Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2493/05.0TBBCL.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JULGAMENTO AMPLIADO
TÍTULO DE CRÉDITO
LIVRANÇA
DIREITO DE REGRESSO
AVAL
AVALISTA
CO-AVALISTAS
RELAÇÃO CAMBIÁRIA
OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
Data do Acordão: 06/05/2012
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, Nº 137, 17 DE JULHO DE 2012, P. 3796. -ANOTAÇÃO AO ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 7/2012 DE 5.6.2012, RE. 2493 /0, PUBLICADO NA REVISTA " CADERNOS DE DIREITO PRIVADOM Nº 40 (OUT./DEZ. 2012) P. 41-67
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Sumário :

Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias.

Decisão Texto Integral:

    

Acordam no Pleno das Secções Cíveis deste Supremo Tribunal de Justiça:

I - AA e BB

demandaram

CC e DD

e

EE e FF

pedindo a condenação dos primeiros e dos segundos Réus no pagamento, uns e outros, da quantia de € 43.904,61, com juros de mora desde a citação.

Alegaram que, em 17 de Abril de 1989, a sociedade GG-Malhas, Ld.ª, subscreveu, a favor do Banco ..., S.A., uma livrança no montante de PTE 48.000.000$00 (€ 239.422,99), com vencimento em 16 de Outubro de 1995, em cujo verso foi aposto o aval por cada um dos Autores e dos Réus.

Por não ter sido paga a livrança na data do seu vencimento, o credor interpôs contra todos os avalistas a acção executiva, no âmbito da qual os ora Autores, na sua qualidade de avalistas, procederam ao pagamento da quantia global de € 117.601,65, envolvendo a quantia exequenda e custas judiciais, montante que, actualizado de acordo com o coeficiente de desvalorização da moeda de 1,12, representaria na data da instauração da presente acção o valor de € 131.713,85.

Pretendem através da presente acção exercer o direito de regresso relativamente aos primeiros e aos segundos Réus.

Os Réus EE e FF foram citados por éditos e não contestaram, ainda que posteriormente tenham constituído mandatário judicial.

Os Réus CC e DD contestaram e, para além da excepção de prescrição, alegaram que não existe direito de regresso entre avalistas do mesmo avalizado.

Invocaram ainda que, em 4 de Fevereiro de 1992, já depois da prestação do aval, a quota de que o Réu CC era titular no capital social da sociedade subscritora da livrança foi cedida ao Autor AA e ao Réu EE, tendo ficado clausulado na escritura pública de divisão e de cessão de quota que os cessionários assumiam “toda a situação económica da sociedade, designadamente quaisquer compromissos sociais, créditos e débitos, mesmo que vencidos e não pagos”, renunciando, assim, ao eventual exercício do direito de regresso contra os Réus contestantes.

Na réplica os Autores contrapuseram que a aludida cláusula inserida na escritura pública não se referia especificamente à livrança a que estes autos se reportam, não interferindo, por isso, no direito de regresso que pretendem exercer.

No despacho saneador, para além de ter sido julgada improcedente a excepção de prescrição, foi julgada improcedente a acção, considerando-se que o direito de regresso entre avalistas do mesmo avalizado dependia de convenção extra-cartular, a qual nem sequer teria sido alegada.

Apelaram os Autores, mas a sentença foi confirmada pela Relação com idênticos fundamentos.

Os Autores interpuseram recurso de revista concluindo essencialmente que:
a) Tratando-se de uma situação comum de responsabilidade solidária dos devedores pelo pagamento de uma dívida declarada por sentença judicial, a situação sub judice deve ser julgada exactamente nos termos que vêm definidos, entre outros, no acórdão do STJ, de 7-7-1999, CJSTJ, tomo III, pág. 14;
b) Regime que se retira do que vem estabelecido no art. 47.º da LULL, aplicando-se, quanto aos devedores solidários da livrança, como seus avalistas, as normas do direito comum, designadamente as estabelecidas nos artigos 512.º, 516.º e 524.º do Código Civil;
c) Na esteira deste entendimento, foi proferida neste processo a decisão que deu procedência ao procedimento cautelar de arresto dos bens dos recorridos EE, só não se determinando o mesmo relativamente aos recorridos CC e mulher por não se mostrar ainda, então, levantados os efeitos da sua falência, sendo manifesto que tal decisão, dentro do mesmo processo, é manifestamente contraditória com a que agora se impugna;
d) A decisão recorrida, além de indevidamente fundamentada no plano legal, revela-se substancialmente injusta, penalizando o devedor solidário que decidiu cumprir as suas obrigações inerentes ao aval à livrança e acabando por premiar os devedores que tudo fizeram para se eximirem a igual obrigação, para além de originar desnecessariamente insegurança e incerteza no tratamento legal de situações tão comuns e tão frequentes da vida quotidiana dos cidadãos.
e) O acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 46.º, al. c), do CPC, 32.º e 47º da LULL, 308.º do Código Comercial, e 473.º, 512.º, 516.º, 524.º e 650.º do Código Civil.

Não houve contra-alegações.

Considerando a divergência jurisprudencial neste Supremo Tribunal de Justiça relativamente ao regime jurídico do direito de regresso entre avalistas do mesmo avalizado, por proposta do ora Relator, foi determinado pelo Exm.º Presidente o julgamento ampliado da revista, nos termos dos arts. 732.º-A e 732.º-B do CPC.

Ao abrigo do disposto no art. 732.º-B, nº 1, do CPC, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer sobre a referida questão, formulando a seguinte conclusão:

No caso de pluralidade de avales prestados por honra do mesmo interveniente cambiário, o avalista que pagou apenas extracambiariamente pode accionar o seu direito de regresso contra os demais avalistas”.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

II – Decidindo:

1. Delimitação do objecto do recurso:

Os Autores e os Réus prestaram aval numa livrança subscrita pela sociedade GG-Malhas, Ld.ª. Não tendo esta efectuado integralmente o pagamento da quantia na mesma inscrita, o credor interpôs acção executiva contra todos os avalistas para cobrança do montante ainda em dívida e juros de mora, pretensão que foi satisfeita unicamente pelos ora Autores.

Verificou-se, porém, que, entre a data em que foram prestados os avales e aquela em que foi efectuado o pagamento do remanescente da livrança, o sócio (e avalista) CC cedeu a sua quota no capital social da sociedade subscritora aos outros dois sócios (e também avalistas), entre os quais o ora Autor.

Suscitam-se no presente recurso de revista duas questões essenciais:

a) Primeira: os avalistas do mesmo avalizado que cumpriram a obrigação cambiária têm direito de regresso em relação aos demais avalistas nos termos previstos para as obrigações solidárias ou tal direito depende de convenção entre eles acordada?

b) Segunda: o teor da escritura pública de cessão da quota social de um dos avalistas aos outros avalistas da mesma sociedade consignando que “os cessionários assumirão, a partir desta data, toda a situação económica da sociedade, designadamente quaisquer compromissos sociais, créditos e débitos, mesmo que vencidos e não pagos”, interfere no concreto exercício do direito de regresso?

2. Quanto à divergência jurisprudencial:

2.1. O aval, designadamente quando prestado ao subscritor de uma livrança, constitui um negócio cambiário cujo regime jurídico emerge da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (doravante L. U.), maxime dos seus artigos 30.º a 32.º e 46.º, ex vi art. 78.º.

É uniforme o entendimento, extraído quer da jurisprudência deste Supremo Tribunal, quer da generalidade da doutrina, que a L. U. limita-se a regular a responsabilidade do avalista perante os credores cambiários e o exercício do seu direito de reembolso contra o respectivo avalizado ou contra os demais obrigados na cadeia de responsáveis cambiários, nada prevendo quanto ao eventual exercício do direito de regresso entre os diversos avalistas do mesmo avalizado.

