Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
959/09.2TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
ERRO DE JULGAMENTO
VALOR PROBATÓRIO
ÂMBITO DO RECURSO
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
Doutrina:
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.ºS 4 E 5, 640.º, N.º 1, AL. B), 662.º, N.º1, 663.º, N.º 2.
Sumário :
1. É hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa. 

2. No âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida.

3. Todavia, a análise crítica da prova a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não significa que tenham de ser versados ou rebatidos, ponto por ponto, todos os argumentos do impugnante nem que tenha de ser efetuada uma argumentação exaustiva ou de pormenor de todo o material probatório. Afigura-se bastar que dessa análise se destaquem ou especifiquem os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do tribunal.

4. Também nada obsta a que o tribunal de recurso secunde ou corrobore a fundamentação dada pela 1.ª instância, desde que esta se revele sólida ou convincente à luz da prova auditada e não se mostre fragilizada pela argumentação probatória do impugnante, sustentada em elementos concretos que defluam da prova produzida, em termos de caracterizar minimamente o erro de julgamento invocado ou que, como se refere no artigo 640.º, n.º 1, aliena b), do CPC, imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida.

5. O nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure.

6. No caso vertente, o Tribunal da Relação atentou na motivação dada pelo tribunal da 1.ª instância a cada uma das respostas impugnadas, contrapondo-lhe o alegado pelos Recorrentes no sentido da pretendida alteração, considerando que, face à audição da prova, aquela motivação tinha suficiente sustento na prova produzida ali referenciada.

7. Por outro lado, as alegações dos Recorrentes em relação a cada uma dessas respostas, em parte de pendor conclusivo, não contêm elementos críticos que denotem fragilidade da ponderação objetivada pelo tribunal da 1.ª instância, em termos de exigir fundamentação detalhada de rebate.

8. Não se encontram razões para concluir que o tribunal a quo, quer em face dos contornos da impugnação de facto traçados pelos Recorrentes, quer atenta a sua margem de ponderação e o relevo dos factos impugnados para a decisão da causa, no quadro da demais factualidade dada como provada e não provada, tenha incorrido em violação da disciplina processual na reapreciação da prova, mormente em sede do normativo constitucional e dos normativos legais invocados.   

Decisão Texto Integral:

 

 

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório

1. AA e BB intentaram, em 2009, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra:

   1.ª R. - CC, S.A.,

   2.º R. - DD,

   3.º R. - EE,

   4.º R.R. - FF e GG,

   5.º R. - BANCO HH, S.A.,

   6.ª R. - II, Ld.ª,  

alegando, no essencial, o seguinte:

. O vício de simulação de um contrato intitulado de compra e venda, constante da escritura pública, de 23/12/2005, reproduzida a fls. 104-107, nos termos do qual os aqui A.A., ali representados pelo seu procurador JJ, declararam vender à 1.ª R. “CC, S.A.”, representada pelo 3.º R. EE, o prédio urbano sito no Lugar ..., Quinta ..., Lote .., freguesia de …, descrito na 1a Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 27691 a folhas 75 do Livro-B 105, inscrito na matriz predial sob o n.º 6495, mediante o preço de € 250.000,00;

. Todavia, o referido contrato, conforme o previamente negociado entre JJ e o 2.º R. DD teve apenas por finalidade proporcionar aos A.A. um financiamento, no montante do preço acordado, com vista a que os mesmos AA. comprassem a KK outro prédio urbano sito na Quinta ..., Rua ..., n.º 000, freguesia de …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 10.662 e descrito na l.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 00991;

. Com efeito, KK e os A.A. havia celebrado, em 27/06/2002, um contrato-promessa de compra e venda - aquele na qualidade de promitente-vendedor e estes como promitentes-compradores - do referido prédio urbano sito na Quinta ..., Rua ..., n.º 000, freguesia de …, pelo valor de € 548.678,00, tendo os A.A. entregue, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 99.760,00, devendo a restante quantia ser paga no ato de celebração da escritura a ocorrer até ao final do mês de maio de 2013;

. Mediante dois aditamentos deste contrato-promessa, um em 02/06/2003 e outro em 05/07/2005, foi acordado que as partes se comprometiam a outorgar a escritura de compra e venda com recurso a uma operação financeira no âmbito da qual o promitente-vendedor solicitaria uma hipoteca sobre o imóvel prometido no valor de € 300.000,00, ficando os A.A. de suportar todos os encargos e despesas com tal contrato de mútuo, assumindo os mesmos as obrigações emergentes desse contrato junto da “BANCO LL, S.A.”;

. Porém, ante as dificuldades na obtenção do respetivo financiamento, passando pela hipótese de constituir hipoteca sobre um outro imóvel pertencente aos A.A., estes e KK acabaram por revogar o sobredito contrato-promessa, estipulando que o promitente-vendedor devolveria a quantia de € 249.399,79, entregue a título de sinal, fixando-se além disso, a quantia de € 49.879,79 a título de compensação, a cargo dos A.A., pela não celebração do contrato definitivo;  

. Não obstante isso, os A.A., residentes na …, continuaram a desenvolver esforços com vista a obter um empréstimo bancário de € 250.000,00, tendente a formalizar uma nova proposta de compra junto de KK, se possível, até ao final do ano de 2005, procurando recuperar também a perda da quantia de € 49.879,79, ou alternativamente, negociar um valor mais baixo;

. Foi nesse contexto que o procurador dos AA., JJ, no decurso de contatos havidos, no Verão de 2005, com o 2.º R. DD, que se lhe apresentara como especialista no ramo imobiliário, mandatário de várias firmas com uma carteira de clientes de potenciais investidores na atividade imobiliária, relatou a necessidade de os AA. obterem um empréstimo intercalar de € 249.399,42 para a pretendida compra do prédio a KK, dadas as dificuldades que os mesmos tinham em obter tal empréstimo por residirem na … e o imóvel se situar em Portugal;

. Perante isso, no início de dezembro de 2005, o R. DD avançou com a possibilidade de um investidor conceder tal empréstimo, a seis meses, caso os A.A. prestassem uma garantia patrimonial;

. Nessa base, JJ, na qualidade de procurador dos A.A., anuiu com o R. DD em celebrar um contrato de mútuo de € 250.000,00 com constituição de uma hipoteca sobre o prédio urbano pertencente aos mesmos A.A. sito no Lugar ..., Quinta ..., Lote 00, freguesia de …, com o valor patrimonial de 6.000.000$00 e o valor de mercado de € 550.000,00;

. Para tanto, o R. DD solicitou a JJ toda a documentação necessária e procedeu à marcação da respetiva escritura, escolhendo o cartório e o local de realização do instrumento notarial;

. Em 23/12/2005, o R. DD, no decurso de um almoço prévio à celebração da escritura gizada, explicou a JJ que o investidor já não tinha interesse em declarar a celebração do contrato de mútuo e em constituir a respetiva hipoteca, para evitar problemas com a fiscalização aos seus negócios, por não ter declarado rendimentos suficientes que justificasse a detenção de tal quantia, salientando ainda o facto de os A.A. terem de suportar o imposto de selo;

. A par disso, o R. DD, 30 minutos antes da realização da escritura, informou JJ de que o R. EE era administrador da 1.ª R. “CC, S.A.”, e que esta beneficiaria, na aquisição de imóveis, por um período de 3 anos, de isenção do pagamento do IMT e que tinha fundos próprios para dispor da quantia de € 250.000,00, evitando problemas com a justificação da verba;

. Em tais circunstâncias, o R. DD informou JJ de que o empréstimo apenas se poderia realizar com recurso a uma operação “simulada” de compra e venda, alegando que a operação de compra e venda não acarretaria quaisquer problemas para os AA., porquanto se tratava dum empréstimo a curto prazo, não se fazendo sequer o registo da compra e venda, outorgando-se, imediatamente após o retorno da quantia, uma nova escritura de compra e venda que repusesse o bem na esfera jurídica dos AA., sendo que o único custo seriam as despesas da escritura e registais e o IMT da segunda escritura;

. Apesar da recusa inicial de JJ, o R. DD convenceu-o a outorgar a acima referida escritura de compra e venda de 23/12/2005, atendendo a que, naquele momento, não tinha possibilidade de contatar com os AA. e de se estar quase no final do ano para reverter a situação deste de modo a evitar a perda de sinal;

. JJ nunca teve contatos com o R. EE, tendo-o conhecido no ato da escritura;

. O R. DD assistiu à celebração daquela escritura e segredou a JJ para não levantar nenhumas questões nem à notária nem ao R. EE;

. Após a outorga da escritura, JJ foi confrontado com o facto de a CC apenas poder proceder ao pagamento da quantia de € 100.000,00, alegando que a operação de financiamento seria processada em duas tranches, sendo que a segunda só seria concretizada em 28/12/ 2005, pelo que apenas nessa data seriam pagos os € 150.000,00;

. JJ ficou surpreendido com tal situação, mas, conversando com o R. DD e com o R. EE, acabou por aceitar a entrega dos referidos € 100.000,00;

. JJ não informou os A.A. desta situação surgida no cartório notarial e, em 28/12/2005, tentou contatar com o R. DD para que lhe fossem entregues os restantes € 150.000,00, o que não conseguiu;

. Em 29/12/2005, o R. DD informou JJ de que havia sido recusada a 2.ª operação de financiamento à R. “CC, S.A”, estando esta a diligenciar por novo financiamento junto de outra instituição bancária;

. JJ informou que pretendia desfazer todo o negócio e marcar nova escritura para recolocar o imóvel na esfera jurídica dos A.A., mas o R. DD aconselhou aquele a manter-se calmo porque a situação seria resolvida em janeiro de 2006;

. Durante o mês de janeiro de 2006, após sucessivas reuniões com DD, JJ foi informado de que os investimentos de EE iriam permitir liquidez para proceder à entrega dos € 150.000,00, tendo apenas que esperar;

. Por sua vez, JJ informou que pretendia proceder à devolução da quantia recebida com outorga de nova escritura, dado que os AA. já lhe haviam transmitido a pretensão de não adquirir o outro imóvel a KK e de se conformar com as consequências do acordo de revogação do contrato-promessa;

. Em outubro de 2006, o R. DD informou JJ de que o R. EE estaria disponível para desfazer o negócio, dando-lhe instruções para tratar da papelada, solicitando a JJ a devolução de uma parte da quantia recebida para que a R. CC, S.A., pudesse ver nesse facto uma prova de boa-fé, face ao que JJ procedeu à devolução da quantia de € 25.000,00 à R. “CC, S.A.”;

. Em dezembro de 2006, o R. DD informou JJ de que o R. EE iria deslocar-se ao estrangeiro, pelo que a escritura de devolução da propriedade aos A.A. só seria concretizada logo que o R. EE regressasse;

