Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S1688
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
LIBERDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE TRABALHO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
Nº do Documento: SJ20081001016884
Data do Acordão: 10/01/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
1. O contrato de trabalho caracteriza-se essencialmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade patronal, sendo que o laço de subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens.
2. No contrato de prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da actividade.
3. É de qualificar como de prestação de serviço o contrato assim denominado pelas partes, e de acordo com o qual o autor, que é engenheiro civil, passou a elaborar para a ré projectos de engenharia e a fiscalizar, para a mesma, a execução de trabalhos de construção civil, não estando vinculado pela ré ao cumprimento de um horário de trabalho, nem submetido ao poder disciplinar da empregadora, recebendo retribuição de montante variável, consoante o número de horas de trabalho que prestava, e nada recebendo se nada fizesse.
4. Tal sistema remuneratório, consentindo que não houvesse lugar a retribuição, se nada fizesse, é totalmente incompatível com a existência de um contrato de trabalho subordinado, cujo regime pressupõe «uma necessária remuneração, ainda que seja a “mínima legalmente garantida”, durante todo o período vinculístico».
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 6 de Fevereiro de 2003, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 2.º Juízo, 2.ª Secção, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB, S. A., pedindo que, declarada a existência de um contrato de trabalho entre as partes e a ilicitude do seu despedimento, a ré fosse condenada: (a) a pagar-lhe os subsídios de férias e de Natal devidos desde 23 de Janeiro de 1995 até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidos de juros legais contados desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento, devendo, para tanto, considerar-se a quantia líquida de € 2.633,65 como sendo o valor da sua retribuição mensal; (b) a reintegrá-lo ou a pagar-lhe, caso assim venha a optar, € 21.069,20, a título de indemnização por antiguidade, calculada nos termos do disposto no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro; (c) a pagar-lhe, caso opte pela reintegração, a título de sanção pecuniária compulsória, € 200, por cada dia de atraso no seu cumprimento; (d) a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde 1 de Janeiro de 2003 até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidas de juros legais contados desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento, devendo, para tanto, considerar-se a quantia líquida de € 2.633,65 como o valor da sua retribuição mensal; (e) a pagar-lhe indemnização por danos não patrimoniais em valor nunca inferior a € 25.000; (f) a efectuar todos os descontos devidos à Segurança Social e a suportar todas as quantias de que venha a ser tributado em sede de IRS.

Em síntese, alegou que, em 23 de Janeiro de 1995, celebrou um contrato de trabalho com a ré, que esta denominou «contrato de prestação de serviços», para desempenhar as funções de projectista das obras que a ré procedia na rede do Metropolitano de Lisboa, sob a autoridade e direcção da ré, mediante a remuneração de € 14,96, por cada hora de trabalho, sendo que, por carta de 22 de Novembro de 2002, a ré comunicou-lhe a cessação do contrato celebrado, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2002, o que se traduziria num despedimento ilícito.

A ré contestou, impugnando os factos alegados pelo autor e sustentando que o acordo escrito celebrado é um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, o qual podia ser livremente revogado pelas partes, mediante aviso prévio mínimo de 30 dias, não havendo lugar a qualquer indemnização, e mais aduziu que o autor exercia funções com plena autonomia na organização concreta das tarefas e dos meios necessários para alcançar o resultado acordado, sem categoria profissional ou integração na estrutura organizativa e hierárquica, e que as suas remunerações eram variáveis, de acordo com o número de horas prestadas, «nada recebendo se não prestasse serviço», não sendo a sua presença ou serviço por ela fiscalizados.

Após o julgamento, foi proferida sentença, posteriormente rectificada a fls. 2447, que julgou a acção parcialmente procedente e decidiu o seguinte:

«I – Reconhecer a existência entre Autor e Ré de uma relação jurídica de natureza laboral (contrato de trabalho) desde 25/1/1995;
II – Declarar a ilicitude do despedimento de que o Autor foi alvo por parte da Ré, por não ter sido precedido de processo disciplinar, nem existir justa causa que o funde, com as seguintes consequências legais:
a) Condenação da Ré na reintegração do Autor, com a antiguidade contada desde 25/1/1995 e a categoria correspondente às funções pelo mesmo exercidas à data do despedimento;
b) Condenação da Ré no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, do montante de Euros 100,00, por cada dia de atraso na reintegração do Autor;
c) Condenação da Ré no pagamento de todas as retribuições que o Autor deixou de auferir desde 01/01/2003 até à data do trânsito em julgado da sentença, cifrando-se as vencidas até 31/8/2006 no montante global de Euros 148.376,71, nelas se inserindo os salários, bem como as remunerações das férias, respectivos subsídios e subsídios de Natal;
III – Condenar a Ré a pagar ao Autor as remunerações das férias, correspondentes subsídios de férias e subsídios de Natal devidos entre 23/01/95 e 31/12/2002 e que se computam no montante global de Euros 65.908,009 [sic];
IV – Condenar a Ré no pagamento ao Autor do montante de Euros 10.000,00, a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial causados ao demandante pela conduta ilícita da Ré;
V – Condenar a Ré a regularizar junto da Segurança Social a situação do Autor, com a inscrição deste nessa entidade, com efeitos a partir de 25/1/1999, bem como a efectuar todos os descontos devidos, nessa medida, à Segurança Social;
VI – Condenar a Ré a esclarecer e regularizar junto do Fisco a situação do Autor, no que toca ao Imposto sobre Rendimento das Pessoas Singulares, e a suportar todos os juros de mora e outras despesas e encargos que para ele advenham dessa regularização, que não sejam o imposto que eventualmente ainda seja devido;
VII – Condenar, finalmente, a Ré a pagar ao Autor os juros de mora sobre cada uma das prestações laborais que lhe são devidas e que se mostram referenciadas nos Pontos anteriores (II, c), III e IV), nos termos dos artigos 406.º, 559.º, 762.º, 763.º, 798.º, 799.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil e Portarias n.os 263/99 de 12/04 e 291/2003 de 8/04, sendo os mesmos devidos desde a data do vencimento de cada um dos mencionados créditos, com excepção da indemnização por danos morais, que só são calculados a partir da data da citação da Ré.
Relativamente aos montantes referenciados no Ponto II, alínea c), importa proceder à dedução de todas as eventuais importâncias que o Autor tenha auferido ou recebido entre 6/01/2003 e a data do trânsito em julgado da presente sentença e que ainda venham a ser apuradas, nos termos e para os efeitos do número 2, alínea b), do artigo 13.º do DL n.º 64--A/89 de 27/02, sendo certo que tal dedução só poderá considerar os montantes que o demandante recebeu naquele exacto período, ainda que anteriormente já percebesse rendimentos de trabalho e essa dedução tem como limite o montante global das prestações em que a entidade empregadora for [sic] condenada nesta acção e com relação [à]quele mesmo e preciso período temporal.»

2. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, arguindo nulidades da sentença (excesso de pronúncia e condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido), tendo o Tribunal da Relação de Lisboa decidido o seguinte:
« Julgar procedente a nulidade de condenação em objecto diverso do pedido na parte em que condenou a R. a pagar ao A. a retribuição das férias do período de 23.01.95 a 31.12.2002, pelo que se revoga a sentença nessa parte e em consequência se altera o ponto III do dispositivo, nos seguintes termos:
“III – Condenar a R. a pagar ao A. subsídios de férias e subsídios de Natal devidos entre 23/01/95 e 31/12/2002 e que se computam no montante global de Euros 43.699,25.”
Julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença no demais, embora se rectifique os erros de escrita contidos nos pontos I e II al. a) do dispositivo relativamente à data do início da relação laboral e a partir da qual se deve contar a antiguidade do A., que, conforme o ponto A) da matéria de facto, é 23/1/95 e não 25/1/95.
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.»