Daí que tenham surgido duas respostas antagónicas:

a) Uma que admite o direito de regresso em termos análogos ao que está previsto no art. 650.º do Código Civil para a pluralidade de fiadores;

b) Outra que faz depender a existência e conteúdo desse direito de convenção extracambiária acordada entre os avalistas.

Dito de outro modo: pressuposta a ausência de relações cambiárias entre avalistas do mesmo avalizado reguladas pela L. U., admitem uns, como regra, o direito de regresso, sem prejuízo de estipulação em contrário, enquanto para outros a existência e conteúdo desse direito dependem de convenção extracartular.

2.2. A primeira tese encontrou eco no Ac. do STJ, de 16-3-1956, BMJ 55º, pág. 299 (depois de ter sido desenvolvida no Ac. da Rel. de Lisboa, de 22-4-1953, BMJ 43º, pág. 536, relatado por LOPES CARDOSO), tendo sido retomada designadamente nos Acórdãos do STJ, de 7-7-1999, CJSTJ, tomo III, pág. 14, de 24-10-2002 (SILVA SALAZAR, CJSTJ, tomo III, pág. 121, e www.dgsi.pt), de 15-11-2007 (MARIA dos PRAZERES BELEZA, www.dgsi.pt) e de 13-07-2010 (HÉLDER ROQUE, www.dgsi.pt).[1]

Na doutrina nacional, essa era a solução defendida por GONÇALVES DIAS, em “Da Letra e da Livrança”, vol. VII, pág. 589. Mais recentemente, foi assumida por ROMANO MARTINEZ, em “Garantias de Cumprimento”, 5ª ed., pág. 123, e por MENEZES LEITÃO, em “Garantias das Obrigações”, 3ª ed., pág. 134, defendendo CASSIANO dos SANTOS, em “Direito Comercial Português”, vol. I, págs. 265 a 267, e CAROLINA CUNHA, em “Letras e Livranças - Paradigmas Actuais e Recompreensão do Regime”, págs. 304 e segs., a aplicabilidade directa das normas dos artigos 524.º e 516.º do Código Civil.

A segunda tese aflorou no Ac. do STJ, de 25-7-1978, BMJ 279º/214, e ressurgiu nomeadamente nos Acórdãos do STJ, de 27-10-2009 (AZEVEDO RAMOS, www.dgsi.pt), de 25-03-2010 (PEREIRA da SILVA, com dois votos de vencido, www.dgsi.pt), de 20-5-2010 (ÁLVARO RODRIGUES, www.dgsi.pt) e de 23-11-2010 (FONSECA RAMOS, www.dgsi.pt).

É a solução defendida por PAIS de VASCONCELOS em “Pluralidade de avales de um mesmo avalizado e «regresso» do avalista que pagou sobre aqueles que não pagaram”, inserido na obra “Nos 20 anos do Código das Sociedades Comerciais”, vol. III, págs. 947 e segs.[2]

2.3. Importa dirimir a divergência jurisprudencial.

A pluralidade de avalistas do mesmo obrigado cambiário, quer através da aposição da assinatura de cada um sob a expressão “dou o meu aval a …” ou outra de sentido equivalente, quer mediante aposição das assinaturas de todos sob uma única expressão de aval, constitui uma realidade recorrente, designadamente na actividade das sociedades por quotas de pequena ou de média dimensão quando intervêm como aceitantes de letras ou subscritoras de livranças. A necessidade de acederem ao crédito ou, do lado inverso, as vantagens que para os credores podem decorrer do reforço da garantia patrimonial implicam, com frequência, a intervenção dos sócios (ou mesmo dos respectivos cônjuges) como avalistas da sociedade.

Acresce que a prestação de aval constitui uma garantia particularmente relevante. As características da literalidade, da autonomia e da abstracção típicas dos negócios jurídico-cambiários, associadas à regra que decorre da L. U. da solidariedade dos avalistas com os demais responsáveis, reforçam as garantias do credor relativamente à cobrança do seu crédito, ao mesmo tempo que facilitam a circulação do título cambiário.

Porém, sendo pacífico o entendimento de que a L. U. não regula as relações internas entre os diversos avalistas do mesmo avalizado, a resposta relativamente ao eventual direito de regresso entre eles deve encontrar-se nos quadros do direito comum. Asserção que se encontra em diversos arestos deste Supremo Tribunal, sendo sustentada, além do mais, no facto de na Consideração n.º 75 do Congresso de Genebra, que preparou a Convenção de Genebra de 1930 sobre a L. U., se ter consignado que “não há entre co-avalistas relações cambiárias, mas somente de direito comum que uma Lei Uniforme sobre Letras não tem que regular”.[3]

2.4. O direito comparado não constitui, por si, elemento decisivo para identificar o regime que emerge do direito comum interno. Porém, tratando-se de questão suscitada em face da falta de regulamentação naquele instrumento de Direito Internacional, não pode negar-se relevo ao modo como a mesma é resolvida em ordenamentos jurídicos congéneres.

O entendimento de que entre avalistas do mesmo avalizado não existem relações cambiárias é comum quer nos países, como Portugal, que acolheram no respectivo direito interno a Lei Uniforme, quer naqueles cuja opção passou pela aprovação de legislação própria (v.g., em Espanha, a Lei 9/1985, de 16 de Julho).[4]

No ordenamento jurídico italiano, a admissibilidade do direito de regresso encontra previsão expressa no art. 66.º da Lei Cambiária, de 14 de Dezembro de 1933,[5] com referência directa às regras previstas para as obrigações solidárias.

Já na França ou na Alemanha, a afirmação e definição de tal direito não decorre de normas expressas, sendo fruto da discussão doutrinal ou jurisprudencial.[6]

O mesmo se verifica em Espanha onde predomina a tese segundo a qual, sem prejuízo de convenção, existe direito de regresso entre os diversos avalistas, respondendo internamente em igual proporção, nos termos do art. 1844.º do Código Civil (que regula o direito de regresso entre diversos fiadores), com remissão para as regras do art. 1145.º sobre as obrigações solidárias.[7]

2.5. Relegados para o domínio do direito comum, nada obsta a que, mediante livre convenção, os diversos avalistas regulem os aspectos respeitantes à distribuição interna das respectivas responsabilidades para a eventualidade de apenas algum ou alguns deles vir a satisfazer o pagamento da quantia avalizada, faculdade que tanto pode revelar uma vontade no sentido da repartição igualitária da responsabilidade como a sua distribuição em função da titularidade do capital investido (v.g. quando os avalistas sejam sócios de uma mesma sociedade avalizada) ou até a exclusão de algum ou alguns avalistas, designadamente daquele cuja intervenção tenha sido determinada unicamente por factores de ordem externa.

Nestes e noutros casos semelhantes, o regime do direito de regresso pautar-se-á pelo acordo que tiver sido outorgado.

Mais difícil é a resposta quando se constata que os avalistas nada convencionaram a respeito do eventual exercício do direito de regresso.

Num significativo número de arestos deste Supremo Tribunal de Justiça,[8] advoga-se a admissibilidade do direito de regresso mediante a aplicação do regime que, para a pluralidade de fiadores, está previsto no art. 650.º do Código Civil que, por seu lado, remete para as regras dos artigos 524.º e 516.º.[9] Solução semelhante à que era maioritariamente defendida no âmbito do Código de Seabra.[10]

Em doutrina mais recente, é sustentada a aplicação directa dos mencionados artigos 524.º e 516º, sem intermediação das regras da fiança, no pressuposto de que existe uma verdadeira relação de solidariedade entre os diversos avalistas do mesmo avalizado.