. Durante o ano de 2007, o R. DD foi informando JJ de que a escritura apenas poderia realizar-se no final de 2007;

. Em 19/10/2007, pela 1.ª vez, o R. EE contatou pessoalmente com JJ, interpelando-o, em tom ameaçador, sobre o motivo pelo qual este pretendia desfazer o negócio;

. JJ solicitou então a outorga da nova escritura para a devolução do bem imóvel aos AA., que nada sabiam do sucedido, face ao que o R. EE lhe pediu a devolução da restante quantia de € 75.000,00 para fazer a escritura;

. Porém, JJ não concordou, alegando que tal quantia seria entregue no ato de escritura, mas EE referiu que precisava urgentemente da quantia de € 50.000,00, alegando dificuldades da R. “CC, S.A.”, e que, se não houvesse a entrega de tal quantia, venderia o bem imóvel;

. JJ, receando tal desfecho, entregou a quantia de € 50.000,00 por intermédio de cheque sacado sobre o BANCO MM à R. “CC, S.A.”;

. Durante os meses de janeiro a março de 2008, JJ obteve a informação de que a escritura de compra e venda do imóvel que havia sido pertença dos A.A. tinha sido registada em 28/03/2006 e, no dia 02/ 04/2008, deslocou-se àquele prédio, tendo verificado que o seu interior estava remexido;

. JJ, sentindo-se enganado, solicitou ao R. DD uma reunião com o R. EE para que fosse realizada a escritura a desfazer o negócio;

. Numa reunião realizada em 15.04.2008, a pedido de JJ, o R. EE informou que: a R. CC, S.A., havia subscrito, em 2005, uma letra de € 250.000,00, tendo entregue, no dia 23.12.2005, apenas a quantia de € 100.000,00 a JJ porque havia emprestado a quantia remanescente ao R. DD; o empréstimo de € 250.000,00 estava sujeito a juros de 15,5% de 3 em 3 meses; havia sido acordado entre si e DD uma margem de negócio para a R. CC, S.A., de € 25.000,00 por ano; a fórmula jurídica dada ao negócio foi sugerida e definida pelo R. DD; que a CC, S.A., estava com um volume de negócios muito fraco e com dificuldades financeiras; havia colocado o imóvel objeto da escritura no mercado e que havia já recebido o sinal de € 110.00,00; se JJ pretendia reverter o negócio teria de pagar o montante de € 334.484,64 até 23/04/2008, já contando com a quantia de € 75.000,00 anteriormente devolvida, sob pena da CC, S.A., efetuar, nesse dia, uma escritura de compra e venda com terceiro, ao qual já havia sido aprovado o crédito bancário e feito os registos provisórios a favor do BANCO NN, S.A.;

. Apesar dos apelos de JJ, informando que os AA. viriam a Portugal em maio, pretendendo utilizar o imóvel, e que a situação iria provocar danos na sua imagem profissional, o R. EE apenas referiu que ele tinha até 23/04/2008 para resolver a questão e pagar;

. JJ referiu então que iria avisar o BANCO NN, S.A., sobre a situação de forma a que a instituição bancária não realizasse qualquer escritura sobre o mesmo;

. No dia 23/04/2008, o BANCO NN, S.A., cancelou os registos provisórios sobre o imóvel e foram averbados dois registos provisórios a favor da instituição de crédito “BANCO HH, S.A”, por conta dos dois contratos de mútuo nos valores, respetivamente de € 244.000,00 e de 91.000,00;

. Em 25.04.2008, JJ, deslocando-se ao imóvel, falou com o R. FF, o qual se apresentou como o promitente-comprador do mesmo, tendo JJ informado aquele de toda a trama relativa ao prédio e que iria propor ação judicial para impugnar qualquer ato de alienação do imóvel, tendo o R. FF dito que os anteriores proprietários não teriam qualquer hipótese de reaver o imóvel;

. O R. FF informou JJ que a “CC”, S.A., e um advogado o aconselharam a solicitar um empréstimo bancário, colocando o banco como beneficiário da hipoteca sobre o imóvel como terceiro de boa fé inviabilizando que o negócio fosse desfeito;

. O R. FF informou JJ de que se encontrava a realizar obras no imóvel para poder alegar a existência de um direito de retenção sobre o imóvel, de acordo com o conselho que a CC, S.A., lhe havia dado;

. A partir de 25.04.2008, JJ constatou que no referido prédio havia um grupo de indivíduos associados à construção civil que iniciaram obras no interior da moradia, removendo os bens ali existentes;

. Em 29/04/2008, JJ, a título próprio e em representação dos AA., endereçou missivas ao Provedor do Cliente do BANCO NN, S.A., aos R.R. CC, S.A., EE, DD e FF, bem como à sociedade OO, Lda, a adverti-los da situação existente entre os A.A e a 1.ª R. e de que não estavam autorizados a fazer obras no prédio em causa; 

. Em 09.05.2008, os registos provisórios a favor do R. BANCO HH, S.A., foram convertidos em definitivos por força da celebração da escritura de compra e venda a favor dos R.R. FF e GG;

. Os RR. FF e GG alteraram os pressupostos para a celebração de um contrato de crédito à habitação, negociando condições bem mais desvantajosas, por terem sabido das diligências efetuadas por JJ junto do BANCO NN, S.A.;

. O A. só teve conhecimento de toda a situação relativa ao imóvel em 01/07/2008 quando se deslocou a Portugal, apurando que a R. II, Ld.a, havia sido contratada pelo R. EE para remover os móveis do interior da moradia para um armazém;

. O A. deslocou-se à R. "II, Lda e procedeu ao levantamento dos bens móveis, tendo pago diversas quantias por despesas de guarda, depósito e remoção desses bens;

. Após levantamento dos bens na R. II, Lda, os AA. constaram a falta bens, no valor global de € 42.000,00, e de objetos de ourivesaria, no valor de € 20.000,00.

. O referido prédio vendido à 1.ª R. CC, S.A., havia sido colocado à venda pelos AA., no decurso de 2004, mas estes, por alteração da sua vontade, aliada a uma quebra de mercado, decidiram não o vender, enviando uma carta a JJ nesse sentido e, em 10/05/2004, revo-garam o mandato que lhe haviam conferido;

. Porque os AA. viram goradas as suas expetativas, KK e o filho KK acabaram por vender a terceiro, em 27/07/2006, pelo valor de € 350.000,00, o prédio dantes prometido vender àqueles AA.;

. Os AA. não ratificam qualquer ato de alienação, oneração ou qualquer outro diligenciado por JJ sobre o imóvel vendido à 1.ª R..

Os AA. concluíram pedindo que:  

A - Fosse reconhecido e declarado o seguinte:

a) – a revogação do contrato de mandato que os A.A.  haviam atribuído ao procurador JJ;

b) – a ineficácia e nulidade do contrato de mandato outorgado pelos A.A. a JJ, atendo o abuso de representação que aquele. Fizera do mesmo;

c) – a ineficácia e nulidade para os A.A. da escritura de compra e venda realizada a 23/12/2005 celebrada pelo procurador JJ a favor da 1.ª R. em relação aos A.A.;

d) – a ineficácia e nulidade do registo de aquisição pela 1.ª R. de tal imóvel em relação aos A.A.;

e) – a ineficácia e nulidade dos registos provisórios efetuados a favor do 5.º réu em relação aos A.A.;

f) – a ineficácia e nulidade da escritura de compra e venda da 1.ª R. a favor dos 4.º RR. em relação aos A.A.;

g) – a ineficácia e nulidade da constituição da hipoteca sobre o mesmo prédio a favor do 5.º R. em relação aos A.A.;

h) – a ineficácia e nulidade do registo de tal hipoteca sobre o mesmo prédio a favor do 5.º R. em relação aos A.A.;

B - Em consequência, fosse  ordenado o cancelamento na respetiva Conservatória do Registo Predial de …, dos registos que incidem sobre o prédio relativos à aquisição pela l.ª R., 4.º RR., à hipoteca e à assunção da quantia hipotecária a favor do 5.º réu;

C – Fosse ordenada a inscrição na matriz predial relativa ao prédio a propriedade a favor dos A.A., deixando de. figurar os 4°s réus;

D – Fossem condenados os 1.º, 2.º 3.º e 4.º R.R., solidariamente, a pagar todas as despesas que os A.A. suportaram, no montante de € 3.839,50, por conta das despesas de transporte e armazenamento do recheio da sua habitação, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, acrescido de uma sanção pecuniária compulsória de € 25,00/dia por cada dia de atraso;

E – Fossem condenados os 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 6.º R.R., solidariamente, a pagarem € 40,00/dia a título de privação de uso de bens ilicitamente removidos e não entregues aos A.A., computando até ao presente a quantia de € 14.080,00, acrescido de uma sanção pecuniária compulsória de € 20,00 por cada dia de atraso;

F - Subsidiariamente, e ainda em caso de impossibilidade de devolução dos bens desaparecidos, fosse fixada uma indemnização no valor de € 60.000,00, a qual, cumulativamente, deverá acrescer o seu valor residual fixado em 20.000,00;

G) – Fossem condenados os 1.º, 2.º, 3.º e 4.º R.R., solidariamente, a pagar aos A.A. a quantia de € 550.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento a título de responsabilidade civil;

H) - Subsidiariamente, a título de enriquecimento sem causa, fossem os 1.º, 2.º e 3.º R.R. condenados em idêntica importância.

2. Os R.R. FF e GG contestaram, pedindo a sua absolvição do pedido por improcedência da ação, impugnando os factos articulados pelos A.A. e alegando, em resumo, que:

. Existe contradição entre o pedido e a causa de pedir com a consequente ineptidão da petição inicial;

. O documento junto a fls. 101, não pode constituir revogação do mandato a JJ;

. Os contestantes apenas não celebraram contrato de mútuo com o BANCO NN, S.A., porque lhes foi exigido pelo BANCO HH, S.A., um reembolso antecipado com penalizações do empréstimo que já ali tinham;

. As taxas de juro numa e noutra instituição bancária são iguais, ou seja Euribor a 90 dias, sendo o respetivo spread num caso 0,40% e no outro 0,85%.

3. A R. “BANCO HH, S.A”, também contestou, a pedir a sua absolvição do pedido por improcedência da presente ação, mediante impugnação dos factos articulados pelos AA., sustentando que:

. A R. apenas teve conhecimento do contrato de empréstimo que celebrou com os R.R. FF e GG;

. No âmbito do contrato de empréstimo que lhe foi solicitado, a R. analisou toda a documentação, nomeadamente que o imóvel estava registado a favor da entidade vendedora;

. A 28/04/2008, a R. celebrou o contrato de mútuo, tendo emprestado aos identificados R.R. para aquisição do imóvel a quantia de € 244.000,00 e € 91.000,00 a título de crédito multifunções;

. A taxa de juro anual efetiva estipulada par ao crédito a habitação foi de 5,647%, sendo que os 7% foram estipulados para o caso de incumprimento.

