Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
172/07.3GDEVR.E2.S2
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: HOMICÍDIO
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
PROIBIÇÃO DE PROVA
CONVERSA INFORMAL
RECONSTITUIÇÃO
CASO JULGADO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE DIREITO
MATÉRIA DE FACTO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
Data do Acordão: 09/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I - Face ao elevado número de «conclusões» apresentados (161), forçoso é concluir que o recorrente faltou ao compromisso de esforço mínimo, necessário, em ordem a colaborar com o tribunal de recurso – art. 266.º, n.º 1, do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 4.º do CPP – e, ao fim e ao cabo, dar cumprimento à exigência legal contida no n.º 1 do art. 412.º do CPP, e no caso concreto ao n.º 2 do mesmo preceito, uma vez que em causa estaria apenas reexame da matéria de facto.
II - Pese embora a despropositada extensão e manifesta falta de condensação, não se lança mão do convite ao exercício de concisão, previsto no art. 417.º, n.º 3, do CPP, por, após uma leitura aturada, se conseguir descortinar o leque de questões efectivamente propostas a reapreciação.
III -Na decisão sob recurso foi expurgada a motivação do segmento declarado nulo por aproveitamento/acolhimento de prova proibida (conversas informais), tudo o mais se manteve, incluindo o que a testemunha percepcionou em directo, ou seja, tendo por base um conhecimento independente, efectivo, sendo possível chegar à mesma solução sem consideração daquela prova, que no fundo não seria importante nem imprescindível, uma vez que se alcançava o resultado por outras vias mais seguras e concludentes, atingindo-se o resultado por outro meio de obtenção de prova licitamente conformado, não se tratando de «fruto podre» que contaminasse toda a decisão.
IV -De facto, nada obsta a que as provas mediatas possam ser valoradas quando provenham de um processo de conhecimento independente e efectivo, uma vez que não há nestas situações qualquer relação de causalidade entre o comportamento ilícito inicial e a prova mediata obtida.
V - A reportagem fotográfica realizada constitui um meio de prova, por corresponder a uma providência cautelar, um exame de recolha de vestígios – art. 171.º do CPP –, no caso, exame do corpo do falecido, do local e de coisas, como a arama caçadeira, cartuchos, sacas de ração. A reconstituição, que vem definida como meio de prova no art. 150.º do CPP, é um meio de prova válido de demonstração da existência de certos factos a valorar, como os demais, segundo as regras da experiência e livre convicção da entidade competente, tudo nos termos do art. 127.º do CPP.
VI -Como decorre do art. 249.º do CPP é da competência dos órgãos de polícia criminal praticar os actos cautelares e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente, proceder a exames dos vestígios, em especial as diligências previstas no n.º 2 do art. 171.º do CPP (medidas cautelares para preservação dos vestígios do crime), colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e sua reconstituição, proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas.
VII - Uma coisa é o depoimento de G, inspectora da PJ, que tem a ver com o que observou no terreno, de conhecimento directo, de percepção pessoal, e que tem de ser valorado autonomamente; outra a parte do depoimento cujo valor probatório se veio a declarar inquinado, por constituir uma mera confirmação de conversas informais com o arguido, ao jeito de um depoimento por ouvir dizer, de conhecimento indirecto e não directo como no outro caso.
VIII - Achando-se decidida em anterior recurso a questão da validade da prova por reconstituição, tal aspecto não pode ser sindicado pelo STJ, podendo e devendo a 1.ª instância na reformulação do acórdão ter tal ponto por seguro e assente.
IX -Ao STJ compete apenas o reexame da matéria de direito, pelo que é totalmente irrelevante pretender discutir no recurso interposto a prova feita no julgamento, solicitando que se modifique a prova e passe a aceitar como realidade aquilo que o interessado pretende corresponder ao sentido do que teria resultado do julgamento.
X - Efectivamente, o recorrente, em discordância relativamente ao juízo da Relação sobre a proposta da matéria de facto, continua a discutir a apreciação da prova (tal como o fez perante o acórdão da 1.ª instância), esquecendo-se que esse ciclo se fecha no recurso para a Relação.
XI -Em suma, por um lado, não houve modificação pela Relação da matéria de facto provada em 1.ª instância, a qual ficou definitivamente assente, e por outro lado, o acórdão ora recorrido não incorre em qualquer nulidade, visto que emitiu pronúncia sobre todos e cada um dos temas sujeitos a reexame.
XII - Desatende-se, pois, a arguição de nulidade por omissão de pronúncia, sendo o recurso de rejeitar por manifestamente improcedente neste segmento da matéria de tentativa de reapreciação da matéria fáctica.
Decisão Texto Integral:

No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo com o n.º 172/07.3GDEVR, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, integrante do Círculo Judicial de Évora, foi submetido a julgamento o arguido AA, também conhecido por “J....T.....”, nascido a 04-11-1968, em S. ............ - Évora, ganadeiro, residente no Bairro ............, Rua............, n.º ..., em Évora, dantes recluso no Estabelecimento Prisional Regional de Elvas, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva à ordem destes autos, mas actualmente sujeito a medida de coacção de apresentação semanal no posto policial da área da residência, determinada por despacho de 28-10-2009, proferido a fls. 875 e verso, em que foi ordenada a imediata restituição do arguido à liberdade, o que foi cumprido no mesmo dia - certidão de fls. 883 verso – tendo sido mantida aquela medida  não privativa de liberdade no dispositivo do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-06-2010, a fls. 1129.

        
Na acusação deduzida pelo Ministério Público foi-lhe imputada, em autoria material, a prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.º s 1 e 2, alíneas e), h) e j), do Código Penal.

  

           Por acórdão do Colectivo do 1.º Juízo Criminal da Comarca de Évora, proferido em 03-02-2009, constante de fls. 587 a 616, do 3.º volume, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, na pena de 10 anos de prisão.

        (O acórdão encontra-se datado de 03-02-2008, mas trata-se de manifesto lapso, pois o julgamento teve lugar em 12 e 19 de Janeiro de 2009, conforme actas de fls. 556-8 e 584-6, sendo marcada a leitura para aquele dia de 2009, data em que foi depositado o acórdão – fls. 618).

Interposto, pelo arguido, recurso para o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 20-07-2009, constante de fls. 747 a 797, do 4.º volume, veio a negar-se ao mesmo provimento, mantendo-se o acórdão então recorrido.

(O acórdão encontra-se datado de 12-07-2009, mas tal circunstância deve-se certamente a mero lapso de escrita, já que o despacho de admissão do recurso e o visto do Exmo. Adjunto ocorreram em 14 de Julho, conforme fls. 744 e 745, e a inscrição em tabela teve lugar em 20 de Julho de 2009, para o mesmo dia, como consta de fls. 746, que de resto, é a data que consta da acta de sessão de conferência, e ainda do registo do acórdão - fls. 798 e 799).

          Seguiu-se recurso interposto para o STJ, que por acórdão tirado em 01-10-2009, de fls. 847 a 869, apreciou e decidiu, de modo definitivo, a questão suscitada de nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia no que respeita à valoração (feita no acórdão da 1.ª instância) de uma reportagem fotográfica, e concedendo provimento ao mesmo, decidiu anular o acórdão recorrido, com fundamento em que, “ao confirmar na íntegra a informação de fls. 42 a testemunha (BB) depôs sobre o relato feito pelo suspeito/arguido no qual “pormenorizou as circunstâncias que antecederam e se sucederam à prática do crime”, concluindo pela proibição de tal meio de prova, por violação do direito do arguido ao silêncio e por violação do princípio da imediação.

Entendeu o acórdão que tal prova não podia valer para o efeito de formação da convicção do tribunal e não podia ser invocada, como foi, na fundamentação do acórdão recorrido, que incorreu em nulidade, devendo o tribunal recorrido reponderar o seu julgamento, desconsiderando aquela prova proibida (isto é, decidindo sem ponderação daquela prova) e retirar daí as respectivas consequências.

Como se referiu supra, por despacho de 28-10-2009, de fls. 875 e verso, foi ordenada a imediata restituição do arguido à liberdade, o que foi cumprido no mesmo dia - certidão fls. 883 verso.

Volvidos os autos ao Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 02-03-2010, constante de fls. 907 a 910, foi considerado que “seguindo o raciocínio vertido no acórdão do STJ, o acórdão proferido pela 1.ª instância é, também, nulo, pois o tribunal valorou na sentença, prova proibida, ao admitir com válida uma prova proibida”, deliberando-se remeter os autos à 1.ª instância para reponderação do julgamento, desconsiderando a prova proibida e extraindo as respectivas consequências.

Em cumprimento do decidido, foi designada, em 1.ª instância, data para deliberação, seguida de leitura de acórdão (fls. 1096), vindo a ser proferido novo acórdão em 22 de Junho de 2010, constante de fls. 1102 a 1130, do 4.º volume, que manteve a condenação do arguido, exactamente nos mesmos termos, pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131.º, do Código Penal, na pena de 10 anos de prisão.

        Inconformado com esta decisão, o arguido interpôs novo recurso para o Tribunal da Relação de Évora, com a motivação de fls. 1180 a 1224.

        Por acórdão de 15 de Março de 2011, constante de fls. 1248 a 1296, do 5.º volume, foi negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.

       Mais uma vez inconformado, após três tentativas de remessa (fls. 1300-1311, 1313-1328, 1330-1345), o recorrente apresentou a motivação de fls. 1348 a 1394, que remata com as seguintes 161 conclusões (?):

A. Foi entendido no Acórdão da Relação de que ora se recorre que não ter sido usado qualquer meio de obtenção de prova proibido por lei.

B. Quanto à informação constante de fls. 42 dos autos cujo valor probatório foi questionado pelo arguido, é referido no Acórdão ora recorrido que a mesma consubstancia depoimento acerca de circunstâncias de que a referida Inspectora teve conhecimento directo em sede de inquérito.

C. Ora, tal não corresponde de todo à realidade.

D. Tal informação de fls. 42 cai no âmbito das conversas informais, enquanto conjunto de conversas eventualmente realizadas entre o arguido e OPC, que não foram reduzidos a escrito.

E. Quanto a estas conversas informais sempre se dirá que as mesmas estão sujeitas ao princípio da legalidade previsto no art. 2- do CPP, proveniente do art. 29º da CRP (nulla poena sine judicio).

F. Não há conversas informais com valor probatório, à margem do processo, sejam quais forem as formas que assumam desde que não tenham sido respeitados os critérios legais de recolha de prova,

G. Teremos de reconhecer haver fraude à lei a permissão do uso de conversas informais não documentadas e fora do controlo; não se compreende que sendo as declarações " formais " nada valham, mas pudessem ser já relevantes sendo "informais".

H. Bem assim como infalivelmente é de constatar não sabermos o que aconteceu, como aconteceu a conversa e também porque escolheu o agente " a conversa informal" como meio de obtenção de prova.

I. Esta actuação extra inquérito viola claramente o direito ao silêncio que o art. 61º CPP consagra.

J. E a resposta é clara conforme preceituado no artigo 59º, n2 1, do C.P.P., nesta fase é necessária uma " fundada suspeita" para que surja a imposição legal de constituir determinada pessoa como arguido.

K. Ora, nessa mesma informação de fls 42 diz-se: "Em face do discurso pouco coerente que testemunha AA (ouvida formalmente pelos elementos da GNR) apresentava, foi estabelecida conversação informal com o mesmo, na sequência da qual inicialmente negou qualquer intervenção na morte do Sr. EE. Contudo e perante as evidências que lhe fomos demonstrando (sublinhado nosso) confessou a autoria dos disparo de arma de fogo que provocaram a morte do seu amigo e vizinho AA, relatando em pormenor as circunstâncias que antecederam e se sucederam à prática do crime, em auto de interrogatório de arguido que se junta imediatamente a seguir".

L. Assim sendo, como facilmente se depreende do texto que antecede, havia já fundada suspeita da autoria de tal crime, o que impunha a legal constituição de arguido, pelo que sempre se aplicaria o disposto no artigo 58º nº 4 do CPP.

M. Quer isto dizer que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova contra ela quando tenham sido omitidas ou violadas as formalidades referentes à constituição de arguido.

N. Assim, as informações que a fls 42 os OPC alegam ter tido da parte do arguido estariam sempre inquinadas por vício do consentimento ou da vontade, pelo facto de o arguido não ter sido informado dos direitos que lhe assistiam e que integravam o seu estatuto processual.

O. Tal informação, tida como conversa informal, quando era já fundada a suspeita (como  resulta  claro  do  teor  da  mesma  informação), sem  que  tenha  havido constituição de arguido, não pode ser valorada nos termos em que foi.

P. É que, cumpre salientar que a posição garantística do estatuto processual do arguido não é mera teoria tida em abstracto mas afastada em face do caso concreto.

Q. Neste sentido vide Ac. STJ de 11/07/2001 que frisa a este propósito que " o fim do processo, na interp retação independente dos Tribunais não é apenas a descoberta da verdade a todo o transe, mas a descoberta, usando regras processualmente admissíveis e legítimas". R. Pelo que com o devido respeito não assiste razão aos Venerandos Juízes Desembargadores.

S. Muito se estranha que no Acórdão de que ora se recorre seja referido que “a invocada circunstância de  que   a  testemunha  não   teve  intervenção   nessa  reportagem fotográfica, só poderá relevar em sede de apreciação valorativa do depoimento e não como factor atendível para aquilatar da eventual valoração nos termos preconizados pelo recorrente”.

T. Uma vez que não foi tal diligência acompanhada pela Inspectora BB, mas sim pelos Inspectores CC e DD como facilmente se conclui da análise de fls 49, no “relato de diligência externa”! (sublinhado nosso), sendo certo que nenhum deles prestou depoimento quanto à referida diligência.

U. E, não se admite a insinuação de que a mesma participou na aludida reportagem, limitando-se depois, a relatar, em sede de julgamento, o conhecimento direto que teria atenta a sua, alegada, participação!!!

V. Da prova documental existente nos autos dúvidas não existem de que a referida Inspetora não participou naquela diligência externa, pelo que nunca poderia ter conhecimento direto.

W. Relativamente à reportagem fotográfica efectuada no local do crime constante de fls. 27 a 38 e ainda no que concerne à informação de fls. 42 dos autos. Vejamos,

X. Em relação á reportagem fotográfica constante dos autos, referem os Juízes Desembargadores que da leitura do Acórdão recorrido ressalta que o que foi considerado reconstituição não foi a totalidade da reportagem fotográfica, constante dos autos, mas apenas "a reconstituição do facto descrito no ponto nº 11, retratada na figura ne 22 e descrita no auto de fls 49, na qual se pode visionar o arguido a indicar o local onde procedeu á queima do par de calças que tinha vestido na noite referida em 5 (...)";

Y. Referindo ainda "Esta reconstituição foi acompanhada e, em audiência de julgamento, relatada por BB, Inspetora da Policia Judiciária, que investigou o evento em análise, tendo a mesma salientado a "colaboração espontânea" do arguido, nesta diligência";

Z. Uma vez mais errando grosseiramente os Mmes Juízes Desembargadores desta Relação, dado que, conforme foi dito supra, a referida Inspetora não participou naquela diligência, pelo que nunca poderia ter-se pronunciado sobre a "colaboração espontânea" do arguido nessa diligência.

AA. Mais, o arguido havia suscitado no seu recurso que tal reportagem fotográfica valorada no acórdão de 1ª Instância como reconstituição e erroneamente mantida e aceite no recurso de que ora se recorre, não era de admitir pois tratava-se de um rol de fotografias podendo apenas ser valorado como tal.

BB. Isto porque, o arguido não pode conformar-se com o facto de uma reportagem fotográfica passar convenientemente a constar como uma reconstituição, ainda que como é dito no acórdão de que ora se recorre essa reconstituição seja "restrita".

CC.O facto de ter sido alegado que essa reconstituição é restrita a esse ponto, é inócuo e colocado em crise pelo recorrente.

DD. O que se encontra nos Autos é efectivamente uma reportagem fotográfica no seu todo não podendo nunca compaginar-se com uma reportagem fotográfica que integra dentro de si uma " restrita reconstituição"!

EE. Tal figura, (de restrita reconstituição) em nosso modesto entender, não tem qualquer enquadramento legal no ordenamento jurídico português, pelo que a mesma surge "contrafeita" por querer esquivar-se admitir o Tribunal de que não se trata afinal de uma reconstituição. Isto porque,

FF. Como é sobejamente entendido, já foi explanado anteriormente no recurso apresentado e volta a ser reiterado, tal meio típico de prova " consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo", art. 150º n.º 1 e 2 CPP.

GG. Ou seja, a reconstituição é uma representação da realidade suposta, é a reprodução simulada e quase teatral dos factos.

HH. Para que tal meio de prova possa ter utilidade pressupõe que o facto seja representado, tanto quanto possível, nas mesmas condições em que se afirma ou supõe ter ocorrido e que se possam verificar tais condições (sublinhado nosso).

II. Com o devido respeito, o que existe nos autos é uma simples reportagem fotográfica, com a legenda, na qual se poderia dizer o que se entendesse.

JJ. A diligência que a Meritíssima Juiz a quo apelidou de reconstituição e que o Tribunal da Relação erroneamente optou por manter, mais não é do que uma simples reportagem fotográfica como diversas vezes no Acórdão em análise o reconhece, designadamente ao referir reportagem fotográfica de fls. 27 a 38, sendo que a foto 22 encarada como " restrita reconstituição se encontra a fls 38 dos Autos;

KK. Para além de, e questione-se, uma vez mais, onde está junto aos autos o Auto de reconstituição, instrumento destinado a fazer fé quantos aos termos em que se desenrolou o acto processual, consubstanciador de tal meio de prova?

LL. Quanto á inexistência de despacho ordenador é referido "ainda que a restrita reconstituição não tivesse sido precedida de despacho ordenador e mesmo que sufragando-se o entendimento de que isso constituísse motivo para afectar a validade da realização da diligência, dado que a eventual arguição de nulidade ou irregularidade estava (e está) precludida".

MM. Ora, não assiste razão a essa Relação, porquanto, a reconstituição depende de despacho prévio a ordená-la, o que no caso não aconteceu, como tem entendido a melhor Jurisprudência de acordo com o artigo 150º, nº 2, do CPP, a reconstituição deve ser precedida de despacho que contenha "uma indicação sucinta do seu objecto, do dia, hora e local em que ocorrerão as diligências e da forma da sua efectivação, eventualmente com recurso a meios audiovisuais".

NN. Nunca o arguido colocou em crise que a reconstituição dos factos tem valor probatório por si só contra o arguido que nela colaborou, ainda que não tenha prestado declarações em audiência.

OO. Contudo, tal reconstituição dos factos tem de ser obtida como tal e de forma legal e válida e não convertida a partir de uma simples reportagem fotográfica, não sendo uma e outra confundíveis!

PP. Desde logo, o acto de reconstituição não é um acto puramente mudo, mas feito de utilização de diversas linguagens gestual e oral.

QQ.  Que validade poderá ter como prova por reconstituição um conjunto de fotografias legendadas?

RR. Maior perplexidade causa que no Acórdão ora recorrido se diga, "Neste âmbito a diferenciação legal decorrente da circunstancia desse acórdão do STJ ter determinado a nulidade do acórdão para um determinado efeito - a não consideração da prova que entendeu como proibida - tem, inevitavelmente, implicações quanto às questões que, sem prejuízo, aí ficaram apreciadas e decididas. E assim sendo, o novo acórdão proferido não teve a virtualidade de eliminar a anterior apreciação dessas questões ou de outras que directamente se relacionem, por dependência lógica, de harmonia com a unidade dos vários actos de processo e de inerente continuidade processual existente entre eles (art.º, n.º 2 alínea b) do CPP)

SS. Não assiste qualquer razão, em nosso modesto entender, cremos, no alegado Caso Julgado invocado pelo Tribunal da Relação.

TT. Em jeito de conclusão sempre se dirá não consubstanciar tal reportagem fotográfica de fls.27 a 38 qualquer forma de Reconstituição, contudo ainda que assim se entendesse teria de se considerar todos os vícios supra alegados, nomeadamente o facto de tal diligência ter sido relatada em audiência pela Inspectora que nela não participou! (sublinhado nosso).

UU. Como se depreende do teor do douto Acórdão de que ora se recorre e bem, os Órgãos de Policia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre o modo e termos em que a mesma decorreu. Ora,

VV. Tal nunca foi contestado pelo arguido, nem o é, contudo, falta reconhecer necessariamente ao Tribunal, por irrefutável (conforme RELATO DE DILIGÊNCIA EXTERNA de fls 49), que a referida Inspectora não participou em tal diligência, pelo que não poderia nunca atestar o " assentimento e " colaboração espontânea", do arguido, nessa diligência".

WW. Nem tão pouco se admite o invocado argumento de que os vícios de tal reconstituição estão dependentes da arguição de nulidade ou irregularidade estão já precludidos;

XX. Tais invocados vícios constituem puras nulidades, nulidades insanáveis, e, portanto, arguíveis a todo o tempo.

YY. Tanto mais que, as mesmas foram já anteriormente suscitadas aquando do primeiro Recurso apresentado para o supremo Tribunal de Justiça, e,

ZZ. Somente não foram alvo de apreciação, porquanto, ficaram prejudicadas com a determinação por esse Tribunal da baixa à lã Instância para reformulação da sentença sem ponderação da reconhecida prova proibida.

AAA. Declarado que foi o carácter proibido do auto de fls. 42, o depoimento de tal testemunha consubstancia uma violação da proibição de prestação de declarações pelo Órgão Polícia Criminal relativamente a declarações que sempre seriam de leitura proibida, nos termos do disposto no artigo 356°, n° 7, do C.P.P. que refere: “Os órgãos de policia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida (…… ), não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas”, pelo que o mesmo é nulo.

BBB.       Mais!

O facto de ter sido declarado nulo aquele meio de prova, necessariamente implicaria a alteração da matéria de facto dada como provado.

CCC.       Contudo, tal não veio a suceder, sendo antes uma cópia quase do Acórdão anteriormente proferido, fazendo tábua rasa do determinado pelo douto Supremo Tribunal e em completo desrespeito pelo mesmo.

DDD.      Por conseguinte, nada mais resta ao ora Recorrente, do que requerer a nulidade do Acórdão proferido, por todos os fundamentos supra alegados.

EEE. Caso assim não se entenda, sempre se dirá, que o presente Acórdão de que ora se recorre padece de inúmeros vícios que o enfermam de nulidade, e que doravante se invocarão. Analisemos:

II - QUANTO À REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DA PROVA PRODUZIDA:

FFF. Conforme referiu o Recorrente no seu Recurso para aquela Relação da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, o Tribunal a quo não poderia ter dado como provados, tal como deu, determinados factos, pelo que se requer a renovação da mesma, nomeadamente, no ponto 3):"... EE também conhecido por Vilas disse ao arguido que este podia dormir no anexo ao Monte do Penedo, sito na ............, área deste Comarca, onde aquele vivia, uma vez que já era tarde para ir para sua casa";

GGG. Não foi produzida qualquer prova nesse sentido, nem tão pouco na motivação a Meritíssima Juiz a quo fez menção de onde decorrem tais factos dados como provados. Nem o poderia fazer, já que se refere a uma alegada conversa existente entre a vítima e o Arguido, sendo certo que nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou tal conversa, inexistindo mesmo quaisquer indícios da mesma.

HHH. Isso mesmo é, inclusive, reconhecido no Acórdão de que ora se recorre, ao assentir: "Ora, é efectivamente verdade que a motivação não contém alusão expressa a esse facto, nem tinha de o fazer, já que não se impõe que, no exame crítico das provas, se faça uma individualização de cada uma delas por referência a cada um dos factos, mas apenas que explicite as que, em razão das regras da experiência e/ou de critérios lógicos...

III. Ao contrário do que erroneamente se alega no douto Recurso, estava a Mmª Juiz a quo obrigada a indicar e examinar criticamente, na sua motivação, as concretas provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, cfr. artigo 374e, na 2, do C.P.P..

JJJ. O que, de todo, não aconteceu!

KKK. Mais, os Exmss Desembargadores da Relação, conscientes disso mesmo, procuraram colmatar aquela lacuna tentando motivar e fundamentar o que o Tribunal a quo não motivou nem fundamentou, o que não é de admitir!

LLL. Quanto ao facto número 4 que o ora recorrente colocou em crise reconhece o Acórdão ora recorrido que aquela Tribunal se baseou nas fotografias 5 e 12, respectivamente de fls. 29 e 33, cuja legalidade de valoração, no entender daquele não suscita quaisquer dúvidas.

MMM. Ora, no ponto 4) dos factos dados como provados, é referido “Assim puseram no chão sacas de ração vazias e com elas fizeram uma “cama” no quarto de EE, onde o arguido dormiu, não encontrando o Recorrente eco, mais uma vez na prova testemunhal ou em qualquer outra, (muito menos em suporte fotográfico, porquanto o mesmo não é meio idóneo a provar tal facto) que possa servir de base a tal conclusão.

NNN. Uma vez mais, em face do suscitado pelo Recorrente limitou-se o Tribunal da Relação a tentar explicitar e motivar algo que não lhe competia, buscando uma vez mais explicitar qual foi o raciocínio que esteve subjacente ao Tribunal de 1ª Instância o que para além de meramente hipotético extravasa a sua competência de Tribunal de Recurso.

OOO. Assim, conforme afirmara o Recorrente da própria motivação decorre o carácter insípido da mesma, ao referir a Meritíssima Juiz a quo que “As sacas de ração junto à cama da vítima, por cima das quais se encontrava um saco amolgado, levando a crer que tais artefactos serviram para alguém se deitar, no chão, junto à cama da vítima, servindo tal saco de "almofada".

PPP. Tentando somente o Tribunal da Relação agora motivar, fundamentar e argumentar aquilo que a Mma Juiz a quo não fez, diga-se em abono da verdade por não ter fundamentos para tal. Senão vejamos:

QQQ. Várias testemunhas nomeadamente, FF, (cfr. depoimento prestado, o qual ficou documentado em sistema de gravação Habilus Media Studio Início da gravação 11:12:06 Fim de gravação 11:23:25, cfr. acta do dia 19/01/2009, junto aos autos), GG, (depoimento prestado, o qual ficou documentado em sistema de gravação Habilus Media Studio Início da gravação 11:23:26 Fim de gravação 11:35:07, cfr. acta do dia 19/01/2009, junto aos autos), e HH, (em depoimento prestado, o qual ficou documentado em sistema de gravação Habilus Media Studio - Início da gravação 12:09:33 Fim de gravação!2:30:55, cfr. acta do dia 12/01/2009, junto aos autos), referiram que tais sacas são utilizadas frequentemente nestes anexos como se de tapetes se tratassem, contraditando assim a interpretação feita pelo Tribunal a quo.

RRR. No que concerne aos pontos 5) a 7) dos factos dados como provados, mais uma fez foram erroneamente valorados pelo Tribunal a quo.

SSS. Em nossa modesta opinião, não foi feita prova de que os supra referidos factos tenham sido da autoria do Arguido, ora Recorrente.

TTT. Jamais, poderia, a Meritíssima Juiz a quo dar como provados como deu, tais factos, atentemos:

UUU. Quanto à arma caçadeira apreendida em auto de fls. 39, embora provada a propriedade da mesma titulada pelo Arguido, tal não permite, de forma alguma, como é do conhecimento geral, correlacioná-lo com o autor.

VVV. Em relação ao blusão fotografado e junto a fls 51 dos autos, também este pertença do Arguido ora Recorrente, sempre se dirá que o resultado da perícia ao mesmo efectuado e que teve como conclusão que “os resultados obtidos revelaram a presença de partículas características na amostra recolhidas na parte anterior e mangas do blusão do arguido, partículas essas, maioritariamente constituídas por chumbo antimonio, bário e alumínio" Concluindo ainda esta perícia que: “as amostras com vestígios recolhidos no blusão do arguido AA foram detectadas partículas características de resíduos de disparos de armas de fogo; A presença destas partículas é compatível com um disparo, manipulação ou proximidade a um disparo de arma de fogo por parte do arguido; As partículas características detectadas no blusão eram compatíveis com as partículas detectadas no cartucho deflagrado" (sublinhado nosso) em nada nos surpreende e não pode de modo algum servir para condenar o Arguido pela prática do crime de que vinha acusado. Isto porque,

WWW. Tal atribuição de culpa nasce não da análise dos factos provados, mas sim de um raciocínio compelido a tal desfecho.

XXX. E tal, depreende-se do depoimento da testemunha BB, Inspectora da Polícia Judiciária, que, aquando lhe é questionado se aquelas partículas encontradas permitem concluir que o arguido efectuou um disparo ou aquele concreto disparo que vitimou EE, testemunhou num discurso ilógico e incoerente: “ nós cremos que as partículas encontradas se referem àquele disparo até porque só havia um cartucho deflagrado. Havia na caçadeira um único cartucho que havia sido deflagrado, na busca que fizemos na divisão apenas um cartucho havia sido disparado, um cartucho, há o facto de existirem partículas naquele casaco que o arguido entregara nessa altura, permite-nos concluir que é daquele disparo", (em depoimento prestado, o qual ficou documentado em sistema de gravação Habilus Media Studio Início da gravação 10:59:33 Fim de gravação 11:39:59, cfr. acta do dia 12/01/2009, junto aos autos).

YYY. Ora, tal não pode de modo nenhum ser aceite.

ZZZ. É unânime que a presença de partículas características de resíduos de disparos de armas de fogo apenas permite concluir que o Arguido efectuou um ou vários disparos, ou até como refere o relatório pericial, tais vestígios são compatíveis com a somente “ manipulação ou proximidade a um disparo de arma de fogo por parte do arguido”, não permite, de modo algum, inferir a autoria do disparo que vitimou EE.

AAAA. Até porque a arma caçadeira é propriedade do Arguido e tal nunca foi pelo mesmo posto em causa;

BBBB.    Do mesmo modo que várias foram as testemunhas que o afirmaram, sendo certo que disseram ainda que tal arma estava emprestada ao EE por este ter sido assaltado cerca de 1/2 anos antes.

CCCC. Refere aquele Tribunal da Relação: “Admitindo que, efectivamente, assim fosse, restará, porém, por explicar que, estando a arma então emprestada à vítima, devido a ter sido anteriormente assaltada (como as testemunhas FF e HH disseram), a razão porque o cartucho havia sido deflagrado da mesma e, conforme manifestamente decorre das fotografias de fls. 30 e do constante da fotografia de fls. 122 junto ao relatório da autópsia médico-legal, sem que a hipótese de suicídio da vitima seja sequer perspectivável”.

DDDD. Tal questão suscitada é de fácil resposta, dado que as testemunhas supra referidas, terminantemente afirmaram que, quem frequentemente utilizava tal arma era o Arguido, ora Recorrente.

EEEE. Tal circunstância não pode deixar de ser valorada pelo Tribunal, dado terem sido três as Testemunhas a relatá-la, nomeadamente HH, Testemunha de acusação e que, segundo a Meritíssima Juiz a quo refere no douto Acórdão prestou “declarações isentas e credíveis...”.

FFFF. Esta Testemunha, para além de assentir que efectivamente era o Arguido quem habitualmente usava esta arma caçadeira, especificou inclusive que o mesmo a utilizava “para matar uns periquitos que ele lá tinha”, (em depoimento prestado, o qual ficou documentado em sistema de gravação Habilus Media Studio Inicio da gravação 12:09:33 - Fim de gravação]2:30:55, çfr. acta do dia 12/0J/2009, junto aos autos).

GGGG. A mesma asserção resultou das Testemunhas FF e GG, referindo ambos que era habitual o Arguido utilizar a arma para matar galinhas, periquitos e pombos, (c/r. depoimento prestado, o qual ficou documentado em sistema de gravação Habilus Media Studio Início da gravação 11:12:06 Fim de gravação 11:23:25, cfr. acta do dia 19/01/2009, junto aos autos), GG, (depoimento prestado, o qual ficou documentado em sistema de gravação Habilus Media Studio - Início da gravação 11:23:26   Fim de gravação 11:35:07, cfr. acta do dia 19/01/2009, junto aos autos).

HHHH. Ora, se ao depoimento dos irmãos do arguido foram apontadas falhas e contradições conforme é dito no acórdão de que ora se recorre, sem que se consiga vislumbrar a que contradições se refere, por não as enumerar ou especificar, já no que tange ao depoimento de HH a Meritíssima Juiz a quo refere-o como sendo isento e credível, contudo não valorando discricionariamente nessa parte, o que não se aceita, sendo que nessa parte não se pronunciou a Relação sobre o mesmo.

IIII. O Tribunal a quo procedeu a uma análise arbitrária desprovida de qualquer fundamento ao mencionar que "as testemunhas em causa pareciam vir apenas preparadas para depor quanto à possibilidade de o arguido ter usado a arma em questão ou qualquer outra, usando o casaco apreendido noutra ocasião ...".

JJJJ. Pergunte-se de onde, como e porquê terá a Meritíssima Juiz a quo inferido tal ilação?!!

KKKK. E se existiu a mesma inferência relativamente à "preparação" quanto à testemunha HH, Testemunha esta de acusação??!!

LLLL. Foi tal ilação que impediu o Tribunal a quo de valorar o facto de o Arguido habitualmente trajar aquele casaco e disparar aquela arma??!!

MMMM. É que uma livre apreciação da prova por parte do Tribunal, não é sinónimo de manuseamento da mesma.

NNNN. No que tange ao ponto 11) dos factos provados refere a Meritíssima Juiz a quo que "...para que a sua actuação não fosse descoberta, o arguido abandonou a casa de EE, queimou as calças que tinha vestidas e lavou as mãos com gasolina e álcool, tudo deforma a apagar quaisquer vestígios de pólvora ou sangue que pudesse ter e servissem de pólvora dos factos que tivesse cometido".

OOOO. Uma vez mais, é com grande perplexidade e sobretudo com indignação que o ora Recorrente “vê” tal facto dado como provado.

PPPP. Tal evento foi dado como assente, determinando o Tribunal a quo na sua motivação a valoração da seguinte prova: "a reconstituição do facto (....), na qual se pode visionar o arguido a indicar o local onde procedeu à queima do par de calças que tinha vestido na noite referida em 5", e continua a Meritíssima Juiz a quo no acórdão em análise, " esta reconstituição foi acompanhada e, em audiência de julgamento relatada por BB, Inspectora da Policia Judiciária, que investigou o evento em análise tendo a mesma salientado a colaboração espontânea do arguido nesta diligência.".

QQQQ. Referindo uma vez mais, a este propósito, o Acórdão ora recorrido, que tal questão foi já analisada no acórdão do STJ dispensando por isso especiais considerações.

RRRR. Não concorda o ora recorrente com tal posição, como já anteriormente referiu a esse propósito.

SSSS. O que não pode de forma alguma consentir é que a reportagem fotográfica de fls 27 a 38 dos autos, identificada nesses mesmos termos pela Meritíssima Juiz a quo no seu acórdão, passe agora convenientemente a constar como reconstituição.

TTTT. Nem tão pouco consentir que, se diga agora, que o depoimento da Inspectora BB, reportando-se à diligência e ao que da mesma se colheu, corresponda ao que a mesma transmitiu, insinuando que, o facto do auto de diligência externa não estar por aquela subscrito, não significa que a mesma não tenha estado presente.

UUUU. Ora, tal argumento é completamente desfasada da realidade, porquanto tal testemunha, conforme se mostrou supra também, não esteve efectivamente presente naquela diligência, pelo que lhe estava vedado pronunciar-se sobre a mesma.

VVVV. Tanto assim é que, quando questionada acerca dos resíduos encontrados no dito bidão, local onde alegadamente o arguido teria queimado as calças, a Inspectora BB referiu que tais resíduos de roupa queimada não foram encontrados e tal consta inclusive da análise dos próprios autos.

WWWW. Assim sendo, nada foi encontrado no referido local apontado como cenário para a queima das calças que corroborasse tal versão pelo que, ainda que considerássemos tal diligência como sendo uma reconstituição, o que só por hipótese se supõe, tal diligência teria sido inconclusiva, não podendo permitir concluir que de facto tais calças tivessem sido efectivamente queimadas.

XXXX. Ainda no ponto 11 dos factos assentes de dá como provado que o arguido " lavou as mãos com gasolina e álcool tudo a apagar quaisquer vestígios de pólvora ou sangue que pudesse ter e servissem de prova dos factos que havia cometido".

YYYY. E uma vez mais com grande pesar vê-se o arguido, ora recorrente, obrigado a questionar como é tal facto dado como provado, nada nos autos refere tal facto, nenhuma testemunha o referiu, pergunte-se como e de onde resulta tal facto provado?

ZZZZ. Foi inclusive questionado pela defesa à Inspectora da Polícia Judiciária BB se haviam sido feitos exames residuográficos ás mãos do arguido ao que a mesma de forma peremptória respondeu: " Não, já havia decorrido tanto tempo que provavelmente o arguido já teria lavado as mãos e tal diligência não seria útil" (em depoimento prestado, o qual ficou documentado em sistema de gravação Habilus Media Síudio Início da gravação 10:59:33 Fim de gravação 11:39:59, cfr. acta do dia 12/01/2009, junto aos autos).

AAAAA. Uma vez mais o tribunal da Relação reconhece assistir razão ao ora recorrente: " Sobre o segmento provado de que lavou as mãos com gasolina e álcool, aceita-se que isso não terá resultado do depoimento de BB, a qual referiu que eventuais exames às mãos do recorrente não foram feitos, dada a sua provável inutilidade em face de que teria certamente lavado as mãos depois de queimar a roupa.

Se efectivamente assim é, também não é menos verdade que, além desse aspecto não se revestir de um interesse especial na globalidade dos factos apurados, a sua inclusão no facto impugnado corresponde a uma asserção plenamente aceite pela experiência, quando alguém actua como provado (a queima da roupa) e para a finalidade que prossegue (de forma a apagar vestígios)".

BBBBB. Estranhamente, uma vez mais, pese embora confirme assistir razão ao ora Recorrente, aquele Tribunal busca fundamentar o que não foi, de todo, fundamentado pela Tribunal a quo, por infundado!

CCCCC. Infelizmente teremos de reconhecer que tal facto ou foi retirado da acusação e transposto para o acórdão, ou constitui meras ilações, presunções do Tribunal a quo, despiciendas de qualquer teor probatório atenta ausência de qualquer menção ao mesmo nos autos ou no decurso da audiência de discussão e julgamento.

DDDDD. Pelo que com tal não pode o arguido jamais conformar-se.

EEEEE. Tal solução resulta, necessariamente, do Princípio da Imediação de Prova plasmado no artigo 355°, do C.P.P. Com efeito:

FFFFF. Dispõe aquele normativo que:

"1. Não valem em julgamento, nomeadamente para efeito deformação da convicção do Tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.

2. Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, nos termos dos artigos seguintes"

GGGGG. Significa isto, sem qualquer sombra de dúvida, que só podem ser valoradas pelo Tribunal, as provas que tiverem sido produzidas ou examinadas em Audiência, ou seja, aquelas circunstâncias da vida e pedaços do real, trazidas ao conhecimento do Tribunal, através dos depoimentos das testemunhas, dos arguidos, de documentos, que indicam como se desenrolaram acontecimentos passados.

HHHHH. Ora, não foi o que sucedeu nos presentes autos, pelo que não se percebe o constante nos pontos 11), 12), 13), 15, 17) e 18) da fundamentação da matéria de facto erroneamente dada como provada do Tribunal a quo.

IIIII. Perante estas “histórias” reais (a prova), compete ao Juiz avaliá-las livremente, sendo certo que esta discricionariedade do julgador sofre as limitações constantes do art. 127° do C.P.P., a saber: “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, sendo de realçar que a Lei fala de livre apreciação e não de apreciação arbitrária.

JJJJJ. Assim, entende o ora Recorrente, que não foi devidamente apreciada a prova produzida em Audiência de Julgamento, devendo a mesma ser devidamente reapreciada e dessa forma adequadamente valorada.

KKKKK. Relativamente ao ponto 12) dos factos dados como assentes, certo é que da prova produzida resultou que o Arguido era amigo da vítima há já vários anos, que foi uma das primeiras pessoas a estranhar a sua ausência nessa manhã e que por isso mesmo acompanhou as investigações policiais.

LLLLL. Que o tenha feito “para não levantar suspeitas" como dá como provado a Meritíssima Juiz a quo é que não se pode compreender, quanto mais aceitar.

MMMMM. Não existe na prova produzida eco para tal afirmação, pelo que a mesma resulta de uma mera conjectura do Tribunal a quo, insusceptível de fundamentar tal conclusão.

NNNNN. Em relação ao testemunho prestado por II, Furriel da GNR, este confirmou que o Arguido esteve na manhã do dia 27/10/2007 no local do crime e que acompanhou as investigações policiais, “... apresentando-se muito inquieto e nervoso.

OOOOO. A Meritíssima Juiz a quo valorou tal depoimento referindo ainda "Esta constatação de factos levada a efeito por esta testemunha e que, de acordo com as regras de experiência comum, porque conjugadas com a demais prova relatada, constitui mais um indicio, de que foi o Arguido que matou a vitima pode e deve ser valorada, ao nível do "plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter noticia “”

PPPPP. Também segundo as regras da experiência comum, entende o ora Recorrente que, sendo amigo da vítima, tendo sido uma das primeiras pessoas a estranhar a sua ausência naquela manhã, tal estado de inquietação e nervosismo é tido como um estado normal.

QQQQQ- A própria testemunha de acusação HH logrou explicar ao tribunal o porque de tal nervosismo, atenta a relação de amizade entre Arguido e a vítima, assentindo ainda que todos os presentes estavam nervosos em virtude do desaparecimento do EE, (em depoimento prestado, o qual ficou documentado em sistema de gravação Habilus Media Studio Início da gravação 12:09:33 Fim de gravação!2:30:55, cfr. acta do dia 12/01/2009, junto aos autos).

RRRRR. Reiteradamente, esta Relação, omitiu pronunciar-se sobre a impugnação do facto dada como provado no ponto 12., limitando-se a formular um juízo meramente hipotético sem sequer atender ao depoimento daquela testemunha.

SSSSS. Em relação aos pontos 14) a 16) entende o ora Recorrente não existir qualquer prova dos mesmos em função da já referida ausência de prova quanto à sua autoria por parte do Arguido.

TTTTT. Atenta a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento não poderia o Meritíssimo Juiz a quo ter dado como provados os supra enunciados factos.

UUUUU. Centremo-nos na motivação apresentada pelo Tribunal a quo, em particular na valoração do depoimento das Testemunhas.

VVVVV. Com o devido respeito, o Tribunal deixou de valorar elementos referidos por algumas testemunhas que se mostravam pertinentes à descoberta da verdade, e, por outro lado, fundamentou o Acórdão ora recorrido, e mais precisamente a condenação do Arguido, em partes de depoimentos das testemunhas que não existiram, como facilmente se pode constatar pela audição dessas declarações e por ilações e presunções em relação às mesmas, as quais passaremos a enumerar.

WWWWW. Quanto ao depoimento da Inspectora da Polícia Judiciária, BB, e lhe foi perguntado porque razão queimaria o Arguido as calças e não o casaco, no Acórdão de que se recorre, a Meritíssimas refere parafraseando "estando a vítima deitada, é natural que a pessoa que dispara sobre a mesma, se estiver em pé, fique com vestígios de sangue nas calças que usa e não na roupa que cobre a parte superior do seu corpo", (em depoimento prestado, o qual ficou documentado em sistema de gravação Habilus Media Studio Início da gravação 10:59:33   Fim de gravação 11:39:59, cfr. acta do dia 12 01/2009, junto aos autos).

XXXXX. Não pode deixar de repugnar o facto de, por audição do testemunho da dita Inspectora, constatar que, quando confrontada com tal questão o que esta efectivamente disse foi que o arguido teria queimado as calças e não o casaco "... porque a concentração dos vestígios hemáticos estaria na parte inferior...".

YYYYY. Tal alteração do discurso da referida Testemunha serviu o intuito de camuflar o óbvio, referindo como referiu a dita testemunha que tais vestígios estariam somente na parte inferior do corpo do arguido, necessariamente nas suas botas teriam de ser encontrados tais vestígios,

ZZZZZ. Contudo segundo a conclusão do relatório do exame pericial n° 000000000000 da secção de biologia junto aos autos a fls., vem referido " no blusão (l) e no par de botas (2) não se detectaram vestígio de sangue... ".

AAAAAA. Tal facto não poderia ter deixado de ser valorado como foi pela Meritíssima Juiz a quo, não só pelo depoimento da supra referida testemunha, mas também por tal decorrer das regras de experiência comum, ou seja,

BBBBBB. Se tais vestígios estariam na parte inferior do corpo do arguido porque razão queimaria este somente as calças que trajava nesse dia, não o fazendo em relação às botas que calçava?

CCCCCC. Tal constatação não poderia ter passado, como não passou, despercebido ao Tribunal a quo, que alterando parcialmente o depoimento da testemunha, procurou justificar a omissão de vestígios de sangue no blusão do arguido, omitindo pronunciar-se quanto á mesma ausência desses vestígios nas botas, pois fazendo-o teria necessariamente de concluir não ter sido o arguido o autor de tal homicídio.

DDDDDD. Reporta-se ainda a Meritíssima juiz a quo na motivação atinente ao Acórdão ora recorrido que atentou, em particular, no depoimento da Testemunha BB.

EEEEEE. Nomeadamente quando refere que: “BB, Inspectora da Policia Judiciária, que investigou o evento em análise, tendo a mesma salientado a “colaboração espontânea” do arguido (...)”.

FFFFFF. Contudo, essa Testemunha tomou declarações ao arguido que, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, usou do seu direito ao silêncio.

GGGGGG. Pelo que, não podia a Meritíssima Juiz a quo valorar o referido depoimento, por este configurar meio de prova proibido.

HHHHHH. Efectivamente, ao tomar declarações ao arguido, o Órgão de Polícia Criminal, assume uma veste especial de autoridade em nome do sujeito principal para que actua: Ministério Público, ou, eventualmente, o Juiz.

IIIIII. Não é de todo admissível, à luz do nosso direito processual penal de estrutura acusatória, em que vigoram os princípios da imediação, da oralidade e do contraditório, que se valorem declarações dos O.P.C., que tomaram declarações ao arguido.

JJJJJJ. A consideração de tal depoimento viola claramente o direito ao silêncio do arguido que o art. 61° CPP consagra.

KKKKKK. É que, cumpre salientar a posição garantística de estatuto processual do arguido que lhe confere o direito inviolável ao silêncio, não é mera teoria tida em abstracto, não podendo ser afastada em face do caso concreto, pois tal não é de admitir.

LLLLLL. Neste sentido vide Ac. STJ de 11/07/2001 que frisa a este propósito que “o fim do processo, na interpretação independente dos Tribunais não é apenas a descoberta da verdade a todo o transe, mas a descoberta, usando regras processualmente admissíveis e legítimas”.

MMMMMM. Em jeito de conclusão, é veemente a vulnerabilidade da fundamentação que serviu de base à condenação do Arguido, ora Recorrente.

NNNNNN. Tal acórdão faz diversas, senão “demasiadas”, menções a alegados indícios que serviram para a Meritíssima Juiz optar pela condenação do Arguido.

OOOOOO. Contudo, indícios são indícios, insusceptíveis de constituir valor probatório nesta fase processual de Audiência de Discussão e Julgamento.

PPPPPP. Não poderia assim, a Meritíssima Juiz a quo valorar tais indícios como aliás valorou.

QQQQQQ. Já que, o Direito Processual Penal rege, em matéria de prova, o Princípio da Livre Apreciação da Prova. Este encontra-se consagrado no art. 127°, do Código de Processo Penal que dispõe que:

«Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».

Destarte, no processo penal, a imaginação encontra-se limitada pela regras estabelecidas, sendo que a convicção do julgador não pode assentar na sua opinião pessoal, por muito respeitável que seja, mas sim na prova produzida em audiência, sujeita ao contraditório.

RRRRRR. Sobre todas estas pertinentes questões não se pronunciou, mais uma vez, o Tribunal da Relação.

SSSSSS. Limitando-se, a equacionar no que tange à ausência de vestígios hemáticos no blusão do arguido, ora recorrente, “aliás, não custa a compreender que o recorrente poderia, até, na altura em que actuou, não ter o referido blusão vestido”.

TTTTTT. Ora, tal considerando para além de ilógico, resulta contrariado pelo próprio texto deste acórdão de que ora se recorre, na parte em que conclui que os vestígios de pólvora encontrados naquele blusão pertencem ao cartucho deflagrado que vitimou o EE.

UUUUUIJ. Racionemos: se o blusão não detinha vestígios hemáticos pois, conforme é admitido por aquela Relação "na altura em que actuou, não ter o referido blusão vestido", então, também aquelas partículas de pólvora, ao encontro do que referiu a defesa, não são do cartucho deflagrado que vitimou o EE.

VVVWV. Não pode assim, aquela Relação manietar a prova produzida ao sabor da acusação!!

WWWWWW. Em linguagem corrente, não pode querer aquela Relação que o arguido tivesse o blusão vestido para dar como provado que os vestígios de pólvora encontrados pertencem ao cartucho que vitimou o EE, e,

XXXXXX. Que o mesmo não tivesse o blusão vestido na altura do disparo, daí se justificando a ausência de vestígios hemáticos!!!.

YYYYYY. É que, como é de meridiana clareza, tal resulta numa contradição pura.

ZZZZZZ. Mais, o Princípio da Presunção de Inocência (art. 32°, n° 2 C.R.P.) impõe, em caso de dúvida relativamente à valoração da factualidade, a obrigação de interpretação em benefício do arguido.

AAAAAAA. Na esteira do Prof. Doutor Figueiredo Dias (in, Lições de Direito Processual Penal, coligidas por Maria João Antunes, 1988-9), «Se a verdade que se procura é, (...) uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz hei-de ser, é certo, uma convicção pessoal (…) mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros».

«Uma tal convicção existirá, quando e só quando (...) o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará pois (...) de uma mera opção "voluntarista" (...), mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse».

BBBBBBB. Na realidade, "como uniformemente expendem os autores, livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica" (cfr. Maia Gonçalves, CPP anotado e comentado, 13ª edição, 2002, pág. 341).

CCCCCCC. No caso em apreço, não foi produzida prova bastante e inequívoca que afastasse toda e qualquer dúvida razoável de que o Arguido teria praticado homicídio em questão.

DDDDDDD. Deste modo, e de acordo com as mencionadas regras da experiência, deveria o ora Recorrente ter sido absolvido.

EEEEEEE. Ao proferir uma decisão condenatória, o Tribunal de 1ª instância procedeu a uma apreciação arbitrária de prova, assente num puro subjectivismo, proibido por lei.

No provimento do recurso pede o recorrente que o acórdão recorrido seja revogado e substituído por outro que o absolva do crime de que vinha acusado.

O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora respondeu ao recurso, conforme fls. 1397 a 1403, concluindo:

1ª _ Resulta da leitura da motivação do acórdão da 1ª instância, na parte em que na mesma se enumera e aprecia criticamente os depoimentos prestados pelas testemunhas, que o depoimento da testemunha BB não foi valorado relativamente a declarações que a mesma tivesse recebido do recorrente, nem relativamente a elementos constantes dos autos, cuja leitura em julgamento não fosse permitida, mas a apenas relativamente às circunstâncias de que a referida testemunha teve conhecimento directo no inquérito, pelo que o acórdão recorrido não podia deixar de considerar tal prova como válida.

2ª _ Quanto à aludida reportagem fotográfica, tratando-se de prova que foi recolhida no local do crime, ao abrigo do art. 171º do CPP, e que em julgamento assumiu a natureza de prova documental, a cujo exame se procedeu, não podia o acórdão recorrido deixar também de considerá-la igualmente como válida.

3ª _ A questão da admissibilidade da valoração da reconstituição do facto descrito no nº 11, retratada na fotografia nº 22 e descrita no auto de fls. 49, na qual se pode visionar o arguido a indicar o local onde procedeu à queima do par de calças que tinha vestido na noite referida em 5, foi já objecto de decisão do STJ, pelo que sobre a mesma se formou caso julgado, não podendo mais ser levantada pelo recorrente.

4ª _ O Supremo só conhece dos vícios do art. 410º n.º 2 do CPP por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente.

5ª _ O art. 434º do CPP quando alude aos vícios constantes do art. 410º do CPP significa que estes são conhecidos oficiosamente pelo Supremo ao detectá-los na decisão recorrida, e não quando suscitados pelos recorrentes como fundamento do recurso, uma vez que " o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito".

6ª _ Aliás, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, não se perfila a existência de qualquer dos vícios aludidos no nº 2 do art. 410º do CPP.

7ª _ Deve, pois, ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmado o acórdão recorrido.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 1404.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer, de fls. 1409 a 1415, no sentido de que o recurso deve ser liminarmente rejeitado por manifestamente improcedente na parte em que visa o reexame da matéria de facto apurada pelas instâncias, e no mais sendo de negar provimento ao recurso, confirmando-se integralmente o veredicto condenatório proferido.

                     Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente nada disse.

             Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

             Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

             Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

                                       

          Questões a decidir

Antes de avançarmos não podemos deixar de fazer um primeiro reparo, a propósito da óbvia excessividade das conclusões, da sua imensa lonjura, da dimensão oceânica que assume com 161 (cento sessenta e uma) conclusões, ultrapassando neste recurso os números de conclusões de cada um dos anteriores recursos; no imediatamente anterior, o recorrente quedou-se por 107 conclusões.

Como está assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é à luz das conclusões da motivação de recurso que este terá de apreciar-se, ou seja, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões formuladas, extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações – acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-03-1991, processo n.º 41694-3.ª; de 31-01-1996, BMJ n.º 453, pág. 338; de 19-06-1996, BMJ n.º 458, pág. 98; de 17-09-1997, CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 173; de 20-11-1997, processo n.º 1142/97-3.ª e de 17-12-1997, nos processos n.ºs 1186/97 e 969/97-3.ª, in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça, Assessoria, n.ºs 15/16, II volume, págs. 178 e 214; de 11-03-1998, BMJ n.º 475, pág. 480; de 13-05-1998, processo n.º 30/98, BMJ n.º 477, pág. 263 (A delimitação do âmbito do recurso é feita pelas conclusões da motivação do recorrente, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias nelas não inseridas, salvo se o seu conhecimento for oficioso); de 25-06-1998, processo n.º 1463/97, BMJ n.º 478, pág. 242; de 29-04-1998, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 191; de 02-12-1998, CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 229; de 03-02-1999, processo n.º 1353/98, 1.ª Subsecção Criminal, BMJ n.º 484, pág. 271.

Como ensinava José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV volume, pág. 359, as conclusões visam habilitar o tribunal a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados.

As conclusões servem para resumir as razões do pedido, para condensar a matéria tratada no texto da motivação.

Como refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, págs. 320/1, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Nas conclusões da motivação o recorrente tem de indicar concretamente os vícios da decisão impugnada e essa indicação delimita o âmbito do recurso. São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar.  

Segundo o acórdão de 04-02-1993, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 140, proferido em sede de acção cível, mas com pleno cabimento aqui, as conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações; sem a indicação concisa e clara dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações não há conclusões.

 Face ao exacerbado número de conclusões, forçoso é concluir que o recorrente faltou ao compromisso de esforço mínimo, necessário, em ordem a colaborar com o tribunal de recurso - artigo 266.º, n.º 1, do CPC, aqui aplicável ex vi do artigo 4.º do CPP -, e a, ao fim e ao cabo, dar cumprimento à exigência legal contida no n.º 1 do artigo 412.º do CPP, e no caso concreto ao n.º 2 do mesmo preceito, uma vez que em causa estaria apenas reexame da matéria de direito.

Isto mesmo resulta muito claramente do confronto da motivação com a “síntese” (!?) conclusiva apresentada.

A motivação do presente recurso desenvolve-se ao longo de 165 artigos.

Ora, retirando os primeiros quatro, que são de referência à condenação, ao anterior recurso e seus resultados, de que discorda, temos que o recorrente limitou-se a copiar o que se continha na motivação passando o conteúdo para as conclusões (sintomaticamente a primeira conclusão A é a reprodução do n.º 5 da motivação e daí para a frente foi só trasladar o conteúdo da motivação para as conclusões, que assim não são - nunca poderiam sê-lo - um resumo, uma síntese das razões de divergência, do pedido de reexame.

Pese embora a despropositada extensão do que deveria ser o “resumo das razões de discordância com o decidido”, a manifesta falta de condensação e da expectável colaboração processual, não se lançou mão do convite ao exercício de concisão, previsto no artigo 417.º, n.º 3, do CPP, por, após uma leitura aturada, e necessariamente repetida, tentando enxergar as questões em aberto, se conseguir descortinar na amálgama oferecida, que, afinal, para além da oceânica dimensão física das conclusões, o leque das questões efectivamente propostas a reapreciação se pode resumir, no fulcro, a dois campos temáticos, na senda, aliás - se bem que agora com mais densa prolixidade, a modos que uma repetição em via mais alargada -, do que se continha nos anteriores recursos, maxime, no imediatamente anterior onde o número de conclusões se quedava por cento e sete e que a Relação condensou em duas questões.    

No anterior recurso o Tribunal da Relação – fls. 1266 – delimitou o respectivo objecto, reconduzindo a apreciação a dois temas:  

«A) – se o acórdão padece de nulidade, por ter valorado prova proibida, à luz do disposto nos arts. 150.º, 355.º e 356.º, n.º 7, do CPP;

B) - se o tribunal recorrido não deveria ter considerado como provados os factos sob os números 3 a 7 e 11 a 16, com fundamento em elementos probatórios que o recorrente indica e por respeito aos limites da livre apreciação da prova e à presunção da inocência».

Na motivação ora apresentada o recorrente apresenta as seguintes “Questões de Recurso”:

“I - Quanto aos meios de obtenção de prova proibidos, à luz do disposto nos artigos 150.º, 355.º e 356.º, n.º 7, do CPP” - fls. 1349.  

“II – Quanto à reapreciação da matéria da prova produzida” - fls. 1357.

Vejamos quais as questões propostas a reapreciação, seguindo-se a ordem em que as mesmas estão colocadas nas conclusões deste recurso, mas cindindo no primeiro grupo, relativo a meios de obtenção de prova proibidos, a questão das conversas informais, a propósito das quais houve anulação no acórdão deste Supremo, de 1-10-2009, face ao aproveitamento de depoimento de BB reportado ao teor da informação de fls. 42, distinguindo-a da já resolvida questão da validade da reportagem fotográfica e da reconstituição, fundamentadora do facto dado por provado no n.º 11, tendo por base a foto n.º 22, junta fls. 38 e o auto de fls. 49.

Note-se que na motivação, e em razão da assinalada falta de síntese e da prática total correspondência das conclusões com aquela, igualmente nas conclusões, existe uma certa interpenetração dos problemas, ressurgindo no segundo bloco a colocação das questões do primeiro, v.g., nas conclusões LLL, MMM, SSSS, GGGGGG.   

Questão I – Uso de meio de obtenção de prova proibido por lei - Conversas informais - A informação de fls. 42 - Violação do direito ao silêncio e do princípio da imediação - Conclusões A) a R) e ainda AAA) a DDD)

  Questão II – Valoração da reportagem fotográfica de fls. 27 a 38; Validade da reconstituição, base do facto provado n.º 11 - Conclusões S) a ZZ)

Questão III – Reapreciação da matéria da prova produzida - Errada valoração da prova – Conclusões EEE) a EEEEEEE)

FACTOS PROVADOS

           Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, harmonioso, e devidamente fundamentado.

           No anterior recurso do acórdão de primeira instância reformulado em 22-06-2010 foi indeferida a impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 412.º, n.º s 3 e 4, do CPP, pelo que não há a assinalar qualquer modificação no elenco dos factos provados e não provados.

  Disse a primeira instância:

«Realizada a audiência de julgamento, resultaram provados os seguintes factos:

            Quanto à culpabilidade:

Da acusação

            1 - À data da prática dos factos que a seguir se descrevem, o arguido e EE eram amigos havia cerca de cinco anos;

2 -Exerciam ambos a actividade de ganadeiros/vaqueiros em propriedades vizinhas, sitas na ............, área da Comarca de Évora e, por isso, conviviam quase diariamente;

3 - No dia 26/10/2007 estiveram juntos desde o início da tarde, almoçaram e jantaram juntos e EE, também conhecido por “Vilas”, disse ao arguido que este podia dormir no anexo ao Monte do Penedo, sito na ............, área desta Comarca, onde aquele vivia, uma vez que já era tarde para ir para sua casa;

4 - Assim, puseram no chão sacas de ração vazias e com elas fizeram uma “cama” no quarto de EE, onde o arguido dormiu;

5 - Durante essa noite – na madrugada de 27/10/2007 – sem que nada o fizesse prever, o arguido levantou-se para matar EE;

6 - Introduziu dois cartuchos na sua espingarda caçadeira da marca Huglu, modelo 104 A, nº de série 9910732, calibre 12mm, de canos sobrepostos e com ela municiada aproximou-se de EE, que estava a dormir, deitado na cama em posição de decúbito dorsal, sobre o seu lado esquerdo e de costas para o arguido;

7 - Em seguida, o arguido encostou o cano da arma ao pescoço de EE e disparou um tiro, que o atingiu na nuca;

8 - O disparo foi efectuado a muito curta distância, no que vulgarmente se designa por “à queima roupa”;

9 - Os projécteis que atingiram EE entraram no lado posterior direito do pescoço, onde deixaram uma orla de contusão, com pólvora, efectuaram uma trajectória da direita para a esquerda e saíram pela zona lateral esquerda do pescoço, região carotidiana;

            10 - A conduta do arguido supra descrita provocou em EE múltiplas fracturas dos ossos do crânio e fragmentação do encéfalo, causadas por projéctil de arma de fogo, que lhe determinaram, de forma directa e necessária, a morte;

            11 - Em seguida, para que a sua actuação não fosse descoberta, o arguido abandonou a casa de EE, queimou as calças que então tinha vestidas e lavou as mãos com gasolina e álcool, tudo de forma a apagar quaisquer vestígios de pólvora ou sangue que pudesse ter e servissem de prova dos factos que havia cometido;

            12 - Para não levantar suspeitas, o arguido, no dia seguinte, acompanhou as investigações policiais relativas à morte de EE, na qualidade de amigo deste;

13 - A espingarda caçadeira utilizada pertence ao arguido;

14 – O arguido disparou sobre o falecido quando este estava totalmente indefeso, deitado na cama e a dormir;

            15 - Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido deliberada, livre e conscientemente, no intuito que logrou alcançar de matar EE.

            16 - O arguido sabia que toda a sua conduta é proibida por lei.


Quanto à determinação da sanção:
17 - Por sentença proferida em 12/03/2007, devidamente transitada em 12/03/2007, no âmbito do P. Sumaríssimo 87/05.0 PTEVR, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, referente a factos ocorridos em 11/09/2005, o arguido foi condenado na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 2 €uros, pela prática de um crime de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal.
            18 – Antes de ser detido, o arguido trabalhava como ganadeiro, auferindo por mês cerca de 700 euros.
            19 – Vivia com a mulher e a filha desta, de 7 anos, em casa daquela, que pagava ao banco a quantia mensal de € 100 euros, a título de prestação devida pelo empréstimo que havia contraído para aquisição da casa.
            20 – O arguido tem como habilitações literárias a 3ª classe.
21 - Na sequência da recepção dos exames solicitados, na perícia de 02-06-2008, o excelentíssimo perito médico concluiu que:
“Nenhum destes exames confirma a existência formal das hipóteses diagnosticas referidas na perícia, a saber, Epilepsia e Atraso Mental Ligeiro.
Ambos os exames confirmam alterações mínimas, no sentido de uma imaturidade e instabilidade da estrutura neuronal e da personalidade.
Estas alterações mínimas são suficientes para condicionar a sensibilidade grave aos efeitos do álcool, confirmando-se a possibilidade da existência de comportamentos complexos sem controle voluntário ou consciência critica em face do consumo de bebidas alcoólicas.
Tendo sido já confirmado pelo examinado o consumo do álcool em quantidades significativas nessa noite (a referida em 5) e pela ausência de conhecimento dos possíveis efeitos desta droga sobre o seu comportamento, considero pertinente a figura de imputabilidade atenuada.
Tal quadro confirma perigosidade grave”.       
22 – Em sede de audiência de julgamento, o excelentíssimo perito médico concluiu que:
“O arguido não padece de patologia do foro psiquiátrico que o impeça de discernir entre o bem e o mal”.

Da contestação do arguido:

23 - Dos autos existem factos e circunstâncias que indiciam uma redução da capacidade de entender e querer por parte do mesmo.

24 - Quando o arguido bebe bebidas alcoólicas, revela alterações profundas ao nível fisionómico e psicológico, parecendo assumir uma outra personalidade;
                                                                
Não se provaram os seguintes factos:

           Da acusação

a) Que o arguido praticou os factos assentes porque não gostou que EE não o tivesse apoiado relativamente a problemas de salários em atraso que o arguido tinha com o patrão, JJ;

b) Que pelo motivo referido em a), o arguido se sentiu traído por EE, seu amigo e decidiu matá-lo;

c) Que o arguido praticou os factos assentes por estar agastado, ressentido, unicamente porque achou injusto e não gostou que o falecido não o apoiasse contra o seu patrão;

            d) Que o arguido praticou os factos de forma fria.

Da contestação do arguido:

e) Durante a noite o arguido terá sentido umas sensações fisiológicas estranhas.

f) Existiam nas proximidades do quarto da vítima garrafas de bebidas alcoólicas;

                                                                   *

            Não se incluem no rol de factos provados nem no dos factos não provados, as afirmações constantes na contestação do arguido, por corresponderem a expressões conclusivas e incluírem considerações jurídicas:

I - Segundo as declarações dos factos por parte do arguido, este terá percebido que a vítima estaria envolvido num conluio com o patrão daquele, para o prejudicar em termos laborais;

            II - O álcool poderá ter sido um elemento que terá concorrido para a perturbação anormal do arguido e levado o mesmo àquele acto tresloucado de tirar a vida ao seu amigo;

III - O arguido não agiu com frieza de ânimo, mas com algum alheamento da realidade, revelando-se como muito provável a existência de imputabilidade diminuída;

IV - O que levará a uma diminuição acentuada da culpa do arguido, afastando-se a qualificação efectuada na acusação».

Apreciando.

Vejamos então as concretas questões propostas a reexame, seguindo-se a ordem das conclusões deste recurso.

Questão I – Uso de método de obtenção de prova proibido por lei - Conversas informais - A informação de fls. 42 - Violação do direito ao silêncio e do princípio da imediação.

Ao longo de dezoito conclusões – A) a R) – sendo o tema retomado nas conclusões AAA), BBB), CCC) e DDD), é questionado o valor probatório da informação de fls. 42, na medida em que caindo no âmbito das conversas informais, foi confirmada pelo depoimento da Inspectora da Polícia Judiciária, BB, prestado em audiência de julgamento, violando-se o direito do arguido ao silêncio e o princípio da imediação.

Como se sabe, a questão das conversas informais, relacionada com a informação de fls. 42, constituindo o uso de meio de obtenção proibido de prova, fora já suscitado no recurso do primeiro acórdão do Colectivo da Comarca de Évora de 03-02-2009 para a Relação do Distrito Judicial de Évora, e do acórdão desta de 20-07-2009, para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual por acórdão de 01-10-2009, determinou a anulação do então acórdão recorrido por terem sido valoradas as declarações da inspectora da Polícia Judiciária, BB, a propósito do teor da informação de fls. 42, corroborando-o em audiência de julgamento.

 Analisando.

Começando pela “informação de fls. 42”.

Passa a transcrever-se o que consta de fls. 42, de forma integral, incluído o lapso manifesto de escrita consubstanciado na referência ao nome do arguido (AA, e não, como óbvio seria, à vítima EE!) no segundo parágrafo

                                                  =INFORMAÇÃO=

        Em face do discurso pouco coerente que testemunha AA (ouvida formalmente pelos elementos da GNR) apresentava, foi estabelecida conversação informal com o mesmo, na sequência da qual inicialmente negou qualquer intervenção na morte do Sr. EE.

       Contudo e perante as evidências que lhe fomos demonstrando confessou a autoria dos disparo de arma de fogo que provocaram a morte do seu amigo e vizinho AA, relatando em pormenor as circunstâncias que antecederam e se sucederam à prática do crime, em auto de Interrogatório de arguido que se junta imediatamente a seguir.

                                       Lisboa, 28 de Outubro de 2007

                                                   A Inspectora

                                              (BB)

            No acórdão do Tribunal Judicial de Évora, de 3-02-2009, na motivação dos factos provados, a fls. 598 a 600, constava o seguinte:

«Atentaram-se, em particular, nos depoimentos das testemunhas:

     - BB, Inspectora da Policia Judiciária, na parte em que a mesma referiu ter observado a herdade onde a vítima foi encontrada, confirmou o teor da Reportagem Fotográfica de fls. 27 a 38 e referiu ter constatado que no local em questão existiam cães, que não deram pela presença de estranhos;

      Apresentou como explicação para o facto de o arguido ter queimado as calças que trazia vestidas na noite do disparo e não o blusão a seguinte, que nos pareceu plausível, de acordo com as regras de experiência comum:

      “Estando a vítima deitada, é natural que a pessoa que dispara sobre a mesma, se estiver em pé, fique com vestígios de sangue da vítima nas calças que usa e não na roupa que cobre a parte superior do seu corpo”.

      Em abono desta tese, cumpre salientar o relatório do exame pericial de fls. 126, do qual resulta não se terem detectado vestígios de sangue da vítima no blusão do arguido.

Atentou-se ainda na informação de fls. 42, confirmada na íntegra, em audiência de julgamento, pela testemunha em causa». (realce nosso).

          Após citar acórdão do STJ de 22-04-2004, teve o mesmo Colectivo de Évora o cuidado de dizer:

         «Esclarece-se contudo que este constitui apenas, mais um, não o único e muito menos o decisivo, dos vários elementos probatórios já referidos e a mencionar “infra”, que nos levam a concluir, sem margem para dúvidas que o arguido praticou os factos dados como assentes. Tanto mais que, o arguido, ouviu o relato em causa, em audiência e, podendo contraditá-lo, optou por não o fazer».

       E após citar acórdão do STJ de 15-02-2007, disse ainda:

       «E, acrescentamos nós, por maioria de razão, num caso como o dos autos, em que o arguido colabora com a investigação e assume a prática dos factos que lhe são imputados, inclusive na própria contestação, há que concluir que, o direito ao silêncio – por este usado, apenas em julgamento, como estratégia processual -, não pode impedir a valoração conjugada de todos os demais elementos de prova carreados para o processo, alguns dos quais com a colaboração do próprio arguido.

       Justiça cega não é sinónimo de manifesto e desproporcional manietamento da mesma!!!».   

No recurso interposto do acórdão da Relação de 20-07-2009, confirmativo do acórdão do Colectivo de Évora de 03-02-2009, por acórdão de 1-10-2009, por este Supremo Tribunal foi entendido anular o acórdão recorrido na parte em que confirmava o aproveitamento na motivação das declarações confirmativas da informação em referência.

Após transcrever o teor da informação de fls. 42, disse o Supremo, a págs. 868 verso e 869:

«Tal informação respeita inequivocamente a conversa informal havida entre a referida Inspectora da PJ e o “suspeito”, antes de constituído arguido.

Sendo assim e face ao que se deixou dito, tal meio de prova (conversas informais entre o suspeito ou o arguido e o agente da polícia, conversas essas que não ficaram registadas em auto), não pode ser considerado meio de prova válido ou legal pois o depoimento da referida inspectora da PJ - ao confirmar na íntegra a informação supra referida, respeitante à conversa informal estabelecida com o suspeito, constitui uma “fraude à lei”, com prejuízo do direito do arguido ao silêncio e do princípio da imediação.

E não se diga que a referida inspectora não depôs sobre aquelas declarações do suspeito/arguido mas sim sobre a reconstituição.

É que, ao confirmar na íntegra a referida informação de fls. 42, a testemunha depôs sobre o relato feito pelo suspeito/arguido no qual “pormenorizou as circunstâncias que antecederam e se sucederam à prática do crime” (cfr. a referida informação).

Pelo exposto, concluímos pela proibição daquele meio de prova, por violação do direito do arguido ao silêncio e por violação do princípio da imediação.

(…)

Por isso, essa prova não pode valer para o efeito de formação da convicção do tribunal e, portanto, não podia ser invocada, como foi, na fundamentação do acórdão recorrido.

Ora, a sentença fundada em provas nulas é também ela nula, devendo, em consequência, o tribunal recorrido reponderar o seu julgamento, desconsiderando aquela prova proibida (isto é, decidindo sem a ponderação daquela prova), e retirar daí as respectivas consequências».

           Face a esta declaração de nulidade e necessidade de suprimento em sede de motivação assim demonstradamente inquinada, o que fez o Colectivo de Évora?

           Cumpriu com o determinado. Acatou o decidido.

            Senão vejamos.

No acórdão de 22-06-2010, constante de fls. 1102 a 1130, elaborado após deliberação determinada pela Relação de Évora, a fls. 1114/5 (por seu turno, na sequência do deliberado pelo Supremo), reproduz-se na íntegra o que constava do primitivo acórdão da Comarca, datado de 03-02-2009, desde o passo «Atentaram-se, em particular, nos depoimentos das testemunhas:

     - BB, Inspectora da Policia Judiciária, na parte em que a mesma referiu (…)», mas apenas até a «(…) vestígios de sangue da vítima no blusão do arguido».

Isto é, o novo, e reformulado, em obediência ao determinado pelo Supremo, acórdão de primeira instância afastou, desconsiderou, excluiu o anterior parágrafo “Atentou-se ainda na informação de fls. 42, confirmada na íntegra, em audiência de julgamento, pela testemunha em causa”, bem como as demais considerações tecidas no primitivo acórdão de 03-02-2009.

Aliás, isto mesmo já o M.º P.º no Círculo Judicial de Évora evidenciava na resposta entretanto apresentada aquando do recurso interposto para a Relação, ao dizer “parece-nos óbvio que o colectivo expurgou da decisão condenatória o meio de prova nulo indicado pelo STJ (informação de fls. 42), sendo certo que do texto do acórdão recorrido é patente que tal meio de prova foi não só erradicado como não valorado”.
E no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, ora recorrido, disse-se “sobre a valoração da informação de fls. 42, retratando conversação informal com o ora recorrente, subscrita por essa testemunha, vê-se que, efectivamente, não foi incluída na motivação da decisão de facto, tal como aquele reconhece”.

O recorrente retoma a questão do carácter proibido da valoração da informação de fls. 42 na conclusão AAA, repetindo integralmente a conclusão D do anterior recurso para a Relação do acórdão do Colectivo de Évora de 22-06-2010, a fls. 1204.

E na seguinte conclusão BBB (onde repete a conclusão E do anterior recurso, a fls. 1205) entende que o facto de ter sido declarado nulo aquele meio de prova (fls. 42), necessariamente implicaria a alteração da matéria de facto dada por provada.

Contudo, não explica porquê, onde, como, em quê, com que extensão se operaria a desejada modificação.

Apenas se seguem as conclusões CCC) e DDD), que mais não são do que a reedição, a repetição ipsis verbis das conclusões F) e G), do anterior recurso para a Relação, a fls. 1205, ou seja, a nulidade que ora reclama é do acórdão da primeira instância e não, obviamente, a do acórdão da Relação!

           Como vimos, tal meio de obtenção de prova foi desconsiderado, daí não resultando qualquer consequência, atenta a sua prática inidoneidade probatória, pois a convicção do tribunal subsistiu, mesmo sem, e para além, de tal meio de obtenção de prova. (Veja-se o tom incisivo acerca do carácter relativo da valia do meio proibido já patenteado na primeira decisão de Évora, de 03-02-2009, ao referir: «Esclarece-se contudo que este constitui apenas, mais um, não o único e muito menos o decisivo, dos vários elementos probatórios já referidos e a mencionar “infra”, que nos levam a concluir, sem margem para dúvidas que o arguido praticou os factos dados como assentes.»   

            A decisão de 22-06-2010, obviamente, não persistiu na valoração da prova declarada proibida, não sendo, pois, violado o direito do arguido ao silêncio e o princípio da imediação.

Expurgada a motivação do segmento declarado nulo por aproveitamento/acolhimento de prova proibida, tudo o mais se manteve, incluído o que a mesma testemunha percepcionou em directo, ou seja, tendo por base um conhecimento independente, efectivo, sendo possível chegar à mesma solução sem a consideração daquela prova, que no fundo não seria importante nem imprescindível, uma vez que se alcançava o resultado por outras vias mais seguras e concludentes, atingindo-se o resultado por outro meio de obtenção de prova licitamente conformado, não se tratando de “fruto podre” que contaminasse toda a decisão.

Como referiu o acórdão deste Supremo Tribunal de 12-03-2009, processo n.º 395/09-3.ª, “o efeito à distância da prova proibida nunca poderá alcançar uma abrangência que congregue no seu efeito anulatório provas que só por uma relação colateral, e não relevante, se encontram ligadas à prova proibida ou que sempre se produziriam, ou seria previsível a sua produção, independentemente da existência da mesma prova produzida.

Nada obsta a que as provas mediatas possam ser valoradas quando provenham de um processo de conhecimento independente e efectivo, uma vez que não há nestas situações qualquer relação de causalidade entre o comportamento ilícito inicial e a prova mediatamente obtida. Pode afirmar - se que o efeito metastizante da violação das regras de proibição de prova apenas tem razão de ser em relação à prova que se situa numa relação de conexão de ilicitude” – cfr. acórdãos de 31-01-2008, processo n.º 4805/06-5.ª; de 16-04-2009, processo n.º 3375/08-5.ª (sobre a doutrina dos “frutos da árvore venenosa “ e do “efeito dominó”) e de 15-07-2009, processo n.º 200/02.9JELSB.S1-3.ª.

É evidente uma tentativa de colagem da questão das conversas informais com a que se segue, notando-se uma certa compaginação entre as duas questões, que como “denominador comum” tem o facto de em ambas estar em causa depoimento da referida inspectora BB.

Entendamo-nos.

Na questão de que ora cuidamos o que está em causa é a nulidade por obtenção de prova por meio proibido, ou seja, o conteúdo da informação de fls. 42, que constitui conversas informais, as quais foram confirmadas em julgamento pela testemunha, o que, por constituir fraude à lei, não foi aceite, e depois erradicado, em absoluto, e que desconsiderado foi no segundo acórdão.

Outra questão a pretender singrar a paredes meias com esta é a da reconstituição, a reportagem fotográfica, que tem que ver com o facto provado n.º 11 e diversa da anterior.

Enquanto na primeira estaria a desconsideração de conversas informais constantes de uma informação escrita em que se dava conta de que após um primeiro momento de negação, o arguido assumiria a autoria do disparo que vitimou o seu amigo e vizinho e as circunstâncias que antecederam e se sucederam à prática do crime, aqui está em causa a prova de o recorrente ter ou não queimado as calças.

Como não deixou de assinalar o acórdão do Supremo de 1-10-2009, os problemas são distintos, pois ao referir a questão da validade das declarações da inspectora a confirmar a informação de fls. 42, disse:

“E não se diga que a referida inspectora não depôs sobre aquelas declarações do suspeito/arguido mas sim sobre a reconstituição”.

A questão será analisada com detalhe no segmento que se segue.

No que respeita à questão da nulidade por aproveitamento de meio de prova proibido por reporte a declarações da inspectora a corroborar o que constava da informação de fls. 42, colocada de novo pelo recorrente, improcede o recurso nesta parte, não se mostrando violado o direito ao silêncio nem o princípio da imediação.

Improcede, pois, esta questão.            

Questão II – Valoração da reportagem fotográfica de fls. 27 a 38; Validade da reconstituição, base do facto provado n.º 11

Ao longo de 34 conclusões – conclusões S) a ZZ) - o recorrente versa de novo a valoração da “reportagem fotográfica” efectuada no local do crime constante de fls. 27 a 38, que tem a ver exclusivamente com o facto provado n.º 11, retratado na fotografia n.º 22, a fls. 38, e descrita no auto de fls. 49.

Trata-se, diversamente do que ocorre noutros sectores, de um segmento de recurso aqui claramente dirigido ao acórdão da Relação, ora recorrido, como se colhe das concretas referências contidas nas conclusões s), x), y), z), aa), bb), ee), jj), ll), mm), rr), ss), tt), uu).

O recorrente reedita a contestação da admissibilidade de valoração de uma reportagem fotográfica como reconstituição do facto descrito no n.º 11 dos factos provados, esgrimindo com alguma veemência – confiram-se as conclusões t), u), z), tt) e vv) - o argumento de que a citada inspectora da PJ que em julgamento debitou sobre a reportagem em causa não terá participado na mesma, ou não terá acompanhado a diligência, como se exprime na conclusão t), embora sem esclarecer o que deverá entender-se por “participar” numa reportagem fotográfica, ou “acompanhar” uma tal diligência.

Desde já, há que assinalar que o recorrente faz tábua rasa do que o Supremo acerca deste problema decidiu no dia 1-10-2009.

Vamos por partes.