Segundo CASSIANO SANTOS, em “Direito Comercial Português”, vol. I, págs. 266 e 267, “as obrigações dos co-avalistas são indiscutivelmente solidárias” e, uma vez que “as relações internas entre co-avalistas estão fora do regime especial cambiário, regendo-se, na medida em que emergem de acto de comércio, pelo direito comercial e, na omissão deste, pelo direito civil comum”, “presume-se que os co-avalistas participam, nas relações entre si, em partes iguais da dívida”, nos termos previstos também para a fiança.

Mais incisiva é CAROLINA CUNHA, em “Letras e Livranças - Paradigmas Actuais e Recompreensão do Regime”, págs. 309 e 310, para quem importa afastar “o risco de equívocos graves” emergentes da passagem pela norma do art. 650.º do Código Civil, de modo que, “sendo os co-avalistas obrigados solidários”, não existem motivos para “a disciplina das respectivas relações internas se afastar do regime traçado no Código Civil para a solidariedade passiva”. Assevera ainda que “do ponto de vista da construção jurídica, tal não impede que continue a preferir-se a linha recta que conduz do art. 47.º L. U. ao regime das obrigações solidárias plasmados nos artigos 512.º e seguintes do Código Civil” (pág. 307).

Remetidos para o direito comum no que concerne às relações internas entre os diversos avalistas, por falta de regulamentação do direito de regresso na L. U., não se descortinam motivos que, por uma ou outra das vias, afastem a aplicabilidade do regime estabelecido para as obrigações solidárias, o que, em regra, se traduzirá na admissibilidade do direito de regresso e na distribuição da responsabilidade de acordo com a presunção que decorre do art. 516.º do Código Civil, sem prejuízo do funcionamento da liberdade contratual que pode levar a que, ao abrigo do disposto no art. 405.º do Código Civil, se estabeleçam acordos quer sobre a existência e condicionalismo do direito de regresso, quer sobre a repartição da responsabilidade.

É este o resultado que se extrai do já citado Acórdão deste Supremo Tribunal, de 13-7-2010, onde se concluiu que “o avalista que pagou ao tomador da livrança, em quantia superior à que lhe competia, por força do regime da solidariedade passiva, no âmbito das relações externas, perante o credor, tem direito de reaver dos restantes avalistas, no domínio das relações internas, com base no direito de regresso, a parte que a cada um destes compete, que se presume ser igual para todos, nas relações entre os devedores solidários”.

Sustentada também em razões de justiça, esta mesma solução assoma no Acórdão do Tribunal Constitucional, de 24-3-2004, proferido no âmbito do processo nº 643/2003 (www.tribunalconstitucional.pt), em cuja fundamentação se refere que, “sendo vários os co-avalistas, todos eles garantindo o pagamento da dívida, não se explicaria que, a final, só um ou alguns viessem a ter de suportar a totalidade da dívida e que aos outros co-avalistas nenhum pagamento pudesse ser exigido. Razões de justiça relativa sempre militariam na distribuição do encargo entre todos os co-avalistas”.

Em suma, na ausência de regulamentação da matéria na L. U. e sem embargo de convenção mediante a qual os avalistas regulem o exercício do direito de regresso,[11] este segue o regime prescrito para as obrigações solidárias.

2.6. Não se desconhecem as características típicas do aval e bem assim as diferenças entre o aval e a fiança, aliás, bem evidenciadas pela jurisprudência e pela doutrina,[12] sobrelevando a literalidade, a autonomia e a abstracção que caracterizam as relações cartulares, por oposição aos negócios jurídicos extracambiários como a fiança.

Porém, tais diferenças não podem desviar-nos da percepção dos pontos de contacto que também existem, merecendo destaque o facto de ambas se destinarem a reforçar a garantia dos credores mediante a multiplicação dos patrimónios susceptíveis de serem objecto de execução coerciva.

Ora, a aceitação, como regra geral, da existência de direito de regresso entre avalistas não coloca em crise qualquer aspecto específico do aval, deixando intactos todos os motivos que justificaram o tratamento desta garantia pessoal na L.U., maxime o privilégio conferido ao credor cambiário de accionar directa, imediata e solidariamente os avalistas e outros devedores, sem qualquer limitação.

Além disso, operando o direito de regresso a posteriori, ou seja, apenas depois de algum dos avalistas ter cumprido a obrigação de forma espontânea ou coerciva, não se observa qualquer inconveniente resultante da posterior distribuição do sacrifício pelos demais avalistas. Pelo contrário, a comparticipação efectiva de todos eles no esforço financeiro que tenha sido exigido apenas de algum ou alguns, além de corresponder à percepção generalizada dos efeitos que derivam da prestação de aval, integra de forma mais coerente e justa a repartição das responsabilidades e secundariza efeitos que podem ser mera decorrência de factores subjectivos ou imponderáveis (v.g. iniciativa do credor cambiário dirigida apenas a algum ou alguns dos avalistas, interesse de algum dos avalistas de assumir o pagamento, citação dos avalistas ou penhora de bens em momentos diferenciados, natureza dos bens de uns ou de outros dos avalistas, maior ou menor facilidade na penhora ou na liquidação de alguns bens, etc.).

2.7. Neste contexto, não se descortinam motivos de ordem racional para que, nos casos em que o pagamento da dívida tenha sido feito apenas à custa de algum ou de alguns dos avalistas, o exercício do direito de regresso contra os demais avalistas fique dependente da alegação e prova da existência de uma convenção que o legitime e que defina o seu conteúdo.

Um regime jurídico que em abstracto assim fosse configurado caucionaria resultados que, longe dos padrões de objectividade, poderiam ser pura decorrência de factores aleatórios ou de índole subjectiva, sem qualquer conexão com os motivos que levaram à prestação de aval por uma pluralidade de indivíduos. Alijando, por essa via, um princípio de justiça distributiva, seriam susceptíveis de tutela eventuais estratégias de outros avalistas orientados apenas pelo objectivo de se furtarem ao compromisso assumido. Argumentos que ganham especial relevância em situações, como a dos autos, em que o aval foi prestado por cada um dos sócios (e respectivos cônjuges) de uma sociedade que interveio como subscritora da livrança.

Foi decerto a ponderação de riscos desta natureza que levou a que, no âmbito do Código Civil de Seabra, a jurisprudência maioritária tivesse afirmado, como regra, a existência de direito de regresso,[13] opção que não pode deixar de ser considerada, tanto mais que o ordenamento jurídico não foi submetido, neste campo específico, a modificações substanciais que justifiquem uma inversão do resultado.

Por outro lado, não se encontrando arreigada nos circuitos empresariais, em que é mais frequente a prestação de avales, a percepção da necessidade de uma convenção destinada a assegurar e a definir a posterior repartição da responsabilidade pelos diversos avalistas, tal exigência acabaria por penalizar o avalista ou avalistas que cumprissem ou fossem compelidos a cumprir a obrigação, mediante a liquidação de bens de mais fácil apreensão (v.g. depósitos bancários, salários), com definitivo e injustificado benefício para os demais.

Ora, não nos parece aceitável que, na ausência de uma clara vontade do legislador nesse sentido, por via meramente interpretativa (jurisprudencial ou doutrinal), mediante a mera formulação de juízos de natureza formal, se criem condições para que se concretize um desequilíbrio patrimonial entre sujeitos que ab initio se colocaram no mesmo plano de responsabilidade perante os credores cambiários.

Sem dúvida que, como refere PAIS de VASCONCELOS, ob. cit., pág. 971, os avalistas, ao prestarem o aval, “não podem deixar de contar com a possibilidade de virem a ter de o pagar” e que, por outro lado, nas relações externas, a prestação de aval implica a responsabilidade solidária dos avalistas entre si e com outros devedores cambiários.