4. Por seu lado, a 1.ª R. CC, S.A. e os R.R. DD, EE e “II, Ld.a”, contestaram, a pedir a sua absolvição da instância com fundamento em ilegitimidade e em nulidade de todo o processado por ineptidão da petição inicial e, subsidiariamente, a sua absolvição do pedido por improcedência da ação, impugnando a matéria relativa à alegada simulação e revogação de mandato, sustentando que:

. O R. EE é parte ilegítima por ter sido demandado apenas como legal representante da R. CC, S.A.;

. Há ilegitimidade passiva também porque não se encontra demandado o dito procurador dos A.A., pedindo estes a revogação do mandato;

. A procuração nunca foí revogada pelos A.A.;

. Há ininteligibilidade da causa de pedir, já que deveriam pedir contas ao procurador e não os R.R. ora demandados.

5. Os A.A. deduziram réplica, a sustentar a improcedência das exceções deduzidas, alegando que:

. O 3.º R. foi apresentado a JJ como sendo investidor, tendo apenas usado a 3.ª R. para retirar benefícios fiscais, recebendo também do procurador dos A.A. a quantia de € 75.000,00 para a realização da escritura pública que revertesse o imóvel para a esfera jurídica deles;

. A causa de pedir foi suficientemente individualizada e concretizada, não ocorrendo o invocado vício de ineptidão da petição inicial.

6. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador (fls. 557-612), a julgar improcedentes as exceções de nulidade de todo o processo, fundada em ineptidão da petição inicial, e a ilegitimidade passiva, procedendo-se à seleção da matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória.

7. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 927-969, datada de 27/04/2015, em que foi inserida a decisão de facto e respetiva motivação, a julgar a ação totalmente improcedente com a consequente absolvição de todos os R.R. dos pedidos contra eles formulados.

8. Inconformados com tal decisão, os A.A. recorreram para a Relação de …, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo a apelação sido julgada improcedente com a confirmação, por unanimidade, da sentença recorrida, conforme o acórdão reproduzido a fls. 18-35/v.º, datado de 22/09/2016.

9. De novo inconformados, vêm os A.A. pedir revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Julgada a causa foi proferida sentença pela 1.a Instância e os R.R. absolvidos de todos os pedidos formulados pelos A.A.;

2.ª - Não se conformando com esta decisão o aqui Recorrente apelou para o Tribunal da Relação de … que decidiu julgar improcedente a apelação fundamentando-se, unicamente, nas respostas proferidas pelo Tribunal de 1.ª Instância à matéria da base instrutória;

3.ª - O Recorrente indicou, na apelação, quais os pontos da matéria de facto que entende que devem ser alterados / modificados e indicou os concretos meios de prova que sustentam a sua pretensão e, consequentemente, impõem uma decisão diversa da recorrida;

4.ª - O Tribunal “a quo” limitou-se, apenas, a transcrever as alegações do Recorrente, a matéria de facto provada e a invocar os artigos 640.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), 607.º, n.º 4 e 5, todos do CPC e art.º 396.º do CC, terminando com a invocação da fundamentação do Tribunal de 1.ª Instância;

5.ª - O princípio da imediação da prova que se impõe ao Tribunal da Relação consiste num verdadeiro e efetivo 2.º grau de jurisdição sobre a apreciação do conteúdo da prova produzida em sede de 1.ª Instância;

6.ª - À Relação impõe-se declarar se os pontos de facto impugnados foram bem ou mal julgados e, em conformidade com esse julgamento, manter ou alterar a decisão proferida sobre os mesmos;

7.ª - No Tribunal da Relação vigora as mesmas regras e princípios, dos quais avulta o dever de fundamentação das decisões e o princípio da livre apreciação da prova;

8.ª - A prova há-de ser sempre apreciada pela Relação segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral, de acordo com as regras da experiência comum e dos critérios da lógica, culminando na formação de juízos e raciocínios que conduzem à convicção do julgador;

9.ª - A Relação deverá formar e fazer refletir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1.ª Instância;

10.ª - O julgador de 2.ª instância deve indicar os fundamentos da sua convicção por forma a permitir o controlo da razoabilidade da decisão mediante a intervenção das mesmas regras da ciência, lógica e experiência;

11.ª - A Relação não pode limitar-se a procurar determinar se a convicção formada pelo julgador da 1.ª instância tem suporte na gravação, ou limitar-se a apreciar, genericamente, a fundamentação da decisão de facto, para concluir, sem base suficiente, existir ou não erro grosseiro ou evidente, na apreciação da prova;

12.ª - O Tribunal a quo desvalorizou por completo a apelação interposta pelo aqui Recorrente;

13.ª - O Tribunal a quo não procedeu, como devia, à análise dos meios probatórios indicados pelo Recorrente nem concretizou qualquer referência ao conteúdo dos depoimentos testemunhais, relacionando-o com os pontos de facto que o Recorrente questionou;

14.ª - Não abordou qualquer das dúvidas, sérias, suscitadas nas alegações da apelação sobre os indicados itens;

15.ª - O Tribunal da Relação deveria ter como ponto de partida a decisão recorrida e proferida pela 1.ª Instância e verificar se esta julgou em obediência às normas legais a matéria em caso;

16.ª - Cabe à Relação proceder à efetiva reponderação da prova, expressando a sua própria convicção, a qual terá de passar pela análise de todos os depoimentos e demais elementos de prova aludidos pelo Recorrente e pela ponderação do valor probatório de cada um, com explicitação clara dos resultados desse escrutínio e afirmação, devidamente justificada, da existência ou inexistência de erro de julgamento da matéria de facto;

17.ª - Deverá explicar as razões que objetivamente determinaram a não dar como provados ou provados os factos em concreto e efetuar a sua própria valoração das provas questionadas e a sua própria análise crítica dessas provas;

18.ª - O tribunal “a quo” adotou um juízo meramente conclusivo ou inconcludente, sem nada dizer sobre a concreta atividade de reponderação a que se terá procedido, juízo esse que não pode ser considerado como fundamentação bastante ou suficiente;

19.ª - O procedimento adotado pelo Tribunal da Relação envolve, para além de manifesta insuficiência de fundamentação, a clara violação do princípio da imediação da prova, atento o disposto no n.º 1 do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa, n.º 1 do art.º 154.º e n.º 1 do art.º 662.º ambos do CPC.

Pedem os Recorrentes que se “revogue” o acórdão recorrido e se ordene a baixa do processo à Relação para que reaprecie e repondere devidamente a prova em ordem a formar a convicção própria, alterando ou mantendo as respostas impugnadas em obediência ao principio da imediação e ao disposto nos artigos 205.º, n.º 1, da Constituição, 154.º, n.º 1, e 662°, n.º 1, do CPC.

10. Os Recorridos FF e GG e o BANCO HH, S.A., apresentaram contra-alegações.

11. A revista acabou por ser admitida em sede da reclamação deduzida contra o despacho de indeferimento da Exm.ª Relatora do Tribunal da Relação.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Delimitação do objeto do recurso

Tendo a presente ação sido interposta em 2009 e as decisões impugnadas proferidas em 27/04/2015 (1.ª instância) e 22/09/2016 (Relação), aplica-se o atual regime recursal, por força do disposto no art.º 5.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26-06.

Das conclusões recursórias, em função das quais se delimita o âmbito do recurso, resulta que o objeto da revista se cinge à questão de saber se o acórdão recorrido padece do invocado vício de violação da disciplina processual no respeitante aos parâmetros formais de reapreciação da decisão de facto impugnada.   

 

III - Fundamentação

1. Factualidade provada 

Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. KK e o PP venderam, a 27 de julho de 2006, o prédio urbano composto por cave e r/c, situado na Quinta ..., Rua ... n.º 353, freguesia e concelho de ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo 10.662 e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° 00991, pelo valor de € 350.000,00 – Alínea A) dos factos assentes;

1.2. A data os A.A. eram proprietários de um outro prédio urbano, sito no Lugar ..., Quinta ..., Lote 00 - presentemente, Rua … n.° 00 -, na freguesia e concelho de ..., composto por uma moradia, com cave destinada a garagem e adega, rés-do-chão e primeiro andar destinados a habitação e logradouro, descrito na l.ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 27.691 a folhas 75 do Livro-B-105, inscrito na matriz predial sob o n.° 6495, com o valor patrimonial [à época] de 6.000.000$00 e contravalor de € 29.927,87 – Alínea B) dos factos assentes;

1.3. No dia 23/12/2005, no Cartório Notarial de QQ, na ..., foi celebrada escritura pública de compra e venda relativa ao prédio urbano, no Lugar ..., Quinta ..., Lote 00, na freguesia e concelho de ..., composto por uma moradia de cave, destinada a garagem e adega e rés-do-chão e primeiro andar, destinada a habitação e logradouro, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 27.691 e um a folha 75 do Livro B - cento e cinco, e inscrito na matriz predial sob o artigo 6495 e valor patrimonial de € 89.747,70, o qual foi vendido à 1.ª R. CC - Compra e Venda de Imóveis de S.A, aí melhor descrita, pelo valor de € 250.000,00 (doc. de fls. 103 a 110) – Alínea C) dos factos assentes;

1.4. A escritura de compra e venda a favor da CC foi registada a 28 de março de 2006 (doc. de fls. 108 a 110) – Alínea D) dos factos assentes;

1.5. No dia 23 de abril de 2008, o BANCO NN cancelou os registos provisórios sobre o imóvel referido em 1.2 (doc. de fls. 153 a 157) – Alínea E) dos factos assentes;

1.6. No dia 23 de abril de 2008, foram averbados, sobre o imóvel referido em 1.2 dois registos provisórios a favor de outra Instituição de Crédito - BANCO HH, S.A., por conta de dois contratos de mútuo, respetivamente no valor de € 244.000,00 e € 91.000,00 (doc. de fls. 153 a 157) – Alínea F) dos factos assentes;

1.7. No dia 9 de maio de 2008, tais registos provisórios a favor do BANCO HH, S.A., foram convertidos em definitivos por força da celebração de escritura de compra e venda a favor de FF e GG – Alínea G) dos factos assentes;

1.8. No dia 27 de junho de 2002, entre KK, e os ora AA, por intermédio de procurador JJ, foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda relativo ao prédio urbano, composto por cave e r/c, situado na Quinta ..., Rua ... n.° 000, na freguesia e concelho de ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo 10.662 e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° 00991, no valor de € 548.678,00 (doc. de fls. 71 e 72) – resposta ao facto controvertido 1.º;