É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido, ao abrigo das seguintes conclusões:

«1. Em cumprimento do disposto no art. 77.º do CPT, a ora Recorrente arguiu a nulidade por excesso de pronúncia, no que se refere à fixação do valor mensal da retribuição do Autor, no requerimento de interposição de recurso que apresentou em momento oportuno;
2. Porém, sem prescindir, caso se entenda que a decisão “sub judice” não padece de nulidade por excesso de pronúncia, vem a Recorrente invocar, a título subsidiário, o erro de julgamento do tribunal “a quo” no que respeita à decisão relativa ao valor da retribuição mensal do autor;
3. Efectivamente, entende a Recorrente que o Autor não alegou os factos mínimos que permitiriam ao tribunal “a quo” apurar a sua retribuição mensal;
4. De resto, em virtude dessa falta de alegação, essa questão não foi levada à base instrutória, pelo que a ora Recorrente não pôde apresentar contraprova;
5. Por outro lado, o art. 659.º, n.º 3, do CPC tem de ser interpretado sistematicamente;
6. Com efeito, de acordo com o preceituado no art. 264.º do CPC, o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos arts. 514.º e 665.º do mesmo Código e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e da discussão da causa;
7. Por isso, os factos essenciais (periodicidade do pagamento da retribuição e número de horas trabalhadas em cada um daqueles períodos e, em conclusão, o valor da retribuição mensal) em causa nesta sede, não tendo sido correcta e tempestivamente alegados pelo Autor, não poderiam ter sido tomados em consideração na fundamentação da sentença por via daquele art. 659.º, n.º 3, por recurso a documentos juntos aos autos;
8. Ora, o Tribunal de l.ª Instância, ao conhecer de questões, no sentido referido, que não foram alegadas pelas partes, violou o comando contido no art. 660.º, n.º 2, do CPC;
9. Tendo sido, pelas razões expostas, responsável pela nulidade da sentença proferida, nos termos do art. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC;
10. Todavia, caso se entenda que não se está perante uma situação de nulidade da sentença, o que apenas se admite, sem prescindir, por zelo de raciocínio, então, ter-se-á de considerar que o Tribunal de l.ª Instância cometeu um erro de julgamento;
11. Com efeito, nessa hipótese, o Tribunal de l.ª Instância terá até cometido dois erros de julgamento: um quando aplicou uma norma, o art. 90.º da LCT, cuja previsão não se verificava,
12. E outro, na medida em que utilizou factos não alegados pelo Autor para fundamentar a sua decisão;
13. Ora, em face de todo o exposto, o Tribunal da Relação, ao manter a sentença do Tribunal de l.ª Instância, acabou por ser autor de uma decisão ferida, senão de nulidade, nos termos do estatuído no art. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, pelo menos de um flagrante erro de julgamento que a Recorrente, desde já, invoca para todos os efeitos legais;
14. Nesta medida, a decisão do Tribunal de l.ª Instância no que concerne à fixação do “quantum” da retribuição auferida pelo Autor, violando as normas e princípios citados, constituiu uma decisão surpresa;
15. Efectivamente, o Tribunal de l.ª Instância, ao não ter dado à Recorrente a possibilidade de se pronunciar sobre factos, embora não alegados pelo Autor, que decidiu considerar no momento da tomada de decisão, afectou gravemente o princípio do contraditório e a legalidade processual,
16. Pilares do Estado de Direito Democrático e concretização da norma constitucional vertida no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, que respeita ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva;
17. A presente acção traduz-se, fundamentalmente, na oposição existente entre o Autor e a Recorrente no que toca à qualificação jurídica da relação de índole profissional estabelecida entre ambos;
18. Desde logo, diga-se que as partes celebraram um contrato escrito denominado contrato de prestação de serviços, cujo conteúdo se ajustava, de forma coerente, a esse tipo contratual;
19. Acresce que, em momento algum, se invocou a falta ou quaisquer vícios da vontade;
20. Atendendo ao conteúdo do contrato celebrado entre o Autor e a Recorrente, importa verificar se a execução do contrato se mostrou consentânea com o clausulado, sendo útil, nesse juízo, o recurso ao método tipológico e ao método indiciário;
21. No caso concreto, o método tipológico não permite obter, de modo indubitável, a solução para a qualificação jurídica do contrato celebrado entre o Autor e a Recorrente;
22. No entanto, não deixa de notar-se que, tendo em conta o grau de especialização e exigência técnicas do trabalho prestado pelo Autor, e ainda a categoria profissional em que ele se insere, o contrato de prestação de serviços se adequa melhor ao objecto da prestação do que o contrato de trabalho subordinado;
23. No que respeita ao método indiciário, fica claro que os indícios avaliados não permitiam, com segurança e certeza, afirmar a natureza jurídica do contrato vigente entre o Autor e a Recorrente;
24. De facto, tendo em conta que cada um dos indícios tem um valor muito relativo, o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade, a ser formulado com base na totalidade dos elementos de informação disponíveis — indiciários e outros —, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo;
25. Contudo, o tribunal “a quo” não conseguiu soltar-se de uma qualificação baseada preferencialmente na análise dos indícios, o que o fez perder a visão global da relação entre as partes e, em consequência, afastar a qualificação que resultava do que havia sido manifestado por elas aquando da celebração do contrato junto aos autos;
26. Porque os indícios não se apresentavam suficientes para, com certeza e segurança, qualificar a relação jurídica que ligava o Autor e a Recorrente, tornava-se ainda mais importante e fundamental considerar a vontade das partes, sob pena de se criar uma nova realidade, sem correspondência com a que aquelas quiseram criar;
27. De facto, nos casos de dúvida, o tribunal deve decidir em conformidade com aquilo que foi a manifestação da vontade das partes e com a prova produzida no que respeita aos aspectos relativos à execução do contrato,
28. O que, no caso concreto, não poderia tê-lo levado a concluir senão pela existência de uma relação de trabalho autónomo;
29. Tendo decidido como decidiu, o Tribunal da Relação de Lisboa fez, pois, uma errada subsunção dos factos provados à lei, incorrendo, nessa medida, num manifesto erro de julgamento, o que se invoca, desde já, para todos os efeitos legais;
30. Diga-se que, perante idêntica factualidade à do caso “sub judice”, tem a jurisprudência concluído, maioritariamente, pela inexistência de contrato de trabalho;
31. Também a doutrina, em situações análogas à dos presentes autos, tem admitido a legitimidade da contratação em prestação de serviços;
32. Ora, o Tribunal da Relação, ao reiterar a sentença do Tribunal de l.ª Instância, no que toca à qualificação jurídica do contrato vigente entre o Autor e a Recorrente, incorreu, pelos fundamentos aduzidos, num manifesto erro de julgamento que a Recorrente não pode deixar de invocar para todos os efeitos legais, assim violando o preceituado no artigo 1.º da LCT.»

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por decisão que a absolva, na íntegra, do pedido contra si deduzido na presente acção.

Em contra-alegações, o recorrido veio defender a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que a revista devia ser negada, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

Nulidade do acórdão recorrido, por excesso de pronúncia, nos termos da segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil [conclusões 1) e 3) a 9) da alegação do recurso de revista];
Qualificação jurídica do contrato que vigorou entre as partes [conclusões 17) a 32) da alegação do recurso de revista];
Erro de julgamento quanto à fixação do valor da retribuição mensal do autor [conclusões 2) e 10) a 16) da alegação do recurso de revista].

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. Em primeira linha, a ré alega que o acórdão recorrido padece de nulidade, por excesso de pronúncia, prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, porquanto, na sua óptica, aquele acórdão, ao considerar que a sentença não incorreu em excesso de pronúncia, na parte em que se pronunciou sobre o valor mensal da retribuição do autor, e ao julgar improcedente a arguição de tal nulidade, violaria, de igual modo, a sobredita norma do artigo 668.º do mencionado Código.

De harmonia com o n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, é nula a sentença, «quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» [alínea d)].

Esta norma aplica-se aos acórdãos proferidos pela Relação, por força do disposto no artigo 716.º do mesmo Código, sendo que o aludido complexo normativo se projecta, subsidiariamente, nos processos de natureza laboral, em conformidade com o disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.