Todavia, sendo claro que este regime de solidariedade encontra justificação em motivos ligados à circulação cambiária, não implica, por si, a exigência de uma convenção extracartular como condição para se assegurar a futura repartição interna da responsabilidade entre os diversos avalistas, a qual, não sendo socialmente tida como obrigatória, se revelaria totalmente inadequada quando aplicada a situações de avales prestados por sócios da mesma sociedade.

A não ser que os interessados tenham prevenido um tal resultado, não deve ser negada ao avalista que tenha suportado o pagamento da quantia avalizada (ou que tenha suportado uma parte mais elevada do que aquela que lhe competia) o direito de regresso relativamente aos demais avalistas, considerando mais ajustada uma solução em que se assuma, como regra, a distribuição interna da responsabilidade patrimonial nos termos que vigoram para as obrigações solidárias (artigos 524.º e 516.º do Código Civil), à semelhança do que especificamente está previsto no art. 650.º do Código Civil para a pluralidade de fiadores.

3. Revertendo ao caso concreto:

3.1. Os Réus CC e DD alegaram no art. 18.º da sua contestação que cederam ao Autor AA e ao Réu EE a quota que o primeiro detinha no capital social da subscritora da livrança GG Malhas, Ld.ª, cedência essa efectuada mediante escritura pública, remetendo para o “doc. n.º 1” e fazendo menção no final do articulado à sua junção (“Junta: … um documento”).

Os Autores admitiram na réplica esse facto.

Todavia, verificou-se que o mencionado documento, cuja junção comprovaria a alegação, não foi junto naquela ocasião, omissão que não foi assinalada oportunamente pela secretaria judicial.

Neste contexto, tendo em vista a regularização da situação de desconformidade, foi determinada a notificação dos Réus contestantes para procederem à junção da certidão da mencionada escritura pública, a qual foi apresentada juntamente com o requerimento de fls. 526.

3.2. Estão provados os seguintes factos:
1. Em 17-4-1989, foi subscrita pela sociedade GG-Malhas, Ld.ª, a favor Banco ..., S.A., uma livrança no montante de PTE 48.000.000$00 (€ 239.422,99), com data de vencimento em 26-10-1995 (certidão de fls. 286 e 287).
2. Tal livrança foi avalizada a favor da sociedade GG-Malhas, Ld.ª, pelos ora Autores e ora Réus, cada um dos quais apôs a respectiva assinatura sob os dizeres “Dou o meu aval à firma subscritora”.

3. Em 4-2-1992, os Réus CC e DD, depois de declararem a divisão em duas da quota que o primeiro detinha na sociedade  GG-Malhas, Ld.ª, declararam ceder ao ora Autor AA e ao ora Réu EE as quotas resultantes da referida divisão, deixando exarado na escritura pública, além do mais:

“… Que fazem estas cessões com todos os correspondentes direitos e obrigações, expressa renúncia à qualidade de gerente do marido, e por preços iguais aos valores nominais respectivos, que dos cessionários já receberam, ficando, assim, definitiva e totalmente desligados da aludida sociedade.
Assim, os cessionários assumirão, a partir desta data, toda a situação económica, designadamente quaisquer compromissos sociais, créditos e débitos, mesmo que vencidos e não pagos.

Declararam os segundo e terceiro outorgantes:
Que aceitam as presentes cessões de quotas a eles feitas, nas condições exaradas …” (doc. de fls. 527 a 529).
4. Apresentada a pagamento na data do seu vencimento, em 26-10-1995, a livrança referida em 1. não foi paga por nenhum dos seus obrigados cambiários.
5. Em consequência do não pagamento, a referida livrança foi apresentada à execução no processo n.º 569/95, do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos.
6. No âmbito do referido processo intentado contra os ora Autores e os ora Réus, os Autores procederam ao pagamento da quantia exequenda, acrescida dos juros legais, no montante global de € 111.601,65 (PTE 22.374.121$00).

3.3. As instâncias negaram aos Autores o reconhecimento do direito de regresso relativamente a todos os Réus com base no postulado assente na necessidade de convenção extracambiária. Tal postulado foi infirmado pela solução uniformizadora que anteriormente se enunciou.

Porém, daí não decorre imediatamente a procedência da acção relativamente a todos os Réus, revelando-se necessário operar uma distinção entre os Réus CC e DD, por um lado, e os Réus EE e FF, pelo outro.

Com efeito, como o revela a matéria de facto apurada, depois de terem sido prestados os avales e antes de os Autores terem efectuado o pagamento da quantia exequenda emergente da livrança, os Réus CC e DD cederam ao Autor e ao Réu EE a quota de que aquele era titular no capital social da sociedade subscritora da livrança, tendo ficado exarado na respectiva escritura pública que “os cessionários assumirão, a partir desta data, toda a situação económica, designadamente quaisquer compromissos sociais, créditos e débitos, mesmo que vencidos e não pagos”.

Não está em causa na presente acção a apreciação dos efeitos dessa convenção perante terceiros, mas tão só ponderar se e em que medida a mesma é susceptível de interferir no concreto exercício do direito de regresso pretendido pelos Autores.[14]

Submetida aos normais critérios interpretativos, nos termos dos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, torna-se evidente que a referida cláusula traduz a renúncia dos cessionários ao direito de regresso relativamente aos Réus CC e DD, abarcando os efeitos da anterior intervenção destes como avalistas da sociedade que subscrevera a livrança cujo pagamento parcial os Autores efectuaram.

Não procede a alegação dos Autores de que na escritura pública de divisão e de cessão de quota não se aludiu expressamente à livrança ora ajuizada. A amplitude da convenção que na mesma foi integrada, o contexto que a envolveu e o facto de nela se afirmar o total desligamento dos outorgantes que cederam a quota relativamente à sociedade não permitem duvidar que foi objectivo de todos os declarantes libertar os cedentes de todas as responsabilidades que anteriormente haviam assumido em função dos interesses da sociedade a que respeitava o negócio jurídico em causa.

Deste modo, embora da anterior solução uniformizadora pudesse emergir a responsabilização dos Réus CC e DD, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 524.º e 516.º do Código Civil, na proporção de uma terça parte do que foi pago pelos Autores, o direito de regresso que estes reclamam daqueles Réus encontra-se prejudicado pelo acordo extintivo posteriormente outorgado, dele resultando a improcedência da acção na parte respeitante a tais Réus.

3.4. Diversa é a solução a adoptar quanto aos Réus EE e FF de quem os Autores também pretendem obter o reembolso da outra terça parte do que pagaram na qualidade de avalistas.

Resultando a admissibilidade do direito de regresso da solução uniformizadora anteriormente sintetizada, nenhuma convenção foi alegada que perturbe a sua aplicação aos referidos Réus, respondendo, cada um, na proporção de 1/6 do que os Autores despenderam.

No entanto, não encontrando fundamento legal a pretendida actualização monetária do quantitativo despendido pelos Autores, em face do disposto no art. 551.º do Código Civil, o direito de regresso relativamente a cada um dos referidos Réus cingir-se-á à proporção de 1/6 da quantia de € 111.601,65 que despenderam por conta da livrança avalizada, ou seja, € 18.600,27, acrescida dos juros de mora, desde a sua citação.

3.5. Em conclusão: será concedido provimento parcial ao recurso de revista, mantendo-se o acórdão recorrido, ainda que com fundamento diverso, na parte respeitante aos Réus CC e DD, sendo revogado no que concerne aos Réus EE e FF que serão condenados nos termos referidos.

III - Face ao exposto, acorda-se no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça no seguinte:

a) Julgar a revista parcialmente procedente e, ainda que com fundamentação diversa, confirmar o acórdão recorrido quanto aos Réus CC e DDe revogá-lo na parte respeitante aos Réus EE e FF, sendo cada um deles condenado no pagamento da quantia de € 18.600,27, acrescida dos juros de mora desde a citação.

b) Uniformizar a jurisprudência nos termos seguintes:
Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual  segue o regime previsto para as obrigações solidárias”.