1.9. Foi entregue a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de € 99.760,00.

1.10. A restante quantia de € 349.159,00 deveria ser paga, no ato da celebração da escritura, a ocorrer até ao final do mês de Maio de 2003. – resposta ao artº 3.º da base instrutória;

1.11. No dia 2 de junho de 2003, foi celebrado entre os A.A. e KK um aditamento ao contrato-promessa supra descrito, (fls. 73 e 74), no qual ambos os contratantes acordaram no reforço de sinal na quantia de € 99.759,58, e mais acordaram que o restante valor de € 249.399,42 seria pago na outorga do contrato definitivo [escritura pública] que deveria ocorrer até 15 de agosto de 2003 – resposta ao art.º 4.º da base instrutória;

1.12. Após análise preliminar da referida instituição de crédito, a 16 de agosto de 2005, foi rececionada por KK a comunicação da BANCO LL, dando conta da autorização e deferimento do empréstimo solicitado com expressa menção das condições financeiras e contratuais (doc. de fls. 79) – resposta ao art.º 9.º da base instrutória;

1.13. Os AA. e KK optaram por fazer cessar, por mútuo acordo, o contrato-promessa de compra e venda descrito em 1.8, tendo KK devolvido aos AA. a quantia de €  249.399,79, tendo os mesmos acordado uma compensação no montante de € 49.879,79 devida pelos AA. a KK – resposta ao art.º 18.º da base instrutória;

1.14. O valor de mercado do imóvel descrito em 1.2 em 2005 fixava-se em € 370.000,00 – resposta ao art.º 36.º da base instrutória;

1.15. Esse imóvel, pertença dos AA., havia estado colocado para venda no decurso de 2004 – resposta ao art.º 37.º da base instrutória;

1.16. O A. apôs a sua assinatura no instrumento particular cuja cópia consta a fls. 101 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido, datado de 10/05/2004, onde consta, para além do mais:

«A RR .... (...). Assunto: Moradia da Rua …, n° 00 - … …. Exm°s Senhores, venho por este meio informar que a partir de 10.05.2004, retiro de venda a minha vivenda acima referida. Sem mais de momento e com os meus cumprimentos. (...)»

resposta ao art.º 37.º da base instrutória;

1.17. Foi entregue a JJ pela R. CC, S.A., a quantia de € 100.000,00 por intermédio do cheque n.° 0000000201, sacado sobre o BANCO SS e datado de 23/12/2005 (doc. de fls. 114) – resposta ao art.º 58.º da base instrutória;

1.18. JJ entregou à R. CC, S.A., a quantia de € 25.000,00, a qual teve lançamento bancário no dia 6 de novembro de 2006 (doc. de fls. 118) – resposta ao art.º 71.º da base instrutória;

1.19. JJ entregou à CC, S.A., a quantia de € 50.000,00 por intermédio de cheque n.° 0000000493, sacado sobre o BANCO MM (cf. fls. 119) – resposta ao art.º 82.º da base instrutória;

1.20. No dia 29 de abril de 2008, JJ, a título próprio e em representação dos AA, endereçou aos serviços do Provedor do Cliente do BANCO NN uma carta cuja cópia consta a fls. 126 dos autos – resposta ao art.º 96.º da base instrutória;

1.21. No dia 29 de abril de 2008, JJ, a título próprio e em representação dos AA, enviou para a R. CC, S.A., para a morada Rua …, n° 00, …, …, 0000 …, e para a morada Praça …, n.° 00, 0.º esq., 0000-000 …, a carta cuja cópia consta a fls. 129 e a fls. 133 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, e para o réu EE, para a morada Rua …, n.º 00, 00, …, 0000 …, a carta constante a fls. 138 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao art.º 97.º da base instrutória;

1.22. No dia 29 de abril de 2008, JJ, a título próprio e em representação dos AA, endereçou ao R. DD, para a morada Rua …, n.º 00, 00, 0000-000 …, a carta cuja cópia consta a fls. 142 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao art.º 98.º da base instrutória;

1.23. No dia 29 de abril de 2008, JJ, a título próprio e em representação dos AA, endereçou para a sede da OO, Ld.ª, a carta cuja cópia consta a fls. 149 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao art.º 99.º da base instrutória;

1.24. Em dia não apurado de abril de 2008, JJ dirigiu-se à casa descrita em 1.2 e falou com o R. FF – resposta ao art.º 101.º da base instrutória;

1.25. No dia 29 de abril de 2008, JJ, a título próprio e em representação dos AA, endereçou ao R. FF, para a morada …, …, n.º 0, 00, …, 0000-000 ..., a carta constante a fls. 158 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao art.º 107.º da base instrutória;

1.26. O imóvel referido em 1.2 tem, em 2014, um valor de mercado de € 475.000,00 – resposta ao art.º 108.º da base instrutória;

1.27. O A. apurou que a 6.ª R. II, Ld.a, havia sido contratada pelo R. EE, para remover os bens móveis do interior da moradia descrita em 1.2, possuindo os mesmos em armazém – resposta ao art.º 110.º da base instrutória;

1.28. Após deslocação à II, Lda, que detinha o depósito e guarda dos bens dos AA, foram por estes pagas as seguintes quantias:

a) - € 2.117,50, conforme fls. 161 e 162 dos autos para entrega à CC, S.A.;

b) - € 540,00, conforme fls. 163 e 164 dos autos, para pagamento à II, Ld.ª, do “Aluguer de armazém de 26/05/2008 a 26/06/2008”;

c) € 270,00, conforme fls. 165 e 166 dos autos, para pagamento à II, Ld.ª, do “Aluguer de armazém de 26/06/2008 a 10/07/2008”;

d) € 912,00, conforme consta a fls. 167 e 168 dos autos, para pagamento à II, Ld.ª, do transporte dos bens pertença dos AA. para local onde os mesmos procederam ao seu armazenamento [09/07/2008]

resposta ao art.º 111.º da base instrutória;

1.29. Os R.R. FF e GG viviam na zona de ..., e, em data que não foi possível apurar de 2004, enquanto passeavam na zona onde se situa o imóvel dos autos, repararam na existência de uma placa indicando que o imóvel descrito em 1.2 se encontrava à venda – resposta ao art.º 118.º da base instrutória;

1.30. Uma vez que o imóvel lhes agradava, contataram o respetivo mediador, a "RR ...", mas o preço de venda então pedido, fez com que os identificados R.R. se desinteressassem no negócio – resposta ao art.º 119.º da base instrutória;

1.31. Em inícios de 2008, em novo passeio à citada zona, viram novo letreiro no imóvel publicitando de novo a respetiva venda – resposta ao art.º 120.º da base instrutória;

1.32. Os identificados R.R. contataram a TT, a qual posteriormente lhes facultou uma visita ao imóvel, tendo-se dado início às negociações – resposta ao art.º 121.º da base instrutória;

1.33. No decurso das mesmas, os contatos passaram a ser efetuados com UU, representante da referida TT, sendo que o preço pedido de € 335.000,00 era aceitável para os R.R. – resposta ao art.º 122.º da base instrutória;

1.34. Nas negociações, os identificados R.R. propuseram adquirir o imóvel em questão, efetuando uma permuta entre o mesmo e a fração autónoma de que eram proprietários, o que foi aceite – resposta ao art.º 123.º da base instrutória;

1.35. Os identificados R.R. propuseram o pagamento do respetivo diferencial de preço com recurso ao crédito bancário, o que também foi aceite – resposta ao art.º 124.º da base instrutória;

1.36. Após consulta a diversas Instituições de Crédito do mercado, o BANCO NN aceitou financiar os identificados R.R. nos termos e condições que constam do documento de fls. 216 a 222 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao art.º 125.º da base instrutória;

1.37. Para tal efeito efetuaram, como é normal em qualquer processo de financiamento, registos provisórios de aquisição e hipoteca a favor da citada Instituição de Crédito – resposta ao art.º 126.º da base instrutória;

1.38. A fração autónoma de que os identificados R.R. eram proprietários e que seria objeto de permuta encontrava-se por sua vez hipotecada a favor do BANCO HH, S.A. – resposta ao art.º 127.º da base instrutória;

1.39. Quando os identificados R.R. solicitaram ao citado BANCO HH, S.A., o distrate da respetiva hipoteca por forma a permutarem a fração mencionada, livre de ónus ou encargos, este banco exigiu aos R.R., a fim de emitir tal distrate, para além do capital e juros devidos, uma comissão de reembolso antecipado e despesas diversas no valor de € 5.929,89 (doc. de fls. 223 e 224), despesas essas relacionadas com o custo da transferência do crédito hipotecário antes mencionado, que anterior-mente ocorrera e suportadas pelo BANCO HH – resposta ao art.º 128.º da base instrutória;

1.40. Confrontados com tal exigência, que seria dispensada apenas se o novo crédito fosse contratado naquele BANCO HH, S.A., os identificados R.R. viram-se forçados a alterar o respetivo Banco financiador, nas condições constantes da carta de fls. 225 a 228 dos autos – resposta ao art.º 129.º da base instrutória;

1.41. Nos termos das cláusulas do instrumento particular emitido pelo BANCO HH, S.A., constante a fls. 225/228 dos autos:

«A taxa anual nominal indicativa aplicável durante o período de contagem de juros é atualmente de 5,25%". "A TAEG é de 5,703%. Base de cálculo: Acr/365" e o "spread indicado no ponto anterior será reduzido para 0,85 pontos percentuais, desde que V.Ex" preencha, em cada momento e simultaneamente, no Banco onde a conta adiante referida se encontra domiciliada, as condições indicadas nas alíneas a) e b) e duas condições indicadas na alínea c) seguintes, (...)»

resposta ao art.º 130.º da base instrutória;

1.42. O R. FF requereu o cancelamento dos registos provisórios efetuados a favor do BANCO NN, conforme consta a fls. 235 a 239 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao art.º 132.º da base instrutória;

1.43. Os R.R. FF e GG vieram a outorgar em 28 de abril de 2008 a respetiva escritura de permuta nos termos e condições que se encontram plasmados no documento de fls. 240 a 269 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao art.º 133.º da base instrutória;

1.44. Os identificados R.R. foram autorizados pelo mediador a efetuar algumas obras no imóvel em causa antes da celebração da escritura pública de aquisição – resposta ao art.º 134.º da base instrutória;

1.45. Os identificados R.R. gostaram do imóvel em causa porque, dadas as características do mesmo, permitia-lhes habitarem a respetiva parte superior e, por outro lado, permitia-lhes desenvolver na parte inferior a atividade comercial a que se dedicam de comercialização de equipamento e vestuário destinado à prática de surf ewindsurf – resposta ao art.º 135.º da base instrutória;

