afloramento do erro vício que atinja os motivos determinante da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, previsto nos arts 251 e 247 do C.C." Ac. STJ de 8-6-2006 no Proc. 06A1435, www.gde. mj.pt. Neste sentido veja-se ainda Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, 2013, pág. 574.
[3] Cfr. artigos 13.º a 15.º da réplica.
[4] Cfr. quesito 18.º.
[5] Cfr. folha 130.
[6] Galvão Telles, Dos Contratos em Geral, 2.ª Edição, pág. 106.
[7] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 516.
[8] Cfr. folhas 174 e 180.
[9] Neste ponto a decisão é equívoca; não é suficientemente claro se este constitui, efectivamente, um dos fundamentos da improcedência da excepção. Parece constituir.
[10] Citado Ac. STJ de 8-6-2006.
[11] Cfr. facto 11 dos factos provados.
[12] Cfr. facto 4 dos factos provados.
[13] Cfr. facto 12 dos factos provados.
[14] Cfr. facto 13 dos factos provados.