Custas neste Supremo e nas instâncias a cargo dos Autores AA e BB na proporção de 60% e de cada um dos Réus EE e FF na proporção de 20%.

Notifique.
Lisboa, 5-6-12

Abrantes Geraldes (Relator)
Azevedo Ramos (vencido conforme declaração que junto)
Silva Salazar (vencido, conforme declaração que junto)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Nuno Cameira (vencido conforme declaração que junto)
Alves Velho
Pires da Rosa
Bettencourt de Faria (votei a decisão não obstante ter assumido já posição contrária)
Sousa Leite
Salreta Pereira
Pereira da Silva (Vencido, consoante declaração de voto que junto)
João Bernardo
João Camilo
Paulo Sá
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Oliveira Vasconcelos
Fonseca Ramos (Vencido. Subscrevo a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Dr. Nuno Cameira)
Garcia Calejo
Serra Baptista
Helder Roque
Salazar Casanova (com declaração de voto concordante)
Álvaro Rodrigues (Vencido, de acordo com a declaração de voto que junto)
Lopes do Rego
Orlando Afonso
Távora Victor
Sérgio Poças
Silva Jesus
Fernandes do Vale
Granja da Fonseca
Fernando Bento
Martins de Sousa
Gabriel Catarino
Marques Pereira (Subscrevo a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Dr. Nuno Cameira)
João Trindade
Tavares de Paiva
Silva Gonçalves (Vencido nos termos da declaração do Exmo. Sr. Conselheiro Pereira da Silva que subscrevo)
Ana Paula Boularot (vencida nos termos da declaração de voto que junto)
António Joaquim Piçarra
Luís António Noronha Nascimento (Presidente)
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[1] É a tese predominante nos Tribunais da Relação, sendo disso exemplos, os Acórdãos da Rel. de Lisboa, de 21-10-2010, 16-4-2009, 11-10-2007, 18-11-2006 e de 11-11-2004, e os da Rel. do Porto, de 27-2-2006 e de 27-5-2004, todos acessíveis através de www.dgsi.pt.
[2] Tese igualmente exposta pelo mesmo autor em “Direito Comercial”, I vol., pág. 341, e sumariamente apoiada por PESTANA VASCONCELOS, em “Direito das Garantias”, pág. 117, nota 321.
[3] Esta “Consideração” vem reproduzida em diversos fontes, designadamente no Ac. da Rel. de Lisboa, de 22-5-1953, BMJ 43.º, pág. 537, no Ac. do STJ, de 7-7-1999, CJSTJ, tomo III, pág. 14, ou no Ac. do Tribunal Constitucional de 24-3-2004, no processo n.º 643/03, sendo também mencionada por PEREIRA DELGADO, em Lei Uniforme de Letras e Livranças anot., 6ª ed.
Também DUQUE DOMINGUEZ refere em “El aval de la letra de cambio”, na Documentação Jurídica, tomo XIII, 1986, “Monográfico dedicado a la Ley Cambiária e del Cheque”, pág. 30, que, durante as conversações da Conferência de Genebra, se asseverou que as questões derivadas do facto de várias pessoas prestarem o seu aval a um mesmo obrigado cambiário não se inscrevia no âmbito do direito cambiário e que, assim, as relações que se podem estabelecer entre avalistas do mesmo obrigado são relações de direito comum que a Lei Uniforme não regula.
[4] Reportando-se ao direito italiano, em “La Cambiale”, coorden. de FRANCO CAMPOBASSO (Milão, 1998), pág. 366, refere-se que “il coavallante che ha pagato no ha azione cambiaria di rivalsa contra i coavallanti, ma solo un’azione extracartolare regolata dalle norme di diritto comune sulle obbligazioni solidali”, regime confirmado por GIUSEPPE SALANITRO (“Diritto Commercialle”, 18.ª ed., págs. 373 e 374), com referência ao art. 1299.º do Código Civil italiano, e por GIANCARLO LURINI (“Il Titoli di Credito”, 2ª ed., pág. 237).
Quanto ao direito espanhol, no mesmo sentido, cfr. ALONSO SOTTO (“El pago de la letra de cambio”, em “Derecho Cambiario - Estudios sobre la Ley Cambiária e del Cheque” (Madrid, 1986), pág. 680).
[5] Nos termos do qual “fra più obligatti che abbiano una posizione di pari grado nella cambiale non há luogo l’azione cambiaria e il rapporto è regolato com le norme relative alle obbligazioni solidali”.
O tratamento da questão pela doutrina italiana encontra diversa ilustração na citada obra de CAROLINA CUNHA, págs. 304 e segs.
[6] ANGEL ROJO (“El Aval”, publicado em “Derecho Cambiario - Estudios sobre la Ley Cambiária e del Cheque”, pág. 599) esclarece que “en algunos derechos esta solución es recogida expresamente por la legislación cambiária; en otros es conclusión doctrinal y jurisprudencial”, referindo, a este respeito, o sistema francês e alemão.
Segundo CAROLINA CUNHA (ob. cit., pág. 306, nota 587), “a doutrina e a jurisprudência francesas aplicam directamente ao co-aval as normas do Code Civil sobre a pluralidade de fiadores”.

[7] DUQUE DOMINGUEZ (“El aval de la letra de cambio”, publicado em “Documentação Jurídica”, tomo XIII, 1986, “Monográfico dedicado a la Ley Cambiária e del Cheque”, págs. 30 e 31) refere que, “salvo que se haya pactado outra cosa, cada uno de los coavalistas soportará una parte igual de la suma cambiaria”.

Solução também apontada por ANGEL ROJO, ob. cit., pág. 599. Depois de referir que “el pago válido y debido de la letra por parte de un coavalista hace nacer en su favor la acción de reintegro frente a los demás coavalistas por «la parte que proporcionalmente les corresponda satisfacer»”, acrescenta que “la relación de los coavalistas entre sí no se rige por la regla de la solidariedad cambiaria, sino por las del derecho común” e que a tais situações se aplica “el régimen común interno de la solidariedad”, sendo que “para determinar la proporción de cada uno de los coavalistas hay que estar atento al eventual pacto interno de distribuición de la obligación y, en su defecto, acudir a la regla subsidiaria de las partes iguales” (pág. 599).

No mesmo sentido HENRIQUE GADEA (“Los Títulos-Valor: Letra de Cambio, Cheque y Pagaré” - Madrid, 2007, pág. 75).