1.46. As obras pretendidas pelos R.R. destinavam-se a adaptar o imóvel à realidade referida – resposta ao art.º 136.º da base instrutória;

1.47. Para iniciarem as obras referidas, e por existir no imóvel em apreço de um quarto fechado, no qual aparentemente se encontravam alguns bens móveis, os identificados réus contactaram a mediadora acima referida, a qual fez deslocar ao imóvel uma empresa de transportes que transportou todos os bens que se encontravam no aludido quarto – resposta aos artigos 137.º e 138.º da base instrutória;

1.48. Os identificados R.R. desconheciam os bens que se encontram no quarto e que foram transportados – resposta ao art.º 139.º da base instrutória;

1.49. Alguns dias antes da outorga da escritura, e enquanto se realizavam as obras antes mencionadas, compareceu no imóvel JJ, o qual se dirigiu ao R. FF informando que as obras não podiam ser realizadas, atenta a existência de um litígio relacionado com o mesmo imóvel – resposta ao art.º 140.º da base instrutória;

1.50. O R. FF disse ao aludido senhor que nada tinha a ver com tal litígio, uma vez que se encontrava devidamente autorizado a realizar as obras em questão – resposta ao art.º 141.º da base instrutória;

1.51. Tendo sido essa a única vez que falou diretamente com o mesmo senhor – resposta ao art.º 142.º da base instrutória;

1.52. A carta referida em 1.25 foi devolvida ao remetente com a menção “não reclamado”, conforme consta a fls. 160 dos autos – resposta ao art.º 143.º da base instrutória;

1.53. Em abril de 2008, o BANCO HH, S.A. foi contatado pelos R.R. FF e GG, que pretendiam que o BANCO HH lhes concedesse um empréstimo para aquisição do imóvel em causa nos autos – o prédio urbano sito no Lugar ..., Quinta ..., Lote 00, ... – resposta ao art.º 144.º da base instrutória;;

1.54. No âmbito da apreciação do pedido de empréstimo, o BANCO HH, S.A., analisou todos os aspetos relativos à titularidade do imóvel a transmitir, tendo constatado, pela análise da competente certidão do Registo Predial, que a propriedade do imóvel se encontrava registada a favor da entidade transmitente, a “CC, S.A.”, constando da certidão do Registo Predial, aquela ter adquirido o imóvel, por compra, aos anteriores titulares registados, AA e mulher – resposta ao art.º 145.º da base instrutória;

1.55. O BANCO HH, S.A., verificou igualmente a caderneta predial urbana relativa ao imóvel em apreço, tendo constatado que em tal documento a titularidade do imóvel estava igualmente inscrita a favor da “CC, S.A.”, conforme consta a fls. 289 dos autos – resposta ao art.º 146.º da base instrutória;

1.56. O referido documento faz menção ainda que tal empresa detinha a propriedade plena do imóvel e que a respetiva aquisição se fundara em escritura pública – resposta aos artigos 147.º e 148.º da base instrutória;

1.57. Após análise favorável do risco da operação, o BANCO HH, S.A., decidiu conceder aos compradores um empréstimo para aquisição do aludido imóvel, garantido por hipoteca sobre o mesmo, e um outro crédito, multifunções, também garantido por hipoteca – resposta ao art.º 149.º da base instrutória;

1.58. A 28/04/2008, foi celebrado o contrato de mútuo pelo qual o BANCO HH, S.A., emprestou aos R.R. FF e GG, € 244.000,00, no Regime Geral de Crédito, para aquisição de Habitação Própria Permanente, sendo € 180.000,00 para igualação de valores dos bens permutados, e € 84.000,00 para expurgo de hipoteca sobre o imóvel dado em permuta, conforme consta fls. 290 a 300 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao art.º 150.º da base instrutória;

1.59. O BANCO HH, S.A., concedeu ainda aos R.R. FF e GG a quantia de € 91.000,00 a título de crédito multifunções, conforme consta a fls. 226/230 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao art.º 151.º da base instrutória;;

1.60. Nos termos acordados entre BANCO HH, S.A., e os R.R. FF e GG, a taxa de juro anual efetiva (TAE) estipulada para o crédito à habitação foi de 5,647%, conforme consta na cláusula 4.ª, n.º 3, do acordo escrito constante a fls. 290 a 300 dos autos – resposta ao art.º 152.º da base instrutória;

1.61. Nos termos da cláusula 10.ª do acordo escrito constante a fls. 290 a 300 dos autos:

«Para efeitos de registo predial a taxa de juro é de 7,0% ao ano, acrescida em caso de mora, a título de cláusula penal, da sobre taxa de 4% ao ano»

resposta ao art.º 153.º da base instrutória;

1.62. No mesmo dia 28.04.2008, foi outorgada a escritura pública pela qual a R. “CC, S.A.”, transmitiu a propriedade do imóvel para os R.R. FF e GG, conforme consta a fls. 241/247 dos autos – resposta ao art.º 154.º da base instrutória;

1.63. Com data de 20/05/2005, os AA. subscreveram o instrumento particular denominado “Procuração”, a qual foi autenticada em notário, cuja cópia consta a fls.111/113 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais"

«(...), constituem seu bastante procurador JJ, (...), a quem, com a faculdade de substabelecer, conferem os poderes em direito necessários para: Prometer vender e vender, ou permutar, a quem pelo preço e condições que entender convenientes, o prédio urbano situado na Quinta ..., Lugar ..., freguesia e concelho de ..., (...), receber o preço, bem como importâncias por conta, a título de sinal, dar quitação, outorgar e assinar o respetivo contrato promessa e as escrituras de compra e venda ou permuta; (...)»

resposta ao art.º 155.º da base instrutória;

1.64. Na escritura pública de compra e venda celebrada em 23 de dezembro de 2005, cuja cópia consta a fls. 104/107 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, consta como segunda outorgante

«EE, (...), o qual outorga na qualidade de administrador único da sociedade comercial anónima com a firma "CC, S.A ", pessoa coletiva número 000000601, com sede na Praça …, n°00, freguesia e concelho do …. (...)»

resposta ao art.º 156.º da base instrutória;

1.65. Na escritura pública de permuta celebrada em 28/04/2008, cuja cópia consta a fls. 241/247 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, consta como primeiro outorgante EE:

«(...) Que outorga na qualidade de administrador único com poderes para o ato e em representação da sociedade comercial anónima com afirma "CC, S.A., (...), com sede na Rua …, n.º 00, …, …, freguesia da …, concelho de …, (...)»

resposta ao art.º 157.º da base instrutória;

1.66. Os AA e JJ não comunicaram aos 1.º, 2.º e 3.º R.R. o teor do instrumento particular datado de 10.05.2004, cuja cópia consta a fls. 101 dos autos – resposta ao art.º 158.º da base instrutória;

1.67. Na Caderneta Predial Urbana relativa ao imóvel descrito em 1.2, consta como valor patrimonial atual, determinado em 2012, € 296.849,50, conforme consta a fls. 814/815 dos autos – resposta ao art.º 159.º da base instrutória;

1.68. Na escritura pública de compra e venda celebrada em 23 de dezembro de 2005, cuja cópia consta a fls. 104/107 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, consta, para além do mais:

«(...). Esta escritura foi lida aos outorgantes e aos mesmos explicado o seu conteúdo em voz alta e na presença simultânea de todos»

resposta ao art.º 169.º da base instrutória;

1.69. Na escritura pública de compra e venda celebrada em 23 de dezembro de 2005, cuja cópia consta a fls. 104/107 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, consta, para além do mais,

«(...). Disse o primeiro outorgante na qualidade em que outorga [JJ, o qual outorga na qualidade de procurador de AA e BB]: Que pela presente escritura e pelo preço de duzentos e cinquenta mil euros, que para os seus representados já recebeu, vende em seu nome à sociedade representada pelo segundo outorgante, livre de ónus ou encargos o seguinte prédio: Urbano, no Lugar ..., Quinta ..., Lote 00, na freguesia e concelho de ..., (...)»

resposta ao art.º 170.º da base instrutória;

1.70. Para o transporte dos bens móveis existentes na casa descrita em 1.2 à data de 2008, foi a ré CC, S.A. quem contratou os serviços da ré II, Ld.ª – resposta ao art.º 174.º da base instrutória.

2. Factos não provados com relevo para apreciação da revista

Vêm dados como não provados os factos que aqui se consignam pelas alíneas em que foram enunciados pelas instância e que são os seguintes:

A) - No dia 5 de julho de 2005, foi celebrado um segundo aditamento ao Contrato Promessa, passando a figurar como promitentes-vendedores, além de KK, também PP, seu filho, no qual ambas as partes se comprometiam a celebrar escritura de compra e venda com recurso a uma operação financeira, através da qual os promitentes-vendedores solicitariam um "hipoteca" sobre o imóvel, no valor de € 300.000,00, sendo que, os ora AA. suportariam todos os encargos e despesas com tal contrato mútuo, assumindo os mesmos as obrigações emergentes de tal contrato junto da BANCO LL (doc. de fls. 75 a 78) – resposta ao art.º 5.º da base instrutória;

B) - A escritura de compra realizar-se-ia imediatamente após a validação/celebração do inerente contrato mútuo com tal entidade – resposta ao art.º 6.º da base instrutória;

C) - Com a escritura definitiva os Autores assumiriam os ónus e encargos agregados ao imóvel – resposta ao art.º 7.º da base instrutória;

D) - Desse modo, os promitentes-vendedores, ainda no decurso do mês de julho de 2005, diligenciaram junto da BANCO LL a concessão de um crédito no valor de € 300.000,00, o qual teria como garantia patrimonial o penhor de um depósito bancário de igual montante – resposta ao art.º 8.º da base instrutória;

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L) - KK mostrou-se desagradado com maiores delongas, atendendo a que há 3 anos que perdurava o vínculo da promessa, sendo que, não possuía quaisquer garantias de que o contrato definitivo (escritura) se iria efetivamente realizar – resposta ao art.º 17.º da base instrutória;

M) - Pelo que, informados os AA. de alguma relutância de KK em prolongar por maior tempo as relações contratuais, optaram os mesmos por fazer cessar, por mútuo acordo, o contrato promessa de compra e venda – resposta ao art.º 18.º da base instrutória;