A ré retoma, assim, uma questão que já colocara no recurso de apelação, sendo que o aresto recorrido julgou improcedente a referida nulidade, tecendo, a este propósito, as considerações que se passam a transcrever:

«A apelante atribui à sentença a nulidade prevista no art. 668º, nº 1, al. d), do CPC — excesso de pronúncia — na parte em que se pronunciou sobre a retribuição do A., porque o fez com base em elementos de facto não articulados por este. Vejamos se lhe assiste razão.
O A. alegou no art. 13º da petição que “as condições remuneratórias oferecidas ao A., constantes do contrato qualificado como de prestação de serviços, consistiam no pagamento de 3.000$00, ou seja, € 14,96, por cada hora de trabalho…”, que “era precisamente desta base remuneratória que o A. retirava todo o dinheiro necessário para a sua sobrevivência” (art. 14º) não auferindo qualquer outra remuneração paralela, conforme se pode comprovar pelo confronto entre as declarações de pagamento emitidas pela R. e a liquidação de imposto de IRS, conforme documentos 4 a 23 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos…” (art. 15º) e formula os pedidos, quer de pagamento de retribuições que deixou de auferir desde 1/1/2003, quer de pagamento dos subsídios de férias e de Natal, que nunca auferiu, desde 23/1/95 até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidos de juros legais, dizendo sempre dever considerar-se para o efeito a quantia líquida de € 2.633,65 como sendo o valor da retribuição mensal, não discriminando, porém, como chegou a este valor.
A R. no art. 162º da contestação impugnou “…o que o A. alega na parte final da al. b) do seu pedido, quando considera corresponder à retribuição líquida a quantia de € 2.633.65”, mas não impugnou os documentos juntos pelo A., por cópia, sob os nº 4 a 23, sendo certo que os nºs 4 a 10 são por si emitidos.
É certo que a junção de documentos não substitui a articulação dos factos. Os documentos são meios de prova de factos que devem ser alegados.
Em nosso entender a formulação da causa de pedir em matéria de retribuição mostrava-se deficiente (se bem que os factos essenciais tivessem sido articulados) e merecia um convite ao aperfeiçoamento no sentido de esclarecer concretamente a fórmula de cálculo do valor que o A. considerava ser o da retribuição mensal, o que deveria ter sido efectuado ao abrigo do art. 27º, al. b), do CPT.
Todavia, embora isso não tivesse sucedido, o certo é que o que a R. impugnou foi que o valor mensal da retribuição a considerar devesse ser o líquido de € 2.633,65. Não impugnou que a remuneração acordada fora a de 3.000$00 ou € 14,96 por hora de serviço e que foi esse o valor praticado, conforme resulta das declarações de pagamento emitidas por ela própria e das declarações para efeitos de IRS apresentadas pelo A. à DGCI, juntas, por cópia, aos autos.
E se bem que esses dados não tenham sido directamente incluídos na matéria de facto provada, consta indirectamente da al. A) o valor remuneratório acordado, na medida em que se dá por reproduzido o teor integral do contrato celebrado entre as partes, no qual é referido esse valor horário e, tendo o A. remetido (no art. 15º da p. i., que não foi impugnado) para o teor dos documentos os valores efectivamente auferidos, não tendo também tais documentos sido impugnados, podia o juiz, na fundamentação da sentença considerar os factos admitidos por acordo ou provados por documento (art. 659º nº 3 do CPC), ou seja, que os valores em cada ano pagos pela R. ao A. são os que constam dos aludidos documentos. Ao fazê-lo está ainda dentro da causa de pedir invocada nos art. 13º a 15º da p. i.
Ora, não tendo as partes fixado uma retribuição mensal, competia ao julgador, nos termos do art. 90º da LCT fixá-la, tanto mais quanto vem peticionado o pagamento de retribuições e de outras prestações calculadas em função da retribuição. Foi o que o Sr. Juiz fez e, porque o valor a que chegou, a partir dos elementos referidos — alegados pelo A., ainda que de uma forma que tecnicamente não é escorreita, mas ainda assim, aproveitável(-) — se contém dentro dos valores conclusiva e não fundamentadamente indicados pelo A. no petitório, entendemos que não incorreu a sentença nesta parte em excesso de pronúncia, pelo que não procede a arguição de nulidade.»

Ora, tal como se extrai do trecho transcrito, o acórdão recorrido conheceu da invocada nulidade da sentença porque a mesma foi arguida no recurso de apelação, donde não se verifica qualquer nulidade daquele aresto, por excesso de pronúncia.

Assim, a recorrente, ao retomar tal questão, em sede de recurso de revista, está a configurar um suposto erro de julgamento, por parte do acórdão recorrido, na apreciação daquele vício e não, como é evidente, uma nulidade propriamente dita.

Não se configura, pois, o vício de nulidade, por excesso de pronúncia, que a ré imputa ao acórdão recorrido, termos em que improcedem as conclusões 1) e 3) a 9) da alegação do recurso de revista.

2. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:

A) A Ré BB, S. A., dedica-se à actividade de consultoria, estudos e engenharia de transportes;
B) Em 23/01/1995, o Autor AA celebrou com a Ré o acordo escrito intitulado «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS N.° 5/95», cuja cópia se acha a fls. 25 e 26 e cujo teor [é o seguinte:

«CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS N.° 5/95
Entre:
PRIMEIRO OUTORGANTE: BB – Consultoria, Estudos e Projectos de Engenharia de Transportes, S. A., […]………………………………………………...
SEGUNDO OUTORGANTE: AA, engenheiro civil […], é celebrado, ao abrigo do disposto no artigo 1154.º e seguintes do Código Civil, o presente contrato de prestação de serviços, o qual fica sujeito às cláusulas e condições seguintes:……………………………………………………………………
PRIMEIRA
Pelo presente contrato o Segundo Outorgante obriga-se, em regime de prestação de serviços no âmbito da sua especialidade, sem subordinação jurídica ou económica, a prestar a sua colaboração ao Primeiro Outorgante, no projecto de expansão da rede do Metropolitano de Lisboa, actualmente em curso.
SEGUNDA
Como contrapartida dos serviços prestados, o Primeiro Outorgante pagará ao Segundo Outorgante a quantia de Esc.: 3.000$00 (três mil escudos) por hora de serviço prestado, à qual acrescerá IVA à taxa legal.
TERCEIRA
1. O presente contrato é livremente revogável, por qualquer uma das partes, devendo a intenção de revogação ser comunicada, por escrito, com a antecedência mínima de trinta dias.
2. A revogação do contrato, efectuada nos termos do número anterior, não confere a obrigação de pagamento de qualquer indemnização.
QUARTA
O presente contrato produz efeitos a partir desta data.
QUINTA
Para as questões emergentes do presente contrato estipula-se o foro da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro.
Feito em duplicado, ficando cada uma das partes com um exemplar. Lisboa, aos vinte e três dias do mês de Janeiro de mil novecentos e noventa e cinco»];
C) Na sequência da celebração do acordo referido em B), o Autor, que é engenheiro civil, passou a elaborar para a Ré projectos de engenharia, e bem assim a fiscalizar, para a mesma, a execução de trabalhos de construção civil, no âmbito dos trabalhos a que a R. procedia na expansão da rede do Metropolitano de Lisboa;
D) Em 1998, a Ré prestou serviços de Engenharia, Consultoria e Fiscalização no quadro da remodelação/construção de uma lavandaria industrial denominada «Elis», em Famalicão;
E) No âmbito dos trabalhos referidos em D), coube ao Autor a fiscalização dos mesmos;
F) No âmbito dos trabalhos referidos em D), toda a correspondência entre o Autor e o «Empreiteiro» era dirigida àquele para a sede da R;
G) A Ré, no âmbito das propostas apresentadas à sociedade Porto 2001, S. A., em função do evento «Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura», a saber:
A requalificação dos «Caminhos do Romântico»;
A requalificação da «Frente da Ribeira»;
A adaptação do «Claustro do Convento de S. Bento da Vitória» a sala de Ensaio da Orquestra do Porto;
A fiscalização e controlo da «empreitada da Rua da Restauração e da envolvente da Igreja de Nossa Senhora da Conceição»;
A fiscalização e controle da «empreitadas de requalificação urbana da Baixa Portuense»;
A fiscalização e controle da «empreitada geral da antiga Cadeia e Tribunal da Relação do Porto»;
A fiscalização e controle da «empreitada de escavação e contenção periférica dos terrenos da futura Casa da Música», contava com a colaboração do Autor, integrando-o, para o efeito, nas equipas de fiscalização indicad[a]s igualmente em tais propostas;
H) Nas facturas apresentadas pela Ré ao Metropolitano de Lisboa, E. P. constava uma referência expressa ao trabalho do Autor, na fiscalização e coordenação da «empreitada»;
I) No âmbito dos trabalhos efectuados pela Ré para o Metropolitano de Lisboa, referidos em C), seja nas instalações da Ré, seja no «estaleiro», o Autor utilizava materiais pertencentes à Ré, e por esta fornecidos, a saber:
Capacete;
Galochas;
Fatos impermeáveis para a chuva;
Protecções especiais para a visão e audição;
Todo o equipamento de escritório, nomeadamente, fotocopiadora, «fax» e máquina fotográfica digital;
J) A Ré atribuiu ao Autor um endereço electrónico com o seu domínio, e que tomou a designação lala.fonseca@BB.pt;
L) A Ré enviou ao Autor, que a recebeu, a carta datada de 22/11/2002, cuja cópia se acha a fls. e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual, nomeadamente, reportando-se ao acordo escrito referido em B) lhe comunica:
«Nos termos do nº 1 da Cláusula 3.ª do contrato de prestação de serviços n.º 5/95, que celebrámos com V. Exa., de 23 de Janeiro de 1995, vimos através da presente manifestar a nossa intenção de o fazer cessar em 31 de Dezembro próximo, em resultado da reorganização dos meios humanos disponíveis face à presente conjuntura e ao fecho de algumas obras já concretizado ou a ocorrer a curto prazo»;
M) O Autor era estimado e respeitado por todos quantos o conheceram durante os cerca de sete anos em que esteve profissionalmente ligado à Ré e que, tal como ele, exerciam actividade profissional para esta;
N) O Autor sentia-se realizado com a actividade profissional que efectuava na sequência da celebração do acordo descrito em B);
O) A Ré atribuía ao Autor a qualificação profissional de «Técnico Superior B» em, pelo menos, algumas das propostas que apresentava aos seus clientes;
P) Competia ao Autor, no âmbito da execução dos trabalhos de ampliação da rede do Metropolitano de Lisboa:
Supervisionar as diversas actividades que compõem os trabalhos de construção civil;
Controlar qualitativamente a execução da «empreitada», de acordo com o plano de qualidade, os desenhos e especificações elaborados pelos projectistas;
Definir, acompanhar e verificar os resultados dos ensaios a realizar;
Analisar e dar pareceres às alterações [sic] ao projecto propostas pelos empreiteiros;
Analisar os autos de medição mensais propostos pelos empreiteiros (sendo a sua aprovação da competência do «chefe de fiscalização»);
Requerer aos empreiteiros os resultados referidos nos «Cadernos de Encargos»;
Q) O Autor retirava todo o dinheiro necessário para a sua sobrevivência da remuneração que recebia da Ré, nos termos previstos na Cláusula Segunda do acordo referido em B);
R) Não auferindo qualquer outra remuneração, seja da Ré, seja de terceiros;
S) Para além do quadro de funções que se encontrava originalmente definido, que era do conhecimento do Autor e que enquadrava a sua actividade normal e diária, a Ré, através do «Coordenador de Empreendimento» e/ou «Chefe da fiscalização», solicitava-lhe, com uma frequência quase diária, a elaboração de informações, estudos, análises e pareceres sobre os mais variados aspectos da obra em questão;
T) As referidas informações, estudos, análises e pareceres eram solicitadas através de um formulário elaborado pela Ré e denominado “Nota Interna”;
U) A correspondência referida em F) era dirigida ao Autor atendendo às funções de fiscalização pelo mesmo desenvolvidas e que se acham descritas na alínea E);
V) Nas actas redigidas no âmbito dos trabalhos referidos em D) eram o Autor e o Dr. ES quem representava a Ré junto do cliente «Elis»;
X) A Ré, indicando-o como pertencente ao quadro da empresa (fls.1739 dos autos) e posicionando-o como director ou chefe de fiscalização de algumas delas, com os correspondentes poderes de direcção e controle, integrava o Autor nas equipas técnicas que, nos termos das referidas propostas, iriam, por conta, ao serviço daquela e caso os mesmos lhe fossem atribuídos, realizar os trabalhos referidos em G);
Z) O Autor, quase diariamente, elaborava informações, estudos, análises e pareceres sobre os mais variados aspectos da obra em questão a solicitação do «Coordenador de Empreendimento» e/ou «Chefe da Fiscalização»;
AA) Relativamente às informações, estudos, análises e pareceres sobre os mais variados aspectos da obra em questão que a Ré solicitava ao Autor, era, por vezes, pedida urgência na sua realização;
AB) A Ré acompanhava a actividade profissional do Autor bem como o seu nível de presenças, através do preenchimento, por parte do mesmo, do «Relatório semanal de actividades», da elaboração das informações, pareceres, estudos e análises que lhe eram solicitadas e do contacto directo frequente com o «Coordenador de Empreendimento» e/ou «Chefe da Fiscalização», sendo certo que as obras do Metro exigiam, em regra, a sua permanência diária e constante;
AC) O Autor representava a Ré nas reuniões com os «Empreiteiros», em substituição do «Coordenador de Empreendimento» e/ou «Chefe da fiscalização», quando estes não podiam estar presentes nas mesmas, comparecendo em muitas outras, como engenheiro-fiscal da obra e elemento da equipa de fiscalização da Ré;
AD) A Ré, através do «Coordenador de Empreendimento» e/ou «Chefe da fiscalização», para além do que se mostra respondido aos artigos seguintes, analisava as informações, estudos, análises e pareceres apresentado[s] pelo Autor, podendo convidá-lo, quando detectava algum erro ou omissão, a corrigir os mesmos ou, quando discordava da opinião técnica ali expressa, após troca de ideias, com vista a lograr um consenso, a alterar aqueles documentos, prevalecendo, caso a divergência técnica se mantivesse, a opinião do «Coordenador de Empreendimento» e/ou «Chefe da fiscalização»;
AE) A Ré, através do «Coordenador de Empreendimento» e/ou «Chefe da fiscalização», ao solicitar as referidas informações, estudos, análises e pareceres, especificava, com alguma frequência, os aspectos que pretendia ver tratados nas mesmas ou a forma de abordagem da questão;
AF) E, por vezes, exigia, também, maior pormenorização dos mesmos relatórios, nos termos constantes da alínea anterior;
AG) Os «Coordenador de Empreendimento» e/ou «Chefe da fiscalização» a que aludem as alíneas anteriores foram, nomeadamente, a Sr.ª Eng.ª CCe o Sr. Eng. DD, tendo estes, na obra do Metro de Telheiras, acumulado as funções de «Coordenador de Empreendimento» e «Chefe da Fiscalização»;
AH) Normalmente, desde o início da obra, havia um dia certo para as «reuniões de obra» [onde o Autor estava muitas vezes presente, nos termos da alínea AC)], que, de reunião para reunião era confirmado ou acertado por consenso, sendo a Ré, através do «Coordenador de Empreendimento», que marcava tais reuniões quando, por qualquer imprevisto superveniente, não se podia efectuar no dia já designado;