[8] Considerando apenas aqueles em que a questão foi apreciada em plano semelhante ao que nos encontramos (exercício de direito de regresso por um avalista mediante a instauração de uma acção contra os demais), destacam-se os já citados Acórdãos do STJ, de 24-10-2002 (CJSTJ, tomo III, pág. 121), de 15-11-2007 e de 13-7-2010, estes em www.dgsi.pt.
[9] Doutrina adoptada por ROMANO MARTINEZ quando refere que, “não obstante a inexistência de relações cambiárias entre os diversos co-avalistas do mesmo subscritor, não deixa de haver entre eles relações de direito comum, possibilitando que aquele que pague a livrança accione não cambiariamente os seus co-avalistas, para com eles repartir a parte não cobrada dos devedores principais, recorrendo-se, para a resolução do problema, às normas reguladoras do instituto da fiança, como as que se apresentam mais próximas da figura do aval” (“Garantias de Cumprimento”, 5ª ed., pág. 123).
Outrossim por MENEZES LEITÃO para quem “o direito de regresso é regulado pelo regime da pluralidade de fiadores (art. 650º, nº 1) que, por sua vez, remete para o regime das obrigações solidárias” (“Garantias das Obrigações”, 3ª ed., pág. 134).
[10] GONÇALVES DIAS defendia, então, que, não havendo acção cambiária entre avalistas do mesmo avalizado, “o modo de regular as relações internas depende da convenção entre avalistas”, concluindo que “se nada convencionarem, opera a regra da divisão proporcional, nos termos do art. 845.º do Código Civil para a fiança comum” (“Da Letra e da Livrança”, vol. VII, pág. 589).
[11] O que ocorreu, por exemplo, no caso apreciado no Ac. do STJ, de 24-10-2002, CJSTJ, tomo III, pág. 121, em que foi acordado que apenas um dos avalistas responderia internamente pelo pagamento da letra avalizada.
[12] Cfr. o Ac. do STJ, de 25-7-1978, BMJ 279.º, págs. 214 e segs. e, na doutrina, entre muitos outros, PAIS de VASCONCELOS, ob. cit., págs. 950 e 951, ROMANO MARTINEZ, ob. cit., págs. 120 e segs., MADEIRA RODRIGUES, em “Das Letras: Aval e Protesto”, e HECTOR ALEGRIA, em “El Aval” (Buenos Aires, 1982), págs. 80 e segs.
[13] A título ilustrativo, cfr. o Ac. da Rel. de Lisboa, de 22-4-1953, BMJ 43.º, págs. 536 e segs. (com largo desenvolvimento), e os Acórdãos do STJ, de 27-11-1962, BMJ 121.º, págs. 355 e segs., e de 21-2-1967, BMJ 164.º, págs. 335 e segs.
[14] Decidiu-se no Ac. de STJ, de 24-10-2002, CJSTJ, tomo III, pág. 121, que não se exclui a possibilidade de se afastar a aplicabilidade da regra geral, provando que apenas algum ou alguns dos avalistas se comprometeram com o pagamento da dívida. E segundo CAROLINA CUNHA, ob. cit., pág. 310, “cabe aos co-avalistas demandados provar que da relação jurídica que entre todos intercede resulta que são diferentes as suas partes ou que só um deles deve suportar o encargo da dívida”.
Estes argumentos, extraídos da jurisprudência e da doutrina, apelam à atendibilidade de acordos posteriores de natureza modificativa ou extintiva da obrigação resultante da aplicação da regra geral anteriormente enunciada.
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Voto de vencido

Votei vencido quanto à condenação dos réus EE e FF e ao sentido da uniformização da jurisprudência, pela fundamentação constante do Acórdão deste S.T.J. de 27-10-2009 (Col. Ac. S.T.J., XVII, 3º, 103), de que fui relator.
Efectivamente, o art. 32 da LULL não admite relações cambiárias entre os vários avalistas, em caso de pluralidade de avales por um mesmo avalizado.
Mas tal não impede que, entre a pluralidade de avalistas, existam relações extracambiárias.
Só extracambiariamente, o avalista que pagou pode accionar os demais avalistas do mesmo avalizado que não tiverem pago, tendo, para tanto, de alegar e provar a relação extracambiária em que fundamenta sua pretensão.
Não é aceitável a presunção de que subjacente a uma pluralidade de avales, prestados pelo mesmo avalizado, tenha sido estipulado o regime de regresso solidário próprio da fiança, ou uma convenção de partilha igualitária ou proporcional do sacrifício financeiro inerente ao pagamento do aval por um dos co-avalistas, ou outra convenção qualquer.
Tal presunção não existe, nem se pode presumir.
Nem existe uma verdadeira relação de solidariedade entre os diversos avalistas do mesmo avalizado.
Em caso de pluralidade de avales pelo mesmo avalizado, se apenas for exigido o pagamento a um deles (ou a mais do que um, mas não a todos), o avalista que pagou apenas terá acção comum extracambiária contra os demais avalistas do mesmo avalizado que não tiverem pago, se tal tiver sido extracambiariamente convencionado entre eles e nos precisos termos em que tiver sido acordado.

Lisboa, 5-6-2012

(Azevedo Ramos)

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Declaração de voto

Se bem que o acórdão de 24/10/02, de que fui relator, seja suscetível de ser interpretado no sentido de os respetivos subscritores se terem inclinado decisivamente para o entendimento de que, pago o montante da livrança apenas por um dos avalistas do mesmo subscritor, se deveria, para fins de apuramento da eventual responsabilidade dos demais avalistas para com o que pagara ao portador da mesma, e dada a inexistência de relações de direito cambiário entre eles, recorrer desde logo às normas reguladoras do instituto da fiança, por serem as que se apresentavam como sendo as mais próximas da figura do aval, foi essencialmente com base em acordo extra cambiário entre o autor e o réu, ambos avalistas da mesma sociedade subscritora, que aquele acórdão concluiu pela decisão dele constante, não tendo naquela ação sido reconhecido ao autor direito de regresso em relação ao réu.
Posteriormente, porém, perante novos estudos e análises clarificadores da questão, nomeadamente com base no Parecer do Professor Doutor Pedro Pais de Vasconcelos constante do processo n.º 480/09.9YFLSB, e onde foi proferido o acórdão de 27/10/09, que subscrevi como adjunto, entendo de forma mais convicta que, para haver direito de regresso de um avalista que paga sozinho a livrança ao portador desta sobre os demais avalistas do mesmo subscritor, tem de existir uma relação jurídica extra cambiária entre eles de que esse direito resulte. Tal se passa, a meu ver, mesmo na hipótese da fiança de obrigações meramente civis, em que dos termos da lei resulta que essa relação entre fiadores se presume, e mesmo no tocante às obrigações comerciais, pois interpreto o art.º 100º do Cód. Comercial no sentido de se referir apenas aos obrigados principais e não aos respetivos garantes, enquanto o seu art.º 101º só consagra a solidariedade entre o fiador e o seu afiançado.
E, não resultando do direito cambiário qualquer direito de regresso de um avalista para com os outros, só do direito comum esse direito poderá resultar, mediante algum negócio jurídico celebrado na observância do princípio da liberdade contratual, pois da lei não deriva que uma pessoa possa impor a outras obrigações de natureza contratual sem o acordo destas, assim como da doutrina da ineficácia externa das obrigações, como das existentes entre um avalista e o seu avalizado, ou entre o avalista que pagou e o portador do título, deriva a não produção de efeitos em relação a terceiros, como são os demais avalistas apesar de o serem do mesmo subscritor.
Não vejo sequer, agora, que daí possa resultar alguma solução atentatória da justiça relativa, uma vez que qualquer avalista sabe, ou tem obrigação de saber, que lhe pode ser exigido pelo portador do título o pagamento integral, cabendo-lhe prevenir a eventualidade de ter de suportar sozinho a correspondente despesa, o que pode fazer mediante acordo extra cambiário com os demais avalistas, pois, se se informar em entidade adequada previamente à subscrição do aval, saberá que o aval que preste é individual e independente do que for prestado por qualquer outro garante, e que do título cambiário não lhe resulta qualquer direito de regresso sobre os demais avalistas.
Entendo, assim, que a regra geral não deverá ser a de existência do direito de regresso, sem prejuízo de estipulação em contrário ou diferente, mas a da inexistência desse direito quando também inexista convenção no sentido da existência daquele.
Daí que, presentemente, me pareça mais correto, à face da lei, que este Supremo pode interpretar mas não alterar, que o sumário uniformizador seja no sentido de que o avalista que pague, sozinho, o montante da letra, só dispõe de direito de regresso contra os demais avalistas do mesmo subscritor se invocar e demonstrar ter celebrado com eles uma convenção extra cambiária nesse sentido.