N) - Desta feita, e após curtas negociações, no dia 22 de agosto de 2005, os AA. e os promitentes-vendedores, redigiram documento (Doc. de fls. 80 a 83), denominado por “Acordo de Revogação de Contrato-Promessa de Compra e Venda e seus aditamentos”, e no qual, entre outras se estipulava o seguinte "iter" de revogação:

a) - Os promitentes-vendedores devolveriam apenas da quantia entregue de € 249.399,79 (cláusula 4o); A título parcial, a quantia de € 100.000,00 com a assinatura do contrato de revogação, tendo sido logo dada quitação; A título parcial, a quantia de € 50.000,00 no prazo de 180 dias a contar da data de assinatura do acordo de revogação, (doc. de fls. 84); A título parcial e final a quantia de € 99.399,79 no prazo de 360 dias a contar da data de assinatura do acordo de revogação (doc. de fls. 85 e 86;

b) - Atenta a mora contratual e o decesso do contrato-promessa de compra e venda, ambas as partes fixaram o valor de 49.879,796 a título de compensação por perdas e danos pela não celebração do contrato definitivo (cláusula 3a)

resposta ao art.º 19.º da base instrutória;

O) - Entretanto, os AA. continuaram a desenvolver o seu processo de concessão de crédito, junto do BANCO VV, em ... - ..., por forma a obter o empréstimo de  € 250.000,00, tendentes a realizar a compra do imóvel que anteriormente haviam prometido adquirir – resposta ao art.º 20.º da base instrutória;

P) - Bem sabiam que teriam de desenvolver os seus esforços de forma célere, por forma, a formalizarem nova proposta junto de KK, e se possível até ao fim do ano de 2005 – resposta ao art.º 21.º da base instrutória;

Q) - Caso o conseguissem, teriam adquirido novamente o imóvel a KK, e assim, recuperavam a menos-valia da perda da quantia de € 49.879,79, ou alternativamente, negociar um valor mais baixo – resposta ao art.º 22.º da base instrutória;

R) - Nesse contexto, o procurador dos AA., JJ, preocupado com alguma inquietação que toda esta impossibilidade contratual lhes havia causado, apesar dos reforços de sinal, de valor elevado, que haviam sido prestados, informou os AA. de que iria diligenciar no mercado privado [em Portugal] a obtenção da quantia de [€ 249.399,42], com recurso a um empréstimo de curto prazo até 6 ou 12 meses, por forma a que, ainda em 2005, se conseguisse realizar a escritura de compra e venda – resposta ao art.º 23.º da base instrutória;

-------------------------------------------------------------------------

U) - JJ, procurador dos AA, pessoa sexagenária, calma e muito complacente, após conversação sobre o mercado imobiliário, ingenuamente, explicou ao R. DD, a sua principal área de atuação, a saber: a) Representação, na qualidade de Procurador, de emigrantes portugueses no estrangeiro, no âmbito de interesses patrimoniais e financeiros; b) Representação, na qualidade de Procurador, de cidadãos de nacionalidade estrangeira, no âmbito de interesses patrimoniais e financeiros; c) Gestão dos imóveis em Portugal, dos seus representados, e agilização de compra e venda em caso de pretensão dos mesmos; d) Prospeção de interesses imobiliários para apresentação a potenciais compradores com domicílio no estrangeiro – resposta ao art.º 26.º da base instrutória;

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3. Do mérito do recurso

Como já se deixou acima enunciado, o objeto da presente revista circunscreve-se à invocada violação da disciplina processual por parte do Tribunal da Relação em sede da reapreciação que fez sobre os segmentos da decisão de facto impugnados.

           

Assim sendo, importa, desde logo, reter que, no âmbito do recurso de apelação, os A.A./Recorrentes formularam as seguintes conclusões: 

«I - Tal como resulta da matéria dada como provada no Ponto 12, a integração da resposta dada pela BANCO LL (Doc. n.º 4 petição inicial - dirigido a KK e por este assinado) com o depoimento de KK (Pai) no registo 20150305135956 _ 1273919. - 2871037 permite concluir que a 16.08.2015 foi autorizada e aprovada por aquela instituição bancária um empréstimo de € 300.000,00, tendo por base um penhor de depósito bancário. Deverá ser dado como provado o Facto Controvertido - 8.

II - A resposta dada ao Facto Controvertido 19, resulta do referido/alegado nos Factos Controvertidos 17 e 18, corroborado pelo depoimento de KK (Pai), no registo 20150305135956_11273919 _2871037. Deverá ser dado como provado os Factos Controvertidos - 17 e 18.

III - No depoimento de KK (Pai), no registo
20150305135956_11273919_2871037, é expressamente referido que caso os Autores tivessem proposto a reposição do contrato de compra e venda do imóvel que haviam prometido adquirir, ainda em 2005, apesar do acordo de revogação já assinado, o Sr. KK não se importaria de voltar a repor o contrato. E mais sustenta tal circunstância devido ao facto do contrato celebrado com os Autores ter sido por 110.000.000$00
(cento e dez mil contos contra-valor 550.000,00€) e depois ter vendido o imóvel por valor bem inferior [noventa e cinco mil contos]. Mais foi alegado considerar os Autores pessoas de bem e honestas. Não foi apresentada contraprova ao alegado pela testemunha. Não existe mais nenhum outro elemento de prova em sentido contrário. Relativo aos Factos Controvertidos - 21 e 22, deverá ser dado como provado apenas que KK aceitaria repor o contrato de compra e venda em vigor.

IV - Do depoimento do Sr. JJ, no registo 2010602142143_1603919 _64517, resulta claro que o Autor - AA - não teve conhecimento PRÉVIO/DURANTE/DEPOIS das diligências iniciadas pelo Sr. JJ para obter qualquer tipo de empréstimo. Ao invés, resulta VÍTREO que o Sr. JJ relatou ao Co-Réu DD a «SUA» intenção de contrair um empréstimo. Relativo aos Factos Controvertidos - 23 e 26, deverá ser dado como provado apenas que JJ, SEM CONHECIMENTO dos AUTORES relatou ao Co- Réu DD [não foi apresentada contraprova] a sua intenção de contrair um empréstimo, alegadamente para tentar repor um contrato entre os Autores e KK.

V - Do depoimento do Sr. JJ conjugado com o depoimento do Co-Réu EE e do alegado no artigo 117.° da Contestação deste, deverá resultar provado que o Co-Réu DD assistiu presencialmente à escritura realizada a 23.12.2005.

VI    - Do depoimento do Sr. JJ conjugado com o depoimento do Co-Réu EE no registo 20150309100148_1273919_2871037 e do alegado no artigo 117.º da Contestação deste, deverá resultar provado que:

. Com a compra do imóvel pela CC SA, o Co-Réu EE deu como paga uma dívida de cerca de 90.500,00€ que o Co-Réu DD teria com ele.

. Neste ponto, cumpre conciliar o Doc. n.° 16 b) da petição inicial no qual é referido que «Entrega 90.500,00€ - 60% DD».

. Neste ponto, cumpre conciliar o Doe. n.º l6 b) da petição inicial no qual é mencionado «CH.Entregue ao Dr. DD - 000203 - 50.000,00€», com o documento [finalmente] junto apenas em julgamento pela CC SA [extracto do BANCO WW] no qual é descrito o movimento a débito a 2015.12.27 cheque TL n.º 00000203.

VII  - Do depoimento do Sr. JJ conjugado com o depoimento de ambas as filhas dos Autores, estes NUNCA souberam de todos estes factos.

VIII - Do depoimento de parte do Co-Réu EE, por confissão deverá
resultar provado que:

. A Co-Ré CC teve a sua sede social no …, no escritório do Co-Réu DD;

. O Co-Réu EE é vendedor de automóveis;

. O Co-Réu EE foi sócio da firma XX Lda.

IX - Como elemento específico da compra e venda, o preço consta, naturalmente, da escritura. O que, em vista da predita divergência, previamente combinada, entre a vontade e a declaração, a todas as luzes, efectivamente ocorre é que, tão só fingida, não houve, pura e simplesmente, compra e venda alguma - antes, e apenas, a aparência desse contrato. A efectiva existência de simulação e consequente nulidade do negócio jurídico simulado resulta, destarte, irrecusável.

X - É esta última espécie ou modalidade de simulação a discutida nestes autos, em que, segundo se alega, se está perante simulação relativa objectiva, respeitante ao conteúdo - mais concretamente, à natureza - do negócio: fingido um tipo negocial diverso do realmente querido, a aparência do contrato de compra e venda dito simulado encobre e oculta outro, dissimulado, que é aquele que as partes na verdade quiseram realizar e que, no caso, era um empréstimo.

XI    - Ora, a consequência da simulação é a nulidade (absoluta) do negócio
simulado - n°. 2 do predito art°. 240°, com as consequências previstas nos art°s. 286° e 289°(não a sua anulabilidade, antes dita nulidade relativa, agora regulada no art°. 287°).

Como esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela, consagrando a nulidade do negócio simulado, a lei quer, nomeadamente, dizer que a simulação pode ser invocada por qualquer interessado e ser declarada oficiosamente. Uma vez que a simulação é de conhecimento oficioso.

XII  - A declaração de nulidade da primitiva compra e venda entre os Autores e a l.a Ré, é oponível aos 4o e 5oRéus, atento o disposto no art. 291°, n°2,  do Cód.Civil.»

Deste acervo conclusivo colhe-se que os A.A., ali apelantes, questionaram vários pontos da decisão de facto, pretendendo a sua alteração com vista a, por tal via, preencher os pressupostos da invocada simulação do contrato de compra e venda celebrado entre eles e a 1.ª R., em 23/12/2005, e a opor também a consequente nulidade desse contrato aos 4.º e 5.º R.R..

Todavia, aquela impugnação desdobra-se em dois planos:

a) – em primeira linha, incidindo sobre os juízos probatórios negativos relativos aos factos enunciados sob os artigos 8.º,  17.º, 18.º e 19.º, 21.º e 22.º, 23.º e 26.º da base instrutória, conforme conclusões I a IV;

b) – em segunda linha, convocando, nas conclusões VI a VIII,  outra matéria a dar como provada.

O Tribunal da Relação, por sua vez, ocupou-se da impugnação dirigida aos indicados artigos da base instrutória, mas, quanto ao alegado nas conclusões VI a VIII, considerou que, para além de tal matéria não se apresentar como essencial à decisão da causa, nem tão pouco os Recorrentes tinham observado o respetivo ónus de impugnação.

Sucede que, na presente revista, os Recorrentes limitam-se a questionar a reapreciação feita pelo Tribunal da Relação sobre a matéria vertida nos indicados artigos da base instrutória, nada dizendo quanto ao segmento relativo às referidas conclusões VI a VIII, que o tribunal a quo considerou irrelevantes para a decisão da causa e carecidas de adequada impugnação, não cumprindo, por isso, ocupar-nos aqui desta matéria.

           

Debrucemo-nos, pois, sobre a reapreciação do acórdão recorrido em sede dos juízos probatórios negativos respeitantes aos artigos 8.º, 17.º, 18.º e 19.º, 21 e 22.º, 23.º e 26.º da base instrutória.