AI) Toda a correspondência entre os «empreiteiros da obra» e a Ré era realizad[a] por intermédio dos «Chefe de Fiscalização», Sr.ª Eng.ª CCe o Sr. Eng.º DD, que, nos termos constantes da alínea AG), também exerciam as funções de «Coordenador de Empreendimento»;
AJ) No quadro das informações, estudos, análises e pareceres solicitados ao Autor, era-lhe dado conhecimento da correspondência que, enviada à Ré pelos Empreiteiros da obra ou terceiros, justificavam a elaboração daqueles documentos ou, após tal elaboração, da correspondência final trocada entre a Ré e os referidos empreiteiros ou terceiros, que importava para a actividade funcional do Autor;
AK) Pelo menos, nas obras do Metropolitano de Lisboa, onde o Autor desempenhou funções, a Ré tinha um local, que era exclusivo dele, onde podia trabalhar e estava dotado dos materiais e equipamento a que alude a alínea I) e que eram necessários [à]quele desempenho;
AL) Uma vez terminada uma «obra» e até ser iniciada uma nova «obra», o Autor desempenhava funções na sede da Ré, sendo-lhe atribuído, para o efeito, um local dotado com os materiais e equipamento de escritório a que alude a alínea I) e que eram necessários [à]quele desempenho;
AM) Cabendo-lhe então levar a cabo, na sede da R., as seguintes funções:
Correcção de telas finais;
Análise dos autos de fecho de empreitada;
Estimativas de preços;
Apresentação de propostas a concurso;
Finalização de «empreitada»;
Auxiliar o Sr. Eng. EE na preparação de «propostas para finalização de empreitada»;
AN) No que toca à secretária e computador, os mesmos eram atribuídos ao Autor nos termos constantes das alíneas AK) e AL), e no que respeita ao número de telefone, o Autor consta das diversas Listas juntas aos autos, com diversos números, sendo alguns deles relativos aos estaleiros das obras e outros à sede da Ré;
AO) O Autor sofreu e sofre enorme, profundo e interno desgosto pelo facto causado pela decisão da Ré que lhe foi comunicada na carta mencionada em L);
AP) O Autor, devido à sua idade e à crise que o país atravessa, tem sentido grandes dificuldades em encontrar trabalho;
AQ) O Autor, no âmbito da actividade profissional desenvolvida para a Ré, possuía autonomia técnica relativamente à organização concreta de muitas das tarefas realizadas e dos meios utilizados para esse efeito, bem como no que toca a muitas das decisões que tomava e das opiniões e informações técnicas que emitia;
AR) A facturação dos serviços prestados pela Ré ao cliente Metropolitano de Lisboa era feita em função das horas efectivamente despendidas pelos técnicos que interviessem na execução do acordo firmado com aquela, por aplicação das respectivas taxas horárias e consequente facturação;
AS) Razão pela qual as horas de trabalho despendidas pelo Autor em «obras» do Metropolitano de Lisboa era[m] discriminadas nas facturas que a Ré apresentava àquela empresa;
AT) E, só para os efeitos referidos nas duas alíneas anteriores, e com referência às relações comerciais que manteve com o Metropolitano de Lisboa, a Ré definiu categorias profissionais, para aplicação de taxas horárias (muito embora tal procedimento da Ré não se restringisse à empresa Metropolitano de Lisboa);
AU) As «folhas de registo semanal» eram preenchidas e rubricadas pelo Autor;
AV) O «coordenador do empreendimento» ou o «chefe de fiscalização» apenas apunha um visto nas «folhas de registo semanal», para efeitos de processamento dos honorários do Autor e facturação ao «Cliente /Dono da Obra»;
AW) O «Coordenador do Empreendimento» ou o «Chefe da Fiscalização» apunham um visto nas «folhas de registo semanal», destinando-se as mesmas, também, ao processamento dos honorários do Autor e facturação do «Cliente/Dono da Obra»;
AX) Em Janeiro de 1998, a Ré celebrou com a SPAST – Sociedade Portuguesa de Aluguer de Serviços Têxteis, S. A., o acordo escrito cuja cópia se acha a fls. 982 a 995 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
AY) O qual visava a remodelação/construção de uma lavandaria industrial em Famalicão;
AZ) O Autor, no âmbito da execução dos trabalhos referidos em tal acordo, que, tecnicamente, não exigiam a constituição de uma equipa de fiscalização, procedeu, por indicação da Ré, à fiscalização dos mesmos;
AAA) Competindo-lhe fiscalizar os trabalhos nos termos do mesmo acordo, garantido assim o seu cumprimento pelo «empreiteiro» do «contrato de empreitada» celebrado com o «Dono da Obra»;
AAB) Razão pela qual a correspondência era dirigida para a sede da Ré, ao cuidado do Autor;
AAC) Das propostas referidas em G), apenas foram «adjudicadas» à Ré a proposta «fiscalização e controlo da empreitada de requalificação da Avenida de Montevideu», com o esclarecimento de que foi adjudicada à Ré uma outra proposta, no âmbito do «Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura», que não se acha referenciada na alínea G);
AAD) E, apesar de o nome do Autor constar das propostas referidas na alínea anterior, este não foi afecto a qualquer delas;
AAE) No âmbito da fiscalização das «empreitadas» integradas no empreendimento do Campo Grande – Telheiras do Metropolitano de Lisboa, a Ré celebrou os acordos escritos denominados «Contrato 32/99-ML», «Contrato 37/2001-ML» e «Contrato 5412002-ML», cujas cópias se acham a fls. 900 a 981 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
AAF) Como responsável da coordenação e fiscalização dos trabalhos integrados na execução dos acordos escritos referidos na alínea anterior, competia à Ré assegurar:
A direcção e coordenação das «empreitadas»;
O controlo de planeamento;
O controlo de quantidades e custos;
O controlo de segurança;
AAG) Para tanto, cabia à Ré:
a) Vigiar os processos de execução e o ritmo de execução dos trabalhos;
b) Aprovar os materiais a aplicar;
c) Realizar vistorias, exames, medições e levantar autos;
d) Responder às reclamações do «empreiteiro»;
e) Informar o «Dono da Obra» sobre o andamento dos trabalhos;
f) Fornecer todos os elementos solicitados por aquele;
g) Resolver, quando fossem da sua competência, ou submeter, com a sua informação, no caso contrário, à decisão do «Dono da Obra» todas as questões que surgissem ou lhe fossem postas pelo «Empreiteiro»;
AAH) No âmbito dos trabalhos abrangidos pelos acordos referidos na alínea AAE), as relações entre o «Dono da Obra» e a equipa de coordenação e fiscalização cabiam exclusivamente ao «Coordenador do Empreendimento», que deveria assegurar a informação necessária ao acompanhamento do desenvolvimento dos objectivos do empreendimento;
AAI) Sendo que o relacionamento entre o «empreiteiro» e a «fiscalização» cabiam exclusivamente ao «Chefe da Fiscalização»;
AAJ) A partir de 15/10/2001, a Sr.ª Eng.ª CC acumulou as funções de «Coordenadora do Empreendimento» e de «Chefe de Fiscalização» das «empreitadas» a que se referem os acordos referidos na alínea AAE);
AAK) O Autor foi integrado na equipa de fiscalização das «empreitadas» a que se referem os acordos referidos na alínea AAE);
AAL) Cabendo-lhe na área da sua especialidade, acompanhar a execução dos trabalhos pelos «Empreiteiros», nomeadamente:
Vigiar e verificar o exacto cumprimento do projecto e suas alterações, do «contrato», do caderno de encargos e do plano de trabalhos em vigor;
Analisar e dar parecer sobre todas as questões relacionadas com as «obras» que fiscalizava;
Informar o Chefe da fiscalização sobre o andamento dos trabalhos integrados na «empreitada», tudo de forma a assegurar o acompanhamento permanente do desenvolvimento da «obra»;
AAM) Quando estavam em causa matérias que revestiam carácter de urgência, o «Chefe de Fiscalização» solicitava ao Autor uma análise e emissão de parecer mais rápidas;
AAN) Apenas com o fim de evitar que a gestão da «obra» fosse prejudicada;
AAO) Sem prejuízo do que consta da alínea AH), se, por algum motivo, a reunião tivesse de ser adiada, desse facto era dado conhecimento a todos os intervenientes;
AAP) A correspondência era dirigida ao «Chefe da Fiscalização» por força do referido em AAI);
AAQ) A correspondência enviada ao «Empreiteiro» era elaborada pelo «Chefe da Fiscalização», tendo por base os pareceres ou as informações fornecidas pelo Autor;
AAR) A correspondência referida na alínea anterior, que importava ao correcto, total, eficaz e actualizado desenvolvimento das funções do Autor, era depois enviada a este último, para conhecimento;
AAS) O local onde o Autor trabalhava variava consoante os trabalhos que estivesse a desenvolver;
AAT) E, por tal razão, foram atribuídas ao Autor diversas linhas de telefone;
AAU) Ao Autor foi atribuído um endereço electrónico quando estava a fiscalizar as «empreitadas» do «Empreendimento Campo Grande – Telheiras», por se tratar de um meio necessário e útil ao bom desenvolvimento do seu trabalho, com o esclarecimento de que, anteriormente, pelas razões de serviço indicadas e devido às dificuldades técnicas sentidas pela Ré relativamente à atribuição desse endereço electrónico, o Autor criou um outro, estranho ao servidor da Ré, quando já se encontrava a «fiscalizar» aquele «Empreendimento»;
AAV) Em data não apurada e devido à reformulação do servidor de correio electrónico, foi atribuído um endereço electrónico com o domínio BB a todos os colaboradores da Ré, independentemente do vínculo que tivessem com esta;
AAW) O Autor nunca gozou férias, nem recebeu subsídios de férias e de Natal, nem quaisquer «prestações complementares»;
AAX) Recebendo remuneração de montante variável, consoante o número de horas de trabalho que prestava à Ré;
AAY) Nada recebendo se nada fizesse para a mesma;
AAZ) O Autor passava à Ré «recibos verdes» do modelo 6;
AAAA) A Ré nunca procedeu a descontos na retribuição em dinheiro que entregava ao Autor para a Segurança Social;
AAAB) Facto que era do conhecimento do Autor;
AAAC) O qual nunca se opôs a tal procedimento;
AAAD) O Autor deslocava-se em viatura própria.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