Silva Salazar
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Declaração de voto:

Voto vencido pelas razões que constam da declaração do Conselheiro Fernando Azevedo Ramos, já desenvolvidamente expressas no acórdão do STJ de 27/10/09 (CJSTJ, XVII, 3º, 103), que relatou e subscrevi como adjunto.
Entendo que, na ausência de norma legal que expressamente o preveja, não pode o intérprete, apelando para considerações de justiça relativa válidas no plano do direito a constituir, mas não do direito actualmente vigente, ficcionar a existência duma acção de regresso do avalista que paga contra os restantes avalistas do mesmo avalizado nos termos que vigoram para as obrigações solidárias. De obri­gação solidária vinculando entre si os vários avalistas só pode falar-se quando ex­tra cartularmente tenha sido por eles convencionada. E, salvo melhor entendi­mento, tal convenção não se presume, nem pode presumir-se com base no facto do pagamento do título efectuado por um deles. O acórdão admite que, na ausên­cia de regulamentação do direito de regresso entre os vários avalistas, há lugar à aplicação directa do regime estabelecido no direito comum para as obrigações so­lidárias, mesmo que nada tenha sido convencionado extra cambiariamente. É esta proposição que me parece inaceitável porque uma relação extra cartular de re­gresso não existe de per se nem nasce de modo automático, por inteiro à margem da vontade dos interessados, excepto se existir uma norma legal a impô-lo, o que não é o caso entre nós.
Lisboa, 5 de Junho de 2012
Nuno Cameira
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DECLARAÇÃO DE VOTO

Vencido.

a) Pelo expendido em acórdão deste STJ, a 25-03-2010 prolatado, com relato nosso, no Proc.º n.º 482/1999.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt, bem como nos demais arestos deste Tribunal à colação chamados em II. 2. 2. do A.U.J., o argumentário em todos vertido, em abono de solução díspar da que fez vencimento, “brevitatis causa”, nos dispensando, ora, de reproduzir, uniformizaria a jurisprudência nos termos seguintes:

O avalista que pague, honrando o aval prestado, apenas extracambiariamente pode demandar os demais avalistas do seu avalizado que não tiverem pago, incumbindo-lhe alegar e provar a relação em que funda a bondade da sua pretensão.

*

b) “In casu”, não tendo os autores, sequer, alegado qualquer convenção extracambiária em prol da evidenciação da justeza do pedido de condenação dos demais avalistas da subscritora da livrança a que se alude em II. 3. 2. do A.U.J. a custearam uma quota-parte do quantitativo que pagaram, honrando os avales prestados à citada obrigada cambiária, negaria, “in totum”, a revista, confirmando, consequentemente, a decretada absolvição dos réus EE e FF do pedido, os demandantes, tão só, condenando nas custas da revista.

Lisboa, 5 de Junho de 2012

Pereira da Silva

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As duas teses em confronto são respeitáveis e cada uma dispõe de bons argumentos.

Um ponto tem merecido a concordância: as relações entre os avalistas regem-se pelo direito comum.

Já se referiu que a melhor doutrina é a que " sustenta ser o aval uma verdadeira fiança em que foram introduzidas as especialidades próprias da matéria cambiária" (Fernando Olavo, Direito Comercial, Vol. II, 1963, pág. 131); considerando-se que aval e fiança exercem uma função de garantia, sustentou-se também que " não pode enquadrar-se o aval na fiança: a acessoriedade não esgota a sua natureza jurídica (Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. III, 1975, pág. 209).

Reconhecendo-se a função de garantia do aval e da fiança e que as diferenças advêm da função do aval no âmbito do regime cambiário, a determinar, por exemplo, o direito de regresso contra os signatários anteriores ao avalizado ou a estabelecer que a obrigação do avalista se mantém, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma (artigo 32.º da L.U.L.L.), aceita-se que, no âmbito do direito comum que disciplina as relações entre os coavalistas, o aval seja tratado como uma efetiva fiança.

Tal a consequência, a nosso ver, do reconhecimento de que " a diferença entre estas duas figuras não é pois substancial ou essencial, mas simplesmente quantitativa e derivada da necessidade de acautelar a essencial função de crédito que ao aval é atribuída" (Fernando Olavo, loc. cit.).

Assim também já assinalava Gonsalves Dias referindo que " quando se diz que o aval não é uma fiança, é só para acentuar que o avalista não pode invocar as exceções do avalizado contra o portador. O caso, aliás, é idêntico ao da coemissão, coaceite e coendosso em que também não pode negar-se ao coobrigado, que paga, uma ação de reembolso pro quota" (Da Letra e da Livrança, Vol. VII, 2.ª parte, pág.589).

Por esta via justificar-se-á então que as relações internas entre os coavalistas sejam tratadas como as relações entre fiadores (artigo 650.º do Código Civil).


Lisboa, 05.06.2012
Salazar Casanova

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Declaração de Voto

Com o subido e merecido respeito pela tese que fez vencimento, votei vencido porque continuo convencido da bondade da posição sustentada no Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido na Revista nº 3341/04.TVPRT.P1.S1, de 20-05-2010, de que tive a honra de ser Relator.
Como aí se referiu, é entendimento consensual que entre os co-avalistas não há obrigações cambiárias, mas apenas relações de direito comum.
Também parte da jurisprudência mais actualizada continua a sufragar tal entendimento, como pode ver-se, entre outros, pelo aresto que se passa a indicar.
Neste sentido, sentenciou o Acórdão deste Supremo Tribunal de 27.10. 2009 (Relator, Exmº Conselheiro Azevedo Ramos), assim sumariado:
«I -Não existem relações cambiarias entre os vários avalistas de um mesmo avalizado.
II - O recurso ao regime jurídico da fiança para regular as relações entre os avalistas do mesmo avalizado, nomeadamente entre o avalista que pagou e os demais avalistas do mesmo avalizado, só pode ancorar-se em relações extracambiárias que tenham sido estabelecidas entre os vários avalistas do mesmo avalizado.
III - Esta fiança extracambiária só existe se for convencionada e nada permite presumi-la.
IV- O regime jurídico do art. 32° da LULL, ao não permitir relações cambiarias entre a pluralidade de avalistas do mesmo avalizado, não contém uma lacuna que possa ser preenchida por analogia ao regime civil da fiança.
V- Em caso de pluralidade de avales pelo mesmo avalizado, se apenas for exigido o pagamento a um deles (ou a mais do que um, mas não a todos), o avalista que pagou só tem acção comum extracambiária contra os demais avalistas do mesmo avalizado que não tiverem pago, se tal tiver sido extracambiariamente convencionado entre eles e nos precisos termos do que tiver sido convencionado.» ( Pº 480/09.9YFLSB, consultável in www.dgsi.pt).
Sendo assim, a garantia dessa relação extracambiária entre os diversos avalistas não é constituída pelos avales dados no título de crédito, cujo pagamento a pluralidade dos avalistas procurou garantir ( daí a designação imprópria de co-aval e de co-avalistas, que só seria correcta se se tratasse de prestação colectiva de um único aval), porque esses são negócios jurídicos autónomos, de natureza cambiária, pelo que só pode ser uma relação extracambiária, a que tenha sido estabelecida entre os vários avalistas do mesmo avalizado, como decidiu o aresto em referência.
Só que tal relação extracambiária não se presume, antes tendo que ser alegada e provada por quem dela pretenda fazer-se valer.
Por isso, ainda neste sentido, é de toda vantagem realçar também a posição do recente Acórdão deste Supremo de 25-03-2010 (Relator, Exmº Conselheiro Pereira da Silva), do qual se transcreve, pelo seu indiscutível interesse, a parte do sumário que releva para a questão que ora nos ocupa:

«I. O art. 32.º da L.U.L.L. não permite relações cambiárias entre os vários avalistas de um mesmo avalizado, no, enfim, imperfeitamente designado por “co-aval”, ao contrário do art.º 650.º do C.C. que estabelece relações internas de regresso, em solidariedade, entre os co-fiadores.

II. Apenas extracambiariamente o avalista que pagou pode demandar os demais avalistas do mesmo avalizado que não tiverem pago, incumbindo-lhe alegar e provar a relação extracambiária em que funda a bondade da sua pretensão (art.º 342.º n.º 1 do C.C.), já que aquela não se presume».

Também considerável parte da Dogmática actual trilha a via de tal entendimento, como se colhe de um estudo de Pedro Pais de Vasconcelos, citado no Acórdão de 25-03-2010 deste Supremo, a que atrás se fez referência, do qual nos permitimos transcrever a seguinte passagem e onde o Ilustre Professor afirma:

«Esta fiança extracambiária só existe se for convencionada formal e expressamente, e nada permite presumi-la.
O regime jurídico do artº 32º da LULL, ao não permitir relações cambiárias entre a pluralidade de avalistas do mesmo avalizado, não contém uma lacuna que possa ser preenchida por analogia ao regime civil da fiança.
O aval não é uma fiança especial e o seu regime jurídico não constitui uma espécie de um género que seria a fiança civil.
O regime jurídico da fiança civil não pode, por isso, ser aplicado, como regra geral, às relações entre pluralidade de avalistas do mesmo avalizado.
Em caso de pluralidade de avales pelo mesmo avalizado, se apenas for exigido o pagamento de um deles ( ou a mais do que um, mas não a todos), o avalista que pagou, ao accionar os demais avalistas do mesmo avalizado, tem o ónus de alegar e provar a convenção extracambiária em que funda o seu pedido, a qual não se presume».
Destas premissas, o mesmo Autor conclui no sentido de que «os avalistas que não pagaram não ficam onerados com a alegação e prova de se não terem obrigado perante aquele a comparticipar do benefício financeiro inerente ao aval».
Aliás, note-se que, mesmo no regime das obrigações solidárias, é regula aurea das fontes da solidariedade o disposto no artº 513º do Código Civil, segundo o qual a solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes, sendo certo que tal vontade não se presume.
Se é pacífico o entendimento de que a LU não regula as relações internas entre os diversos avalistas do mesmo avalizado, como bem se salienta no AUJ, também é verdade que «a solidariedade entre os obrigados cambiários é imprópria, pois as diversas pessoas que a lei declara solidariamente responsáveis para com o portador não são condevedores solidários, não se encontrando vinculados nos termos em que os condevedores o estão na solidariedade passiva» como ensinava Pinto Coelho ( P. Coelho, Lições de Direito Comercial, suplemento, apud, Pereira Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, 4º edição, pg 248).
Por outro lado, «a solidariedade cambiária difere da solidariedade comum, já que faz que o portador não possa accionar os garantes sem exigir o aceite ou o pagamento do devedor principal» na lição de G. Dias, citado por A. Pereira Delgado, op. cit, pg. 249).
Estas questões, por sua vez, concitam a discussão sobre qual a relação subjacente que une os avalistas do mesmo devedor se nenhum pacto ou acto extracambiário ou outro título existir entre eles, de modo a que possam ser jurisprudencialmente equiparados aos fiadores do mesmo devedor.
O simples recurso ao argumento analógico, com o elevado e devido respeito, não parece suficientemente adequado para realidades diversas, isto é, para garantias de natureza diferente.
Em face do exposto, uniformizaria a jurisprudência nos termos propostos na douta declaração de voto do Exmº Conselheiro Pereira da Silva, à qual adiro inteiramente.


Lisboa, 5 de Junho de 2012

Álvaro Rodrigues

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DECLARAÇÃO DE VOTO

Vencida, não subscrevo a tese que fez vencimento, porquanto:

O direito de acção pelo avalista que pagou contra os demais avalistas na titulo de direito de regresso não encontra assento na LULL, nomeadamente nos normativos aí insertos nos artigos 30º, 32º e 47º, uma vez que as obrigações dos co-avalistas são autónomas, exaurindo-se, no âmbito da acção cambiária, com o seu cumprimento.

O regime jurídico adveniente do artigo 32º da LULL porque não faz estabelecer quaisquer relações cambiárias entre os co-avalistas do mesmo avalizado, não contem uma lacuna que possa ser preenchida com recurso ao regime civil da fiança, nem esse recurso poderá ser assacado da Consideração nº75 do Congresso de Genebra, que preparou a Convenção de Genebra de 1930 sobre a LU quando consignou «não há entre co-avalistas relações cambiárias, mas somente de direito comum que uma Lei Uniforme sobre Letras não tem que regular».

Quando ali se deixou expressamente consignado que a Lei Uniforme sobre Letras não se ocupa, nem tem de se ocupar, das relações extracambiárias eventualmente existentes entre os co-obrigados cambiários, maxime entre os co-avalistas, está-se concomitantemente a afastar qualquer hipótese de apelo à lei civil, uma vez que ali estamos perante as relações cartulares, as quais transcendem a relação jurídica subjacente e por isso afastam a existência de uma lacuna, pois não pode haver lacuna quando a situação jurídica a se não contempla expressamente uma determinada relação entre os intervenientes: a lacuna implica que haja um caso que a Lei não preveja e que careça de regulamentação, artigo 10º, nº1 do CCivil e no caso sujeito a Lei previu especificamente a inexistência de relações cambiárias entre os co-avalistas do mesmo avalizado, ao contrário dos co-fiadores em que a Lei civil contempla expressis verbis o regime da acção de regresso no caso em que se verifique o pagamento por um deles, cfr artigo 649º, nº1 e 650º do CCivil, ver Oliveira Ascensão, O Direito, 13ª edição refundida, 434 e seguintes.

As situações são diversas, sendo diversos os regimes jurídicos a convocar para a respectiva dilucidação, sem embargo, todavia, de os obrigados cartulares por força dos avales possam ter uma qualquer relação ou convenção susceptível de vir a ser invocada, mas agora em sede extracambiária, precisamente o contrário do que se retira da tese que fez vencimento, seguindo-se aqui a doutrina expendida a propósito por Pedro Pais de Vasconcelos, in Direito Comercial Títulos de Crédito, 1990, 125/129 e Pluralidade De Avales Por Um Mesmo Avalalizado E «Regresso» Do Avalista Que Pagou Sobre Aqueles Que Não Pagaram, in Nos 20 Anos Do Código das Sociedades Comerciais, Volume III, 947/992, cfr neste sentido inter alia os Ac STJ de 27 de Outubro de 2009 (Relator Azevedo Ramos), 25 de Março de 2010 (Relator Pereira da Silva), 20 de Maio de 2010 (Relator Álvaro Rodrigues) e 23 de Novembro de 2020 (Relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.


Teria, neste contexto, negado Revista e absolvido os Réus do pedido e formulado a uniformização de jurisprudência nos seguintes termos:
Inexistem quaisquer relações cambiárias entre os avalistas do mesmo avalizado, sem prejuízo de poderem ser estabelecidas entre eles relações jurídicas de direito comum.

Todavia sempre se diz ex abundanti que o presente AUJ nunca poderia ser proferido já que a causa de pedir na acção tendo a sua origem cambiária e sendo das relações entre co-avalistas que se cura, não foram alegados factos pelos Autores que pudessem levar este Supremo Tribunal a concluir pela existência de uma relação jurídica extra cartular que se tenha constituído no momento em que Autores e Réus subscreveram a livrança, por forma a decidir-se que os mesmos são solidariamente fiadores e principais pagadores da sua subscritora.

Esta factualidade, porque de factos se trata, foi completamente omitida nos articulados e por isso os Réus não poderiam ser condenados no pedido por via de um direito de regresso apanágio de uma fiança não plasmada nos autos.


(Ana Paula Boularot)