           

O artigo 8.º da base instrutória, cuja resposta negativa consta da alínea D) dos factos não provados, tem o seguinte teor: 

Desse modo, os promitentes-vendedores, ainda no decurso do mês de julho de 2005, diligenciaram junto da BANCO LL a concessão de um crédito no valor de € 300.000,00, o qual teria como garantia patrimonial o penhor de um depósito bancário de igual montante.

O tribunal da 1.ª instância fundamentou tal resposta negativa, associando as alíneas D), P) e Q), nos seguintes termos:

«porquanto não foi apresentada qualquer prova, nomeadamente documental de tais diligências junto das identificadas entidades bancárias, sendo que a testemunha JJ limitou-se a proferir afirmações sobre o assunto sem que as mesmas estivessem sustentadas documentalmente, o que, manifestamente, se mostrou ao Tribunal insuficiente para considerar como provados tais factos.»

Sustentam, porém, os Recorrentes que tal facto deve ser dado como provado, porque, tal como resulta da matéria dada como provada no ponto 12, a integração da resposta dada pela BANCO LL (conforme doc. n.º 4 petição inicial - dirigido a KK e por este assinado) com o depoimento de KK (Pai) no registo 20150305135956 1273919 871037 permite concluir que, a 16/08/2015, foi autorizada e aprovada por aquela instituição bancária um empréstimo de € 300.000,00, tendo por base um penhor de depósito bancário.

Os artigos 17.º, 18.º e 19.º da base instrutória, cujas respostas negativas constam das alíneas L), M) e N) dos factos não provados, tem o seguinte teor: 

L) - KK mostrou-se desagradado com maiores delongas, atendendo a que há 3 anos que perdurava o vínculo da promessa, sendo que, não possuía quaisquer garantias de que o contrato definitivo (escritura) se iria efetivamente realizar – resposta ao art.º 17.º da base instrutória;

M) - Pelo que, informados os AA. de alguma relutância de KK em prolongar por maior tempo as relações contratuais, optaram os mesmos por fazer cessar, por mútuo acordo, o contrato promessa de compra e venda – resposta ao art.º 18.º da base instrutória;

N) - Desta feita, e após curtas negociações, no dia 22 de agosto de 2005, os AA. e os promitentes-vendedores, redigiram documento (Doc. de fls. 80 a 83), denominado por “Acordo de Revogação de Contrato-Promessa de Compra e Venda e seus aditamentos”, e no qual, entre outras se estipulava o seguinte "iter" de revogação:

a) - Os promitentes-vendedores devolveriam apenas da quantia entregue de € 249.399,79 (cláusula 4o); A título parcial, a quantia de € 100.000,00 com a assinatura do contrato de revogação, tendo sido logo dada quitação; A título parcial, a quantia de € 50.000,00 no prazo de 180 dias a contar da data de assinatura do acordo de revogação, (doc. de fls. 84); A título parcial e final a quantia de € 99.399,79 no prazo de 360 dias a contar da data de assinatura do acordo de revogação (doc. de fls. 85 e 86;

b) - Atenta a mora contratual e o decesso do contrato-promessa de compra e venda, ambas as partes fixaram o valor de 49.879,796 a título de compensação por perdas e danos pela não celebração do contrato definitivo (cláusula 3a)

resposta ao art.º 19.º da base instrutória;

O tribunal da 1.ª instância baseou tais respostas negativas nos seguintes moldes:

«Os factos descritos sob as alíneas L), M) e N), com fundamento no teor do depoimento da testemunha KK, que confirmou que, dado o tempo decorrido sem que o autor tivesse conseguido entregar-lhe o restante preço acordado, por iniciativa do autor, decidiram ambos cessar os efeitos da promessa de venda do identificado imóvel, tendo explicado os efeitos acordados entre ambos para a cessação dessa promessa. Contudo, a testemunha KK não confirmou a elaboração ou a subscrição do documento constante a fls. 75/78 dos autos, nem a elaboração ou a subscrição do documento de fls. 80/83 dos autos. Mais explicou que tinha confiança no autor e os negócios entre eles eram realizados nessa confiança.»

Pretendem, no entanto, os Recorrentes que sejam dados como provados os factos constantes dos artigos 17.º e 18.º, daí também provado o constante do art.º 19.º, corroborado pelo depoimento de KK (pai), no registo 201503051359856 11273919 2871037.

Os artigos 21.º e 22º da base instrutória, cujas respostas negativas constam das alíneas R) e U) dos factos não provados, tem o seguinte teor:

P) - Bem sabiam que teriam de desenvolver os seus esforços de forma célere, por forma, a formalizarem nova proposta junto de KK, e se possível até ao fim do ano de 2005 – resposta ao art.º 21.º da base instrutória;

Q) - Caso o conseguissem, teriam adquirido novamente o imóvel a KK, e assim, recuperavam a menos-valia da perda da quantia de € 49.879,79, ou alternativamente, negociar um valor mais baixo – resposta ao art.º 22.º da base instrutória.

O Tribunal da 1.ª instância deu tais factos não provados com base no já acima consignado em sede da resposta ao artigo 8.º e ainda, quanto à resposta vertida em P), considerou que:

«No que concerne ao facto descrito sob a alínea P), a testemunha KK que havia celebrado o contrato-promessa com o autor e com o mesmo fizera cessar seus efeitos não confirmou que tivesse ficado acordado que os autores ainda ficariam de tentar adquirir o dito imóvel com o objetivo de reaver a compensação que havia sido acordada.»

Contudo, os Recorrentes pretendem que dessa matéria deve ser dado como provado apenas que KK aceitaria repor o contrato de compra e venda em vigor, sustentando que:

No depoimento de KK (Pai), no registo 20150305135956 _11273919_2871037 é expressamente referido que caso os Autores tivessem proposto a reposição do contrato de compra e venda do imóvel que haviam prometido adquirir, ainda em 2005, apesar do acordo de revogação já assinado, o Sr. KK não se importaria de voltar a repor o contrato. E mais sustenta tal circunstância devido ao facto do contrato celebrado com os Autores ter sido por 110.000.000$00 (cento e dez mil contos contra-valor 550.000,006) e depois ter vendido o imóvel por valor bem inferior [noventa e cinco mil contos]. Mais foi alegado considerar os Autores pessoas de bem e honestas. Não foi apresentada contraprova ao alegado pela testemunha. Não existe mais nenhum outro elemento de prova em sentido contrário. "

    

Os artigos 23.º e 26º da base instrutória, cujas respostas negativas constam das alíneas R) e U dos factos não provados, tem o seguinte teor:

R) - Nesse contexto, o procurador dos AA., JJ, preocupado com alguma inquietação que toda esta impossibilidade contratual lhes havia causado, apesar dos reforços de sinal, de valor elevado, que haviam sido prestados, informou os AA. de que iria diligenciar no mercado privado [em Portugal] a obtenção da quantia de [€ 249.399,42], com recurso a um empréstimo de curto prazo até 6 ou 12 meses, por forma a que, ainda em 2005, se conseguisse realizar a escritura de compra e venda – resposta ao art.º 23.º da base instrutória;

U) - JJ, procurador dos AA, pessoa sexagenária, calma e muito complacente, após conversação sobre o mercado imobiliário, ingenuamente, explicou ao R. DD, a sua principal área de atuação, a saber: a) Representação, na qualidade de Procurador, de emigrantes portugueses no estrangeiro, no âmbito de interesses patrimoniais e financeiros; b) Representação, na qualidade de Procurador, de cidadãos de nacionalidade estrangeira, no âmbito de interesses patrimoniais e financeiros; c) Gestão dos imóveis em Portugal, dos seus representados, e agilização de compra e venda em caso de pretensão dos mesmos; d) Prospeção de interesses imobiliários para apresentação a potenciais compradores com domicílio no estrangeiro – resposta ao art.º 26.º da base instrutória.

O Tribunal da 1.ª instância deu tais factos não provados porquanto:

«(…) a única prova apresentada sobre as relações pessoais, profissionais e negociais estabelecidas entre JJ e DD, foi o depoimento da testemunha JJ, o qual não mereceu credibilidade por parte do Tribunal, não só pelo seu manifesto envolvimento em toda a situação e interesse na mesma, como também por ter sido um depoimento vago, contraditório, incongruente e inverosímil face, nomeadamente à escritura celebrada no dia 23.12.2005. (...)».

Pretendem, por seu lado, os Recorrentes que seja dado como provado apenas que “JJ, sem conhecimento dos AA., relatou ao co-réu DD a sua intenção de contrair um empréstimo, alegadamente para tentar repor um contrato entre os A.A. e KK.”

Nesse sentido, sustentam que:

«Do depoimento do Sr. JJ, no registo 2010602142143 1603919 54517, resulta claro que o Autor - AA - não teve conhecimento PREVIO/DURANTE/DEPOIS das diligências iniciadas pelo Sr. JJ para obter qualquer tipo de empréstimo. Ao invés, resulta VÍTREO que o Sr. JJ relatou ao Co-Réu DD a «SUA» intenção de contrair um empréstimo. Relativo aos Factos Controvertidos — 23 e 26, deverá ser dado como provado apenas que JJ, SEM CONHECIMENTO dos AUTORES relatou ao Co-Réu DD [não foi apresentada contra-prova] a sua intenção de contrair um empréstimo, alegadamente para tentar repor um contrato entre os Autores e KK.»

 

Sobre toda essa impugnação, o tribunal a quo expendeu a seguinte fundamentação:

«De acordo com o disposto no art.° 607.°, n.° 5 do NCPC (aplicável aos autos ex vi art.° 7.o, n.° l da Lei 41/2013, de 26.06) continua a vigorar no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer   grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com convicção firmada acerca de cada facto controvertido.

Relativamente a toda esta matéria de facto impugnada, importa dizer que, ouvida que foi a gravação dos respectivos depoimentos prestados em audiência, assim como examinados os documentos juntos aos autos, atenta a fundamentação que o tribunal a quo adiantou para as respostas dadas à matéria de facto dada como não provada e agora impugnada, nenhuma alteração se impõe efectuar nesta sede de recurso.

Com efeito, a fundamentação adiantada tem eco nas declarações prestadas pelas testemunhas em sede de julgamento e referidas na sentença recorrida, como decorre da respectiva audição de tais declarações.

Ora, a respeito da maior ou menor credibilidade que o tribunal a quo deu ou deveria ter dado às testemunha JJ, "cujo o depoimento não mereceu credibilidade por parte do Tribunal, não só pelo seu manifesto envolvimento em toda a situação e interesse na mesma, como também por ter sido um depoimento vago, contraditório, incongruente e inverosímil face, nomeadamente à escritura celebrada no dia 23.12.2005", impõe-se dizer que a apreciação da prova no tribunal de recurso envolve sempre um risco de valoração de grau mais elevado que na Ia instância, onde são observados os princípios da imediação, da concentração e da oralidade.