3. As instâncias consideraram que os elementos de facto apurados quanto à forma como se desenvolveu a relação contratual firmada entre as partes, no período de 23 de Janeiro de 1995 a 31 de Dezembro de 2002, indiciam, suficientemente, a existência de subordinação jurídica do autor à ré e, em conformidade, qualificaram a relação em causa como contrato de trabalho.

A recorrente defende, por seu lado, que os indícios avaliados não permitem, com certeza e segurança, qualificar a relação contratual estabelecida entre as partes, pelo que, na dúvida, deve prevalecer a vontade das partes, o que leva a concluir, no caso, pela existência de um contrato de prestação de serviço.

A questão está, pois, em saber se a relação estruturada pelas partes como contrato de prestação de serviço se desenvolveu nesses precisos termos, ou se, pelo contrário, o circunstancialismo em que ela se processou impõe que lhe seja atribuída uma outra qualificação jurídica, concretamente, trata-se de saber se aquela relação jurídica, face à configuração que realmente assumiu, deve ser qualificada como contrato de trabalho e não como contrato de prestação de serviço.

Estando em causa uma relação jurídica desenvolvida antes da entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), e considerando o disposto no n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, já que aquele Código não se aplica à valoração de factos totalmente passados anteriormente àquele momento.

3.1. Os contratos referidos têm a sua definição na lei.

De harmonia com o preceituado no artigo 1152.º do Código Civil, cuja expressão literal viria a ser reproduzida no artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, «contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta».
Por sua vez, segundo o artigo 1154.º do Código Civil, «contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».

Ora, a prestação de serviço é uma figura próxima do contrato de trabalho, não sendo sempre fácil distingui-los com nitidez; porém, duma maneira geral, tem-se entendido que é na existência ou inexistência da subordinação jurídica que se deve encontrar o critério de distinção.

Assim, o contrato de trabalho caracteriza-se, essencialmente, pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade patronal, sendo que o laço de subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens, enquanto que na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da actividade.

A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho decorre precisamente daquele poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora (n.º 1 do artigo 39.º da LCT) a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º da LCT].

Todavia, como vem sendo repetidamente afirmado, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de, frequentemente, se recorrer a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios.

É o que acontece nos casos em que o trabalho é prestado com grande autonomia técnica e científica do trabalhador, nomeadamente quando se trate de actividades que tradicionalmente são prestadas em regime de profissão liberal.

Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização).

Cada um daqueles indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, por isso, o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 145), a ser formulado com base na totalidade dos elementos de informação disponíveis, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo.

Sublinhe-se que incumbe ao trabalhador, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolve uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário da actividade, demonstrando que se integrou na estrutura empresarial do empregador.

3.2. No caso, está provado que o autor, que é engenheiro civil, e a ré, que se dedica à actividade de consultoria, estudos e engenharia de transportes, firmaram, em 23 de Janeiro 1995, um contrato denominado «Contrato de Prestação de Serviços N.º 5/95», nos termos do qual o autor se obrigou, «em regime de prestação de serviços, no âmbito da sua especialidade, sem subordinação jurídica ou económica, a prestar a sua colaboração [à ré] no projecto de expansão da rede do Metropolitano de Lisboa», então em curso, pagando esta, como contrapartida dos serviços prestados, «a quantia de 3.000$00 por hora de serviço prestado, à qual acrescerá IVA à taxa legal», sendo o contrato «livremente revogável por qualquer uma das partes, devendo a intenção de revogação ser comunicada, por escrito, com a antecedência mínima de trinta dias» e não conferindo aquela revogação, se efectuada nos termos aludidos, «a obrigação de pagamento de qualquer indemnização» [alíneas A) e B) dos factos provados].

Na sequência daquele acordo, o autor «passou a elaborar para a Ré projectos de engenharia, e bem assim a fiscalizar, para a mesma, a execução de trabalhos de construção civil, no âmbito dos trabalhos a que a R. procedia na expansão da rede do Metropolitano de Lisboa», tendo-lhe a ré atribuído, para além disso, a fiscalização dos trabalhos de remodelação/construção de uma lavandaria industrial, denominada «ELIS», em Famalicão [alíneas C) a F), U), V) e AX) a AAB) dos factos provados].

Quanto à execução dos trabalhos de ampliação da rede do Metropolitano de Lisboa, competia ao autor: supervisionar as diversas actividades que compõem os trabalhos de construção civil, controlar qualitativamente a execução da empreitada, de acordo com o plano de qualidade, os desenhos e especificações elaborados pelos projectistas, definir, acompanhar e verificar os resultados dos ensaios a realizar, analisar e emitir parecer sobre as alterações ao projecto propostas pelos empreiteiros, analisar os autos de medição mensais propostos pelos empreiteiros, sendo a atinente aprovação da competência do chefe de fiscalização, requerer aos empreiteiros os resultados referidos nos cadernos de encargos [alínea P) dos factos provados].

Especificamente, cabia ao autor, no âmbito da fiscalização das empreitadas integradas no empreendimento do Campo Grande – Telheiras do Metropolitano de Lisboa (Contratos 32/99-ML, 37/2001-ML e 5412002-ML), acompanhar a execução dos trabalhos realizados pelos empreiteiros, nomeadamente, vigiar e verificar o exacto cumprimento do projecto e suas alterações, do contrato, do caderno de encargos e do plano de trabalhos em vigor, analisar e dar parecer sobre todas as questões relacionadas com as obras que fiscalizava e informar o chefe da fiscalização sobre o andamento dos trabalhos integrados na empreitada, tudo de forma a assegurar o acompanhamento permanente do desenvolvimento da obra [alíneas AAE), AAK) e AAL) dos factos provados].

Provou-se, igualmente, que, terminada uma obra e até ser iniciada uma nova obra, «o Autor desempenhava funções na sede da Ré, sendo-lhe atribuído, para o efeito, um local dotado com os materiais e equipamento de escritório a que alude a alínea I) e que eram necessários àquele desempenho», cabendo-lhe efectuar a «correcção de telas finais, análise dos autos de fecho de empreitada, estimativas de preços, apresentação de propostas a concurso, finalização de empreitada e auxiliar o Sr. Eng. EE na preparação de propostas para finalização de empreitada» [alíneas AL) e AM) dos factos provados].