Na motivação da decisão sobre a matéria de facto são apresentadas a reportagem e a reconstituição como dois meios de convicção autónomos, como se colhe do trecho seguinte:

«O Tribunal deu como assentes os factos descritos nos n.ºs 1 a 16, valorando a seguinte prova:

- Reportagem fotográfica de fls. 27 a 38, na qual se observa:

. O local onde a vítima foi alvejada, inserido zona despovoada;

. A zona do corpo alvejada (nuca), sendo que a lesão em causa, de acordo com as regras de experiência comum, não poderia ser causada pelo próprio;

. A expressão do falecido (com um ar relaxado, descontraído), que indicia que o mesmo estava a dormir profundamente, quando foi alvejado;

. A munição que atravessou o crânio da vítima, na cama onde se encontrava o corpo inerte;

. As sacas de ração junto à cama da vítima, por cima das quais se encontrava um saco amolgado, levando a crer que tais artefactos serviram para alguém se deitar, no chão, junto à cama da vítima, servindo tal saco de “almofada”;

. A existência, no local, de dinheiro, documentos, telemóvel e respectivo carregador, pertencentes à vítima, objectos esses descritos no auto de apreensão de fls. 40 e fotografia de fls. 41, que, de acordo com as regras de experiência, levam a excluir que o roubo tenha sido o motivo pelo qual a vítima foi alvejada;

. A não existência de quaisquer sinais de arrombamento na porta fechada que dava acesso ao quarto da vítima, que leva a crer que a mesma se encontrava com o agressor dentro do quarto, antes de ser alvejada e que tal agressor, era pessoa de sua confiança (relembrando-se mais uma vez, o ar “pacífico e repousado” do falecido antes de perecer);

. a arma caçadeira que serviu para alvejar a vítima, contendo um cartucho deflagrado e outro intacto;

. a reconstituição do facto descrito no nº 11, retratada na fotografia nº 22 e descrita no auto de fls. 49, na qual se pode visionar o arguido a indicar o local onde procedeu à queima do par de calças que tinha vestido na noite referida em 5.

Esta reconstituição foi acompanhada e, em audiência de julgamento, relatada por BB, Inspectora da Policia Judiciária, que investigou o evento em análise, tendo a mesma salientado a “colaboração espontânea” do arguido, nesta diligência.

De salientar que, o facto de o arguido, em audiência de julgamento, não ter prestado quaisquer declarações sobre os factos que lhe foram imputados, não impede, a valoração deste meio de prova, que não se confunde o depoimento indirecto a que alude o artigo 129, nº 3 do Código Penal”.

Em lado algum a reportagem fotográfica é encarada como reconstituição. Apenas o retratado na fotografia n.º 22, junta a fls. 38.

Aquela constitui um meio de obtenção de prova, por corresponder a uma providência cautelar, um exame para recolha de vestígios - artigo 171.º do CPP -, no caso, exame do corpo do falecido, do local e de coisas, como a arma caçadeira, cartuchos, sacas de ração, e quanto a reconstituição assim é apelidada a referência ao que se pretende transmitir com a foto n.º 22, junta a fls. 38 dos autos, a qual constitui um meio de prova, definido no artigo 150.º, valendo apenas como tal, sendo meio de prova válido de demonstração da existência de certos factos a valorar como os demais segundo as regras da experiência e livre convicção da entidade competente, nos termos do artigo 127.º do CPP.

Sobre a questão da reportagem fotográfica e admissibilidade da valoração da reconstituição do facto descrito no n.º 11, disse com propriedade o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer emitido, no ponto 2.1.2:

“Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 171.º do CPP, por meio de exames das pessoas, dos lugares e das coisas, inspeccionam-se os vestígios que possa ter deixado o crime e todos os indícios relativos ao modo como e ao lugar onde foi praticado, às pessoas que o cometeram ou sobre os quais foi cometido.

A reportagem fotográfica em questão foi recolhida no local do crime e em conformidade com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 167.º do CPP, mais não configurando do que prova documental oportunamente junta aos autos e examinada em audiência (art. 355.º do CPP). Trata-se por consequência de um meio de prova não proibido e cuja valoração, submetido que está ao regime do supra citado art. 127.º do CPP, não é sindicável pelo STJ.

Por outro lado, e quanto à também questionada reconstituição do facto descrito no n.° 11, permitimo-nos apenas duas breves notas para dizer o seguinte:

a)- Por um lado remeter para a fundamentação do Aresto deste STJ, de fls. 847 e segs., onde pode ler-se a este propósito que, citamos, «do exposto resulta que o acórdão se pronunciou sobre a questão suscitada pelo recorrente e decidiu que a reconstituição do facto descrito no ponto 11, retratada na fotografia n.° 22, descrita no auto de fls. 49, na qual se pode visionar o arguido a indicar o local onde procedeu à queima das calças que tinha vestido na noite referida em 5, é legal e o silêncio do arguido no decurso da audiência de julgamento não impede a valoração desse meio de prova, que não se confunde com o depoimento indirecto a que alude o art. 129.º-3 do CPP».

b)- Por outro lado - até porque não saberíamos dizer melhor e o recorrente não adianta quaisquer argumentos novos - aqui convocar apenas o seguinte excerto do aresto impugnado: «a valoração desse meio de prova é permitida, ainda que a restrita reconstituição não tivesse sido precedida de despacho ordenador e mesmo que sufragando-se o entendimento de que isso constituísse motivo para afectar a validade da realização da diligência, dado que a eventual arguição de nulidade ou irregularidade estava (e está) precludida (cfr. arts. 118.º, n.ºs 1 e 2, 119.º e 120.º do CPP).

Neste âmbito, a diferenciação legal decorrente da circunstancia desse acórdão do STJ ter determinado a nulidade do acórdão para um efeito determinado — a não consideração da prova que entendeu como proibida - tem, inevitavelmente, implicações quanto as questões que, sem prejuízo, ai ficaram apreciadas e decididas.

E assim sendo, o novo acórdão proferido não teve a virtualidade de eliminar a anterior apreciação dessas questões ou de outras que directamente se relacionem, por dependência lógica, de harmonia com a unidade dos vários actos do processo e da inerente certa continuidade processual existente entre eles (art. 5.º, n.º 2, alínea b), do CPP).

Por isso, não se admite que, em concreto, a decisão tirada pelo acórdão do STJ, relativamente a mesma questão da admissibilidade de valoração da reconstituição, se tenha por excluída e de nenhum efeito, não se aceitando que o recorrente a pretenda fazer ressurgir. A sua alegação, nesse aspecto, equivale, pois, a apresentar novo recurso sobre questão já apreciada, contendendo com o caso julgado que sobre a mesma se formou e com a correspondente força obrigatória dentro e fora do processo»”.

A questão da legalidade da reconstituição já estava resolvida.

O acórdão do Supremo de 01-10-2009 apreciou e decidiu, de modo definitivo, a questão suscitada pelo recorrente de nulidade do acórdão recorrido - então o acórdão da Relação de Évora de 20 de Julho de 2009 – “por omissão de pronúncia no que respeita à valoração (feita no acórdão da 1ª instância) de uma reportagem fotográfica como reconstituição e a considerar-se tal diligência como reconstituição, ela teria sido inconclusiva pois não permite concluir que, de facto, as calças tivessem sido efectivamente queimadas, não havendo no acórdão recorrido pronúncia sobre esta matéria”.

Apreciando e decidindo sobre este concreto ponto – arguição de nulidade por omissão de pronúncia - disse o acórdão do Supremo, de fls. 864 verso a 866:

“Basta ler o acórdão recorrido para se constatar que o mesmo se pronunciou e até de forma circunstanciada, sobre a valoração da referida reportagem fotográfica como reconstituição, tendo concluído que não foi usado qualquer meio de obtenção de prova proibido por lei.

Na verdade, o acórdão recorrido, depois de aludir à competência cautelar própria dos órgãos de polícia criminal (OPC) pré-ordenada para os fins do processo (que lhes permite praticar actos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova e que podem ser levados a cabo mesmo antes da instauração do inquérito, não tendo natureza processual e dependendo de uma convalidação por parte do M.º P.º ou do JIC), refere, expressamente:” (reproduz excertos de passagens do acórdão recorrido, de fls. 773 a fls. 778, onde se mencionam o despacho do M.º P.º de fls. 76 a 78 e despacho do JIC, de fls. 80), rematando de seguida:

“Do exposto resulta que o acórdão se pronunciou sobre a questão suscitada pelo recorrente e decidiu que a reconstituição do facto descrito no ponto 11, retratado na fotografia n.º 22, descrita no auto de fls. 49, na qual se pode visionar o arguido a indicar o local onde procedeu à queima das calças que tinha vestido na noite referida em 5, é legal e o silêncio do arguido no decurso da audiência de julgamento, não impede a valoração desse meio de prova, que não se confunde com o depoimento indirecto a que alude o artigo 129.º-3 do CPP. 

Inexiste portanto a arguida nulidade pelo arguido/recorrente”. (sublinhado nosso).

E depois prosseguiu o Supremo dizendo, a fls. 866, que “Coisa diversa é a da legalidade da referida reconstituição”.

Continuando, versa então a questão de existência de despacho a ordenar a reconstituição, sufragando o entendimento de que um tal despacho não é essencial, a sua falta não afecta a legalidade da realização da diligência de prova assim obtida, mas mesmo sufragando a posição de o considerar como essencial, uma vez que o arguido esteve presente e colaborou na diligência, defende que há muito se teria precludido a possibilidade de arguir a eventual nulidade ou irregularidade, por não se estar perante nulidade insanável.

Conclui-se assim que o acórdão do STJ resolveu definitivamente a questão de nulidade da reportagem fotográfica e da reconstituição, o que não deixou de ser assinalado pelo acórdão recorrido ao referir-se ao caso julgado.

Uma coisa é a referência da inspectora da Polícia Judiciária a uma reportagem fotográfica e confirmação da reconstituição, considerada válida, e outra o depoimento da mesma inspectora a confirmar conversas informais com o arguido enunciadas na informação de fls. 42.

Como decorre do artigo 249.º do CPP é das competências dos órgãos de polícia criminal praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente, proceder a exames dos vestígios do crime, em especial as diligências previstas no n.º 2 do artigo 171.º (medidas cautelares para preservação dos vestígios do crime), colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e sua reconstituição, proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas.

Vejamos de que trata o auto de fls. 49.

Trata-se de um «Relato de diligência externa» feito em 28-10-2007, na Herdade ........, Évora, pelos funcionários CC e DD, ambos inspectores da PJ, mas encontrando-se o auto encimado com referência ao processo e a indicação de inspector com o nome de BB.

Consta da descrição e resultado da diligência o seguinte:

«Na data acima referida, e após os esclarecimentos por parte do arguido AA dos factos que determinaram a morte de EE, o mesmo de livre e espontânea vontade esclareceu ainda os locais onde queimou as calças que envergava na noite em que disparou sob a vítima e onde guardou o blusão que trajava, concretamente no quarto que utilizava na referida herdade, tendo-se deslocado ao local acompanhado dos funcionários acima referidos a fim de indicar presencialmente o lugar onde queimou as calças, entregando o blusão do qual se fez a respectiva apreensão.

Foram efectuadas fotografias dos locais acima indicados, seguindo junto da presente informação. Na posse dos objectos, demos por concluída a presente diligência». 

Ressalta à evidência que a testemunha BB esteve no local e acompanhou ou realizou várias diligências, não podendo concluir-se nada ter a ver com a reportagem fotográfica só pelo facto de não ter assinado o auto.

Assim, BB e CC procederam em 27-10-2007 à apreensão de uma espingarda caçadeira e vários cartuchos, conforme auto de apreensão de fls. 39 e à apreensão de duas carteiras, telemóvel e chaves pertenças da vítima, conforme auto de fls. 40.

            E só BB em 28-10-2008 procedeu à apreensão ao arguido – auto de apreensão de fls. 50 - de um par de botas e de um blusão.  

E foi BB que esteve com o arguido com quem entabulou conversação informal, elaborando a referida informação de fls. 42, que assinou, cabendo-lhe a elaboração da inicial informação de serviço de fls. 21 a 24, onde se refere a reportagem fotográfica, e ainda da informação final de fls. 63/4, o que inculca que terá supervisionado as diligências levadas a cabo.

A testemunha BB esteve no terreno, participou em diligências, executou pessoalmente algumas outras e falou com o arguido, tendo directo conhecimento de factos que presenciou, não se limitando o depoimento a confirmar o teor de conversas informais, podendo fazer relato do que visionou no terreno.

Abordando a consideração da diferença dos dois pontos em questão veja-se o acórdão de 13-01-2011, processo n.º 316/07.5GBSTS.G2.S1 - 5.ª Secção, que refere:
“A reconstituição do facto, como meio de prova a que se refere o art. 150.º do CPP, representa, em si, um meio autónomo de prova tal como os demais legalmente admitidos.
Envolvendo a participação de personagens que podem ter intervindo no âmbito de outras vias de captação probatória, como o interrogatório de arguido, a prova testemunhal, pericial ou outras, aquela participação assume autonomia face às demais participações ocorridas no âmbito desses meios de prova. Tratando-se da participação de um arguido na reconstituição do facto, há que não confundi-la, v.g., com as suas respostas em interrogatório judicial, visto estar-se face a duas intervenções autónomas, não confundíveis e sujeitas ao regime de livre apreciação, tal como previsto no art. 127.º do CPP (cf. Ac. do STJ de 03-07-2008, Proc. n.º 824/08 - 5.ª).
Por isso, se os depoimentos de testemunhas recaírem sobre a reconstituição dos factos, em que um arguido colaborou, tais depoimentos não reproduzem declarações do arguido, antes incidem sobre essa reconstituição – meio de prova que não se confunde com as declarações – o que é admitido pelo art. 150.º do CPP (cf. Ac. do STJ de 14-06 -2006, Proc. n.º 1574/06 - 3.ª).
Nos termos do n.º 7 do art. 356.º do CPP, os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas. E, na mesma linha, está vedada a valoração de revelações feitas pelo arguido em conversas informais.
Todavia, já nada impede que os órgãos de polícia criminal sejam ouvidos sobre outras diligências realizadas no inquérito para o apuramento da verdade, designadamente sobre a reconstituição dos factos. A circunstância do arguido ter participado nas reconstituições não tem o efeito de fazer corresponder esses actos a declarações do arguido para se concluir pela irrelevância probatória dos mesmos como consequência da irrelevância das declarações, já que se trata de meios de prova que não se confundem (cf. Acs. do STJ de 30-03-2005, Proc. n.º 552/05 - 3.ª, e de 20-04-2006, Proc. n.º 363/06 - 5.ª)”.

Uma coisa é o depoimento de BB que tem a ver com o que observou no terreno, de conhecimento directo, de percepção pessoal, que tem de ser valorado autonomamente, outra a parte do depoimento cujo valor probatório se veio a declarar inquinado, por constituir uma mera confirmação de conversas informais com o arguido, ao jeito de um depoimento por ouvir dizer, de conhecimento indirecto e não directo como no outro caso. 

Trata-se de um relato do percepcionado em directo, resultante do facto de a testemunha ter lá estado efectivamente presente e não por insinuadamente ter participado numa qualquer reportagem, como diz o recorrente na conclusão U).  

É o que de uma forma clara diz a Relação, distinguindo os dois campos em causa. 

No segmento em que apreciava se o acórdão recorrido padecia de nulidade, por ter valorado prova proibida, à luz do disposto nos artigos 150.º, 355.º e 356.º, n.º 7, do CPP, disse o acórdão ora recorrido a fls. 1280/3:

«Ora, segunda a motivação operada no acórdão sob censura, não resulta que o depoimento da testemunha BB tenha sido valorado relativamente a declarações do recorrente que tenha recebido e/ou a elementos dos autos cuja leitura não fosse permitida em julgamento.

Consta dessa motivação, no que à testemunha respeita, que a mesma referiu ter observado a herdade onde a vítima foi encontrada, confirmou o teor da Reportagem Fotográfica de fls. 27 a 38 e referiu ter constatado que no local em questão existiam cães, que não deram pela presença de estranhos;

Apresentou como explicação para o facto de o arguido ter queimado as calças que trazia vestidas na noite do disparo e não o blusão a seguinte (…).

         Já se vê, pois, que a testemunha prestou depoimento, não sobre qualquer daquelas vertentes proibidas, mas sim acerca de circunstâncias de que teve conhecimento directo (art. 128.º. n.º 1, do CPP), no inquérito, sendo certo que a aludida reportagem fotográfica não se trata senão de prova que foi recolhida no local do crime, ao abrigo do art. 171.º do CP, e que, em julgamento, assume a natureza de prova documental, nos termos do art. 167.º do CPP, a cujo exame na audiência se procedeu.

         Por seu lado, a invocada circunstância, de que a testemunha não teve intervenção nessa reportagem fotográfica, só poderá relevar em sede de apreciação valorativa do depoimento e não como factor atendível para aquilatar da eventual proibição de valoração nos termos preconizados pelo recorrente.

       O mesmo se diga relativamente ao que este entende como tendo o tribunal incluído, camufladamente, esse meio de prova proibido, referindo-se à mencionada informação de fls. 42.  

       Entronca na sua perspectiva de que a reportagem fotográfica não se consubstancia como uma reconstituição prevista no art. 150.º do CPP e que, não obstante, o acórdão recorrido, motivando o facto provado número 11 -  Em seguida, para que a sua actuação não fosse descoberta, o arguido abandonou a casa de EE, queimou as calças que então tinha vestidas e lavou as mãos com gasolina e álcool, tudo de forma a apagar quaisquer vestígios de pólvora ou sangue que pudesse ter e servissem de prova dos factos que havia cometido -, a considerou como tal, implicitamente aí retornando à problemática desse “camuflado” aproveitamento dessa informação.

       No acórdão recorrido, teve-se em conta, como aí se consignou:

       a reconstituição do facto descrito no nº 11, retratada na fotografia nº 22 e descrita no auto de fls. 49, na qual se pode visionar o arguido a indicar o local onde procedeu à queima do par de calças que tinha vestido na noite referida em 5 e Esta reconstituição foi acompanhada e, em audiência de julgamento, relatada por BB, Inspectora da Policia Judiciária, que investigou o evento em análise, tendo a mesma salientado a “colaboração espontânea” do arguido, nesta diligência.

       Mais, acrescentou, com menção a jurisprudência do STJ, a validade de valoração dessa dita reconstituição, ainda que o arguido não preste declarações em audiência, nos termos do art. 126.º do CPP, não se confundindo, pois, o depoimento acerca da mesma, com o depoimento indirecto previsto no art. 129.º do CPP.

       Ou seja, tal como o acórdão do STJ já concluiu, a fls. 866, por referência ao fundamentado no anterior acórdão e agora, em termos idênticos, note-se, quanto ao ora recorrido, a valoração desse meio de prova é permitida, ainda que a restrita reconstituição não tivesse sido precedida de despacho ordenador e mesmo que sufragando-se o entendimento de que isso constituísse motivo para afectar a validade da realização da diligência, dado que a eventual arguição de nulidade ou irregularidade estava (e está) precludida (cfr. arts. 118,º, n.ºs 1 e 2, 119.º e 120.º do CPP).           

      Neste âmbito, a diferenciação legal decorrente da circunstância desse acórdão do STJ ter determinado a nulidade do acórdão para um efeito determinado – a não consideração da prova que entendeu como proibida - tem, inevitavelmente, implicações quanto às questões que, sem prejuízo, aí ficaram apreciadas e decididas.

           E assim sendo, o novo acórdão proferido não teve a virtualidade de eliminar a anterior apreciação dessas questões ou de outras que directamente se relacionem, por dependência lógica, de harmonia com a unidade dos vários actos do processo e da inerente certa continuidade processual existente entre eles (art. 5.º, n.º 2, alínea b), do CPP).

            Por isso, não se admite que, em concreto, a decisão tirada pelo acórdão do STJ, relativamente à mesma questão da admissibilidade de valoração da reconstituição, se tenha por excluída e de nenhum efeito, não se aceitando que o recorrente a pretenda fazer ressurgir.

           A sua alegação, nesse aspecto, equivale, pois, a apresentar novo recurso sobre questão já apreciada, contendendo com o caso julgado que sobre a mesma se formou e com a correspondente força obrigatória dentro e fora do processo. (…)
            Em conformidade, entende-se que, na perspectiva atinente à suscitada valoração da dita reconstituição, esta está vedada pelo decidido pelo STJ, que, conhecendo-a, produziu os efeitos respectivos do caso julgado (arts. 666.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, 673.º e 677.º do CPC, “ex vi” mesmo art. 4.º do CPP).
     Inexistem, assim, fundamentos para a nulidade do acórdão».

A questão da validade da reconstituição estava decidida definitivamente, não podendo ser de novo sindicada, podendo e devendo a primeira instância na reformulação do acórdão ter tal ponto como assente e seguro, e nem poderia obviamente este Supremo reapreciar uma questão, que está precludida pela apreciação anterior deste mesmo Tribunal.

Improcede igualmente esta questão.

Questão III – Errada valoração da prova

A partir da conclusão EEE diz o recorrente que “o presente Acórdão de que ora se recorre padece de inúmeros vícios que o enfermam de nulidade, e que doravante se invocarão”, mas logo a seguir abre um novo capítulo – II – subordinado ao sugestivo título “Quanto à reapreciação da matéria da prova produzida”, o que por si diz tudo quando dirigido ao STJ.

Muito embora se tenha referido “o presente Acórdão de que ora se recorre”, o que poderia fazer pensar que se pretenderia impugnar as soluções da Relação de Évora, a verdade é que o visado continua a ser o acórdão de primeira instância, agora na versão reformulada de 22-06-2010, pois aquela conclusão EEE mais não é do que a integral reprodução da conclusão H), presente no anterior recurso daquela decisão para a Relação, o que de resto ocorre com as imediatas anteriores quatro conclusões. (As conclusões AAA, BBB, CCC e DDD, a fls. 1378/9, são a cópia literal do que se continha nas conclusões D, E, F, G, a fls. 1204/5!).

Ao longo de 105 conclusões manifesta o recorrente a sua divergência com as soluções de fixação da facticidade encontradas pela primeira instância.    

É aqui, nesta terceira vaga de manifestação de discordância com o decidido, que sintomaticamente, o recurso acaba por ser uma reedição do interposto da primeira instância para a Relação, “et pour cause”, a presente mas desfasada recorrência da invocação das decisões da “Mma. Juiz a quo”, ou a referência ao “tribunal a quo”, ou mesmo referências ao que se passou em “audiência de julgamento”.

O recorrente dirige-se à decisão de 1.ª instância, parecendo olvidar tratar-se de um acórdão, de uma deliberação e votação de um colégio de juízes, a julgar num processo comum com intervenção de tribunal colectivo – cfr. artigos 97.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 368.º, 369.º e 372.º, do CPP.

A referência a decisões da “Mmª Juiz a quo” está presente nas conclusões GGG, III, OOO, PPP, TTT, EEEE, HHHH, JJJJ, NNNN, PPPP, SSSS, LLLLL, OOOOO, TTTTT, WWWWW, AAAAAA, DDDDDD, GGGGGG, NNNNNN, PPPPPP.

         As referências a “Tribunal a quo”, mas com o claro sentido de reporte ao Colectivo da Comarca, sucedem-se nas conclusões QQQ, RRR, IIII, LLLL, PPPP, BBBBB, CCCCC, HHHHH, MMMMM, UUUUU, CCCCCC.

E a audiência julgamento, nas conclusões JJJJJ, TTTTT, FFFFFF, OOOOOO.

Em grande parte as conclusões ora apresentadas mais não são do que o mero decalque, a transposição integral do teor de conclusões do recurso interposto da decisão de primeira instância, parecendo esquecer-se o recorrente que o Supremo funciona como tribunal de revista.

Assim, as conclusões deste recurso IIII; JJJJ; KKKK; LLLL; MMMM; NNNN; PPPP; SSSS; VVVV; XXXX; YYYY; ZZZZ; CCCCC; DDDDD; EEEEE; GGGGG; HHHHH; IIIII; JJJJJ; KKKKK; LLLLL; MMMMM; NNNNN; OOOOO; PPPPP; QQQQQ; SSSSS; TTTTT; UUUUU; VVVVV; WWWWW; XXXXX; YYYYY; ZZZZZ; AAAAAA; BBBBBB; CCCCCC; DDDDDD; EEEEEE; FFFFFF; GGGGGG; HHHHHH; IIIIII; JJJJJJ; KKKKKK; LLLLLL; MMMMMM; NNNNNN; OOOOOO; PPPPPP; QQQQQQ; ZZZZZZ; AAAAAAA; BBBBBBB; CCCCCCC; DDDDDDD e EEEEEEE são a reprodução integral, ipsis verbis, do que se continha no anterior recurso para a Relação em que visado era o acórdão de primeira instância, nas conclusões HH; II; JJ; KK; LL; MM; NN; QQ; VV; GGG; HHH; III; JJJ; KKK; LLL; MMM; NNN; OOO; PPP; QQQ; RRR; SSS; TTT; UUU; VVV; WWW; XXX; ZZZ; AAAA; BBBB; CCCC; DDDD; EEEE; FFFF; GGGG; HHHH; IIII; JJJJ; KKKK; LLLL, MMMM; NNNN; OOOO; PPPP; QQQQ; RRRR; SSSS; TTTT; UUUU; VVVV; YYYY; ZZZZ; AAAAA; BBBBB; CCCCC; DDDDD.

O recorrente reporta-se à decisão de primeira instância, como claramente se evidencia com o teor da conclusão UUUUU:

«Centremo-nos na motivação apresentada pelo Tribunal a quo, em particular na valoração do depoimento das Testemunhas».

O mesmo ocorre ainda na conclusão PPPPPP:

«Não poderia assim, a Meritíssima Juiz a quo valorar tais indícios como aliás valorou».

Sintomática ainda a forma encontrada para finalizar o presente recurso.

Mais claro não podia ser, ao manter-se na última conclusão o que ipsis verbis se dissera no anterior recurso, dissipando qualquer réstea de eventual dúvida quanto ao alvo visado.

Na conclusão EEEEEEE do presente recurso consta:

«Ao proferir uma decisão condenatória, o Tribunal de 1ª instância procedeu a uma apreciação arbitrária de prova, assente num puro subjectivismo, proibido por lei».

Na conclusão DDDDD do anterior recurso constava:

«Ao proferir uma decisão condenatória, o Tribunal de 1ª instância procedeu a uma apreciação arbitrária de prova, assente num puro subjectivismo, proibido por lei».

O recorrente amiúde discute as provas produzidas e sua interpretação, dando a conhecer a sua visão de julgamento, as suas próprias propostas de assentamento da facticidade relevante.

Exemplificando, anota-se o teor de algumas das conclusões onde se contém a pretendida colaboração do recorrente:   

GGG (não foi produzida qualquer prova nesse sentido…); MMM (o recorrente não encontra eco na prova testemunhal ou em qualquer outra que possa servir de base a tal conclusão); QQQ (com referências a documentação de prova produzida por testemunhas, contraditando assim a interpretação feita pelo tribunal a quo); RRR (… erradamente valorados pelo tribunal a quo); SSS (em nossa modesta opinião, não foi feita prova de que os supra referidos factos tenham sido da autoria do recorrente); TTT (Jamais, poderia, a Meritíssima Juiz a quo dar como provados como deu, tais factos…); UUU; VVV (debitando sobre o valor de perícia ao blusão); WWW (com interpretação própria do resultado de perícia); XXX (com excertos de transcrição de prova gravada); YYY; ZZZ; BBBB; DDDD; FFFF (com excertos de transcrição em que consta que a arma servia “para matar uns periquitos que ele lá tinha”); GGGG (era habitual o arguido utilizar a arma para matar galinhas, periquitos e pombos, com referências a documentação dos depoimentos de duas testemunhas); IIII (o tribunal a quo procedeu a uma análise arbitraria desprovida de qualquer fundamento); VVVV; YYYY (pergunte-se como e de onde resulta tal facto provado?); ZZZZ (novos excertos de transcrições de prova produzida); HHHHH (matéria de facto erroneamente dada como provada do tribunal a quo); JJJJJ (infra referida); PPPPP; QQQQQ (com reporte a documentação de prova); VVVVV (repetindo conclusão BBBB do anterior recurso); SSSSS (em relação aos pontos 14 a 16 entende o ora recorrente não existir qualquer prova dos mesmos em função da já referida ausência de prova quanto à sua autoria por parte do arguido, repetindo a conclusão XXX do anterior recurso); TTTTT; UUUUU; WWWWW (repetindo a conclusão CCCC do anterior recurso, com nova referência a documentação da prova); YYYYY (repetindo a conclusão EEEE do anterior recurso, refere o recorrente que tal alteração do discurso da referida testemunha serviu o intuito de camuflar o óbvio…); BBBBBB; CCCCCC; PPPPPP.

Na conclusão JJJJJ (repetindo a conclusão PPP do anterior recurso) em recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, entende o recorrente que a prova produzida em audiência de julgamento não foi devidamente apreciada, devendo a mesma ser devidamente reapreciada e dessa forma adequadamente valorada.

Esta pretensão se faz sentido em recurso dirigido à Relação, é de todo inócua, despicienda, inútil, inconsequente, por totalmente inadmissível, em recurso que se cinge à reapreciação da matéria de direito.

Neste aspecto da valoração das provas, dir-se-á que na análise a efectuar há que ter em conta que a fixação da matéria de facto teve na sua base uma apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º do CPP, o que é insindicável no presente recurso.

E para mais em casos, como o presente, em que a fixação da matéria de facto feita pela primeira instância teve o beneplácito da Relação, que julgou improcedente a impugnação da matéria de facto feita da forma mais ampla possível, ao abrigo do artigo 412.º, n.º s 3 e 4, do CPP.

O que na realidade o recorrente faz é manifestar a sua discordância com o decidido ao nível do assentamento da facticidade dada como apurada, pretendendo discutir de novo a prova, suscitar a questão da sua valoração, impugnar a convicção adquirida pelos julgadores sobre os factos pertinentes à configuração do crime de homicídio, por que foi condenado, alterando a matéria de facto assente, tendo como objectivo final a absolvição, olvidando por completo a regra da livre apreciação da prova ínsita no aludido preceito do CPP.

O recorrente insurge-se contra a decisão da primeira instância, por discordar da matéria de facto assente, pretende esgrimir argumentos no campo da matéria de facto, não podendo recorrer com tais fundamentos para o Supremo Tribunal de Justiça, esquecendo que ao Supremo compete apenas o reexame da matéria de direito.

Como inúmeras vezes tem sido frisado por este Supremo Tribunal, são totalmente irrelevantes as considerações que os recorrentes fazem no sentido de pretenderem discutir a prova feita no julgamento e de solicitarem que este Tribunal de recurso modifique tal prova e passe a aceitar como realidade aquilo que o interessado pretende corresponder ao sentido do que teria resultado do julgamento.

A arguição do recorrente reconduz-se a alegada insuficiência de prova e errada valoração das provas produzidas.

            No fundo, o recorrente expressa uma manifestação de divergência com o acervo fáctico emanado do que foi deliberado pelo Colectivo e confirmado pela Relação, pretendendo, afinal, discutir as provas. Pretende no fundo atacar o concreto desempenho do princípio da liberdade de apreciação ou da livre convicção do julgador estabelecido no citado artigo 127.º.

        Dir-se-ia estarmos face a uma “segunda via” de impugnação da matéria de facto agora completamente fora dos cânones previstos. Na realidade, o que se diz ao longo das conclusões é uma vez mais dizer praticamente o mesmo, procurando o mesmo objectivo, sindicar a matéria de facto, impugnar as provas, tentar demonstrar que o recorrente não cometeu o crime de homicídio.

Estas alegações foram debatidas e afastadas no acórdão recorrido, não sendo possível e viável a sua reedição.

O recorrente no anterior recurso para a Relação impugnara a matéria de facto e invocara do mesmo modo o alegado erro de fundamentação, reeditando agora de novo esta arguição – cotejando os recursos verifica-se que as conclusões do presente recurso são praticamente a cópia integral das conclusões do recurso interposto para a Relação - olvidando não só que as suas pretensões se situam no plano da matéria de facto, que se não contém nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, como o facto de a decisão recorrida ser agora o acórdão da Relação e não o acórdão do Colectivo de Évora, que aquele confirmou.

A crítica ao julgamento de facto, a expressão de divergência do condenado/recorrente relativamente ao acervo fáctico que foi fixado e ao modo como o foi, ou seja, as considerações por si tecidas quanto à análise, avaliação, ponderação e valoração das provas feitas pelo Colectivo julgador, nos casos de recurso directo - e no caso presente, tendo a opção do colectivo sido já debatida, reapreciada no acórdão em recurso da forma mais ampla possível, a merecer uma confirmação em que o juízo substitutivo não funcionou, no jeito de uma dupla conforme, em sede de fixação de matéria de facto – são de todo irrelevantes, de acordo com jurisprudência corrente há muito firmada, pois, ressalvada a hipótese de prova vinculada, o Supremo Tribunal de Justiça não pode considerá-las, sob pena de estar invadir o campo da apreciação da matéria de facto, que o Colectivo faz de harmonia com o artigo 127.º do Código de Processo Penal – acórdãos do STJ, de 18-10-1989, processo n.º 40266-3.ª, sumariado na AJ, n.º 2, pág.  8 e citado no acórdão de 19-09-1990, BMJ n.º 399, pág.  260 (não se verifica o erro notório na apreciação da prova se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida, sobrevalorizando as testemunhas de acusação e ignorando completamente as restantes testemunhas e mais prova); de 21-06-1995, BMJ n.º 448, pág. 278 (a versão do recorrente sobre a valoração da prova não integra o vício do erro notório) - cfr. acórdãos do STJ, de 19-01-2000, processo n.º 871/99-3.ª; de 06-12-2000, processo n.º 733/00; de 29-06-94, processo n.º 45530, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 258; de 10-07-1996, processo n.º 48675, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 229 (maxime, 243).

Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal:     

de 01-10-1997, processo n.º 627/97, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (Assessoria), II volume, n.º 14, pág. 121 - “O Colectivo e o Júri apreciam a prova segundo a sua convicção livremente formada, tratando-se de matéria subtraída ao controlo do STJ (arts. 127.º e 433.º do CPP)”;

de 01-10-1997, processo n.º 876/97-3.ª, ibidem, pág. 122 - “O erro na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente”; no mesmo sentido e do mesmo relator acórdão de 8-10-1997, processo n.º 874/97, ibidem, pág. 134 e de 24-03-1999, processo n.º 176/99, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 249;

de 02-10-1997, processo n.º 628/97, ibidem n.º 14, pág. 128 - “O art. 127.º do CPP estabelece o princípio da livre apreciação da prova, pelo que o STJ não pode, enquanto tribunal de recurso, exercer qualquer actividade sindicante sobre tal matéria, excepto no caso da prova vinculada”;

de 06-11-1997, processo n.º 666/97, Sumários Assessoria, volume II, n.ºs 15 e 16, pág. 156 - “A divergência do recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo Tribunal a quo é irrelevante, pois o STJ não pode considerá-la, sob pena de estar a invadir o campo da apreciação da matéria de facto que o colectivo faz de harmonia com o artigo 127.º do CPP (salvo na hipótese de prova vinculada)”;

de 06-11-1997, processo n.º 519/97-3.ª, ibidem, pág. 157 - “A apreciação da prova pelo tribunal produzida em audiência segundo as regras da experiência comum e a sua livre convicção, como manda o art. 127.º, do CPP, escapa aos poderes de cognição do STJ”;

           de 06-11-1997, processo n.º122/97, ibidem, pág. 158 - “O vício de erro notório na apreciação da prova não existe quando o recorrente se limita a por em causa a valoração das provas produzidas, esquecendo que o STJ não tem acesso a elas e não pode sindicar a valoração que delas fez o colectivo em sua livre convicção e segundo as regras da experiência”;

de 4-12-1997, processo n.º 1018/97-3.ª, ibidem, pág. 199 - “O erro na apreciação ou valoração da prova produzida no julgamento e desde que não seja prova vinculada ou tarifada, escapa à censura do STJ”;

de 18-12-1997, processo n.º 47325-3.ª, ibidem, pág. 216 – “A simples discordância no domínio da prova, entre a análise feita por um arguido sobre o que em seu entender deveria ter ficado provado, e o que o colectivo considerou ter-se efectivamente provado, não tem o menor relevo como fundamento de recurso para este Supremo Tribunal, que não pode apreciar nem discutir ou alterar a matéria de facto apurada pela primeira instância”;

 de 18-12-1997, processo n.º 701/97-3.ª, ibidem, pág. 220 – “A convicção do tribunal não pode ser tida por errada apenas porque as partes, eventualmente, valoram a prova de modo diverso”; 

de 18-12-1997, processo n.º 930/97, ibidem, pág. 220 e BMJ n.º 472, pág. 185 - “É irrelevante a alegação de que o colectivo fez errada interpretação das provas e deu como provados factos que não se provaram; o Supremo não pode entrar na discussão da valoração das provas cujo conhecimento lhe está subtraído”.

Como esclareceu o acórdão de 21-05-1992, BMJ n.º 417, pág. 404 “O STJ, como tribunal de revista, não dispõe de poderes de crítica ou censura sobre o concreto desempenho do princípio da livre apreciação da prova exercitada pelo tribunal a quo”, e por seu turno, o acórdão de 25-03-1998, processo n.º 53/98, BMJ n.º 475, pág. 502, esclareceu que “O STJ não pode sindicar a valorização das provas feita pelo Colectivo em termos de o criticar por não ter sido dada prevalência a uma em detrimento de outra” - cfr. acórdão de 11-02-1998, processo n.º 1323/97-3.ª,  BMJ n.º 474, pág. 309, e mais recentemente, o acórdão de 08-02-2006, processo n.º 98/06-3ª, no sentido de que “a deficiente apreciação da prova produzida é matéria que escapa aos poderes do STJ”.

Fazendo aplicação destes princípios, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 05-12-2007, processo n.º 3406/07; de 12-03-2008, processo n.º 112/08; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07; de 28-05-2008, processo n.º 1147/08; de 12-06-2008, processo n.º 4375/07; de 04-12-2008, processo n.º 2507/08; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08; de 27-05-2009, processo n.º 484/09; de 27-05-2010, processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1, e de 14-07-2010, processo n.º 149/07.JELSB.E1.S1, todos por nós relatados.

Daqui resulta que se revelam processualmente inoportunas, impertinentes e irrelevantes as considerações contidas nas conclusões EEE a EEEEEE.

         A impossibilidade deste Supremo Tribunal sindicar a prova produzida conduz a que seja manifesta a improcedência do recurso neste segmento, que assim, digamos, tem um objecto impossível, devendo ser rejeitado, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP, preceito que nesta perspectiva não padece de inconstitucionalidade - cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 352/98, de 12-05-1998, in BMJ n.º 477, pág. 18 e n.º 165/99, de 10-03-1999, in DR-II Série, de 28-02-2000 e BMJ n.º 485, pág. 93.

Estabelece o artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, na versão actual, que o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência.

Como se referia no acórdão do STJ de 30-03-1995, BMJ n.º 445, pág. 355, é de rejeitar o recurso por manifesta improcedência quando o recorrente se limita a discutir matéria de facto e a livre apreciação do tribunal.

De igual sorte o acórdão de 21-06-1995, BMJ n.º 448, pág. 278: “Apresenta-se como manifestamente improcedente, e, portanto, deve ser rejeitado, o recurso cuja fundamentação se circunscreve à interpretação da prova que se diz ter sido produzida em audiência, indicando-se os factos que deveriam ter sido considerados provados, em vez dos que foram dados por provados”.

Como se extrai do acórdão de 8-10-1997, processo n.º 897/97-3.ª, Sumários da Assessoria 1997, n.º 14, pág. 132, “Na ausência de qualquer prova vinculada, é insindicável pelo STJ a convicção formada pelo tribunal a quo, sendo por isso de rejeitar, por manifestamente improcedente, o recurso em que o recorrente pretende fazer vingar a sua convicção”.

Segundo o acórdão de 9-10-1997, processo n.º 623/97-3.ª, ibidem, n.º 14, pág. 137 “É manifestamente improcedente, e por isso de rejeitar, o recurso no qual o recorrente aponta os vícios referidos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, baseando os mesmos na circunstância de valorar de forma diferente as declarações prestadas pelas testemunhas de acusação e defesa, da valoração feita pelo tribunal”.

Diz-se no acórdão de 27-11-1997, processo n.º 1130/97-3.ª, ibidem, pág. 186 “É manifesta a improcedência do recurso, e por isso de rejeitar, quando o recorrente não concorda com a maneira como o colectivo valorou o conjunto das provas e fixou a matéria de facto, fazendo dessas provas uma leitura e avaliação diferentes”.

No mesmo sentido, o acórdão de 27-11-1997, processo n.º 291/97, 3.ª, ibidem, pág. 188 “É manifestamente improcedente o recurso interposto pelo recorrente quando este se limita a discordar do processo lógico usado pelo Colectivo para formar a sua convicção. O recurso é de rejeitar por manifestamente improcedente”.

O acórdão de 19-05-2004, proferido no processo n.º 904/04 - 3.ª pronunciou-se nestes termos: «A recorrente apenas suscita questões relativamente à matéria de facto, discute depoimentos e o modo como a prova foi apreciada, designando como erro notório na apreciação da prova apenas a circunstância de a conclusão probatória do tribunal da Relação ser diversa daquela que, na sua apreciação, deveria ter sido a decisão sobre os factos.

Ora, nos termos do art. 434.º do CPP, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo da apreciação oficiosa dos vícios do art. 410.º do CPP.

Sendo tal apreciação, por oficiosa, apenas do critério do Supremo Tribunal, quando considere que há motivos para conhecer dos referidos vícios, a invocação destes não pode constituir fundamento de recurso.

E, de qualquer modo, também não vem invocado no recurso qualquer fundamento que se possa integrar em alguma das categorias que a lei de processo enuncia no referido artigo 410.º, n.º 2, do CPP.

Discutindo apenas matéria de facto, o recurso é, assim, manifestamente improcedente, e deve ser rejeitado, como determina o art. 420.º, n.º 1 do CPP».

Como se extrai do acórdão do STJ, de 22-11-2006, processo n.º 4084/06 – 3.ª, “A manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento. Será o caso típico de invocação contra a matéria de facto directamente provada, de discussão processualmente inadmissível sobre a decisão em matéria de facto, ou de o recurso respeitar à qualificação e à medida da pena e não ser referida nem existir fundamentação válida para alterar a qualificação acolhida ou a pena que foi fixada pela decisão recorrida”. (sublinhado nosso).

Ou, quando, através de uma avaliação sumária dos fundamentos do recurso, se puder concluir, sem margem para dúvidas, que o mesmo será claramente votado ao insucesso, que os seus fundamentos são inatendíveis – assim, acórdãos de 17-10-1996, processo n.º 633/96; de 06-05-1998, processo n.º 113/98; de 05-04-2000, processo n.º 47/00.

Podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-05-2008, processo n.º 678/08; de 28-05-2008, processo n.º 1147/08; de 4-12-2008, processo n.º 2507/08; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08 e de 14-07-2010, processo n.º 149/07.JELSB.E1.S1, todos por nós relatados.

O recorrente reporta-se à decisão da 1.ª instância, repetindo o que já tinha alegado sobre este ponto no recurso para a Relação.

O presente recurso tem por objecto o acórdão recorrido e não a decisão de 1.ª instância, pelo que não pode agora o STJ conhecer do que decidiu ou não decidiu um tribunal que não é o recorrido.

Em suma, estamos perante recurso que neste segmento se apresenta como manifestamente improcedente, sendo, pois, de rejeitar.

Neste plano refere ainda o recorrente a presença de nulidade por omissão de pronúncia.     

A Relação pronunciou-se sobre a impugnação da matéria de facto nos termos propostos e afastou qualquer anomalia, considerando a impugnação como improcedente.

Não podendo obviamente vir agora o recorrente repetir a impugnação, nos termos do artigo 412.º, sendo certo que não invoca qualquer dos vícios decisórios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, procura avançar por uma via em que a par de transcrever excertos da prova gravada, pretende evidenciar erros de julgamento da matéria de facto por parte do acórdão do Colectivo de Évora.

Quando muito poderia o recorrente assacar ao acórdão da Relação o vício de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, aplicável ex vi do artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma, o que na verdade não fez de forma convincente, clara e consistente, pois uma vez mais o sentido da arguição vai directo à manifestação de discordância com o que foi dado por provado.

Embora o recorrente refira a omissão de pronúncia por parte da Relação sobre as matérias que refere, o que verdadeiramente está em causa é a assinalada divergência quanto a opções de julgamento e de reapreciação por parte da Relação.

Na motivação e nas conclusões, estas em absoluto, como vimos, correspondentes àquela, o recorrente ora reporta alusões à 1.ª instância, ora à Relação, mas sempre tendo por pano de fundo o decidido pelo Colectivo da Comarca de Évora.

As concretas e directas referências ao Tribunal da Relação são as que constam das conclusões HHH, III, JJJ, KKK, LLL, NNN, PPP, CCCC, QQQQ, AAAAA, BBBBB, SSSSSS, TTTTTT, UUUUUU, VVVVVV, WWWWWW, XXXXXX e YYYYYY, apontando-se omissões de pronúncia por parte daquele tribunal superior nas conclusões HHHH, in fine, RRRRR e RRRRRR.

O que ressalta do conjunto destas conclusões não difere em nada das restantes deste capítulo em que o recorrente visa o acórdão da primeira instância, sendo evidente a manifestação de discordância relativamente ao juízo da Relação sobre a proposta impugnação de facto. O que o recorrente pretende é continuar a discutir a apreciação da prova, esquecendo que esse ciclo se fecha no recurso para a Relação.

E nos concretos pontos em que alega omissão de pronúncia, como na conclusão HHHH, a mesma tem a ver com valoração do depoimento de HH, de que discorda; na conclusão RRRRR, discorda do que a Relação emitiu a propósito da impugnação do ponto 12 dos factos provados; na conclusão RRRRRR, a omissão reporta-se a vários elementos, esquecendo o recorrente que após versar a impugnação da matéria de facto propriamente dita, o acórdão recorrido abordou as perspectivas de livre apreciação e da inverificação da violação do princípio in dubio pro reo, como se pode ler a fls. 1284 a 1295 do acórdão ora recorrido.   

 Vejamos o que fez o acórdão recorrido.

O Tribunal da Relação de Évora abordou a matéria no segmento em que o recorrente questionava se o tribunal recorrido não deveria ter considerado como provados os factos como tal indicados sob os números 3 a 7 e 11 a 16 (referenciados na conclusão J) a fls. 1205), com fundamento em elementos probatórios que indicou, e que no seu entender, suportavam decisão diversa, e por respeito aos limites da livre apreciação da prova e à presunção da inocência.

A Relação versou a temática, na perspectiva, pois, de uma impugnação da matéria de facto, nos termos consentidos pelo artigo 412.º, n.º s 3 e 4, do CPP, de que o recorrente lançou mão, referenciando especificadamente o que constava da acta, embora sem individualizar, como lhe competia, as passagens concretas em que fundava a impugnação.

          Por entender, num exercício de boa vontade, que o recorrente terá dado, minimamente, cumprimento ao preceituado no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, de modo a que fosse viável o conhecimento da impugnação para os efeitos do artigo 431.º, alínea b), do CPP, e tendo prescindido do eventual convite ao aperfeiçoamento das conclusões do recurso, por razões de inteligibilidade e de economia processual, sem esquecer as garantias de defesa constitucionalmente consagradas, apelando quando necessário à audição do suporte de gravação das provas, o acórdão recorrido abordou as questões colocadas, especificando com critério e justificando tudo quanto respeitava aos controvertidos pontos de facto dados por provados no n.º 3 (fazendo-o de fls. 1284 a 1286), no n.º 4 (de fls. 1286 e 1287), nos n.º s 5 a 7 (de fls. 1288 e 1289), no n.º 11 (de fls. 1289 e 1290), no n.º 12 (a fls. 1291), no n.º 13 (a fls. 1291) e nos n.º s 14 a 16 (de fls. 1291 a 1294).

        Considerou que não resulta da decisão recorrida do Colectivo de Évora que o tribunal recorrido tivesse incorrido em erro de apreciação e que “concluiu de modo a que não tivesse persistido dúvida, que, a existir, favoreceria o ora recorrente, de harmonia com o princípio “in dubio pro reo”…”  (…)

“Não se divisa que o tribunal recorrido não tivesse valorado a prova segundo as regras da experiência e que a sua convicção não tivesse sido devidamente fundamentada, de tal modo que os factos impugnados não devam persistir.

Ao invés, logrou convicção suficientemente alicerçada e sem que a dúvida relevante se possa colocar.

Assim, também não colhe a violação de qualquer dos princípios referidos”.

Em suma, por um lado, não houve modificação pela Relação da matéria de facto provada na 1.ª instância, a qual ficou definitivamente assente, e por outro, o acórdão ora recorrido não incorre em qualquer nulidade, visto que emitiu pronúncia sobre todos e cada um dos temas sujeitos a reexame. 

             Desatende-se, pois, a arguição de nulidade por omissão de pronúncia, sendo o recurso de rejeitar por manifestamente improcedente neste segmento de tentativa de reapreciação de matéria fáctica.

 Decisão

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em:

I - Rejeitar o recurso, por manifestamente improcedente, na parte em que o recorrente AA pretende a reapreciação da matéria de facto;

II - No mais, julgar o recurso improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 374.º, n.º 3, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (objecto de rectificação pela Declaração n.º 22/2008, de 24 de Abril, e alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento) e pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), o qual aprovou – artigo 18.º - o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal, uma vez que de acordo com os artigos 26.º e 27.º daquele Decreto-Lei, o novo regime de custas processuais é de aplicar aos processos iniciados a partir de 20 de Abril de 2009, o que não é o caso, pois teve início em 28 de Outubro de 2007, fixando-se a taxa de justiça em 3 unidades de conta.

            Nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, o recorrente é tributado na importância correspondente a 6 (seis) UC (unidades de conta).

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do CPP.

Lisboa, 28 de Setembro de 2011

Raul Borges (Relator)
Armindo Monteir