Por outro lado, no domínio da prova testemunhal, vigora o princípio da
livre apreciação das provas - cfr. art° 396° do CC - segundo a convicção que o julgador tenha formado acerca de cada facto, de acordo com o disposto no art° 607°, n° 5 do NCPC (anterior art° 655.°, n.° l do CPC), sem embargo, naturalmente, do dever de as analisar criticamente e especificar os fundamentos decisivos para a convicção formulada - cfr. art° 607°, n° 4, do NCPC (anterior art° 653°, n° 2, do CPC).

Como se tem entendido, a reapreciação, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, da decisão da 1.ª instância quanto à matéria de facto deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova, sendo inúmeros os factores relevantes na apreciação da credibilidade de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto directo com os depoentes na audiência.

Não obstante a reapreciação da matéria de facto, no que ao tribunal de recurso se refere, esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação – à excepção da prova vinculada – no processo de formação da sua convicção deverá ter-se em conta que dos referidos princípios decorrem aspectos de relevância indiscutível - reacções do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões - na valoração dos depoimentos pessoais que melhor são perceptíveis pela 1a instância.

Ao tribunal de recurso caberá, sem esquecer tais limitações, analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova produzida e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimentos comuns, não bastando para eventual alteração, diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida.

A decisão factual do tribunal baseia-se numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, pelo que a fonte de tal convicção - obtida com beneficio da imediação e oralidade -apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.

O que se não verifica no caso dos autos, onde a prova dos factos essenciais à decisão da causa, alegados pelos ora recorrentes, e sobre quem recaía o ónus da sua prova (cfr. art° 342°, n°2 do CC) - a procedência da presente acção implicava, como condição prévia essencial, que os recorrentes fizessem prova da existência de abuso de representação por parte de JJ na venda do imóvel dos autos à recorrida CC, S.A. e da existência de simulação na referida venda - não se mostra produzida, não permitindo os elementos de prova agora apreciados impor uma decisão diversa da alcançada pelo tribunal a quo»

Ora, a disciplina processual no respeitante à reapreciação, por parte do Tribunal da Relação, da decisão de facto impugnada comporta numa das suas vertentes fundamentais – a que aqui releva – os parâmetros de investigação e análise crítica da prova, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, n.º 1, e nos termos dos artigos 607.º, n.º 4 e 5, aplicável, com as necessárias adaptações, aos acórdãos da Relação por via do artigo 663.º, n.º 2, do CPC. 

Neste domínio, incumbe ao tribunal de revista o controlo dos parâmetros formais ou balizadores a observar pela Relação nos termos dos citados normativos.

Assim, no que respeita à reapreciação da decisão de facto, compete ao tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova prescrito no n.º 4 do indicado artigo 607.º, mas já não imiscuir-se na valoração da prova feita, segundo o critério da livre e prudente convicção do julgador, genericamente editado no n.º 5 do artigo 607.ºdo CPC.

É hoje jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal que a reapreciação da decisão de facto impugnada, por parte do tribunal de 2.ª instância, não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa. 

No âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida.

Todavia, a análise crítica da prova a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não significa que tenham de ser versados ou rebatidos, ponto por ponto, todos os argumentos do impugnante nem que tenha de ser efetuada uma argumentação exaustiva ou de pormenor de todo o material probatório. Afigura-se bastar que dessa análise se destaquem ou especifiquem os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do tribunal.

Também nada obsta a que o tribunal de recurso secunde ou corrobore a fundamentação dada pela 1.ª instância, desde que esta se revele sólida ou convincente à luz da prova auditada e não se mostre fragilizada pela argumentação probatória do impugnante, sustentada em elementos concretos que defluam da prova produzida, em termos de caracterizar minimamente o erro de julgamento invocado ou que, como se refere no artigo 640.º, n.º 1, aliena b), do CPC, imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida.

Com efeito, o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure.

No caso dos autos, o Tribunal da Relação atentou na motivação dada pelo tribunal da 1.ª instância a cada uma das respostas impugnadas, contrapondo-lhe o alegado pelos Recorrentes no sentido da pretendida alteração, considerando que, face à audição da prova, aquela motivação tinha suficiente sustento na prova produzida e ali referenciada.

Por outro lado, as alegações dos Recorrentes em relação a cada uma dessas respostas, em parte de pendor conclusivo, não contêm elementos críticos que denotem fragilidade da ponderação objetivada pelo tribunal da 1.ª instância, em termos de exigir fundamentação detalhada de rebate.

Assim, no domínio do artigo 8.º da base instrutória, trata-se de saber se os promitentes-vendedores, ainda no decurso do mês de julho de 2005, diligenciaram junto da BANCO LL a concessão de um crédito no valor de € 300.000,00, o qual teria como garantia patrimonial o penhor de um depósito bancário de igual montante.

O tribunal da 1.ª instância considerou que não foi apresentada qualquer prova, nomeadamente documental de tais diligências junto das identificadas entidades bancárias, sendo que a testemunha JJ se limitou a proferir afirmações sobre o assunto sem que as mesmas estivessem sustentadas documentalmente, o que, manifestamente, se mostrou insuficiente para considerar como provados tais factos.

Sustentam, no entanto, os Recorrentes que tal facto deve ser dado como provado, porque, tal como resulta da matéria dada como provada no ponto 12, a integração da resposta dada pela BANCO LL, conforme doc. n.º 4 petição inicial - dirigido a KK e por este assinado) com o depoimento de KK (Pai) no registo 20150305135956 1273919 871037 permite concluir que, a 16/08/2015, foi autorizada e aprovada por aquela instituição bancária um empréstimo de € 300.000,00, tendo por base um penhor de depósito bancário.

É certo que da resposta ao artigo 9.º da base instrutória, vertida no ponto 1.12 dos factos provados acima consignados consta que:

Após análise preliminar da referida instituição de crédito, a 16 de agosto de 2005, foi rececionada por KK a comunicação da BANCO LL, dando conta da autorização e deferimento do empréstimo solicitado com expressa menção das condições financeiras e contratuais (doc. de fls. 79).

Tal resposta foi fundada no teor do documento de fls. 79 em conjugação com o depoimento da testemunha KK que confirmou a receção do referido documento e a aposição da sua assinatura no mesmo.

Não obstante isso, o tribunal da 1.ª instância considerou que não fora apresentada qualquer prova, nomeadamente documental – desmerecendo, nesse sentido, o depoimento de JJ –, que fosse suficiente para concluir que os promitentes-vendedores tivessem, ainda no decurso de julho de 2005, diligenciado junto da BANCO LL por tal concessão, entendimento esse que foi sufragado pela Relação com base na audição da prova.

De resto, os Recorrentes não explicitam sequer em que termos é que o depoimento da testemunha KK (pai) permite a conclusão que pretendem, de modo a justificar maior esforço argumentativo pelo tribunal de recurso.

Seja como for, não se divisa que a pretendida resposta positiva ao artigo 8.º da base instrutória, tal como a resposta positiva dada ao artigo 9.º, assuma, no vasto quadro da demais factualidade provada e não provada, aqui não impugnada, relevo no plano da alegada simulação do contrato de compra e venda celebrado entre os A.A. e a 1.ª R. em 23/12/2005.

Em sede das respostas aos artigos 17.º, 18.º e 19.º da base instrutória, os Recorrentes limitam-se à mera conclusão de que a pretendida resposta positiva a tal matéria é corroborada pelo depoimento de KK (pai), sem explicitarem qualquer argumento probatório extraído deste depoimento de modo a procurar desvirtuar ou contrariar a fundamentação da 1.ª instância, também sufragada pela Relação com base na audição da prova. Perante a falta de qualquer argumento probatório nesse sentido, não cremos que fosse exigível ao tribunal a quo empreender outro esforço de análise crítica.   

Relativamente às respostas aos artigos 21.º e 22.º da base instrutória, o tribunal da 1.ª instância considerou, em particular, que a testemunha KK, que havia celebrado o contrato-promessa com o A. e com o mesmo fizera cessar seus efeitos, não confirmou que tivesse ficado acordado que os A.A. ainda ficariam de tentar adquirir o dito imóvel com o objetivo de reaver a compensação que havia sido acordada. Este entendimento vem também sufragado pela Relação com base na audição da prova, não se afigurando que o convocado juízo opinativo da testemunha KK (pai) merecesse particulares considerações.

Além disso, a pretendida resposta de provado apenas que “KK aceitaria repor o contrato de compra e venda em vigor” não é de molde a assumir, no já referido vasto quadro dos demais factos dados como provados e não provados, relevo tendente a comprovar a alegada simulação do contrato de compra e venda celebrado entre os A.A. e a 1.ª R. em 23/12/ 2005.

No âmbito das respostas aos artigos 23.º e 26.º da base instrutória, pretendem os Recorrentes que seja dado como provado “apenas que JJ, sem conhecimento dos AA., relatou ao R. DD a sua intenção de contrair um empréstimo, alegadamente para tentar repor um contrato entre os A.A. e KK”.

O tribunal da 1.ª instância considerou que «a única prova apresentada sobre as relações pessoais, profissionais e negociais estabelecidas entre JJ e DD, foi o depoimento da testemunha JJ, o qual não mereceu credibilidade por parte do Tribunal, não só pelo seu manifesto envolvimento em toda a situação e interesse na mesma, como também por ter sido um depoimento vago, contraditório, incongruente e inverosímil face, nomeadamente à escritura celebrada no dia 23.12.2005. (...)».

Tal entendimento foi sufragado pela Relação com base na audição da prova, não pondo em causa aqueles dados objetivos de aferição de credibilidade, nomeadamente face às considerações feitas pelos Recorrentes sobre esse depoimento.

E também aqui não se afigura que a resposta pretendida releve, no quadro dos demais factos dados como provados e não provados, para efeitos de comprovar a alegada simulação do contrato de compra e venda celebrado entre os A.A. e a 1.ª R. em 23/12/2005.

Em suma, não se encontram razões para concluir que o tribunal a quo, quer em face dos contornos da impugnação de facto traçados pelos Recorrentes, quer atenta a sua margem de ponderação e o relevo dos factos impugnados para a decisão da causa, no quadro da demais factualidade dada como provada e não provada, tenha incorrido em violação da disciplina processual na reapreciação da prova, mormente em sede do normativo constitucional e dos normativos legais invocados pelos Recor-rentes.    

IV – Decisão

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

As custas do recurso são a cargo dos Recorrentes.

Lisboa, 7 de Setembro de 2017


Tomé Gomes - Relator


Maria da Graça Trigo                                   


João Bernardo