Mais se apurou que:

«G) A Ré, no âmbito das propostas apresentadas à sociedade Porto 2001, S. A., em função do evento “Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura”, […], contava com a colaboração do Autor, integrando-o, para o efeito, nas equipas de fiscalização indicad[a]s igualmente em tais propostas;
H) Nas facturas apresentadas pela Ré ao Metropolitano de Lisboa, E. P. constava uma referência expressa ao trabalho do Autor, na fiscalização e coordenação da “empreitada”;
I) No âmbito dos trabalhos efectuados pela Ré para o Metropolitano de Lisboa, […], seja nas instalações da Ré, seja no “estaleiro”, o Autor utilizava materiais pertencentes à Ré, e por esta fornecidos, […];
J) A Ré atribuiu ao Autor um endereço electrónico com o seu domínio, e que tomou a designação lala.fonseca@BB.pt;
O) A Ré atribuía ao Autor a qualificação profissional de “Técnico Superior B” em, pelo menos, algumas das propostas que apresentava aos seus clientes;
Q) O Autor retirava todo o dinheiro necessário para a sua sobrevivência da remuneração que recebia da Ré, nos termos previstos na Cláusula Segunda do acordo referido em B);
S) Para além do quadro de funções que se encontrava originalmente definido, que era do conhecimento do Autor e que enquadrava a sua actividade normal e diária, a Ré, através do “Coordenador de Empreendimento e/ou Chefe da fiscalização”, solicitava-lhe, com uma frequência quase diária, a elaboração de informações, estudos, análises e pareceres sobre os mais variados aspectos da obra em questão;
T) As referidas informações, estudos, análises e pareceres eram solicitadas através de um formulário elaborado pela Ré e denominado “Nota Interna”;
X) A Ré, indicando-o como pertencente ao quadro da empresa (fls.1739 dos autos) e posicionando-o como director ou chefe de fiscalização de algumas delas, com os correspondentes poderes de direcção e controle, integrava o Autor nas equipas técnicas que, nos termos das referidas propostas, iriam, por conta, ao serviço daquela e caso os mesmos lhe fossem atribuídos, realizar os trabalhos referidos em G);
Z) O Autor, quase diariamente, elaborava informações, estudos, análises e pareceres sobre os mais variados aspectos da obra em questão a solicitação do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da Fiscalização”;
AA) Relativamente às informações, estudos, análises e pareceres sobre os mais variados aspectos da obra em questão que a Ré solicitava ao Autor, era, por vezes, pedida urgência na sua realização;
AB) A Ré acompanhava a actividade profissional do Autor bem como o seu nível de presenças, através do preenchimento, por parte do mesmo, do “Relatório semanal de actividades”, da elaboração das informações, pareceres, estudos e análises que lhe eram solicitadas e do contacto directo frequente com o “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da Fiscalização”, sendo certo que as obras do Metro exigiam, em regra, a sua permanência diária e constante;
AC) O Autor representava a Ré nas reuniões com os “Empreiteiros”, em substituição do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da fiscalização”, quando estes não podiam estar presentes nas mesmas, comparecendo em muitas outras, como engenheiro-fiscal da obra e elemento da equipa de fiscalização da Ré;
AD) A Ré, através do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da fiscalização”, para além do que se mostra respondido aos artigos seguintes, analisava as informações, estudos, análises e pareceres apresentado[s] pelo Autor, podendo convidá-lo, quando detectava algum erro ou omissão, a corrigir os mesmos ou, quando discordava da opinião técnica ali expressa, após troca de ideias, com vista a lograr um consenso, a alterar aqueles documentos, prevalecendo, caso a divergência técnica se mantivesse, a opinião do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da fiscalização”;
AE) A Ré, através do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da fiscalização”, ao solicitar as referidas informações, estudos, análises e pareceres, especificava, com alguma frequência, os aspectos que pretendia ver tratados nas mesmas ou a forma de abordagem da questão;
AF) E, por vezes, exigia, também, maior pormenorização dos mesmos relatórios, nos termos constantes da alínea anterior;
AH) Normalmente, desde o início da obra, havia um dia certo para as «reuniões de obra» [onde o Autor estava muitas vezes presente, nos termos da alínea AC)], que, de reunião para reunião era confirmado ou acertado por consenso, sendo a Ré, através do «Coordenador de Empreendimento», que marcava tais reuniões quando, por qualquer imprevisto superveniente, não se podia efectuar no dia já designado;
AJ) No quadro das informações, estudos, análises e pareceres solicitados ao Autor, era-lhe dado conhecimento da correspondência que, enviada à Ré pelos Empreiteiros da obra ou terceiros, justificavam a elaboração daqueles documentos ou, após tal elaboração, da correspondência final trocada entre a Ré e os referidos empreiteiros ou terceiros, que importava para a actividade funcional do Autor;
AK) Pelo menos, nas obras do Metropolitano de Lisboa, onde o Autor desempenhou funções, a Ré tinha um local, que era exclusivo dele, onde podia trabalhar e estava dotado dos materiais e equipamento a que alude a alínea I) e que eram necessários [à]quele desempenho;
AN) […] e no que respeita ao número de telefone, o Autor consta das diversas Listas juntas aos autos, com diversos números, sendo alguns deles relativos aos estaleiros das obras e outros à sede da Ré.»

Os factos aludidos no último parágrafo integram o conjunto de indícios que, no caso, poderão ser tidos como reveladores da existência de subordinação jurídica.

Em favor da inexistência de subordinação jurídica, provou-se que o autor, «no âmbito da actividade profissional desenvolvida para a Ré, possuía autonomia técnica relativamente à organização concreta de muitas das tarefas realizadas e dos meios utilizados para esse efeito, bem como no que toca a muitas das decisões que tomava e das opiniões e informações técnicas que emitia», e que «[a] facturação dos serviços prestados pela Ré ao cliente Metropolitano de Lisboa era feita em função das horas efectivamente despendidas pelos técnicos que interviessem na execução do acordo firmado com aquela, por aplicação das respectivas taxas horárias e consequente facturação», «[r]azão pela qual as horas de trabalho despendidas pelo Autor em obras do Metropolitano de Lisboa era[m] discriminadas nas facturas que a Ré apresentava àquela empresa», sendo que, só para tais efeitos, «e com referência às relações comerciais que manteve com o Metropolitano de Lisboa, a Ré definiu categorias profissionais, para aplicação de taxas horárias (muito embora tal procedimento da Ré não se restringisse à empresa Metropolitano de Lisboa) [alíneas AQ) a AT) dos factos provados].

Provou-se, ainda, neste mesmo plano de consideração, que:

«AV) O “coordenador do empreendimento” ou o “chefe de fiscalização” apenas apunha um visto nas “folhas de registo semanal”, para efeitos de processamento dos honorários do Autor e facturação ao “Cliente /Dono da Obra”;
AAH) No âmbito dos trabalhos abrangidos pelos acordos referidos na alínea AAE), as relações entre o “Dono da Obra” e a equipa de coordenação e fiscalização cabiam exclusivamente ao “Coordenador do Empreendimento”, que deveria assegurar a informação necessária ao acompanhamento do desenvolvimento dos objectivos do empreendimento;
AAI) Sendo que o relacionamento entre o “empreiteiro” e a “fiscalização” cabiam exclusivamente ao “Chefe da Fiscalização”;
AAJ) A partir de 15/10/2001, a Sr.ª Eng.ª CC acumulou as funções de “Coordenadora do Empreendimento” e de “Chefe de Fiscalização” das empreitadas a que se referem os acordos referidos na alínea AAE);
AAM) Quando estavam em causa matérias que revestiam carácter de urgência, o “Chefe de Fiscalização” solicitava ao Autor uma análise e emissão de parecer mais rápidas;
AAN) Apenas com o fim de evitar que a gestão da “obra” fosse prejudicada;
AAP) A correspondência era dirigida ao “Chefe da Fiscalização” por força do referido em AAI);
AAQ) A correspondência enviada ao “Empreiteiro” era elaborada pelo “Chefe da Fiscalização”, tendo por base os pareceres ou as informações fornecidas pelo Autor;
AAR) A correspondência referida na alínea anterior, que importava ao correcto, total, eficaz e actualizado desenvolvimento das funções do Autor, era depois enviada a este último, para conhecimento;
AAS) O local onde o Autor trabalhava variava consoante os trabalhos que estivesse a desenvolver;
AAT) E, por tal razão, foram atribuídas ao Autor diversas linhas de telefone;
AAU) Ao Autor foi atribuído um endereço electrónico quando estava a fiscalizar as “empreitadas” do “Empreendimento Campo Grande – Telheiras”, por se tratar de um meio necessário e útil ao bom desenvolvimento do seu trabalho, com o esclarecimento de que, anteriormente, pelas razões de serviço indicadas e devido às dificuldades técnicas sentidas pela Ré relativamente à atribuição desse endereço electrónico, o Autor criou um outro, estranho ao servidor da Ré, quando já se encontrava a “fiscalizar” aquele “Empreendimento”;
AAV) Em data não apurada e devido à reformulação do servidor de correio electrónico, foi atribuído um endereço electrónico com o domínio BB a todos os colaboradores da Ré, independentemente do vínculo que tivessem com esta;
AAW) O Autor nunca gozou férias, nem recebeu subsídios de férias e de Natal, nem quaisquer “prestações complementares”;
AAX) Recebendo remuneração de montante variável, consoante o número de horas de trabalho que prestava à Ré;
AAY) Nada recebendo se nada fizesse para a mesma;
AAZ) O Autor passava à Ré “recibos verdes” do modelo 6;
AAAA) A Ré nunca procedeu a descontos na retribuição em dinheiro que entregava ao Autor para a Segurança Social;
AAAB) Facto que era do conhecimento do Autor;
AAAC) O qual nunca se opôs a tal procedimento;
AAAD) O Autor deslocava-se em viatura própria.»

Ora, conjugando entre si a matéria de facto provada, conclui-se que o autor não logrou provar indícios suficientes da existência de subordinação jurídica.

É certo que, pelo menos, nas obras do Metropolitano de Lisboa, onde o autor desempenhou funções, a ré tinha um local, que era exclusivo dele, onde podia trabalhar e estava dotado dos materiais e equipamento a que alude a alínea I) e que eram necessários àquele desempenho, e que, uma vez terminada uma obra e até ser iniciada uma nova obra, o autor desempenhava funções na sede da ré, sendo-lhe atribuído, para o efeito, um local dotado com os materiais e equipamento de escritório a que alude a alínea I) e que eram necessários àquele desempenho.

Porém, tal como observa a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, «a execução da actividade nas instalações do credor é compatível tanto com o contrato de trabalho como com o contrato de prestação de serviços e daí que o local de trabalho do Autor não seja decisivo para a qualificação do contrato em causa».

Também ficou provado que a ré acompanhava a actividade profissional do autor, bem como o seu nível de presenças, através do preenchimento, por parte do mesmo, do «Relatório Semanal de Actividades», da elaboração das informações, pareceres, estudos e análises que lhe eram solicitadas e do contacto directo frequente com o “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da Fiscalização”, sendo que as obras do Metro exigiam, em regra, a sua permanência diária e constante [alínea AB) dos factos provados].

No entanto, não se demonstrou que, na execução do contrato em apreço, a ré tenha estabelecido um qualquer número de horas de trabalho diário, nem efectuado o controlo da assiduidade do autor, destinando-se as folhas de registo semanal, após visto do coordenador do empreendimento ou do chefe de fiscalização, a documentar o processamento dos honorários do autor e a facturação ao cliente/dono da obra.

Impressiona, igualmente, que a ré, para além do quadro de funções que se encontrava originalmente definido, solicitasse ao autor, através do coordenador de empreendimento e/ou chefe da fiscalização, com uma frequência quase diária, a elaboração de informações, estudos, análises e pareceres sobre os mais variados aspectos da obra, especificando «os aspectos que pretendia ver tratados nas mesmas ou a forma de abordagem da questão», pedindo, por vezes, urgência na sua realização, e que, na sequência da análise desses trabalhos, o convidasse «quando detectava algum erro ou omissão, a corrigir os mesmos ou, quando discordava da opinião técnica ali expressa, após troca de ideias, com vista a lograr um consenso, a alterar aqueles documentos, prevalecendo, caso a divergência técnica se mantivesse, a opinião do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da fiscalização”».

Sucede que, no âmbito de execução de um contrato de prestação de serviço, pode justificar-se a emissão de orientações e instruções relacionadas com a forma e o conteúdo do resultado a alcançar.

O mesmo se diga quanto à participação do autor nas denominadas «reuniões de obra» e nas reuniões com os empreiteiros, sendo que o autor, tal como se afirma no acórdão recorrido, «como prestador de serviços, também podia ser mandatado pela R. para a representar em tais reuniões».

Indício de subordinação é, também, a integração do autor nas equipas de fiscalização das empreitadas do Metropolitano de Lisboa, bem como nas equipas técnicas indicadas nas propostas apresentadas pela ré à sociedade Porto 2001, S. A., no âmbito do evento «Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura», em que aquele é referido como pertencente ao quadro da empresa.

Contudo, estes indícios, só por si, não são concludentes quanto à existência de subordinação jurídica, impondo-se uma valoração conjunta dos factos provados.

Ora, o autor, «no âmbito da actividade profissional desenvolvida para a Ré, possuía autonomia técnica relativamente à organização concreta de muitas das tarefas realizadas e dos meios utilizados para esse efeito, bem como no que toca a muitas das decisões que tomava e das opiniões e informações técnicas que emitia», não se extraindo da matéria de facto apurada que a ré tivesse estipulado um horário de trabalho ou sequer um período normal de trabalho ao autor, nem se configurando a sujeição deste ao poder disciplinar da empregadora.

Acresce que o autor nunca gozou férias, nem recebeu subsídios de férias e de Natal, nem quaisquer prestações complementares, «recebendo remuneração de montante variável, consoante o número de horas de trabalho que prestava à Ré», sendo importante salientar que o autor nada recebia «se nada fizesse para a mesma».

Ora, um tal sistema remuneratório, assente no tempo gasto pelo trabalhador no desempenho das tarefas que lhe fossem cometidas, revela que ao beneficiário do serviço interessava apenas o resultado da actividade e, doutro passo, consentindo que não houvesse lugar a retribuição, «se nada fizesse para a mesma» ré, é totalmente incompatível com a existência de um contrato de trabalho subordinado, cujo regime pressupõe, tal como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Maio de 2008, Processo n.º 3898/07, da 4.ª Secção, «uma necessária remuneração, ainda que seja a “mínima legalmente garantida”, durante todo o período vinculístico».

Daí que se compreenda que, durante a vigência do contrato, o autor passasse à ré «recibos verdes», modelo 6, e que a ré nunca tivesse procedido a descontos para a Segurança Social na retribuição em dinheiro que entregava ao autor.

Assim, seguindo a orientação firmada no acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Setembro de 2008, Processo n.º 321/08 da 4.ª Secção, «entende-se que deve prevalecer a vontade declarada pelas partes, no âmbito da liberdade contratual (artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil), e esta dirigiu-se, inequivocamente, para o modelo de prestação de serviço, pois que, para além do já referido, designadamente quanto à retribuição e ausência de controlo de assiduidade, as partes expressaram a intenção de afastar direitos e obrigações característicos da relação laboral, designadamente quando estipularam que qualquer delas poderia, em qualquer momento, fazer cessar [o] contrat[o], sem qualquer consequência reparatória, contanto que comunicasse tal intenção com a antecedência [mínima] de trinta dias.»

Nesta conformidade, atendendo ao conjunto dos factos provados, impõe-se concluir que o autor não fez prova, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), de que a relação contratual que vigorou entre as partes revestisse a natureza de contrato de trabalho, pelo que improcedem os pedidos por si formulados na presente acção, que tinham justamente por fundamento a existência de uma relação laboral.

Procedem, pois, as conclusões 17) a 32) da alegação do recurso de revista.

4. Em derradeiro termo, a recorrente aduz que o acórdão recorrido ao manter a sentença da 1.ª instância, na parte em que fixou o valor da retribuição mensal do autor, incorreu em flagrante erro de julgamento, porque violadora das normas e princípios que, expressamente, discrimina.

O n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Ora, tendo-se concluído que o autor não logrou provar a existência de uma situação de vinculação à ré por contrato de trabalho, fica prejudicada a apreciação da questão suscitada nas conclusões 2) e 10) a 16) da alegação do recurso de revista.

III

Pelo exposto, decide-se conceder a revista, revogar o acórdão recorrido, na parte em que qualificou a relação jurídica estabelecida entre as partes como contrato de trabalho, e absolver a ré do pedido.

Custas, nas instâncias e neste Supremo Tribunal, a cargo do autor/recorrido, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.


Lisboa, 1 de Outubro de 2008

Pinto Hespanhol ( relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra